versão impressa ISSN 0101-2800
J. Bras. Nefrol. vol.37 no.1 São Paulo jan./mar. 2015
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20150008
O aumento das doenças crônicas degenerativas projetou a doença renal crônica (DRC) como uns dos maiores desafios da saúde pública, sendo esta considerada um problema social e econômico em todo o mundo, associada a inúmeras comorbidades, bem como a altos gastos em saúde pública.1,2 Desta forma, a vigilância é importante para evitar o aumento da endemia, pois a expressão clínica das doenças crônicas geralmente ocorre após longo tempo de exposição aos fatores de risco e da convivência assintomática do indivíduo com a doença não diagnosticada.3
Os pacientes com doença renal crônica vêm apresentando um aumento na sobrevida, devido ao emprego da terapia renal de substituição.4 A terapia renal substitutiva de escolha é um transplante renal bem sucedido, porém, a hemodiálise e a diálise peritoneal apresentam resultados clínicos semelhantes, sendo o tratamento mais utilizado.5 Apesar disto, estudos demonstraram o impacto negativo que a doença e o tratamento desencadeiam nos pacientes sobre o sistema cardiorrespiratório, músculo-esquelético e qualidade de vida (QV),6-10 consequentemente, interferindo na saúde física e mental,1,11 na funcionalidade,12,13 na independência, no bem-estar geral e no convívio social.14 Isto repercute na redução da capacidade funcional e força muscular dos pacientes.11,15-18 Vários estudos mostram que a função muscular respiratória pode estar prejudicada tanto na insuficiência cardíaca (IC),15 nos diabéticos,14,19 na doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)16,17 e também em indivíduos com DRC11,18 que já realizam hemodiálise regularmente.
Estudos vêm demonstrando que pacientes com DRC em hemodiálise apresentam alterações físicas,9,20,21 sendo que o mesmo comportamento é observado em pacientes com DRC submetidos a transplante renal22 e naqueles que ainda não realizam diálise.23 Desta forma, este estudo tem como objetivo comparar a capacidade funcional e a qualidade de vida de pacientes renais crônicos em hemodiálise (G1) e pré-dialíticos (G2).
Esta pesquisa se caracterizou como um estudo transversal descritivo, no qual se verificaram diferenças do perfil dos pacientes com DRC em fase pré-diálise comparados com os submetidos ao tratamento de hemodiálise. O estudo foi projetado de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, segundo a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466/11, e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul sob parecer consubstanciado nº 187.1/2011.
Foram incluídos no estudo pacientes com DRC pré-dialítica e em hemodiálise, ambos os sexos, acima de 18 anos, em condições clínicas estáveis mediante apresentação de autorização médica, permitindo a realização de testes físicos. Foram excluídos do estudo os pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica associada, insuficiência cardíaca congestiva, doenças infectocontagiosas, incapazes de entender e realizar os procedimentos dos testes, os que não assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que não concluíram o protocolo de avaliação ou impossibilidade de contato.
O perfil dos indivíduos foi coletado a partir da entrevista e avaliação direta com os pacientes. Foram coletados dados quanto aos fatores de risco, medidas antropométricas, força muscular respiratória, teste de caminhada em seis minutos (TC6'), teste cardiopulmonar de exercício (TCP), resistência muscular localizada de membros inferiores e qualidade de vida. Os pacientes apresentavam estadiamento da doença entre 2 a 5 e não foi realizada análise das variáveis pelo estágio da doença. Ao iniciar o estudo, os indivíduos selecionados foram submetidos a um protocolo de avaliação, conforme descrito a seguir.
