Compartilhar

Características acústicas de vozes saudáveis de adultos: da idade jovem à meia-idade

Características acústicas de vozes saudáveis de adultos: da idade jovem à meia-idade

Autores:

Evelyn Alves Spazzapan,
Vanessa Moraes Cardoso,
Eliana Maria Gradim Fabron,
Larissa Cristina Berti,
Alcione Ghedini Brasolotto,
Viviane Cristina de Castro Marino

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.30 no.5 São Paulo 2018 Epub 22-Out-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017225

INTRODUÇÃO

A voz difere entre os gêneros e sofre mudanças ao longo do curso da vida, com maior estabilidade vocal observada na fase adulta(1-3). Modificações estruturais e funcionais marcantes ocorrem na laringe com o envelhecimento(4-6), provocando mudanças vocais proeminentes a partir dos 60 anos(7). Especificamente nas mulheres, as modificações vocais foram justificadas pela combinação do início do envelhecimento e da transição da menopausa(8) e, também, pela pré-menopausa(9). Esse fato evidencia a necessidade de se ampliar conhecimento de como ocorre o processo gradual de mudanças vocais desde adultos mais jovens até adultos de meia-idade.

Estudos por meio da análise acústica podem ampliar o conhecimento dessas modificações (2,3,10), pois é um método de avaliação objetiva, não invasiva, de fácil utilização e que oferece dados indiretos da função vocal por meio de medidas específicas(11), em condições normais e patológicas, auxiliando no processo diagnóstico e no monitoramento do tratamento de alterações vocais (10). A análise acústica também colabora na avaliação da voz, possibilitando comparar resultados para determinar gênero e idade e, ainda permite confrontar informações obtidas em avaliações clínicas com dados normativos(3).

Estudos prévios determinaram um ou alguns parâmetros acústicos vocais de normalidade para vozes de adultos(1,10-16) e idosos(10,12,14,16-19), possibilitando inferir sobre os mecanismos fisiológicos da produção vocal destas populações(2,3). No entanto, poucos estudos analisaram parâmetros acústicos especificamente da população de meia-idade ou incluíram adultos de meia-idade em suas investigações para efeitos de comparação com populações mais jovens(2,3,9,12,14).

Em relação à frequência fundamental (F0), valores mais altos de F0 são reportados para mulheres do que para homens(2,3,11,15), com variações em função da idade para ambos os gêneros. Com o aumento da idade, uma diminuição da F0 da vogal /a/(3,10,16,18) e da fala(10) é esperada em mulheres. Alguns estudos reportaram mudanças na F0 na fase da pré-menopausa (ao redor dos 30 anos)(12) ou, ainda, por volta dos 48 anos(9), sugerindo que as mudanças vocais nas mulheres teriam seu início já no período pré-menopausa.

Nas mulheres, foram relatadas mudanças vocais ao longo da vida como a redução significante da F0 em torno dos 50 anos(3) ou a diminuição gradativa deste parâmetro acústico até os 60 anos para a vogal /a/ sustentada(2). Este fato pode ser atribuído às mudanças hormonais que marcadamente acontecem durante a menopausa e que resultariam em edema e espessamento das pregas vocais(3). De forma contraditória, alguns estudiosos não encontraram mudanças na F0 (vogal /a/) em mulheres em diferentes grupos etários, incluindo meia-idade(1,14). Na maioria dos estudos, os resultados foram apresentados considerando-se valores de média (e desvio padrão) da F0(1,3,14) ou, com a verificação de mudanças vocais em diferentes idades pela interpretação de medida de variabilidade de F0, além do seu valor médio(2). Portanto, observa-se, a necessidade de informações adicionais sobre o comportamento da F0 das mulheres desde a fase adulta jovem até a meia-idade para um melhor entendimento de quando se iniciam as mudanças vocais nesta população.

Quanto aos homens, adultos e de meia-idade, não foram relatadas mudanças na F0 em ambas as modalidades, vogal /a/ sustentada(1,3,14,15) e F0 da fala(12), quando valores médios (desvio padrão) foram analisados.

