versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.17 no.2 São Paulo 2019 Epub 18-Mar-2019
http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019ao4445
As hepatopatias e as nefropatias são patologias crônicas, que podem evoluir para estágios terminais, resultando em elevadas taxas de mortalidade. As terapias de substituição da função renal e hepática, por meio do transplante de órgãos, oferecem aumento da sobrevida, o qual é considerado, na maioria dos casos, a única alternativa de tratamento.(1)
Em 2017, foram realizados mais de 8 mil transplantes de órgãos sólidos, segundo o Registro Brasileiro de Transplante.(2)Apesar dos esforços da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) em elevar esse número com campanhas que conscientizem a população sobre a importância da doação de órgãos, ele ainda é insuficiente para atender a demanda de mais de 23 mil pacientes adultos que integram a lista nacional de espera para transplante de órgãos sólidos, o que demonstra o descompasso existente entre oferta (quantidade inadequada de órgãos), demanda (número elevado de pacientes na fila)(3,4)e resultado (taxa de conversão de possíveis em potenciais doadores).(5,6)
Uma das justificativas para esse desequilíbrio demonstrado pela ABTO é a alta recusa (42%) na doação de órgãos no momento da abordagem dos familiares.(3)
Os principais fatores que contribuem para o aumento dos índices da recusa familiar em relação à doação de órgãos são desconhecimento do diagnóstico de morte encefálica (ME); desconhecimento do desejo do falecido; inadequação da entrevista familiar na solicitação da doação; problemas com a integridade ou imagem do corpo após a extração dos órgãos e tecidos; questões religiosas e recusa em vida por parte do falecido, além de fatores estressores, como insatisfação com o atendimento; recebimento da notícia da ME de forma intranquila e a demora em liberar o corpo.(7,8)
Estudo com 55 enfermeiros e técnicos de enfermagem revelou que as dificuldades da abordagem ao potencial doador (PD) estão associadas ao despreparo da equipe de enfermagem (34,6%), seguido da falta de materiais (23,1%), da estrutura inadequada (19,2%), da demora na abertura do protocolo para confirmação da ME (11,6%), da recusa familiar (7,7%) e da equipe insuficiente (3,8%).(9)
Neste contexto, a falta de experiência da equipe multiprofissional na captação e na doação de órgãos é resultante do ensino generalista nos cursos de graduação em saúde. Até 92% dos alunos de graduação em enfermagem e medicina desconhecem a existência da Organização de Procura de Órgãos e Tecidos,(9)e apenas 34% dos alunos de medicina com estágio em unidade de terapia intensiva (UTI) informaram ter avaliado um paciente com ME.(10)
Considerando a necessidade em estabelecer estudos que verifiquem a atuação da equipe multiprofissional nas etapas da captação de órgãos, torna-se fundamental a avaliação do conhecimento desses profissionais com a aplicação de treinamentos institucionais por meio de cursos de capacitação estruturados pelo pré e pós-teste.(11)
Conhecer o perfil dos profissionais que atuam em captação de órgãos e analisar o resultado da aprendizagem dos treinados antes e após um curso de extração, perfusão e acondicionamento de órgãos para transplantes.
Estudo retroprospectivo, quantitativo, analítico-descritivo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital filantrópico, número do parecer 1.573.585, CAAE: 55480616.1.0000.0071, que analisou o perfil e as notas pré e pós-testes dos profissionais capacitados no Curso de Extração, Perfusão e Acondicionamento de Fígado e Rim. No total, foram realizados 17 cursos, sendo 4 cursos em 2012, 6 em 2013 e 7 em 2014. Cada curso tinha 21 vagas, sendo 12 cirurgiões (hepatologistas ou urologistas), 6 enfermeiros e 3 instrumentadores. O Sistema Nacional de Transplantes (SNT) direcionou as 357 vagas para todas as Centrais Estaduais de Notificação, Captação, Distribuição de Órgãos e Tecidos para Transplantes, que indicaram os candidatos envolvidos na captação, após a seleção pelo SNT no Programa de Capacitação de Transplantes; organizou a logística e a metodologia do curso via Programa de Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS); e a inscrição foi feita on-line e, neste momento, o inscrito respondia o questionário de perfil, que seria associado com o nível de aprendizagem.
