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Capacitação de profissionais de saúde em aleitamento materno e sua associação com conhecimentos, habilidades e práticas

Capacitação de profissionais de saúde em aleitamento materno e sua associação com conhecimentos, habilidades e práticas

Autores:

Patricia Carvalho de Jesus,
Maria Inês Couto de Oliveira,
José Rodrigo de Moraes

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.1 Rio de Janeiro jan. 2017

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017221.17292015

Abstract

A cross-sectional study was conducted in the 15 hospitals with over 1000 deliveries/year in Rio de Janeiro, Brazil, to verify the association between training of health professionals in breastfeeding and professional knowledge, skills and practices. Interviews were staged with 215 health professionals, 48.4% working in Baby-Friendly Hospitals, by means of a questionnaire adapted from the revalidation instrument of the initiative. The three dichotomized outcomes were subjected to bivariate and multivariate analysis. Adjusted prevalence ratios were obtained by the Poisson regression model: 48.1% of the professionals had adequate knowledge, 58.9% adequate skills and 74.9% reported adequate practice. Theoretical and practical training ≥ 18 hours considered adequate (by 65.6% of the professionals) showed a significant association with professional knowledge (aPR = 1.575), skills (aPR = 1.530) and practices (aPR = 1.312). Less working experience was associated with less knowledge (aPR = 0.723), but with better practices (aPR = 1.183). Nursing staff reported better practices than physicians (aPR = 0.808) and other categories (aPR = 0.658). The study concludes that training contributes to improved breastfeeding knowledge, skills and practices that are essential for maternal and child care.

Key words Training; Breastfeeding; Knowledge; Professional practice; Baby-friendly hospital initiative

Introdução

O aleitamento materno exclusivo por seis meses e complementado por outros alimentos até os 2 anos ou mais são preconizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS)1, pela sua importância na redução da morbimortalidade infantil por enfermidades comuns da infância, como a diarreia2,3 e a pneumonia4.

A falta de apoio dos serviços de saúde, problemas de saúde do bebê, condições biológicas e psicológicas da mulher e o retorno ao trabalho são fatores que podem dificultar a prática de amamentação e levar à sua interrupção5.

A Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) foi lançada pela OMS e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em 1991 objetivando a sensibilização, a capacitação e a mobilização dos profissionais de saúde das maternidades e hospitais para a instituição de normas, rotinas e condutas favoráveis à prática da amamentação, sintetizadas em “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”6. A IHAC tem sido responsável por mudanças expressivas na prevalência da amamentação e na duração do aleitamento materno exclusivo nos primeiros meses de vida3,6,7,8. Os profissionais de saúde são fundamentais na promoção e apoio ao aleitamento materno, e necessitam ter conhecimentos sobre o manejo da amamentação, bem como habilidades para auxiliarem as mães, por isso o curso da IHAC é teórico-prático9.

O objetivo deste estudo foi analisar a associação entre a capacitação em aleitamento materno e os conhecimentos, as habilidades e as práticas de profissionais de saúde que atuam na assistência a gestantes, mães e bebês em hospitais.

Métodos

Trata-se de estudo transversal, conduzido no segundo semestre de 2009 nos quinze hospitais com mais de 1000 partos/ano no município do Rio de Janeiro, que concentravam 94% dos partos ocorridos no Sistema Único de Saúde (SUS), sendo sete hospitais amigos da criança e oito não credenciados na iniciativa10. A população de estudo foi composta por profissionais de saúde lotados nestes hospitais. Foi utilizado um plano amostral estratificado, sendo cada estrato uma unidade hospitalar, e cada profissional de saúde uma unidade elementar. Os profissionais de saúde foram selecionados utilizando uma amostragem aleatória simples, sem reposição, com base em cadastro fornecido pela direção de cada hospital. Foi adotada a alocação proporcional como método de alocação da amostra, considerando margem de erro máxima prévia de 5,0%. Como houve cerca de 2% de perdas, esta margem de erro foi recalculada a posteriori, elevando-se para 6,8%11. A amostra de profissionais de saúde definida para cada hospital abrangeu profissionais de diferentes categorias profissionais que atuavam há pelo menos seis meses nos setores de pré-natal, parto, alojamento conjunto e unidade neonatal informado por cada hospital (cerca de 4% do quantitativo de profissionais que atuavam nestes setores em cada hospital).