Estudos sobre os índices de perturbação de frequência e amplitude ciclo a ciclo do sinal acústico produzido pela vibração das pregas vocais, Jitter e Shimmer, são restritos para a população de meia-idade.

Em adultos, valores maiores de Jitter foram descritos para mulheres do que para homens(11,19) ou, de forma contraditória, Jitter não variou entre os gêneros(1,14,20). Valores aumentados de Shimmer foram reportados para homens quando comparado às mulheres(11,14); no entanto, a diferença entre gêneros em vozes adultas nem sempre foi observada(1,19,20).

Em relação à idade, valores mais elevados de Jitter e Shimmer foram observados para homens e mulheres(16) com o aumento da idade, embora não seja apontado o momento em que tal aumento ocorre. Jitter e Shimmer não variaram para mulheres adultas de meia-idade quando comparadas às populações mais jovens (9) e, também, não variaram nos estudos com grupos etários que incluíam a meia-idade(1,14).

Medidas de ruído foram pouco exploradas na literatura para vozes sem alterações, embora elas possam oferecer informações importantes, particularmente sobre a deterioração vocal decorrente do envelhecimento(21).

De forma geral, essas medidas apresentam piores valores do sinal acústico nas vozes adultas do gênero masculino quando comparados aos de vozes femininas(1,14,20). Além disso, a quantidade de ruído no sinal vocal tende a aumentar com o avanço da idade(2,16-18,21).

As informações apresentadas na literatura indicam que as medidas de ruído podem refletir processos envolvidos no fechamento glótico(2), refletindo a deterioração vocal decorrente do envelhecimento (16,21), como oscilação na vibração das pregas vocais (21), atrofia de pregas vocais e presença de fendas fusiformes(4,5) que alteram o fechamento glótico.

Em alguns estudos, porém, medidas acústicas apontaram para maior quantidade de ruído no sinal vocal em mulheres do que em homens, a partir dos 50 anos, sugerindo que mudanças hormonais ocorridas durante a menopausa levariam a tal aumento(2). Em outros estudos, a medida de ruído não diferiu entre grupos etários que incluíam a meia-idade(1,9,14).

De forma geral, observam-se poucas descrições sobre mudanças que ocorrem da fase adulta para a meia-idade, identificadas, particularmente, por um conjunto de medidas acústicas.

Informações acústicas de medidas de F0, além de medidas de perturbação e de ruído obtidas para adultos jovens até à meia-idade, com vozes normais, podem colaborar para um maior entendimento sobre mudanças vocais nestas populações, permitindo posteriores comparações clínicas com vozes patológicas de faixas etárias correspondentes. Medidas acústicas podem ser sensíveis para apontar diferenças, ainda que sutis, na função vocal de adultos, ao levar em conta intervalos de idades menores.

O presente estudo teve como objetivo caracterizar as vozes normais de indivíduos adultos, por década, e verificar o efeito de gênero e idade a partir de um conjunto de medidas acústicas.

MÉTODO

Estudo observacional, transversal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da instituição de origem (n. 0657/2013 e n. 1.054.283/2015) realizado após todos os participantes terem assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Amostras de vozes selecionadas

Foram incluídas 176 gravações de vozes em áudio (88 do gênero masculino e 88 do gênero feminino) pertencentes a 176 participantes com idades entre 19 e 59 anos, falantes do Português Brasileiro, oriundos da região centro-oeste do Estado de São Paulo. Essas vozes foram distribuídas em quatro grupos etários (G1-G4), por década, contendo 44 vozes por grupo.

Neste estudo, foram considerados participantes adultos jovens aqueles com idades entre 19 e 29 anos (G1); participantes adultos, aqueles com idades entre 30 e 39 anos (G2) e 40 e 49 anos (G3); e adultos de meia-idade, aqueles com idades entre 50 e 59 anos. A divisão dos grupos etários baseou-se em estudos prévios(2,3,9). A faixa etária e o número exato de gravações incluídas em cada grupo e a idade média (desvio padrão) dos participantes que tiveram suas vozes gravadas para cada faixa etária, por gênero, estão apresentados na Tabela 1 .