A carga horária total foi de 16 horas, divididas em 2 dias. No primeiro dia, aplicou-se o pré-teste, com dez questões de múltipla escolha e quatro opções de respostas específicas para cada categoria, construídas por especialistas em doação e transplantes da área médica e da enfermagem ( Apêndice A ). Em seguida, ministraram-se três aulas teóricas (técnicas cirúrgicas de extração de fígado, de rim, e o papel do enfermeiro como coordenador de sala cirúrgica). Na última aula, foi apresentada a logística do processo de captação, os impressos exigidos pela legislação e, por fim, os aspectos de acondicionamento e transporte dos órgãos, com base nas diretrizes básicas para captação e retirada de múltiplos órgãos e tecidos(12)e na Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 66, de 21 de dezembro de 2009.(13)
A aula prática teve carga horária de 13 horas. Utilizaram-se nove porcos, fêmeas e de acordo com as normas e a regulamentação do Comitê de Ética, e com o Manual de Cuidados e Procedimentos com Animais de Laboratório (CEUA: 2110_14). Em cada mesa cirúrgica, a equipe simulou uma cirurgia de extração de fígado e rim. Após o término da estação prática, os alunos fizeram o pós-teste, contendo as mesmas perguntas que o pré-teste.
Foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17 (Chicago, Il, EUA). As notas foram calculadas pelo número total de questões corretas ponderadas pelo número de questões válidas respondidas pelo profissional, usando a fórmula (número de questões corretas)×10/número de questões válidas.
As variáveis categóricas foram descritas por frequências absolutas e percentagens, e as numéricas por médias e desvios padrão (DP) ou mediana. Foi ajustado um modelo linear geral para a variável resposta diferença absoluta entre as notas pós e pré-teste e a variável explicativa. Os resultados dos modelos foram apresentados por valores médios ajustados e intervalos de confiança de 95%, e as comparações múltiplas utilizadas foram corrigidas pelo método de Bonferroni. A associação do conhecimento dos profissionais com o conteúdo aplicado foi verificada pelo teste McNemar.
Das 357 vagas disponíveis, tivemos 23 profissionais ausentes e 334 presentes. A média de idade foi de 39,1 anos, e o desvio padrão de 9,2 anos. De acordo com a tabela 1 , 58,4% dos profissionais analisados eram do sexo masculino, 56% eram médicos, 32% eram da Região Sudeste, 74,5% tinham especialização como formação complementar e 98,8% não tinham realizado cursos voltados para área de captação, extração e acondicionamento de órgãos nos últimos 30 dias.
Tabela 1 Características sociodemográficas dos profissionais
Variáveis | Total |
---|---|
n (%) | |
Sexo | |
Feminino | 139 (41,6) |
Masculino | 195 (58,4) |
Categoria profissional | |
Enfermeiro | 104 (31,1) |
Médico | 187 (56) |
Instrumentador | 43 (12,9) |
Região | |
Norte | 58 (17,4) |
Nordeste | 95 (28,4) |
Centro | 40 (12,0) |
Sudeste | 107 (32) |
Sul | 34 (10,2) |
Formação complementar | |
Não tem | 56 (16,9) |
Especialização | 249 (74,5) |
Mestrado | 20 (6,0) |
Doutorado | 8 (2,4) |
Pós-doutorado | 1 (0,2) |
Nos últimos 30 dias, você fez outro curso relacionado ao processo doação-transplante? | |
Sim | 4 (1,2) |
Não | 330 (98,8) |
Você trabalha diretamente no processo de doação de órgãos? | |
Sim | 135 (40,4) |
Não | 199 (59,6) |
Você já viu alguma cirurgia de extração de múltiplos órgãos? | |
Sim | 294 (88) |
Não | 40 (12) |
Você faz parte de alguma equipe de captação de órgãos? | |
Sim | 123 (36,8) |
Não | 211 (63,2) |
A variável tempo de formação revelou que a maioria (50%; 167) estava formada entre 5 e 10 anos, 29% (97) entre 1 e 5 anos, 17,1% (27) tinham mais de 10 anos e 3,9% (13) menos de 1 ano.
Em relação à atuação na área de captação de órgãos, 88% (294) dos profissionais já tinham presenciado cirurgia de extração de órgãos, 40,4% (135) estavam trabalhando diretamente no processo de doação de órgãos e somente 36,8% (123) eram membros da equipe de captação de órgãos.
Dos 135 profissionais que atuavam no processo de doação de maneira direta, 50,4% (68) tinham menos de 1 ano de experiência nessa área, 35,6% (48) tinham entre 1 a 5 anos, 5,9% (8) entre 5 a 10 anos e 8,1% (11) mais de 10 anos.
As variáveis de perfil (tempo de formação, tempo na área de doação, formação complementar, ter presenciado cirurgia de extração e ser membro de equipe de captação) não apresentaram evidências significativas.
