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Capacitação e intervenções de técnicos de farmácia na dispensação de medicamentos em Atenção Primária à Saúde

Capacitação e intervenções de técnicos de farmácia na dispensação de medicamentos em Atenção Primária à Saúde

Autores:

Daniela Oliveira de Melo,
Caroline Godoi Rezende da Costa Molino,
Eliane Ribeiro,
Nicolina Silvana Romano-Lieber

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.1 Rio de Janeiro jan. 2017

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017221.16122015

Introdução

A dispensação de medicamentos é considerada um ato farmacêutico nas políticas públicas de saúde e classificada como um dos macrocomponentes da atenção farmacêutica na proposta do Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica1,2. A mudança no escopo da prática farmacêutica tem levado à necessidade de formar equipes de técnicos de farmácia bem capacitados no apoio aos farmacêuticos clínicos, visto que a falta de tempo desse profissional é apontada frequentemente como uma das principais barreiras para um melhor desenvolvimento de suas atividades, tanto no Brasil como em outros países3–6.

Há diferenças nos processos de formação, credenciamento e atuação do técnico de farmácia entre os países7. No Reino Unido, os técnicos de farmácia podem atuar como aprendizes do farmacêutico clínico, tendo uma participação mais efetiva na revisão da medicação, de acordo com seu grau de formação e com plano de carreira estabelecido no sistema de saúde7,8. Nos Estados Unidos, são definidos como profissionais que atuam apenas no suporte em atividades que não exijam o julgamento do farmacêutico. No entanto, em ambos os países como também na Austrália e Holanda, há diferentes níveis de atuação do técnico de farmácia de acordo com sua formação e, junto com a tecnologia robótica, fornecem suporte de forma a permitir que farmacêuticos desempenhem um papel mais ampliado na atenção ao paciente7,8. Em ambientes comunitários, tem havido expansão de suas responsabilidades à medida que os técnicos estão entrando em contato com prescritores para esclarecimento de questões relacionadas à prescrição de medicamentos, bem como participando de atividades de garantia de qualidade ou de gerenciamento, realizando funções de faturamento e contabilidade, além de participar da criação, implementação e acompanhamento de políticas e procedimentos8,9.

Embora a contratação de profissionais com a certificação de curso técnico de farmácia possa contribuir para a seleção de profissionais com melhor capacidade técnica, é importante que mesmo estes sejam capacitados, sobretudo para o desenvolvimento de habilidades de comunicação com o paciente e com os demais membros da equipe multiprofissional10,11. Considerando a importância do processo de dispensação nas unidades de atenção primária à saúde, este trabalho tem como objetivo descrever uma experiência de capacitação de técnicos de farmácia para dispensação de medicamentos, sob supervisão de farmacêutico, para tratamento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) em uma unidade básica de saúde, apresentando os resultados das intervenções realizadas a partir da capacitação.

Materiais e Métodos

Estudo descritivo, transversal, realizado em uma AMA/UBS do Município de São Paulo. Trata-se de uma unidade de saúde da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, que contempla Assistência Médica Ambulatorial (AMA), Unidade Básica de Saúde (UBS) e Estratégia Saúde da Família (ESF), sendo referência para 42.479 habitantes na sua área de abrangência. A AMA é um serviço de pronto atendimento que absorve a demanda de baixa e média complexidade, ligada a unidades de atenção primária com o objetivo de evitar sobrecarga nos serviços de prontos-so-corros municipais e dos hospitais12.

A farmácia da AMA/UBS estudada atende prescrições da unidade e externas (de outras unidades de saúde pública ou do sistema privado), com média de 336 dispensações diárias, em 2011. A unidade recebeu seu primeiro farmacêutico em maio de 2007, quando se deu início à estruturação e organização do serviço de farmácia. A contratação da equipe de quatro técnicos de farmácia ocorreu gradualmente, de 2007 a 2010.

Com a equipe formada e o serviço de farmácia já estruturado, intensificou-se o programa de capacitação dos técnicos para que, além de atividades administrativas e gerenciais, assumissem também papel relevante na orientação aos pacientes no momento da dispensação e triagem de casos para os quais seria necessário atendimento farmacêutico. Cabe a ressalva de que antes do treinamento para essas intervenções, os técnicos haviam sido sensibilizados para a questão da necessidade de orientar os pacientes e dar um atendimento humanizado, ainda que as condições estruturais não fossem as ideais. Essa sensibilização ocorreu tanto com palestras e dinâmicas realizadas pelo farmacêutico (temas: comunicação verbal e não verbal; humanização; atenção farmacêutica; atenção primária) como também e, principalmente, por meio da execução dos grupos de educação em saúde junto com o farmacêutico (que proporcionaram trocas de experiências com os pacientes) e informes mensais sobre o progresso dos pacientes acompanhados.