Tabela 1 Grupos de participantes (G1-G4), faixa etária e idade correspondente para cada gênero  

Grupos Faixa Etária
(anos)
Feminino Masculino
N Média DP N Média DP
G1 19-29 22 22,9 2,85 22 23,0 2,15
G2 30-39 22 32,8 2,29 22 32,7 2,09
G3 40-49 22 44,2 3,30 22 44,1 3,19
G4 50-59 22 53,6 2,38 22 53,5 2,69
Total 19-59 88 38,4 12,0 88 38,3 11,9

Legenda: N = número de sujeitos; DP = desvio padrão

Os participantes do estudo foram entrevistados na ocasião das gravações das vozes, por uma fonoaudióloga e responderam a um questionário, contendo questões relacionadas às condições gerais de saúde, menopausa (no caso das mulheres), hábitos vocais, além de queixas relacionadas a alterações de fala, voz e audição.

Os critérios de inclusão foram: participantes de ambos os gêneros, dentro da faixa etária estabelecida, sem histórico de cirurgias de cabeça e pescoço, doenças neurológicas, pulmonares ou respiratórias, tratamento fonoaudiólogo para voz e sem queixas de voz, fala ou audição, de acordo com o questionário. Além disso, todos os participantes apresentaram ausência de alterações vocais conforme determinada por três fonoaudiólogas com experiência na avaliação das alterações da fala e da voz, a partir de uma avaliação perceptivoauditiva.

As fonoaudiólogas realizaram simultaneamente, e por consenso, julgamentos das gravações contendo a vogal sustentada /a/ emitida pelos participantes, por meio da escala GRBAS. Tal escala, elaborada pelo Commitee for Phonatory Function Tests da Japan Society of Logopedics and Phoniatrics e divulgada por Hirano(22), permite analisar vários aspectos da qualidade vocal, incluindo: rugosidade da voz (R), soprosidade (B), astenia (A), tensão (S) que em seu conjunto determinam o grau geral da disfonia (G). Julgamentos perceptivos consensuais das três fonoaudiólogas indicativos do grau geral da qualidade vocal igual a zero foram considerados no presente estudo, para efeito de inclusão. Não foi realizada avaliação visual laríngea nos participantes deste estudo.

Os critérios de exclusão consistiram de: fumante na ocasião da coleta de dados ou histórico de fumante nos últimos cinco anos, treinamento vocal profissional, histórico de cirurgias de cabeça e pescoço, histórico de doenças neurológicas, pulmonares ou respiratórias, tratamento fonoaudiólogo para voz, além de queixas vocais na semana da gravação. Participantes que relataram resfriado ou quadros alérgicos respiratórias no dia da coleta ou que não conseguiram realizar a emissão necessária para a gravação de suas vozes também foram excluídos do estudo.

Procedimentos

As 176 gravações das vozes selecionadas para o estudo pertenciam à base de dados do Laboratório de Análise Acústica da Unesp/Marília. Todas as gravações foram realizadas em sala acusticamente tratada. Uma única fonoaudióloga capturou as vozes de 118 sujeitos no período de 2013 a 2015 e treinou outra que capturou as vozes de 58 sujeitos no período de 2016 a 2017.

Na ocasião das gravações, foi solicitada a cada participante a produção da vogal /a/ de forma prolongada, por três vezes, no maior tempo possível, usando pitch e loudness de forma habitual, sendo que, previamente à gravação, a tarefa foi explicada pela avaliadora. Também foi solicitada a leitura de um texto oronasal (“O cãozinho Totó”) elaborado para estudo prévio(23). A emissão sustentada da vogal é frequentemente utilizada em estudos envolvendo a análise acústica da F0 devido à sua estabilidade(24). A medida da F0 da fala é utilizada por refletir a comunicação oral de um indivíduo de forma natural, o que traz informações relevantes para o julgamento real de sua fala cotidiana(24). Por esse motivo, as duas modalidades foram incluídas neste estudo.