O desempenho dos alunos no curso foi avaliado pelo pré-teste, que teve variação de notas entre 1 e 10 (média de 6,1 pontos; DP de 1,9) e pelo pós-teste, com notas de 3 e 10 (média de 7,9 pontos; DP de 1,4).
Para os médicos, obteve-se ganho de conhecimento de 20%, nota de 6,6 para 8,3. Os enfermeiros tiveram aumento de 33,3%, com nota de 5,5 para 7,4. Os instrumentadores tiveram a nota 4,9 aumentada para 7,4, inferindo aumento de 50% no conhecimento após a participação no curso.
O curso em questão favoreceu aumento de 31% no conhecimento da equipe multiprofissional em saúde para captação de órgãos.
Na tabela 2 , constam as informações referentes ao conhecimento dos médicos sobre os aspectos e atribuições dos cirurgiões e técnicas cirúrgicas, no processo de captação, extração e acondicionamento de órgãos para transplantes, por item avaliado, pré e pós-teste. Os itens que apresentaram acertos com significância foram questões: 1, 3, 6, 7, 8 e 9. Em relação à análise após o curso, a questão 4 teve a maior proporção de erros, e todos os médicos acertaram a questão 5. Não há evidências de mudança significativa nas questões 2 e 10.
Tabela 2 Conhecimento e mudanças nas respostas dadas pelos médicos para cada uma das questões nas avaliações pré e pós-teste (n=187)
Tema da questão | Acertos | Erros | Evolução de aprendizagem (%) | Valor de p | ||
---|---|---|---|---|---|---|
|
|
|||||
Pré-teste | Pós-teste | Pré-teste | Pós-teste | |||
Questão 1: dosagem de heparina na cirurgia de extração de órgãos | 58 | 172 | 129 | 15 | 60,9 | <0,001 |
Questão 2: avaliação para a viabilidade do fígado para transplante | 130 | 137 | 57 | 50 | 3,7 | 0,066 |
Questão 3: posição da cânula na perfusão em relação às artérias renais | 152 | 181 | 35 | 6 | 15,5 | <0,001 |
Questão 4: ações prévias da equipe de captação para uma cirurgia de extração de órgãos de maneira segura | 120 | 102 | 67 | 85 | -9,6 | 0,007 |
Questão 5: conceitos sobre tempo de isquemia | 165 | 187 | 22 | 0 | 11,7 | |
Questão 6: aspectos da retirada exclusiva renal | 85 | 126 | 102 | 61 | 21,9 | <0,001 |
Questão 7: aspectos relacionados à dissecção dos rins | 153 | 177 | 34 | 10 | 12,8 | <0,001 |
Questão 8: atuação do cirurgião frente perfusão inadequada | 117 | 157 | 70 | 30 | 21,3 | <0,001 |
Questão 9: cirurgia de extração de fígado e preenchimento dos equipos perfusores | 145 | 172 | 42 | 15 | 14,4 | <0,001 |
Questão 10: solução de preservação utilizada na máquina renal* | 11 | 13 | 24 | 22 | 1 | 0,234 |
* Itens em branco não foram considerados.
A tabela 3 mostra como os enfermeiros foram avaliados em relação aos aspectos de documentação, técnicas de perfusão, acondicionamento e transporte dos órgãos extraídos, por item avaliado pré e pós-teste. A questão 7 foi a única que não apresentou evidência de mudança significativa.
Tabela 3 Conhecimento e mudanças nas respostas dadas pelos enfermeiros para cada uma das questões nas avaliações pré e pós-teste (n=104)
Tema da questão | Acertos | Erros | Evolução de aprendizagem (%) | Valor de p | ||
---|---|---|---|---|---|---|
|
|
|||||
Pré-teste | Pós-teste | Pré-teste | Pós-teste | |||
Questão 1: checagem de documentação para a cirurgia de extração de órgãos de maneira segura | 77 | 90 | 27 | 14 | 12,5 | 0,005 |
Questão 2: sequência de retirada de múltiplos órgãos | 42 | 88 | 62 | 16 | 44,2 | <0,001 |
Questão 3: conceitos sobre tempo de isquemia | 66 | 82 | 38 | 22 | 15,3 | 0,004 |
Questão 4: etiqueta de identificação de órgãos | 52 | 73 | 52 | 31 | 20,1 | 0,001 |
Questão 5: caixa térmica- transporte de órgãos | 73 | 86 | 31 | 18 | 12,5 | 0,011 |
Questão 6: acondicionamento de órgãos | 69 | 92 | 35 | 12 | 22,1 | <0,001 |
Questão 7: soluções de preservação do órgão | 35 | 43 | 69 | 61 | 7,6 | 0,054 |
Questão 8: retirada e acondicionamento de rins em bloco* | 38 | 50 | 40 | 28 | 11,5 | 0,017 |
Questão 9: atuação do perfusionista | 82 | 94 | 22 | 10 | 11,5 | 0,003 |
Questão 10: vias que serão canuladas na perfusão do órgão | 34 | 49 | 70 | 55 | 14,4 | 0,004 |
* Itens em branco não foram considerados.