Foi investigada a causa da DRC, fatores de risco para doenças cardiovasculares (sedentarismo, diabetes melitus, tabagismo, etilismo, hipertensão arterial sistêmica -HAS-, idade maior que 60 anos). Foi mensurado o peso (kg), estatura (cm) e índice de massa corporal (IMC = peso/altura2), a circunferência abdominal (CA: cm) e do quadril (CQ: cm).24
Os testes de função muscular inspiratória e expiratória foram realizados com um transdutor de pressão (MVD-500 V.1.1 Microhard System, Globalmed, Porto Alegre, Brasil), determinando a pressão inspiratória máxima (PImáx), bem como a pressão expiratória máxima (PEmáx) realizados de acordo com o estudo de Dall'ago et al.15 e o cálculo do valor previsto foi realizado a partir de Neder et al.25
A avaliação da capacidade funcional submáxima foi realizada por meio do teste de caminhada de seis minutos (TC6'), segundo as recomendações da Sociedade Torácica Americana (ATS),26no qual foi mensurada a maior distância que o indivíduo foi capaz de percorrer num intervalo de tempo fixo de seis minutos e realizado o cálculo da distância percorrida prevista.27
O teste cardiopulmonar de exercício (TECP) ou teste de exercício incremental máximo foi realizado em esteira rolante (Imbrasport, Porto Alegre, Brasil), com protocolo de rampa (velocidade inicial de 1 Km/h e final de 6 Km/h; inclinação inicial de 0% e final de 10%), e os gases expirados foram analisados a cada 20 segundos através de um analisador de gases (Total Metabolic Analysis System, TEEM 100, Aero Sport, Ann Arbor, Michigan). A pressão arterial sistêmica (PAS) foi mensurada a cada 3 minutos com um esfignomanômetro. A frequência cardíaca (FC) foi determinada usando o intervalo R-R a partir de 12 derivações do eletrocardiograma. As variáveis do teste cardiopulmonar foram calculadas como descrito por Dall'ago et al.15 Em resumo, VO2pico foi definido como o mais alto valor alcançado durante o teste por 20 segundos, e a potência circulatória de pico foi calculada como produto do VO2pico e pressão sistólica pico.15 A cinética de recuperação do consumo de oxigênio foi avaliada como o tempo requerido para 50% de decréscimo a partir do VO2pico (T1/2 VO2pico) e calculado usando o modelo matemático dos mínimos quadrados de acordo com Dall'ago et al.15 Todos os pacientes continuaram com a medicação usualmente prescrita pelo médico para realizar o TECP.
Foi avaliada com o uso do teste de sentar e levantar de um minuto (TSL1'), no qual o indivíduo foi orientado a sentar-se em uma cadeira com as costas repousando sobre o encosto da mesma e logo após levantar-se, sem apoiar os braços, estendendo os joelhos e na sequência sentar-se novamente tocando as costas no encosto da cadeira. O paciente deveria realizar o máximo de elevações possíveis em um minuto.
Para a mensuração da QV foi utilizado o questionário Medical Outcomes Study 36-Item short- Form Health Survey (SF-36). Este questionário é um instrumento genérico, utilizado para avaliar de forma ampla e completa o termo qualidade de vida. É formado por 36 itens, englobados em 8 dimensões, sendo elas a capacidade funcional (dez itens), os aspectos físicos (dois itens), os aspectos emocionais (três itens), a dor (dois itens), o estado geral de saúde (cinco itens), a vitalidade (quatro itens), os aspectos sociais (dois itens), a saúde mental (cinco itens) e mais uma questão de avaliação comparativa entre as condições de saúde atual e as de um ano atrás, que é de extrema importância para o conhecimento da doença do paciente. Esse instrumento avalia tanto aspectos negativos (doença) como os aspectos positivos (bem-estar). Apresenta um escore final de 0 a 100, na qual zero corresponde a pior estado geral de saúde e 100 o melhor estado de saúde.28
Os dados foram processados no pacote estatístico SPSS (versão 18.0, Chicago, IL, EUA). A análise descritiva está apresentada como média ± desvio padrão, frequência relativa e absoluta. Para variáveis quantitativas, realizou-se o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov e realizou-se o teste t (Student) ou o teste U (Mann Whitney) para comparação entre as médias. Nas variáveis qualitativas, utilizou-se o teste de Quiquadrado de Pearson e exato de Fischer. Para correlacionar variáveis utilizou-se o teste de Pearson ou o teste de Spearman. Considerou-se significativo p ≤ 0,05.