Tendo em vista que durante as atividades dos grupos já haviam sido identificados problemas como: a) a falta de adesão à terapia farmacológica entre pacientes com doenças crônicas (falta de retorno ou atraso na retirada mensal dos medicamentos); b) prescrição com doses acima da máxima de anti-hipertensivos e hipoglicemiantes (de acordo com Formulário Terapêutico Nacional e/ou banco de dados Micromedex®); e c) duplicidade terapêutica (ou seja, uso de dois medicamentos da mesma classe farmacológica). Esses foram os principais alvos da capacitação e atuação dos técnicos. Para estas situações, foram elaborados memorandos dirigidos aos médicos da unidade e impressos padronizados, para alertar prescritores externos e solicitar confirmação da prescrição. Esses impressos padrão eram anexados à prescrição médica externa, antes de se realizar a dispensação. Caso o prescritor mantivesse a conduta e confirmasse a prescrição, a dispensação era realizada.

Os técnicos de farmácia foram gradualmente capacitados (medicamento a medicamento – um ou dois fármacos por mês, com a elaboração de uma tabela para consulta rápida em relação a dose acima da máxima), entre julho e dezembro de 2010. Foram realizados 15 encontros, com duração média de trinta minutos. Depois de uma breve aula, ministrada pelo farmacêutico sobre o fármaco (mecanismo de ação, classe farmacológica, principais eventos adversos descritos na literatura, esquema posológico e orientações importantes na dispensação), os técnicos eram incentivados a comentar o que haviam percebido como potenciais problemas no uso daquele medicamento, durante sua atuação prévia na farmácia da unidade. Também eram discutidas alternativas para sensibilizar os prescritores para o problema e formas para melhor abordagem do paciente.

Devido ao grande fluxo de pacientes na unidade, as capacitações eram realizadas, geralmente, em duas etapas, com metade da equipe, para que não houvesse prejuízo do atendimento. Além disso, eram priorizados dias e períodos de menor movimento.

Para casos que envolviam suspeita de reações adversas, necessidade de reconciliação medicamentosa, ou que demandassem maior conhecimento técnico ou, ainda, quando o paciente, mesmo sendo orientado, ainda tinha dúvidas ou não havia aderido ao tratamento, o técnico encaminhava o paciente ao farmacêutico ou, na sua ausência, ao médico da unidade.

A identificação dos problemas foi realizada por meio da observação da prescrição, da data de retorno para dispensação dos medicamentos ou do questionamento direto ao paciente. Quando os técnicos identificavam situações de uso inadequado dos medicamentos, principalmente pela não compreensão do paciente sobre o regime posológico prescrito devido a: 1) grande número de medicamentos; 2) dificuldades com a leitura da prescrição médica; ou 3) limitação da acuidade visual, a orientação era realizada empregando-se sistema de identificação visual com cores e pictogramas, previamente elaborado e padronizado para uso na unidade, como forma de facilitar e proporcionar maior segurança ao uso de medicamentos pelo paciente.

Durante o ano de 2011, com a equipe de técnicos capacitada e o processo de trabalho definido, os problemas identificados em prescrições de medicamentos para o tratamento de DCNT, as intervenções realizadas e os encaminhamentos dados aos pacientes foram registrados em planilha Excel®, no momento da dispensação.

As variáveis coletadas foram: identificação do paciente, idade, prescritor (da unidade ou externo), PRM identificado: a) Uso do medicamento em quantidade inferior à prescrita; b) Uso do medicamento em quantidade superior à prescrita; c) Não adere ao tratamento farmacológico; d) Confunde-se no uso os medicamentos; e) Prescrições em conflito; f) Dose acima da máxima preconizada; g) Duplicidade terapêutica; intervenção e resultado da intervenção. Os resultados foram analisados utilizando-se estatística descritiva (frequência).

No município de São Paulo, as receitas de medicamentos para o tratamento de condições crônicas que expressem o termo “uso contínuo”, têm validade por 180 dias, devendo o paciente realizar retiradas mensais dos medicamentos na farmácia da UBS. Desse modo, uma vez que é dispensada apenas quantidade suficiente de medicamentos para 30 dias, convencionou-se, para aquele serviço, que se a data de retorno fosse superior a esse período, o paciente não estava aderindo ao tratamento farmacológico prescrito1. A adesão foi mensurada por meio da observação da data de retorno para retirada mensal dos medicamentos e questionamento do paciente sobre o esquema posológico adotado.