Foram utilizados questionários estruturados, adaptados do questionário de reavaliação da IHAC12 para entrevista aos profissionais de saúde quanto aos conhecimentos, habilidades e práticas relativos aos Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno9, sendo acrescidas perguntas sobre características dos profissionais de saúde.

Este estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Os dados foram colhidos mediante assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, contendo informações sobre a pesquisa, a não obrigatoriedade da participação no estudo, a identificação dos pesquisadores e instituições envolvidas, e a garantia da confidencialidade das informações prestadas e de sua utilização apenas de forma agregada.

Os questionários foram aplicados por três enfermeiras credenciadas pelo Ministério da Saúde como avaliadoras da IHAC, sob a supervisão da coordenadora da pesquisa, também avaliadora da IHAC. As perguntas eram realizadas sem serem enunciadas as possibilidades de resposta, e as entrevistadoras classificavam as respostas segundo as opções contidas no questionário.

Os questionários aplicados foram revistos e digitados, sendo criado um banco de dados pelo programa Epi-Info 2000. Os dados foram analisados através do programa estatístico SPSS 17.0.

A capacitação foi considerada adequada quando o profissional havia cursado um treinamento teórico-prático com carga horária mínima de 18 horas. Apesar da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde terem passado a recomendar cursos de capacitação na IHAC de 20 horas a partir de 2008–200913, incorporando ao curso de 18 horas um conteúdo relativo às habilidades de aconselhamento em amamentação, esta carga horária não foi exigida na presente avaliação, por tratar-se de recomendação recente, ainda não incorporada ao treinamento de vários profissionais de saúde capacitados previamente.

Inicialmente, foi realizada análise descritiva da amostra para caracterização da população do estudo. A capacitação adequada foi considerada a variável de exposição principal. Na análise foram consideradas também as variáveis de exposição: 1. credenciamento do local de trabalho na Iniciativa Hospital Amigo da Criança; 2. sexo do profissional; 3. tempo de trabalho, em duas categorias: de 6 meses a 9 anos, 10 anos ou mais; 4. profissão, em três categorias: médica, enfermagem e outras.

Os desfechos foram o conhecimento, as habilidades e as práticas dos profissionais de saúde. Todos os profissionais de saúde foram questionados sobre conhecimentos em aleitamento materno; suas habilidades, sendo solicitada demonstração de como seria uma pega/posição e ordenha manual da mama adequados; e sua prática em relação à orientação ou demonstração às mães dos tópicos “pega e posição” e “ordenha manual da mama”.

Cada desfecho foi aferido mediante uma série de perguntas. Na avaliação do conhecimento dos profissionais de saúde, este foi considerado adequado quando foram obtidas respostas corretas a quatro perguntas9: 1. “Você considera que a oferta de qualquer alimento antes da primeira mamada interfere na amamentação?”, sendo a resposta afirmativa considerada correta; 2. “Qual a principal causa de dor no mamilo?”, sendo a resposta “má pega” considerada correta; 3. “Qual a causa mais comum para a baixa produção de leite materno?”, sendo as respostas “baixa sucção ou baixa ordenha” consideradas corretas; 4. “Qual a causa mais comum de ingurgitamento mamário?”, sendo as respostas “baixa sucção ou baixa ordenha” consideradas corretas. O não acerto em pelo menos um item foi considerado conhecimento inadequado.