De um total de 121 pacientes com DRC que realizavam hemodiálise em uma unidade de hemodiálise do interior do estado do Rio Grande do Sul, 27 pacientes participaram do estudo. Dos 121 pacientes, 15 não concluíram a avaliação, 4 estavam acamados, 1 era deficiente visual, 2 estavam internados, 32 não aceitaram participar do estudo e com 40 pacientes não foi possível entrar em contato, participando do estudo 27 pacientes. Dos 60 pacientes com DRC pré-diálise, 8 não concluíram avaliação, 3 estavam acamados, 1 internado, 5 não aceitaram participar do estudo e com 16 pacientes não foi possível entrar em contato. Dessa forma, a amostra total foi de 54 pacientes com DRC, que constituíram dois grupos, o G1: pacientes com DRC, submetidos à hemodiálise e o G2: pacientes com DRC pré-diálise (Tabela 1).
Tabela 1 Caracterização dos pacientes com DRC em hemodiálise (G1) e pré-diálise (G2)
G1 (n = 27) | G2 (n = 27) | Total | p | |
---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 58,15 ± 10,84 | 62,04 ± 16,56 | 60,09 ± 14 | 0,313¥ |
Sexo (masculino/feminino) | 19/8 | 17/10 | 36/18 | 0,564ᶝ |
Peso (Kg) | 72,49 ± 11,72 | 72,01 ± 14,75 | 72,25 ± 13,2 | 0,897¥ |
Estatura (m) | 1,63 ± 0,07 | 1,62 ± 0,09 | 1,62 ± 0,08 | 0,510£ |
IMC (kg.m-2) | 27,16 ± 4,13 | 27,43 ± 4,56 | 27,29 ± 4,31 | 0,924£ |
Obesidade n(%) | ≤ 0,001†* | |||
Baixo peso | 0 (0) | 16 (59,3) | 16 (29,6) | - |
Normal | 8 (29,6) | 5 (18,5) | 13 (24,1) | - |
Sobrepeso | 12 (44,4) | 2 (7,4) | 14 (25,9) | - |
Obeso grau I | 6 (22,2) | 4 (14,8) | 10 (18,5) | - |
Obeso grau II | 1 (3,8) | 0 (0) | 1 (1,9) | - |
CA (cm) | 96 ±17,08 | 98,02 ± 13,58 | 97,03 ± 15,28 | 0,675£ |
CQ (cm) | 97,84 ± 7,62 | 100,76 ± 9,18 | 99,33 ± 8,5 | 0,213¥ |
RC/Q | 0,97 ± 0,15 | 0,97 ± 0,10 | 0,97 ± 0,12 | 0,401£ |
Etiologia da DRC | 0,006†* | |||
Diabética e hipertensiva | 3 (11,2) | 11 (40,80) | 14 (25,7) | - |
Hipertensiva | 2 (7,4) | 6 (22,2) | 8 (14,8) | - |
Desconhecida | 10 (37,0) | 0 (0) | 10 (18,6) | - |
Outros | 12 (44,4) | 10 (37) | 22 (40,9) | |
Tempo de HD (meses) | 34,11 ± 22,90 | - | 34,11 ± 22,90 | - |
FRCv n (%) | ||||
Sedentarismo | 24 (88,9) | 22 (81,5) | 46 (85,2) | 0,704† |
DM | 11 (40,7) | 14 (51,8) | 25 (46,3) | 0,283† |
Tabagismo | 12 (44,4) | 10 (37) | 22 (40,8) | 0,208† |
Uso abusivo de álcool | 1(3,7) | 1 (3,7) | 2 (3,7) | 1,000† |
HAS | 22 (81,5) | 24 (88,9) | 46 (85,2) | 0,704† |
Idade > 60 anos | 13 (48,1) | 16 (49,3) | 29 (53,7) | 0,413ᶝ |
G1: Pacientes com DRC submetidos à hemodiálise; G2: Pacientes com DRC pré diálise. HAS: Hipertensão arterial sistêmica; DM: Diabetes Mellitus; FRCv: Fatores de risco cardiovasculares; CA: Circunferência abdominal; CQ: Circunferência do quadril; RC/Q: Relação cintura quadril; IMC: Índice de massa corporal; HD: Hemodiálise;
ᶝteste de Quiquadrado de Pearson;
†teste exato de Fischer;
¥Teste t de Student;
£Teste U -Mann Whitney;
*p ≤ 0,05, estatisticamente significativo.