A tabela 4 demonstra o número de acertos no pré e pós-teste, e a percentagem de aprendizagem de cada questão para o instrumentador sobre instrumentais usados em cirurgia de extração e canulações, soluções de preservação e acondicionamento. Observaram-se acertos significativos para as questões 1, 2, 3, 4, 5 e 8. Todos os instrumentadores acertaram a questão 9 no pós-teste. Não houve evidências de mudança significativa nas questões 6, 7 e 10.
Tabela 4 Conhecimento e mudanças nas respostas dadas pelo instrumentadores para cada uma das questões nas avaliações pré e pós-teste (n=43)
Tema da questão | Acertos | Erros | Evolução da aprendizagem (%) | Valor de p | ||
---|---|---|---|---|---|---|
|
|
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Pré-teste | Pós-teste | Pré-teste | Pós-teste | |||
Questão 1: sequência de retirada de múltiplos órgãos | 10 | 32 | 33 | 11 | 51,1 | <0,001 |
Questão 2: tempos cirúrgicos da cirurgia de extração de órgãos | 12 | 19 | 31 | 24 | 16,2 | 0,047 |
Questão 3: material utilizado para a canulação das artérias e veias na cirurgia de extração | 14 | 38 | 29 | 5 | 55,8 | <0,001 |
Questão 4: procedimentos que antecedem a canulação | 31 | 37 | 12 | 6 | 13,9 | 0,044 |
Questão 5: solução utilizada para resfriamento da cavidade abdominal no momento da extração | 22 | 38 | 21 | 5 | 37,2 | <0,001 |
Questão 6: cirurgia de extração de fígado e preenchimento dos equipos perfusores* | 19 | 31 | 13 | 1 | 27,9 | <0,001 |
Questão 7: resfriamento da cavidade abdominal de maneira imediata | 25 | 31 | 18 | 12 | 13,9 | 0,071 |
Questão 8: acondicionamento de órgãos | 16 | 24 | 27 | 19 | 18,6 | 0,033 |
Questão 9: instrumental utilizado para cirurgia de extração | 40 | 43 | 3 | 0 | 6,9 | |
Questão 10: atuação do instrumentador no momento de exsanguinar o doador | 17 | 19 | 26 | 24 | 4,6 | 0,175 |
* Itens em branco não foram considerados.
Sociedades nacionais e internacionais responsáveis pelo processo doação-transplantes de órgãos têm estabelecido incentivos, via parcerias públicas, com centros universitários ou hospitais filantrópicos que tenham projetos com intuito de realizar treinamento e desenvolvimento educacional de equipes de saúde no âmbito da doação, captação e transplantes de órgãos. Neste estudo, a parceria entre o Ministério da Saúde e o Proadi-SUS(14)refletiu presença significativa de médicos, enfermeiros e instrumentadores atuantes direta ou indiretamente na área de doação ou captação, no Curso de Extração, Perfusão, Acondicionamento de Fígado e Rim. Isto porque os órgãos públicos que indicaram esses profissionais entendem que, por meio dessa capacitação, é possível melhorar os índices de órgãos captados e extraídos e, com sua disponibilização, diminuirão as taxas de mortalidade e morbidade de pacientes na fila de espera para transplantes de seu estado ou região. Além disso, é possível inferir que a presença maciça desses profissionais no curso se dá pela escassez da abordagem desse tema em grades curriculares nos cursos da graduação e pós-graduação em saúde pelo país,(13,15,16)fazendo com que esses profissionais busquem atualização permanente e treinamentos que desenvolvam um conjunto de conhecimento, habilidade e atitude para a melhoria de seu desempenho atual. Na área da saúde, é crescente a velocidade da renovação do conhecimento e da tecnologia.(17)
Nessa busca por atualizações, este estudo abordou questões que vieram ao encontro das necessidades do cenário atual e dos participantes do curso; por exemplo, discutiu-se sobre heparinização sistêmica, que é amplamente realizada durante a hepatectomia do doador. O ganho de conhecimento nesse item é de grande valia, em virtude da associação entre a dose de heparina no doador e a frequente ocorrência de trombose do enxerto vascular, que ocasiona futuras complicações para os receptores.(18-20)
Dentre os assuntos abordados para enfermeiros e instrumentadores, as normas e os regulamentos vigentes, segundo os itens da RDC 66/2009 para a otimização e legalização do processo de captação de órgãos,(21)no âmbito perioperatório, apresentaram aumento de taxa de aprendizagem, sendo esse um resultado similar ao de pesquisa que concluiu que os fatores que interferiram em qualidade da assistência de excelência prestada no intraoperatório de procedimentos relacionados à doação e à captação de órgãos foram o nível de conhecimento e a experiência dos enfermeiros, minimizando eventos adversos na qualidade dos órgãos e na recuperação dos seus receptores.(15)
O curso abordou também metodologia ativa e disponibilização de vagas de maneira nacional.