As habilidades dos profissionais de saúde no manejo da amamentação foram avaliadas por meio de duas perguntas, sendo considerado adequado quando o profissional obteve respostas condizentes em duas questões: 1.“Você poderia mostrar como orientaria uma mãe a amamentar?”; 2. “Você poderia mostrar como orientaria uma mãe a fazer a expressão manual do leite?” Por fim, duas perguntas foram utilizadas para aferir as práticas profissionais no manejo da amamentação, sendo considerado adequado quando ocorria resposta afirmativa às duas questões: 1. “Você demonstra ou ensina as mães como fazer com seus bebês em relação ao posicionamento e pega para amamentar?”; 2. “Você demonstra ou ensina as mães como fazer a expressão manual do leite?”.

Os três desfechos, dicotomizados, foram utilizados nas análises bivariadas e multivariadas, sendo obtidas razões de prevalência ajustadas por meio de modelo de regressão de Poisson com variância robusta14. Foram consideradas na análise multivariada apenas as variáveis cuja associação com cada desfecho apresentou p-valor menor ou igual a 20% (p-valor ≤ 0,20). Apesar de no modelo final terem sido apresentadas todas as variáveis explicativas que mostraram associação com p-valor ≤ 0,20 na análise bivariada, apenas as associações que apresentaram p-valor menor ou igual a 5% (p-valor ≤ 0,05) foram consideradas significativas.

Resultados

Foram entrevistados, ao todo, 215 profissionais de saúde nos quinze hospitais com mais de 1000 partos/ano no município do Rio de Janeiro. Trabalhavam em hospitais amigos da criança 104 profissionais (48,4%). A maioria dos profissionais era do sexo feminino (90,2%), sendo 28,8% médicos, 56,7% profissionais da área da enfermagem e 14,5% de outras categorias. Quanto ao tempo de trabalho, 56,7% dos profissionais de saúde entrevistados tinham de 6 meses a 9 anos e 43,3% de 10 a 45 anos de trabalho (Tabela 1).

Tabela 1 Número e proporção de profissionais de saúde segundo o perfil nos 15 hospitais do Sistema Único de Saúde com mais de 1.000 partos/ano no município do Rio de Janeiro, 2009. 

Características dos de saúde profissionais Total
N %
Capacitação
Adequada (≥ 18 horas teórico-práticas) 141 65,6
Inadequada (<18 horas teórico-práticas) 46 21,4
Não capacitado 28 13,0
Trabalha em Hospital Amigo da Criança
Sim 104 48,4
Não 111 51,6
Sexo
Feminino 194 90,2
Masculino 21 9,8
Tempo de trabalho
6 meses – 9 anos 122 56,7
≥ 10 anos 93 43,3
Função
Obstetra 28 13,0
Pediatra 34 15,8
Enfermeiro 53 24,6
Auxiliar ou técnico de enfermagem 69 32,1
Nutricionista 15 7,0
Assistente social 7 3,3
Fonoaudiólogo 4 1)9
Psicólogo 3 1)4
Terapeuta ocupacional / fisioterapeuta 2 0,9

Do total de profissionais entrevistados, 87,0% referiram ter feito alguma capacitação, dos quais a grande maioria pelo treinamento da IHAC9 e 3,7% mediante outros cursos, como o curso de Aconselhamento15 ou o curso da Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação16. Alguns profissionais (13,0%) não tinham recebido qualquer capacitação, 21,4% tinham realizado um treinamento apenas teórico ou com carga horária inferior a 18 horas, e 65,6% dos profissionais tinham uma capacitação adequada (Tabela 1).

Os conhecimentos mais difundidos entre os profissionais de saúde foram os relativos à oferta de outro alimento interferindo na amamentação (95,3%) e à causa principal do ingurgitamento mamário (93,0%), enquanto 75,8% conheciam a principal causa de dor no mamilo e 62,8% a causa mais comum para a baixa produção de leite materno. Menos da metade dos profissionais (48,1%) responderam adequadamente às quatro questões que aferiram o conhecimento (Tabela 2).

