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Capacidade funcional e desempenho físico de idosos comunitários: um estudo longitudinal

Capacidade funcional e desempenho físico de idosos comunitários: um estudo longitudinal

Autores:

Érica Midori Ikegami,
Lara Andrade Souza,
Darlene Mara dos Santos Tavares,
Leiner Resende Rodrigues

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.25 no.3 Rio de Janeiro mar. 2020 Epub 06-Mar-2020

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020253.18512018

Introdução

O contingente de idosos tem se tornado expressivo globalmente, de forma que o envelhecimento populacional é apontado como uma das mais consideráveis tendências do século XXI1. O crescimento da população idosa vem avançando paralelamente às mudanças no perfil epidemiológico marcado pelo aumento da incidência e prevalência de doenças crônicas não transmissíveis que ocorrem antes mesmo do início da velhice2.

Segundo os modelos teóricos conceituais, as doenças podem contribuir para o processo de surgimento das incapacidades e limitações funcionais3,4, entretanto, sabe-se que outros fatores em conjunto como os físicos, ambientais, socioeconômicos, genéticos e de hábitos de vida podem afetar as funções do corpo do idoso, tornando-o dependente da família, comunidade e sistema de saúde5.

A crença de que a dependência é inerente ao processo de envelhecimento gera atitudes negativas e intimidam a população idosa inserida em um contexto sociocultural que valoriza a preservação da autonomia e independência6. Dessa forma, a identificação das incapacidades e das limitações funcionais, assim como de seus fatores determinantes se destacam na literatura7-10, pois fornecem informações para a proposição de medidas de prevenção e intervenção para o estado funcional do idoso.

A capacidade funcional geralmente é avaliada através de questionários de relato do idoso ou de seu cuidador/família sobre a realização das atividades de vida diária11 e o desempenho físico relacionado às limitações funcionais é investigado por meio de testes físicos onde o indivíduo executa tarefas específicas, o que confere maior capacidade de resposta a mudanças clínicas relevantes12.

Não foram identificados estudos longitudinais que tivessem verificado a ocorrência de mudanças na capacidade funcional e desempenho físico de idosos comunitários concomitantemente, mas apenas investigações sobre capacidade funcional7,9,13. Segundo Pinheiro et al.14, as informações sobre a saúde funcional de idosos comunitários baseadas em medidas diretas (testes físicos) ainda são escassas.

A produção científica nacional se concentra em estudos predominantemente transversais5,14,15, que são importantes para a prática, mas impedem a realização de uma análise causal16. Dessa forma, o delineamento longitudinal pode suprir essa limitação, além de auxiliar para a redução de danos na população idosa através da elaboração de estratégias mais efetivas15.

Considerando o contexto do envelhecimento populacional e a importância dos estudos longitudinais para o planejamento e a implantação de ações voltadas ao estado funcional da população idosa, o objetivo do estudo foi verificar a ocorrência de mudanças na capacidade funcional e desempenho físico de idosos comunitários e seus fatores determinantes, em um período de dois anos.

Métodos

Foi desenvolvido um estudo com abordagem quantitativa, do tipo inquérito domiciliar, observacional e longitudinal com idosos comunitários residentes em Uberaba, Minas Gerais. A coleta de dados, realizada em 2014 (de janeiro a abril) e 2016 (de março a julho), faz parte de um projeto desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

A população do estudo foi determinada mediante amostra por conglomerado em múltiplo estágio. Os idosos foram selecionados por meio de amostragem sistemática, onde o primeiro estágio teve como base o sorteio arbitrário de 50% dos setores censitários do município, com organização de listagem única dos setores e identificação do bairro a que pertence17. Portanto, considerando 409 setores em 2014, 204 foram selecionados.

O primeiro setor censitário foi sorteado de forma aleatória e os demais conforme o intervalo amostral (IA), que foi obtido por meio da fórmula: IA = número total de setores censitários/número de setores censitários sorteados17. Dos 816 idosos elegíveis ocorreu perda de 87, referentes a setores incompletos, totalizando 729 indivíduos em 2014. Em 2016, para fins de recomposição, o sorteio arbitrário considerou 415 setores, perfazendo 769 idosos, dos quais 613 realizaram a entrevista completa (154 foram excluídos por declínio cognitivo no Mini Exame do Estado Mental, um endereço não encontrado e um idoso repetido). Dos 613, apenas 380 eram os mesmos idosos de 2014.