As amostras de voz e fala foram obtidas com o participante sentado em uma cadeira, utilizando microfone Sennheiser (modelo E855) e gravador digital da marca MARANTZ (modelo PMD660, configurado para gravação monocanal, com taxa de amostragem de 44 kHz e 16 bits de resolução). O microfone foi posicionado a 45 graus e a 20 cm à frente da boca do participante. Essa distância do microfone à boca do participante foi estabelecida, uma vez que a gravação das vozes deste estudo foi realizada simultaneamente à avaliação nasométrica, para fins de análises futuras. O uso combinado de gravação áudio e avaliação nasométrica foi descrito em estudo prévio(25), não havendo interferência entre os microfones dos equipamentos nas medidas realizadas.

Para o presente estudo, somente o sinal acústico capturado pelo microfone (gravação áudio) foi de interesse. Os áudios das gravações da emissão sustentada do /a/ foram importados e editados no software PRAAT (26), descartando-se o início e final da gravação, selecionando a porção mais estável da emissão com duração média de 3 segundos. Todas as edições do estudo foram realizadas pela mesma fonoaudióloga (primeira autora do estudo).

A análise dos parâmetros acústicos foi realizada automaticamente por meio do programa Multi Dimension Voice Program (MDVP), do laboratório de voz Computerized Speech Lab, Modelo 4400, Kay-Pentax. Os seguintes parâmetros foram extraídos: Frequência Fundamental (F0); Jitter % (Jitt); Shimmer % (Shim) e Noise-to-harmonic-ratio (NHR). A extração do valor médio da F0 de fala foi realizada pelo software PRAAT a partir da gravação da leitura de texto. A escolha do software PRAAT deu-se em função da facilidade de extração dessa medida por este programa e pelo fato de que o MDVP é específico para análise de vogal sustentada.

Análise dos dados

Os parâmetros acústicos investigados (F0 da vogal /a/ e F 0 da fala e Jitter, Shimmer e NHR da vogal /a/) foram apresentados descritivamente para cada grupo etário e gênero correspondente. O teste Anova Fatorial foi utilizado para verificar efeito de gênero e idade e respectivas interações. Quando necessário, análise post-hoc foi realizada com o teste Least Significant Difference (LSD). Estabeleceu-se o valor de α < 0,05.

RESULTADOS

Os resultados descritivos dos parâmetros acústicos analisados estão expostos na Tabela 2 .

Tabela 2 Valores médios (desvio padrão) das medidas acústicas nos diferentes grupos etários (G1= 20-30; G2= 30-40; G3=40-50 e G4=50-60), por gênero  

G1 G2 G3 G4 ANOVA Fatorial
(LSD)
F M F M F M F M
F0 /a/ Média (DP) 210,58 (21,03) 121,50 (19,09) 208,915 (21,65) 122,84 (17,97) 197,04 (22,80) 129,43 (24,21) 194,09 (20,98) 128,09 (23,09) Gên p<0,00
Idade p>0,7
Gên*idade p<0,01
F>M
F0 fala Média (DP) 206,84 (19,24) 128,52 (20,44) 207,90 (15,08) 128,52 (22,18) 191,34 (17,77) 124,74 (18,62) 187,67 (12,82) 122,36 (17,86) Gên p<0,00
Idade p<0,00
Gên*idade p>0,1
F>M
G3/G4 < G1/G2
Jitt Média (DP) 1,05 (0,62) 0,75 (0,40) 1,05 (0,77) 0,54 (0,30) 0,91 (0,98) 0,69 (0,41) 0,79 (0,61) 0,92 (0,54) Gên p<0,01
Idade p>0,9
Gên*idade p<0,1
F>M
Shim Média (DP) 4,41 (1,11) 3,71 (0,81) 4,39 (1,30) 3,49 (1,13) 3,68 (1,47) 4,49 (1,30) 4,04 (1,64) 5,29 (2,40) Gên p>0,6
Idade p>0,8
Gên*idade p<0,00
--
NHR Média (DP) 0,14 (0,02) 0,14 (0,02) 0,14 (0,03) 0,14 (0,02) 0,14 (0,01) 0,15 (0,01) 0,14 (0,02) 0,16 (0,06) Gên p<0,01
Idade p>0,1
Gên*idade p>0,2
M>F