Tabela 2 Número e percentual de profissionais que responderam corretamente às questões relativas ao conhecimento profissional nos 15 hospitais do Sistema Único de Saúde com mais de 1.000 partos/ano no município do Rio de Janeiro, 2009. 

Características Conhecimentos
Oferta de outro alimento interfere na amamentação Principal causa de dor no mamilo Causa mais comum de baixa produção de leite materno Causa mais comum do ingurgitamento mamário Total de profissionais com acerto nas 4 questões
Sim Má pega Sucção ou ordenha baixa Sucção ou ordenha baixa
n % n % n % n % n %
Capacitação
Adequado 140 99,3 111 78,7 97 68,8 136 96,5 79/141 56,0
Inadequado / não capacitado 64 86,5 52 70,3 38 51,4 64 86,5 24/73 32,9
Trabalhar em Hospital Amigo da Criança
Sim 102 98,1 79 76,0 70 67,3 101 97,1 56/104 53,8
Não 102 92,7 84 75,7 65 58,6 99 89,2 47/110 42,7
Sexo
Feminino 184 95,3 150 77,3 120 61,9 181 93,3 93/193 48,2
Masculino 20 95,2 13 61,9 15 71,4 19 90,5 10/21 47,6
Tempo de trabalho
6 meses – 9 anos 116 95,9 88 72,1 69 56,6 112 91,8 50/121 41,3
≥ 10 anos 88 94,6 75 80,6 66 71,0 88 94,6 53/93 57,0
Categoria profissional
Médica 58 95,1 43 69,4 47 75,8 59 95,2 33/61 54,1
Enfermagem 118 96,7 98 80,3 72 59,0 112 91,8 57/122 46,7
Outros 28 90,3 22 71,0 16 51,6 29 93,5 13/31 41,9
Total 204 95,3 163 75,8 135 62,8 200 93,0 103/214 48,1

Quanto às habilidades dos profissionais de saúde, 86,0% souberam demonstrar adequadamente o posicionamento do bebê para mamar e a pega da região mamilo areolar e 62,1% demonstraram a ordenha manual da mama adequadamente. Dispunham de habilidades adequadas tanto na pega/posicionamento do bebê quanto em ordenha manual, 58,9% dos profissionais (Tabela 3).

Tabela 3 Número e percentual de profissionais que responderam corretamente às questões relativas às habilidades e práticas profissionais nos 15 hospitais do Sistema Único de Saúde com mais de 1.000 partos/ano no município do Rio de Janeiro, 2009. 

Características Habilidades
Posicionamento e Pega Ordenha manual da mama Total de profissionais com acerto nas 2 questões
Demonstração adequada Demonstração adequada
n % n % n %
Capacitação
Adequado 125 88,7 101 71,6 95/141 67,4
Inadequado / não capacitado 60 81,1 32 43,8 31/73 42,5
Trabalhar em Hospital Amigo da Criança
Sim 89 85,6 73 70,2 67/104 64,4
Não 96 86,5 60 54,5 59/111 53,6
Sexo
Feminino 166 85,6 124 63,9 117/194 60,3
Masculino 19 90,5 9 45,0 9/20 45,0
Tempo de trabalho
6 meses – 9 anos 112 91,8 78 64,5 75/121 62,0
≥ 10 anos 73 78,5 55 59,1 51/93 54,8
Categoria profissional
Médica 53 85,5 31 50,8 29/61 47,5
Enfermagem 106 86,9 84 68,9 79/122 64,8
Outros 26 83,9 18 58,1 18/31 58,1
Total 185 86,0 133 62,1 126/214 58,9
Características Práticas
Posicionamento e Pega Ordenha manual da mama Total de profissionais com acerto nas 2 questões
Demonstra ou ensina às mães Demonstra ou ensina às mães
n % n % n %
Capacitação
Adequado 133 94,3 120 85,1 116/141 82,3
Inadequado / não capacitado 60 81,1 48 64,9 45/74 60,8
Trabalhar em Hospital Amigo da Criança
Sim 96 92,3 87 83,7 84/104 80,8
Não 97 87,4 81 73,0 77/111 69,4
Sexo
Feminino 176 90,7 155 79,9 149/194 76,8
Masculino 17 81,0 13 61,9 12/21 57,1
Tempo de trabalho
6 meses – 9 anos 115 94,3 99 81,1 97/122 79,5
≥ 10 anos 78 83,9 69 74,2 64/93 68,8
Categoria profissional
Médica 55 88,7 43 69,4 40/62 64,5
Enfermagem 114 93,4 107 87,7 104/122 85,2
Outros 24 77,4 18 58,1 17/31 54,8
Total 193 89,8 168 78,1 161/215 74,9