Foram incluídos no estudo indivíduos com idade maior ou igual a 60 anos, residentes na zona urbana de Uberaba e que participaram da coleta de dados em 2014 e 2016. Foram excluídos os idosos que estavam institucionalizados ou hospitalizados e aqueles que apresentaram declínio cognitivo no Mini Exame do Estado Mental (MEEM), de acordo com critérios de escolaridade18, visando minimizar interferências do autorrelato e dificuldades de compreensão para responder os questionários e realizar os testes físicos.

A coleta de dados contou com a colaboração de entrevistadores do Grupo de Pesquisa em Saúde Coletiva da UFTM, que receberam treinamento e orientações. Após a aplicação do MEEM, os idosos responderam instrumento estruturado elaborado pelo grupo de pesquisa contendo os seguintes dados sociodemográficos/econômicos e clínicos: sexo (masculino, feminino), idade (60|-80 anos, 80 anos ou mais), estado conjugal (nunca se casou ou morou com companheiro(a); mora com esposo(a) ou companheiro(a); viúvo(a); separado(a), divorciado(a) ou desquitado(a)); escolaridade em anos (0; 1|-5; 5|-9; 9|-12, mais do que 12), aposentadoria (sim, não), atividade profissional (sim, não), renda mensal em salários mínimos (não tem; < 1; 1; 1-|3; 3-|5; mais do que 5), medicamentos de uso contínuo e morbidades autorreferidas (número total).

Também foi utilizada a questão “O senhor(a) ficou internado(a) nos últimos 12 meses?” (sim, não)19, para identificar a ocorrência de internação no último ano e aplicada a versão longa do International Physical Activity Questionnaire (IPAQ)20 para investigar a prática de atividade física, sendo o idoso classificado em ativo (≥ 150 minutos/semana) ou inativo (< 150 minutos/semana)21.

A capacidade funcional (variável dependente) para as atividades básicas (ABVD) e instrumentais da vida diária (AIVD) foram avaliadas, respectivamente, pelo Índice de Katz e Escala de Lawton e Brody. O instrumento de ABVD foi adaptado no Brasil por Lino et al.22 e engloba seis áreas de funcionamento relacionadas ao autocuidado que possuem três opções de resposta, conforme o grau de dependência para realização das atividades22, sendo adotado para este estudo o número total de ABVD que o idoso não conseguia realizar (dependente). A escala de AIVD possui análise de confiabilidade e adaptação à realidade brasileira23 e avalia o desempenho em sete atividades, sendo considerado para o estudo o escore total que varia de 7 a 21 pontos, onde as maiores pontuações condizem com melhor capacidade funcional23.

Para avaliação do desempenho físico (variável dependente) utilizou-se a Short Physical Performance Battery (SPPB), com tradução e adaptação no Brasil24 e possui três domínios: equilíbrio, velocidade de marcha e força de membros inferiores. O presente estudo considerou o escore total que vai de 0 a 12 pontos, onde a maior pontuação se refere ao melhor desempenho físico24.

Os dados foram digitados no programa Microsoft Office Excel® em dupla entrada e submetidos à análise no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0. Foram utilizadas estatísticas descritivas, que incluíram frequências absolutas e relativas, medidas de tendência central (média) e de variabilidade (desvio padrão e amplitudes). Adotou-se o teste t para amostras dependentes para verificar a ocorrência de mudanças na capacidade funcional para as ABVD (número total de atividades que não conseguia realizar) e AIVD (escore total); e no desempenho físico (escore total) no período de seguimento.

Na análise bivariada, o teste t para amostras independentes foi usado para verificar a influência de variáveis categóricas de 2014 (sexo, faixa etária, escolaridade, atividade profissional, hospitalização nos últimos 12 meses e prática de atividade física) sobre a capacidade funcional e o desempenho físico em 2016. A influência de variáveis quantitativas de 2014 (número de medicamentos e de morbidades autorreferidas) sobre os desfechos em 2016 foi verificada com o Coeficiente de Correlação de Pearson.

As variáveis independentes (sexo, faixa etária, escolaridade, atividade profissional, hospitalização nos últimos 12 meses, número de medicamentos e de morbidades autorreferidas e prática de atividade física) associadas a capacidade funcional e desempenho físico foram inseridas posteriormente no modelo de regressão linear múltipla. Para todos os testes adotou-se nível de significância de α < 0,05.

Foi realizada análise do poder para a regressão linear múltipla com oito preditores, no aplicativo PASS (Power Analysis and Sample Size), versão 13. Para isso, considerou-se um coeficiente de determinação de R2 = 0,25, nível de significância ou erro do tipo I de α < 0,05 e tamanho amostral de 380 idosos, que permitiu o alcance de um poder estatístico suficiente para as inferências das análises de regressão (99%).