As características quanto à idade e sexo foram similares em ambos os grupos. Na análise da média das variáveis antropométricas, peso, estatura, IMC, CA e CQ, também se observaram valores similares, porém, quando realizada a classificação do IMC, houve diferença estatisticamente significativa entre as classes, havendo mais sobrepeso e obesidade no grupo que realiza hemodiálise e baixo peso somente visto nos pacientes que não realizam hemodiálise (59,3%). A etiologia da DRC foi, predominantemente, a diabética e hipertensiva (Tabela 1).
Os doentes renais crônicos possuíam alteração na força muscular respiratória em ambos os grupos, tanto na PImax quanto na PEmax, porém esta redução foi mais representativa na PImax (70,23% do previsto). Comparando ambos os grupos, observouse que os pacientes que realizam hemodiálise já apresentam fraqueza da musculatura respiratória (PImax ≤ 70% previsto),13 assim como a PEmax, sendo esta diferença estatisticamente significativa (p = 0,024) (Tabela 2). Na análise da capacidade funcional, observou-se que não ocorreram diferenças significativas em ambos os grupos, tanto na análise da distância percorrida quanto na análise da resistência muscular localizada dos membros inferiores (TSL1') (Tabela 2).
Tabela 2 Força muscular respiratória, capacidade funcional submáxima e resistência muscular localizada Dos membros inferiores do G1 e do G2
G1 | G2 | Total | p | |
---|---|---|---|---|
PImáx (cmH2O) | 63,81 ± 34,08 | 75,44 ± 32,63 | 69,63 ± 33,57 | 0,158£ |
PImáx % do previsto | 64 ± 34,7 | 76,45 ± 28,09 | 70,23 ± 31,89 | 0,154¥ |
PEmáx (cmH2O) | 68,11 ± 40,40 | 90,41 ± 32,67 | 79,26 ± 38,09 | 0,024£* |
PEmáx % do previsto | 64,47 ± 37,68 | 88,43 ± 24,07 | 76,45 ± 33,57 | 0,015£* |
TC6' - dist. (m) | 418,67 ± 117,3 | 395,63 ± 95,90 | 407,15 ± 106,75 | 0,433¥ |
TC6' % do previsto | 80,81 ± 20,70 | 80,51 ± 20,27 | 80,66 ± 20,29 | 0,957¥ |
SL1' (n° elevadas) | 20,67 ± 5,91 | 18,81 ± 6,34 | 19,74 ± 6,14 | 0,100£ |
G1: Pacientes com DRC submetidos à hemodiálise; G2: Pacientes com DRC pré-diálise. PImax: Pressão inspiratória máxima; PEmax: Pressão expiratória máxima; TC6': Teste de caminhada de 6 minutos; SL1': Teste de sentar e levantar em um minuto;
¥Teste t de Student;
£Teste U -Mann Whitney;
*p ≤ 0,05, estatisticamente significativo.
Não houve correlação entre a PImax com a distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos (r = 0,189/p = 0,171), teste de sentar levantar (r = 0,041/p = 0,768), VO2máx (r = 0,197/p = 0,170) e tempo de hemodiálise (r =- 0,195/p = 0,329). Houve correlação significativa (p < 0,001) entre a distância percorrida no TC6' com o VO2máx (Figura 1).