Já em relação à prática profissional, declararam que orientavam as mães quanto ao posicionamento e pega 89,8% dos profissionais de saúde e 78,1% que ensinavam às mães a ordenha manual da mama. Do total de entrevistados, 74,9% relataram uma prática adequada em relação a estas duas orientações (Tabela 3).

Na Tabela 4 pode ser observado que, na análise bivariada, tanto a capacitação adequada, quanto trabalhar em Hospital Amigo da Criança, se mostraram associados a todos os desfechos, enquanto ser profissional de saúde do sexo masculino associou-se a uma menor prevalência de prática adequada de orientação sobre o manejo da amamentação. Trabalhar há menos de dez anos no hospital mostrou-se associado a uma menor prevalência de conhecimento e a uma maior prática. Pertencer à categoria médica associou-se a menor prevalência de habilidades e práticas adequadas relativas ao manejo da amamentação, e pertencer a outras categorias profissionais, que não a de enfermagem, também se associou a menor prevalência de práticas (p ≤ 0,20).

Tabela 4 Razões de Prevalência brutas (RPb) dos conhecimentos, habilidades e práticas adequadas segundo capacitação profissional e características dos profissionais de saúde. Município do Rio de Janeiro, 2009. 

Características Conhecimentos Habilidades Práticas
RPb IC95% p-valor RPb IC95% p-valor RPb IC95% p-valor
Capacitação
Inadequado / não capacitado 1 1 1
Adequado 1,704 (1,19–2,44) 0,004 1,587 (1,19–2,12) 0,002 1,353 (1,11–1,65) 0,003
Trabalhar em Hospital Amigo da Criança
Sim 1 1 1
Não 0,794 (0,60–1,05) 0,106 0,833 (0,67–1,04) 0,110 0,859 (0,74–1,00) 0,055
Sexo
Feminino 1 1 1
Masculino 0,988 (0,62–1,58) 0,961 0,746 (0,45–1,23) 0,249 0,744 (0,51–1,09) 0,126
Tempo de trabalho
≥ 10 anos 1 1 1
6 meses – 9 anos 0,725 (0,55–0,96) 0,023 1,130 (0,90–1,42) 0,299 1,155 (0,98–1,36) 0,084
Categoria profissional
Enfermagem 1 1 1
Médica 1,158 (0,86–1,56) 0,336 0,734 (0,55–0,99) 0,040 0,757 (0,62–0,92) 0,006
Outros 0,898 (0,57–1,42) 0,642 0,897 (0,65–1,24) 0,513 0,643 (0,46–0,89) 0,008

Na análise multivariada, a capacitação adequada mostrou associação estatisticamente significativa com os três desfechos. Os profissionais com tempo de trabalho inferior a 10 anos apresentaram conhecimentos menos adequados, mas relataram uma maior prática de orientação às gestantes e/ou mães sobre o manejo da amamentação. Profissionais de enfermagem relataram uma maior prática de orientação sobre o manejo da amamentação do que profissionais da categoria médica ou outras (Tabela 5).

Tabela 5 Razões de Prevalência ajustadas (RPa) dos conhecimentos, habilidades e práticas adequadas segundo capacitação profissional e características dos profissionais de saúde. Município do Rio de Janeiro, 2009. 