A pesquisa encontra-se aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da UFTM. Após a anuência dos idosos e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o estudo foi conduzido.

Resultados

Dos 380 idosos que participaram das duas coletas, 65,8% (n = 250) eram mulheres e 34,2% (n = 130) eram homens. Nas duas avaliações, predominaram idosos na faixa etária de 60|-80 anos, que moravam com esposo(a) ou companheiro(a), possuíam 1|-5 anos de estudo e eram aposentados, mas exerciam alguma atividade profissional. Apenas a renda individual mensal em salários mínimos apresentou pequena variação de 2014 para 2016, com predomínio de um salário mínimo (43,7%) e de 1-|3 (41,3%), respectivamente.

Em relação à ocorrência de mudanças na capacidade funcional e no desempenho físico no período de seguimento, o teste t pareado para amostras dependentes mostrou que houve diminuição estatisticamente significante nas médias dos escores da Escala de Lawton e Brody (p < 0,001) e do SPPB (p = 0,001) indicando piora da capacidade funcional e do desempenho físico, respectivamente. Ocorreu discreto aumento da média referente ao número total de ABVD que o idoso não conseguia realizar, porém, não foi encontrada diferença estatisticamente significante (p = 0,78) (Tabela 1).

Tabela 1 Mudanças na capacidade funcional (ABVD e AIVD) e desempenho físico em um período de dois anos - Uberaba, Minas Gerais, 2014 e 2016. 

Variável 2014 2016 p
Atividades básicas da vida diária
Média 0,06 0,07 0,78
Desvio Padrão 0,44 0,41
Mínimo 0 0
Máximo 6 5
Atividades instrumentais da vida diária
Média 18,91 18,32 < 0,001
Desvio Padrão 2,80 2,85
Mínimo 7 8
Máximo 21 21
Desempenho físico
Média 8,46 8,01 0,001
Desvio Padrão 2,68 2,80
Mínimo 0 0
Máximo 12 12

Fonte: Das autoras, 2017.

Quanto aos fatores determinantes para a diminuição da capacidade funcional nas AIVD, a análise bivariada mostrou associação estatisticamente significante para idosos com 80 anos ou mais (p < 0,001), que não estudaram (p < 0,001), sem atividade profissional (p < 0,001) e que eram inativos (p < 0,001) em 2014, ou seja, apresentaram médias inferiores nas AIVD em 2016, evoluindo com maior dependência. O Coeficiente de Correlação de Pearson mostrou que idosos que usavam menor número de medicamentos em 2014 apresentaram maiores médias para as AIVD em 2016 ( r= -0,15; p = 0,004).

Quando a análise bivariada considerou a diminuição ocorrida no desempenho físico em 2016 foi possível identificar associação estatisticamente significante para idosos que tinham 80 anos ou mais (p < 0,001) e eram inativos (p < 0,001) em 2014. Idosos que apresentavam menor número de morbidades (r = -0,15; p = 0,003) e menor uso de medicamentos (r = -0,28; p < 0,001) em 2014 apresentaram maior média de desempenho físico em 2016, segundo o Coeficiente de Correlação de Pearson.

Para identificar os fatores determinantes para a diminuição da capacidade funcional nas AIVD e do desempenho físico, as variáveis empregadas previamente na análise bivariada foram incluídas no modelo final de regressão linear múltipla, segundo critério estabelecido de α < 0,05. A Tabela 2 mostra que a diminuição ocorrida na capacidade funcional para as AIVD em 2016 associou-se às seguintes variáveis de 2014: prática de atividade física (β = -0,21; p < 0,001), escolaridade (β = -0,21; p < 0,001), atividade profissional (β = -0,22; p < 0,001) e faixa etária (β = -0,25; p < 0,001).

Tabela 2 Modelo final de regressão linear múltipla para as variáveis de 2014 associadas a capacidade funcional (AIVD) em 2016 - Uberaba, Minas Gerais, 2014 e 2016. 

Variável em 2014 β p
Sexo -0,09 0,15
Faixa Etária -0,25 <0,001
Escolaridade -0,21 <0,001
Atividade profissional -0,22 <0,001
Hospitalização 0,03 0,46
Prática de atividade física -0,21 <0,001
Número de morbidades -0,03 0,63
Número de medicamentos -0,10 0,08

Fonte: Das autoras, 2017.

Segundo a Tabela 3, as variáveis de 2014 que se associaram à diminuição ocorrida no desempenho físico em 2016 foram: atividade profissional (β = -0,16; p = 0,01), sexo (β = -0,19; p = 0,003), número de medicamentos (β = -0,23; p < 0,001), prática de atividade física (β = -0,24; p < 0,001) e faixa etária (β = -0,24; p < 0,001).