Figura 1 Correlação entre TC6’ e VO2pico. TC6’: distância do teste de caminhada de seis minutos; VO2pico: Consumo de oxigênio pico.
A Tabela 3 mostra os resultados do teste cardiopulmonar de exercício entre o G1 e o G2. Em ambos os grupos, foram observados valores reduzidos no pico do esforço, na resposta ventilatória submáxima e na cinética da recuperação das trocas gasosas. Entretanto, o valor do VO2pico e a cinética da recuperação das trocas gasosas dos pacientes pré-diálise foi superior, embora sem diferença estatisticamente significativa.
Tabela 3 Teste cardiopulmonar de exercício de pacientes com DRC em hemodiálise (G1) e pré-diálise (G2)
G1 (n = 27) | G2 (n = 27) | p | |
---|---|---|---|
Pico do exercício | |||
FC pico (bpm) | 125,50 ± 31,31 | 135,29 ± 23,41 | 0,216¥ |
PAS pico (mmHg) | 175,43 ± 28,0 | 170,0 ± 23,2 | 0,456¥ |
PAD pico (mmHg) | 86,09 ± 11,57 | 91,85 ± 11,45 | 0,050£* |
VO2 pico (L/min.) | 1,21 ± 0,35 | 1,33 ± 0,48 | 0,307£ |
VO2 pico (ml/Kg/min.) | 16,91 ± 4,82 | 18,43 ± 6,15 | 0,344¥ |
VE (L/min.) | 40,87 ± 11,28 | 45,87 ± 11,19 | 0,127¥ |
R pico | 1,04 ± 0,08 | 0,99 ± 0,09 | 0,066¥ |
Potência circulatória pico, (mmHg.ml O2. Kg-2.min-1) | 105,03 ± 32,57 | 124,60 ± 51,78 | 0,112¥ |
Resposta ventilatória | |||
VE/VO2 pico | 34,96 ± 7,48 | 33,85 ± 8,50 | 0,097¥ |
VCO2 pico (L/min.) | 1,27 ± 0,36 | 3,40 ± 6,21 | 0,378£ |
VE/VCO, 2 pico | 33,78 ± 7,12 | 37,07 ± 8,21 | 0,111£ |
Recuperação das trocas gasosas | |||
T ½ VO2(min) | 104,20 ± 42,22 | 84,55 ± 26,46 | 0,107£ |
Tempo de exercício (min) | 9,09 ± 2,75 | 8,91 ± 2,64 | 0,904£ |
G1: Pacientes com DRC submetidos à hemodiálise; G2: Pacientes com DRC pré-diálise; VO2pico = consumo de oxigênio pico; FC: Frequência cardíaca; PAS: Pressão arterial sistólica; PAD: Pressão arterial diastólica; VE: Ventilação; VCO2pico: Produção de dióxido de carbono de pico; R pico = razão de troca respiratória de pico; VE/VCO2: relação entre ventilação e dióxido de carbono; VE/VO2: relação entre ventilação e consumo de oxigênio; T1/2 = tempo requerido para queda 50% do VO2 a partir do pico;
¥Teste t de Student;
£Teste U - Mann Whitney;
*p ≤ 0,05, estatisticamente significativo.
Os escores de qualidade de vida do questionário SF-36 mostraram, em ambos os grupos, baixa pontuação e não evidenciaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, exceto no aspecto saúde mental para G1 (Tabela 4).