Características Conhecimentos Habilidades Práticas
RPa IC95% p-valor RPa IC95% p-valor RPa IC95% p-valor
Capacitação
Inadequado / não capacitado 1 1 1
Adequado 1,575 (1,09–2,28) 0,016 1,530 (1,13–2,06) 0,005 1,312 (1,08–1,59) 0,006
Trabalhar em Hospital Amigo da Criança
Sim 1 1 1
Não 0,838 (0,63–1,11) 0,223 0,932 (0,74–1,17) 0,541 0,968 (0,83–1,13) 0,672
Sexo
Feminino - - 1
Masculino - - - - - - 0,770 (0,55–1,08) 0,130
Tempo de trabalho
≥ 10 anos 1 - 1
6 meses – 9 anos 0,723 (0,55–0,95) 0,021 - - - 1,183 (1,02–1,38) 0,032
Categoria profissional
Enfermagem 1 1
Médica - 0,758 (0,57–1,01) 0,060 0,808 (0,67–0,97) 0,024
Outros - - - 0,947 (0,69–1,29) 0,734 0,658 (0,49–0,89) 0,007

Discussão

No presente estudo, a capacitação adequada mostrou uma associação direta significativa com o conhecimento, as habilidades e as práticas profissionais em aleitamento materno, fundamentais na assistência às gestantes, mães e bebês. A capacitação de profissionais de saúde tem sido um fator fundamental para a melhoria dos conhecimentos1721, habilidades18,22 e práticas profissionais e hospitalares19,21,23, corroborando o preconizado pelo passo 2 da IHAC: capacitar toda a equipe de cuidados de saúde para a implementação de normas e rotinas favoráveis à amamentação9. A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (Portaria GM/MS nº1996, 20 de agosto de 2007) também corrobora a necessidade de transformar as práticas institucionais através da formação e do desenvolvimento dos profissionais de saúde, compreendendo o espaço de trabalho como um espaço de aprendizado e aprimoramento constantes.

Ser um profissional atuante em Hospital Amigo da Criança não mostrou associação significativa com o conhecimento, as habilidades e as práticas profissionais após o ajuste pelas demais variáveis. No Rio de Janeiro, as equipes de todos as maternidades do SUS estão sendo capacitadas na IHAC e, apesar de nem todos os hospitais cumprirem o conjunto dos passos estipulados, mesmo os não credenciados cumprem entre 3 e 9 passos10. Este envolvimento de todos os hospitais do SUS com a IHAC pode ser uma possível fonte de explicação para a ausência de associação encontrada na análise multivariada entre o credenciamento na IHAC e os desfechos investigados.

Um maior tempo de trabalho foi um fator que contribuiu para o conhecimento em aleitamento materno, mas se associou a um menor relato de prática profissional de orientação à clientela sobre o seu manejo. Não foram encontrados estudos que investigassem a associação entre tempo de trabalho e conhecimentos e práticas profissionais, para fins de comparação com os resultados do presente estudo. Um maior tempo de trabalho pode representar uma possibilidade maior de exposição não só a capacitações, mas à troca de conhecimentos durante o cotidiano profissional. É cabível também supor que profissionais com maior tempo de trabalho apresentem práticas mais deficientes de orientação, quer pelo acúmulo de funções que vão assumindo, quer pela rotina de trabalho que pode ser desgastante e desestimular práticas que envolvam relações interpessoais15. Outra explicação plausível seria o viés de informação, profissionais mais novos podem se sentir menos seguros no local de trabalho e mais propensos a relatar uma prática de orientação às gestantes e mães do que profissionais mais antigos.

A categoria profissional apresentou associação significativa com as práticas na análise multivariada, favorecendo enfermeiros. Vários estudos de intervenção que investigaram o efeito da capacitação de profissionais de saúde em aleitamento materno a nível hospitalar se concentraram na área de enfermagem17,19,20,23, ou apenas alcançaram capacitar esta categoria profissional, por falta de adesão da categoria médica24. Estes achados sugerem que a categoria de enfermagem é mais sensível e disponível à participação em capacitações sobre aleitamento materno, podendo também o ser para orientar mulheres gestantes e mães no manejo da amamentação25.