Tabela 3 Modelo final de regressão linear múltipla para as variáveis de 2014 associadas ao desempenho físico em 2016 - Uberaba, Minas Gerais, 2014 e 2016. 

Variável em 2014 β p
Sexo -0,19 0,003
Faixa Etária -0,24 <0,001
Escolaridade -0,03 0,47
Atividade profissional -0,16 0,01
Hospitalização -0,02 0,72
Prática de atividade física -0,24 <0,001
Número de morbidades 0,01 0,89
Número de medicamentos -0,23 <0,001

Fonte: Das autoras, 2017.

Discussão

O presente estudo revelou que em um período de dois anos ocorreu diminuição da capacidade funcional nas AIVD e do desempenho físico de idosos comunitários. Além disso, reforçou o caráter multifatorial do processo de incapacidades e limitações funcionais ao identificar a influência de fatores determinantes sociodemográficos, clínicos e de hábito de vida.

Constatou-se diminuição da capacidade funcional para as AIVD no período estudado, porém, não ocorreu alteração significante nas ABVD. O achado corrobora com estudos longitudinais realizados em Belo Horizonte-MG7 e Botucatu-SP13. De forma similar, investigações transversais identificaram maior prevalência de incapacidade para as AIVD15,16. A maior dependência para as AIVD pode ser justificada pela hierarquia existente entre as atividades de vida diária, nas quais as perdas ocorrem primeiramente nas AIVD, que são mais complexas, para posteriormente afetar as ABVD25.

Além disso, o comprometimento das AIVD também pode ter ocorrido, devido à relação que existe entre essas atividades e o nível de escolaridade26, que foi considerado baixo entre os idosos do presente estudo (1|-5 anos). As oportunidades de aprendizado contribuem para o desenvolvimento de habilidades e confiança necessárias para o alcance de um envelhecimento saudável27, com manutenção das AIVD, que quando são comprometidas podem afetar negativamente a autonomia e a vida social do idoso, além da família que passará a prestar cuidados e direcionar recursos financeiros para atender as demandas da pessoa dependente26.

Semelhante às AIVD ocorreu diminuição no desempenho físico. Não foram identificados estudos longitudinais nacionais com idosos comunitários para comparação, contudo, pesquisa desenvolvida em um Núcleo de Assistência Domiciliar Interdisciplinar mostrou que ao longo de um ano, os idosos apresentaram redução no desempenho físico avaliado pelo SPPB28, contrastando com os achados da atual pesquisa.

O acúmulo de diversos danos celulares e moleculares em nível biológico causam depleção gradativa nas reservas fisiológicas e consequentemente, um declínio geral da capacidade intrínseca do idoso29 podendo afetar o desempenho físico. Entretanto, cabe destacar que embora existam muitos idosos que convivem com redução da função, o desenvolvimento dessa condição é específico de cada indivíduo, podendo ocorrer de forma progressiva, distribuído ao longo dos anos ou oscilar intercalando recuperação parcial ou até mesmo total29.

O modelo final de regressão linear múltipla mostrou que a faixa etária, a atividade profissional e a prática de atividade física foram fatores determinantes para ambos os desfechos. A escolaridade relacionou-se apenas com a capacidade funcional para as AIVD, e o sexo e o número de medicamentos, com o desempenho físico.

A relação entre faixa etária e AIVD corrobora com estudo longitudinal realizado com idosos comunitários13 e pesquisas transversais no sul do Brasil15,16. Em relação ao desempenho físico, a literatura mostra que idosos nas faixas etárias mais avançadas apresentam piores resultados nos testes físicos14,30. Embora a idade cronológica não atue como um marcador preciso para as mudanças ocorridas na senescência7, deve-se destacar que a função física decresce com o passar dos anos podendo trazer consequências negativas para o idoso, como prejuízos na mobilidade, isolamento social, diminuição da qualidade de vida e incapacidades que demandam serviços especializados31.

A atividade profissional também apresentou relação com os dois desfechos. Estudo realizado em Belo Horizonte-MG mostrou que idosos que trabalhavam mantiveram 2,5 vezes mais chance de aumentar sua independência nas AIVD7, confirmando a associação do presente estudo. Não foram identificadas pesquisas nacionais que mostraram a influência da atividade profissional sobre o desempenho físico, mas sugere-se que ambos os desfechos possam se beneficiar do exercício profissional, pois segundo D’Orsi et al.32, além de ser uma função executiva complexa que mantem o idoso ativo, também possui um efeito protetor através de mecanismos de suporte social, semelhante ao relacionamento com amigos, ou seja, conviver com outras pessoas permite relações de cooperação e interação.