Tabela 4 Qualidade de vida de pacientes com DRC em hemodiálise (G1) e pré-diálise (G2)
Domínio | G1 M ± DP | G2 M ± DP | Total M ± DP | p |
---|---|---|---|---|
Capacidade Funcional | 57,50 ± 24,22 | 46,11 ± 22,46 | 51,70 ± 23,82 | 0,082¥ |
Aspecto Físico | 37,5 ± 33,35 | 43,52 ± 32,96 | 40,57 ± 32,97 | 0,487£ |
Dor | 59,48 ± 24,63 | 59,37 ± 25,81 | 59,42 ± 25,0 | 0,945£ |
Estado Geral de Saúde | 63,52 ± 18,62 | 57,33 ± 22,25 | 60,43 ± 20,56 | 0,302£ |
Vitalidade | 65,56 ± 20,58 | 57,04 ± 22,67 | 61,30 ± 21,87 | 0,135£ |
Aspectos Sociais | 77,74 ± 24,85 | 63,22 ± 32,86 | 68,98 ± 29,43 | 0,272£ |
Aspecto Emocional | 51,85 ± 41,74 | 51,85 ± 39,65 | 51,85 ± 40,32 | 0,993£ |
Saúde Mental | 67,11 ± 20,07 | 53,81 ± 10,42 | 60,46 ± 17,20 | 0,003£* |
G1: Pacientes com DRC submetidos à hemodiálise; G2: Pacientes com DRC pré-diálise. M: Média, DP: Desvio padrão;
¥ Teste tde Student;
£Teste U - Mann Whitney;
* p ≤ 0,05, estatisticamente significativo.
Neste estudo, observou-se que pacientes com DRC submetidos à hemodiálise apresentavam fraqueza da musculatura inspiratória (PImáx ≤ 70% previsto). Independentemente do grupo, todos tiveram redução da capacidade funcional submáxima e máxima, demonstrada pela diminuição da distância percorrida no TC6min e do VO2pico obtido com o uso do teste cardiopulmonar, respectivamente.
Identificou-se diminuição na força muscular respiratória (PImáx e PEmáx) em ambos os grupos, mas com maior impacto no grupo que já está em hemodiálise. Esse resultado corrobora com os estudos de Bohannon et al.29 e Kettner-Melsheimer et al.,30 que confirmaram redução da força muscular de 30% a 40% em pacientes submetidos à diálise, quando comparadas com indivíduos não submetidos à diálise.
A redução da capacidade funcional observada no presente estudo também está descrita, nesta população, por outros estudos.23,31,32 Coelho et al.23 demonstraram que crianças e adolescentes com DRC, em tratamento conservador, podem apresentar alterações importantes da capacidade funcional, musculatura respiratória e estado nutricional. Da mesma forma Jatobá et al.,31 ao avaliar 27 pacientes com DRC, verificaram comprometimento significativo e diretamente proporcional na capacidade muscular ventilatória, com repercussão e prejuízo no desempenho físico funcional pela redução significativa da distância caminhada em relação aos valores preditos e redução de 38,2% da PImáx e 29% da PEmáx em relação aos valores preditos. O estudo de Moreira et al.32 identificou que os pacientes que realizaram o TECP obtiveram capacidade aeróbica correspondente à metade da obtida em indivíduos normais. Apenas 16% dos pacientes teriam capacidade aeróbia equiparada aos indivíduos hígidos sedentários. Ainda reforçam, em seu estudo, que esse baixo desempenho físico explica os baixos índices de reabilitação social, sendo que estes pacientes de hemodiálise teriam melhora da sua QV com um programa de reabilitação física.
Independentemente de realizar ou não hemodiálise, os pacientes deste estudo apresentaram um tempo de teste baixo e um VO2pico inferior a 20 ml/Kg/min, sem diferença estatística entre os grupos. Sietsema et al.33 apontam que valores de VO2 pico maiores de 17,5 ml/min./kg são um preditor forte e importante de sobrevida em pacientes com DRC, demonstrando que a avaliação da capacidade de exercício é essencial no acompanhamento dos indivíduos com DRC. Dentro desta análise, os pacientes que não realizam hemodiálise possuem preditor forte de sobrevida, diferentemente dos que já realizam hemodiálise.