No entanto, deve-se salientar a importância da capacitação e do envolvimento de todas as categorias profissionais na orientação às gestantes e mães sobre os benefícios e o manejo do aleitamento materno para que a equipe tenha um discurso homogêneo, pois orientações discordantes são menos efetivas em estender a duração da amamentação, por trazerem insegurança à clientela26. Taddei et al.27 sinalizaram que as mudanças significativas nas práticas hospitalares foram mais fortemente relacionadas ao comportamento dos profissionais do que às mudanças estruturais. Para que as mudanças nas práticas hospitalares tragam benefícios claros à clientela, uma equipe multidisciplinar deve ser considerada e valorizada, inclusive com a inclusão de staff administrativo, uma vez que essa categoria profissional está diretamente implicada com as políticas da instituição28.

Apesar de fundamentais, os passos 2 (capacitação) e 3 (orientação no pré-natal) da IHAC foram os de menor adesão em reavaliação nacional do cumprimento dos Dez Passos em 167 hospitais amigos da criança brasileiros credenciados entre 1992 e 200029. No município do Rio de Janeiro, Oliveira et al.10 encontraram que o passo 2 estava sendo cumprido em 2009 por 71,4% dos hospitais reavaliados quanto à IHAC, e por apenas 12,5% dos não credenciados, revelando a lacuna ainda existente na capacitação adequada do staff destes estabelecimentos.

O presente estudo possui algumas limitações que devem ser destacadas. A adequação da capacitação e a prática profissional foram avaliadas por meio de informações prestadas pelos próprios profissionais durante a entrevista, o que pode implicar em viés de informação. O questionário não contemplou variáveis explicativas presentes em outras investigações, como a idade e a situação conjugal do profissional de saúde30, por não fazerem parte do escopo da pesquisa.

A Iniciativa Hospital Amigo da Criança, que tem tido um importante papel no aumento da prevalência da amamentação e do aleitamento materno exclusivo, está se expandindo no município do Rio de Janeiro, motivando os profissionais de saúde a atuarem na promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno de forma ativa. O aumento na prática do aleitamento materno observado em diversas pesquisas é fruto da intensificação de ações de promoção da amamentação no país e na cidade nas últimas décadas31.

A partir do presente estudo conclui-se que uma capacitação adequada em aleitamento materno contribui para os conhecimentos, as habilidades e as práticas profissionais, fundamentais à assistência a gestantes, mães e recém-natos.

Com vistas ao aprimoramento das práticas assistenciais de promoção, proteção e apoio à amamentação, recomenda-se a capacitação profissional continuada, dentro dos princípios da Educação Permanente em Saúde, não apenas voltada aos profissionais de saúde da área hospitalar, mas também aos que atuam na assistência primária. Recomenda-se também o monitoramento destas práticas, para que os patamares de qualidade alcançados ao longo do processo de credenciamento de estabelecimentos hospitalares na Iniciativa Hospital Amigo da Criança9 e de estabelecimentos de atenção primária na Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação16 não se deteriorem com o tempo. Neste sentido, vale ressaltar a recente proposta da OMS/UNICEF de automonitoramento anual, que permite um papel ativo das equipes hospitalares na manutenção das práticas preconizadas pela IHAC32.

Por fim, é preciso que pesquisas futuras investiguem variáveis ainda não exploradas em análises ajustadas, como o número de filhos dos profissionais de saúde, a amamentação pregressa, o grau de instrução, o turno de trabalho e o setor de atuação no hospital. Estudos que avaliem aspectos que podem influenciar uma capacitação adequada, sua periodicidade ideal e os fatores que favorecem e dificultam a adesão profissional a estas capacitações também são bem-vindos, tendo em vista a melhoria da qualidade da assistência ao público materno-infantil.

REFERÊNCIAS

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