A prática de atividade física também esteve significativamente associada à diminuição na capacidade funcional para as AIVD e no desempenho físico. Em relação às AIVD, o achado é confirmado em outros estudos realizados com idosos comunitários da Inglaterra33 e Colômbia31. A influência sobre o desempenho físico concorda com estudo longitudinal da Itália, que destaca a importância do desenvolvimento de estratégias de saúde pública voltadas para a manutenção dos níveis de atividade física em idosos ativos e o incentivo da prática entre os inativos34.

A escolaridade relacionou-se com a diminuição na capacidade funcional para as AIVD, como verificado em inquérito epidemiológico16, mas diferiu parcialmente de pesquisa realizada em Bagé-RS, que encontrou associação entre baixo nível educacional e maior chance de desenvolver incapacidade funcional tanto para as AIVD quanto para as ABVD15. Contudo, como já afirmado, acredita-se que a relação entre escolaridade e AIVD seja mais expressiva, pois essas atividades exigem mais de aspectos intelectuais para a sua execução16.

O sexo e o número de medicamentos foram fatores determinantes para a diminuição ocorrida no desempenho físico. A influência do sexo concorda com estudos realizados em comunidades do Nordeste14 e do Sul do Brasil30, onde as mulheres apresentaram maior limitação funcional nos testes de desempenho. A maior expectativa de vida que expõe as mulheres ao risco de desenvolver doenças crônicas incapacitantes27 e a vulnerabilidade à discriminação que reflete no acesso ao trabalho, no atendimento à saúde e a distribuição de renda1 podem contribuir para a diferença entre os sexos, demandando atenção e ações específicas a essa parcela da população.

Concernente à associação entre o número de medicamentos de uso contínuo pelo idoso e a diminuição no desempenho físico, estudos realizados na Espanha com idosos de centros de atenção primária10 e no Brasil, em um grupo de terceira idade35, também confirmaram essa associação, que ainda é pouco explorada na literatura. É importante que os profissionais de saúde possuam conhecimento sobre os padrões de uso, prescrição, interações medicamentosas e implicações clínicas que podem interferir negativamente nos componentes do desempenho como a mobilidade e o equilíbrio35.

Dentre as limitações do presente estudo destaca-se a escassez de estudos longitudinais em âmbito nacional sobre a capacidade funcional e o desempenho físico de idosos comunitários concomitantemente, o que dificulta a comparação dos achados. Outro aspecto que demanda atenção na interpretação, comparação e generalização dos resultados é a existência de variação nos conceitos e instrumentos utilizados nos estudos para identificação das incapacidades e limitações funcionais.

Embora tenham sido identificados estudos longitudinais com tempo de acompanhamento inferior7 ou semelhante ao do presente estudo13, outra limitação é o período de seguimento (dois anos) que foi considerado curto quando comparado ao de outras pesquisas8,33. Independentemente dessa questão, os resultados do presente estudo alertam para a importância da avaliação, acompanhamento e identificação dos fatores determinantes da capacidade funcional e do desempenho físico, visto que em um curto período, os idosos já apresentaram perdas. Espera-se que esses achados contribuam para a promoção de um envelhecimento com independência através do direcionamento de medidas preventivas ao estado funcional do idoso considerando os fatores determinantes identificados e, principalmente, forneçam subsídios para novas investigações.

Conclusão

O presente estudo revelou que nas duas avaliações houve predomínio de idosos do sexo feminino, na faixa etária de 60|-80 anos, que moravam com esposo (a) ou companheiro (a), com 1|-5 anos de estudo, aposentados, que tinham atividade profissional e com renda de 1 salário mínimo em 2014 e de 1-|3 em 2016.

Verificou-se que em um período de dois anos, ocorreu diminuição da capacidade funcional para a realização das AIVD e do desempenho físico dos idosos, sendo identificados como fatores determinantes comuns aos desfechos a faixa etária, atividade profissional e prática de atividade física. A escolaridade foi fator específico somente para a capacidade funcional nas AIVD, e o sexo e o número de medicamentos, para o desempenho físico.

A mudança tanto da capacidade funcional quanto do desempenho físico alerta para a importância não somente da identificação precoce e do acompanhamento dos casos, mas principalmente da proposição de intervenções com base nos fatores identificados, objetivando prevenir o surgimento e a piora de quadros incapacitantes que causam prejuízos biopsicossociais ao idoso, gastos para o sistema de saúde e sobrecarga das famílias e comunidade.

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