Os pacientes com DRC sob tratamento hemodialítico apresentaram redução da capacidade funcional, o que pode prejudicar o desenvolvimento de atividades básicas, além de lazer, trabalho e convívio social, deteriorando a qualidade de vida. No presente estudo, ambos os grupos apresentaram comprometimento do estado de saúde evidenciado pela pontuação baixa nos escores de qualidade de vida.34 A hemodiálise mostrou-se um tratamento que, isoladamente, não alterou na piora dos resultados da qualidade de vida. Pelo contrário, ela é uma perspectiva de vida para estes pacientes. Este fato ressalta a importância da adoção de alternativas, para que estes pacientes possam melhorar a qualidade de vida desde o momento do diagnóstico de DRC, em que ainda não é necessária a intervenção hemodialítica.
Os domínios que obtiveram os menores valores em ambos os grupos foram a capacidade funcional e o aspecto físico. Observou-se que os pacientes que não estão realizando hemodiálise, pela consciência da progressão da doença, da piora de seu quadro e da possível inserção no programa de hemodiálise (o que poderá alterar toda a rotina de suas vidas) podem explicar o fato de já possuírem uma piora na qualidade de vida e trazer prejuízos à saúde mental. A DRC, mesmo antes da hemodiálise, já é uma doença que acarreta danos à saúde física, muitas vezes em função das comorbidades associadas, da anemia, etc.
Barbosa et al.34 evidenciaram a existência de importante rebaixamento do nível de QV entre pacientes renais crônicos em HD, principalmente no que se refere ao aspecto físico, o que é concordante com os resultados de outros estudos brasileiros35,36 que utilizaram o mesmo instrumento de medida, no qual se observa predomínio de melhores pontuações referentes as dimensões do componente mental (AS, AE e SM) e piores referentes as dimensões do componente físico (especialmente AF) entre pacientes com DRC submetidos à esquema regular de HD. Cabe salientar que no presente estudo, a saúde mental no grupo 1 (hemodiálise) se mostrou mais prejudicada, pois foi efetivamente o único dado de qualidade de vida com significância estatística entre os grupos.
Segundo Mittal et al.,37 a DRC compromete mais intensamente a QV do que outras doenças crônicas como insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica e artrite reumatoide. Cabe ressaltar que os aspectos físicos e a capacidade funcional são resultados da percepção do indivíduo em relação a sua QV e estes estão de acordo com os achados encontrados com a avaliação física obtida através do TC6' e teste cardiopulmonar. Aliado a isto, observou-se a presença dos fatores de risco cardiovasculares nestes pacientes, independente dos grupos. Isto confirma a necessidade de propor a estes pacientes formas de intervenção física e psicológica como tratamento terapêutico que possa reverter ou amenizar este quadro de piora do estado físico e mental em pacientes com DRC. Desta forma, a fisioterapia que atua com diferentes tipos de patologias, tanto no meio hospitalar como ambulatorial, pode contribuir na atuação direta frente a estes aspectos com estes indivíduos melhorando sua performance física.
Por meios desta análise, observou-se que em ambos os grupos houve redução da capacidade funcional e qualidade de vida. Portanto, os pacientes que não necessitam do tratamento da hemodiálise também já evidenciaram um decréscimo de sua condição física e da qualidade de vida. Desta forma, reforçase a necessidade da reabilitação física, no qual a fisioterapia tem um papel fundamental para reverter ou amenizar o quadro físico nestes pacientes.
Cabe destacar que a limitação deste estudo pode ser atribuída à pequena amostra, um único centro, a análise não ter sido realizada pelo estágio da DRC, não ter a descrição de medicamentos usados pelos pacientes que podem interferir diretamente na capacidade funcional e em resultado dos exames como uso de betabloqueadores. Portanto, um estudo prospectivo, acompanhando os mesmos pacientes do tratamento conservador até a HD, nos mostraria efetivamente o impacto da doença ao longo de sua evolução.