O termo Prescrições em Conflito foi empregado para situações nas quais o paciente apresentou mais de uma prescrição com fármacos semelhantes em esquemas posológicos diferentes, ou fármacos da mesma classe terapêutica prescritos por médicos diferentes, por exemplo. Ou seja, casos em que paciente, em geral, não sabia qual prescrição seguir ou tentava retirar os medicamentos de ambas as prescrições, quando eram constatadas duplicidade terapêutica ou prescrições do mesmo fármaco em doses diferentes.

Neste trabalho foi considerado técnico de farmácia o profissional com curso técnico completo ou experiência de pelo menos dois anos em dispensação de medicamentos, visto que foram as exigências aplicadas no processo de seleção do cargo. Uma vez que os dados para pesquisa foram obtidos de prescrições e registros administrativos, o trabalho foi liberado da obrigatoriedade de aprovação pelo Comitê de Ética, embora tenham sido seguidas as recomendações da Resolução do CNS nº 466/2012.

Resultados

O fluxo de trabalho estabelecido após ampla discussão durante o período de treinamento para que os técnicos identificassem os problemas relacionados à prescrição ou ao uso de medicamentos para tratamento de DCNT está descrito na Figura 1.

Figura 1 Fluxo de trabalho estabelecido, após o período de treinamento, para que os técnicos identificassem os problemas relacionados à prescrição ou ao uso de medicamentos para tratamento de doenças crônicas não transmissíveis em unidade de atenção primária. 

Entre janeiro e dezembro de 2011, foram atendidas 23.279 prescrições que continham medicamentos para o tratamento de DCNT. A equipe era formada por um farmacêutico e quatro técnicos – cada um realizava, em média, 80 atendimentos diários. Durante a dispensação, os técnicos de farmácia identificaram 3.944 problemas, conforme descrito na Tabela 1.

Tabela 1 Problemas identificados, no momento da dispensação de medicamentos para tratamento de DCNT, pelos técnicos de farmácia da AMA/UBS Vila Nova, Jaguaré, durante o ano de 2011. 

PRM N (%)
Uso do medicamento em quantidade inferior à prescrita 1.006 (26%)
Uso do medicamento em quantidade superior à prescrita 487 (12%)
Não adere ao tratamento farmacológico 978 (25%)
Confunde-se no uso os medicamentos 819 (21%)
Prescrições em conflito 325 (8%)
Dose acima da máxima preconizada 281 (7%)
Duplicidade terapêutica 48 (1%)
TOTAL 3.944 (100%)

A Figura 2 resume o processo de orientação ou encaminhamento dado ao paciente, de acordo com o problema identificado.

Figura 2 Fluxo de trabalho estabelecido, após o período de treinamento, para que os técnicos realizassem intervenções ou encaminhassem os pacientes para quais tivessem sido identificados problemas relacionados à prescrição ou ao uso de medicamentos para tratamento de doenças crônicas não transmissíveis em unidade de atenção primária. 

Nos casos em que foi identificada falta de adesão ao tratamento farmacológico, os técnicos faziam a orientação inicial, porém quando suspeitavam de experiências prévias negativas com medicamento ou dificuldade de compreensão da orientação ou das consequências da falta de controle da DCNT, encaminhavam o paciente para atendimento farmacêutico (305; 31%) ou para grupos de educação em saúde disponíveis na unidade (593; 61%). Para alguns casos, quando o paciente estava inserido em áreas cobertas pela ESF, o técnico solicitou agendamento de consulta médica (80; 8%) diretamente à equipe.

Para a maioria dos pacientes que utilizava medicamento em quantidade inferior ou superior à prescrita, a orientação do técnico parece ter sido bem recebida pelo paciente, sendo aceitas 923 (92%) e 465 (95%) orientações, respectivamente. Entre os 819 pacientes que se confundiram no uso dos medicamentos, 712 (87%) aceitaram receber orientação padronizada com cores e pictogramas e 581 (82%) destes retornaram para retirar seus medicamentos nos meses seguintes e a cumprir o regime posológico conforme prescrição médica, segundo o relato do paciente. A maioria (494; 69%) desses pacientes era de idosos, ou seja, tinham idade superior a 60 anos. O número médio de medicamentos em uso foi 5 ± 2, nem sempre descritos em uma única prescrição. Não foi realizada distinção entre prescrições da unidade e externas para esse cálculo por tratar-se de intervenção que envolveu apenas o paciente. Os 131(18%) casos para os quais a orientação do técnico não possibilitou a compreensão do esquema posológico ou em que se observou outras dificuldades, foram encaminhados para consulta farmacêutica.