A simulação de cirurgias de extração de órgãos em animais tornou-se estratégia ativa e pode ser um dos fatores contribuintes para o aumento do desempenho da aprendizagem após o curso para todas as categorias, visto que, conforme pesquisa realizada com enfermeiros e estudantes de medicina, a utilização da estratégia de simulação fez com que obtivessem elevação na aquisição do conhecimento de 10% e 19%, respectivamente.(22,23)
Porém alguns conteúdos aplicados tiveram lacunas de conhecimento: para médicos, avaliação para a viabilidade do fígado para transplante e solução de preservação utilizada na máquina renal; para enfermeiros, vasos que serão canulados na perfusão do órgão; e para instrumentadores, preenchimento dos equipos perfusores, resfriamento da cavidade abdominal de maneira imediata e atuação no momento de exsanguinar o doador. Esses temas foram pontos de melhoria para o curso, precisando ser revistos e revalidados por especialistas da área, uma vez que são fundamentais para a segurança do progresso e na qualidade da assistência prestada ao doador e receptor.
Em relação à distribuição das vagas de maneira nacional, por um lado, possibilitou-se a descentralização do conhecimento e o do investimento público. Por outro, o curso obteve percentagem maior de participantes da Região Sudeste, e menor da Região Norte, que poderia se beneficiar se fossem aplicados critérios de seleção baseados nos indicadores de doação e transplantes do Estado.(24)Por exemplo, a taxa de doadores por milhão de população (pmp) para o Norte foi de 3,9ppm, em 2017, e 17,9 ppm para a Região Sudeste. A diferença de 21% poderia ser diminuída com a distribuição maior de incentivos educacionais para regiões com índices mais baixos, se mudarem os critérios de seleção de candidatos para os próximos cursos.
A ausência de um serviço de suporte pós-curso para avaliar o impacto do treinamento em relação ao aumento dos números de doação e captação de órgãos no país foi um fator limitante, assim como a ausência de mais estudos comparativos sobre captação, extração e acondicionamento de órgãos para transplantes. A revisão realizada entre 1985 a 2013 mostrou que doação de órgãos teve a maior percentagem entre os temas pesquisados (86,2%), com 214 artigos analisados, sendo 73% sobre doadores falecidos, 15% doadores vivos e 10% doação em geral. No entanto, especificamente a etapa de captação de órgãos não foi identificada.(10)
Os desafios para aumentar a quantidade e melhorar a viabilidade de órgãos captados incluem manter campanhas com impacto nacional, como as realizadas pelo Ministério da Saúde e pela ABTO, que buscam a conscientização da população sobre o altruísmo da doação de órgãos, e sua importância para a qualidade de vida dos receptores. Ainda, a utilização da tecnologia para uma capacitação pós-curso continuada e tutorada, como telemedicina, por meio da videoconferência, seria um instrumento útil para abordar os fatores que contribuem para os desafios do processo captação de órgãos. Ela pode ser empregada tanto como uma educação à distância, para atualização dos profissionais com custo menor, e também voltada para administração e gestão de problemas, por meio da comunicação em tempo real pelas sessões científicas e interdisciplinares, e pelo atendimento pontual frente a uma necessidade do processo assistencial.(25,26)
O conhecimento aplicado no curso apresentou aumento da percentagem de aprendizado para todas as categorias, sendo mais significativo para os instrumentadores e enfermeiros. Para os médicos, evidenciou-se alto conhecimento prévio perante a nota do pré-teste acima do total do curso. Algumas lacunas de conhecimento foram observadas para todas as categorias. Não foram encontradas evidências significativas na associação entre as variáveis de perfil da amostra com o aprendizado.