Das 281 prescrições contendo fármacos com dose acima da máxima, 106 (38%) eram de prescritores da unidade e 175 (62%) de externos. Entre os prescritores da unidade, em 98 (92%) das situações a dose do medicamento foi ajustada. Prescritores externos aceitaram a recomendação de adequação em 114 (65%) dos casos. Em 4 (8%) dos 48 casos em que se observou duplicidade terapêutica, os prescritores, quando consultados, não alteraram a conduta: duas prescrições contendo anlodipino e nifedipino, ambas de prescritores da rede privada, e duas prescrições da unidade, contendo glibenclamida e glicazida.

Embora não tenha sido realizada mensuração de resultados de forma sistemática sobre a efetividade da orientação realizada pelos técnicos, nas situações de adesão parcial, falta de adesão ou uso inadequado do medicamento, a equipe multidisciplinar referiu aumento expressivo da procura de pacientes para participação nos grupos de hipertensos e diabéticos, após o início do trabalho sistematizado dos técnicos. Esse aumento na procura pelos grupos fez com que fosse estabelecida uma rotina de divulgação de datas de grupos de educação em saúde pela equipe de farmácia, com agendamento e elaboração de fila de espera, como no caso dos grupos para controle do tabagismo, por exemplo.

Discussão

Os problemas relacionados a medicamentos são complexos e sua identificação e resolução são atribuições do farmacêutico, no âmbito da atenção farmacêutica. Várias são as situações que demandam conhecimento técnico e julgamento clínico – como determinação de interações medicamentosas clinicamente relevantes ou o risco associado ao uso de medicamentos inapropriados em idosos, por exemplo –, fazendo com que o farmacêutico seja essencial na equipe multidisciplinar. No entanto, diante do acúmulo de funções desse profissional, fazem-se necessárias medidas que possam otimizar sua atuação clínica. A capacitação dos técnicos e a sistematização da dispensação dos medicamentos, de forma a contribuir na identificação, e até mesmo para a resolução de algumas situações, pode ser de grande relevância, sobretudo na atenção primária.

O uso inadequado de medicamentos e a dificuldade em compreender o regime posológico prescrito estiveram entre os problemas mais frequentemente identificados pelos técnicos, o que é semelhante ao relatado em outros estudos brasileiros1317. Alguns dos fatores que contribuem para confusão no uso dos medicamentos são a semelhança entre embalagens de medicamentos, redução da acuidade visual entre idosos, analfabetismo, falta de compreensão da letra dos prescritores ou de abreviaturas e regimes terapêuticos complexos, envolvendo vários horários de administração18. Em estudo brasileiro, somente 18,7% dos 450 pacientes entrevistados após consulta em UBS compreendiam integralmente a prescrição e 56,3% conseguiam ler a mesma18. A compreensão da prescrição variou em estudos realizados em outras cidades, e de acordo com a metodologia, variando de 34% a 70%16,19,20. No entanto, um sistema de identificação visual com o emprego de cores e impressos padronizados permitiu que a maioria dos pacientes pudesse cumprir adequadamente a prescrição medicamentosa – de acordo com os relatos dos pacientes –, sem a necessidade de atuação direta do farmacêutico, mostrando a relevância da orientação dada pelos técnicos de farmácia.

A falta de adesão do tratamento farmacológico foi um problema comum, como já era esperado, uma vez que a OMS estima que 50% dos portadores de doenças crônicas nos países desenvolvidos sejam não aderentes à farmacoterapia, sendo essa proporção ainda maior nos países em desenvolvimento21. A não adesão teria como fatores determinantes o envolvimento de planos terapêuticos complexos, dificuldade em entender as prescrições, insatisfação com os serviços de saúde, ausência de sintomas, aspectos socioeconômicos e crenças21,22. Os resultados sugerem que as orientações dos técnicos contribuíram para aumentar a adesão ao tratamento medicamentoso.

A necessidade de conciliação medicamentosa devido a prescrições em conflito mostrou-se como um dos problemas para os quais o técnico não apresenta resolutividade devido à complexidade dos casos, podendo apenas contribuir para a obtenção da lista completa dos medicamentos em uso pelo paciente. Em 2003, Michels e Meisel23 já discutiam o fato de que os técnicos de farmácia poderiam ser empregados no processo inicial de revisão da farmacoterapia de pacientes, obtendo a lista completa de medicamentos em uso para subsidiar o trabalho de reconciliação medicamentosa a ser realizado por farmacêuticos clínicos em hospitais. Na maioria dos estudos, discute-se a necessidade da conciliação medicamentosa na alta hospitalar, quando o paciente retorna para o tratamento na atenção primária10,11,24. No entanto, a maioria dos casos foi gerada por falhas no fluxo de informação entre especialistas e clínicos gerais e também casos em que o paciente fazia o acompanhamento tanto no serviço público quanto no privado e acabava por confundir-se em relação a qual prescrição seguir. Problemas de comunicação estão entre as principais causas de incidentes e erros no uso dos medicamento10,11. Ainda assim, pode-se considerar que o técnico foi importante para a identificação dessa necessidade e o devido encaminhamento do paciente para que recebesse o cuidado adequado.

Os resultados demonstram que a dispensação de medicamentos deve transpor a questão da disponibilidade e entrega do medicamento, de forma a integrar-se ao processo de cuidado no sistema de saúde pública, provendo acesso a serviços farmacêuticos, de acordo com a necessidade do paciente25.

É importante esclarecer que a boa aceitação de recomendações dos prescritores em relação à duplicidade terapêutica e dose acima da máxima é consequência de um conjunto de ações que foram iniciadas nos anos anteriores ao avaliado, com a divulgação de memorandos internos para a equipe médica, discussões nas reuniões da equipe multidisciplinar e uso de impressos padronizados para prescrições externas. O estabelecimento de uma relação de confiança entre a equipe da farmácia e os médicos demanda tempo e habilidades de comunicação, sendo que esse último fator deve ser explorado pelo farmacêutico nas capacitações10,11. De fato, prescritores que confiam na atuação do farmacêutico tendem também a aceitar recomendações dos técnicos por compreenderem que ambos os profissionais fazem parte da equipe da farmácia5.

Existe consenso de que técnicos bem capacitados podem contribuir de forma a otimizar o tempo do farmacêutico para que esse possa dedicar-se mais às atividades clínicas, em detrimento das administrativas e gerenciais4,9,26,27. Apesar disso, a supervisão e o envolvimento do farmacêutico são essenciais para dar suporte e legitimidade às suas ações. Cabe também destacar que, mesmo sendo realizado pelos técnicos, a responsabilidade sobre o serviço e as intervenções realizadas recai sobre o farmacêutico, que responde técnica e legalmente pelas ações realizadas.

A Sociedade Australiana de Farmacêuticos estabelece que a proporção do número de técnicos de farmácia em relação aos farmacêuticos não deve ser superior a dois28. Segundo o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo, o número de assistentes de farmacêuticos deve ser suficiente para o atendimento de até 80 usuários/dia para cada assistente e deve haver um farmacêutico responsável por estabelecimento, sem que tenha sido estabelecida a proporção em relação ao número de prescrições ou ao número de assistentes29. Nesse sentido, a proporção de técnicos por pacientes atendidos mostrou-se dentro do recomendado por aquela instituição.

O Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF/SP), em publicação sobre Assistência Farmacêutica Municipal, denomina esse profissional de “Assistente do Farmacêutico”, descrevendo-o como o profissional que pode auxiliar o farmacêutico nas atividades administrativas e de dispensação, de acordo com sua orientação, mediante comprovação de que tenha sido capacitado dentro de instituições reconhecidas pelo Ministério da Educação29. A Assistência Farmacêutica da Prefeitura Municipal de São Paulo foi pioneira em descrever as atribuições desse profissional em um manual e também em instituir o cargo de técnico de farmácia no rol de profissões para as quais realiza concurso público, inclusive com a oferta de curso técnico de formação pela Escola Municipal de Saúde30.

O presente estudo tem como principal limitação o fato de ter sido realizado em uma única UBS, o que pode impede a generalização de seus resultados. Por outro lado, apresenta experiência exitosa de trabalho de capacitação de técnicos de farmácia na atenção primária à saúde e os resultados obtidos podem vir a ser aplicadas em outras unidades de saúde com características semelhantes. Além disso, diante da realidade da atuação do técnico, deve-se iniciar a discussão sobre maior inserção desse profissional de saúde na equipe multidisciplinar, como suporte às ações do farmacêutico na atenção básica.

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