Legenda: F = feminino; M = masculino; F0 /a/ = Frequência Fundamental no contexto da vogal /a/; F0 fala = Frequência Fundamental no contexto de leitura de texto; Jitt = Jitter; Shim = Shimmer ; NHR = Noise to Harmonic Ratio; LSD = Least Significant Difference

Medida de F0 da vogal sustentada e da fala

A medida de F0 da vogal /a/ sustentada mostrou efeito significante para gênero (F(1,168) = 570,28, p < 0,00) e para interação entre gênero e idade (F(3,168) = 3,71, p = 0,01). Ao considerar todos os grupos etários, os valores de F 0 para mulheres ( X¯ = 202,656, DP = 21,62) foram significantemente mais altos do que os obtidos para homens ( X¯ = 125,462, DP = 21,09). A análise post-hoc mostrou efeito da idade para o gênero feminino.

Os valores da F0 da vogal /a/ de G1 ( X¯= 210,577, DP = 21,03) foram mais altos do que G3 ( X¯ = 197,04 DP = 22,8) (p = 0,03) e G4 ( X¯ = 194,09, DP = 20,98) (p = 0,01) e, ainda, G2 ( X¯ = 208,84 DP = 21,65) foi mais alto do que G4 (p = 0,02), indicando que mulheres com menor idade apresentam valores de F0 mais elevados do que as com maior idade.

A análise de F0 da fala mostrou efeito significante para gênero (F(1,168) = 700,84, p < 0,00). Os valores das mulheres ( X¯= 198,436, DP = 16,23) foram mais altos do que os dos homens ( X¯ = 126,033, DP = 19,78). Houve efeito para idade (F(3,168) = 5,69, p = 0,00). Grupos com menor idade (G1 = 167,677, DP = 19,84; G2 = 168,21, DP = 18,63) apresentaram valores mais elevados do que os de maior idade (G3 = 158,037, DP = 18,20 e G4 = 155,013, DP = 15,34), para ambos os gêneros. Não houve significância entre gênero e idade para a F0 da fala.

Medidas de perturbação do sinal acústico da vogal /a/

Em relação à medida de Jitter, houve diferença significante para gênero (F(1,168) = 6,2329, p < 0,01), indicando que as mulheres de 19 a 59 anos apresentam valores maiores de Jitter ( X¯ = 0,950, DP = 0,75) do que os homens ( X¯ = 0,727, DP = 0,41) com idades correspondentes. Não houve significância para idade ou interação entre idade e gênero para essa medida.

Na medida de Shimmer, houve efeito significante para interação entre gênero e idade (F(3,168) = 6,084, p = 0,00). A análise post-hoc mostrou efeito da idade para o gênero masculino. G1 ( X¯ = 3,709, DP = 0,81) diferenciou-se do G4 ( X¯ = 5,288, DP = 2,40) (p = 0,00) e, ainda, G2 ( X¯ = 3,491, DP = 1,13) diferenciou-se de G3 ( X¯ = 3,676, DP = 1,47) (p = 0,01) e G4 (p = 0,00), indicando que grupos etários de menor idade apresentaram menor quantidade de perturbação de amplitude do que grupos com maior idade.

Medida de ruído do sinal acústico da vogal /a/

Quanto à medida NHR, houve efeito significante para gênero (F(1,168) = 5,966, p < 0,02), sugerindo maior quantidade de ruído no sinal vocal em homens ( X¯ = 0,146, DP = 0,03) do que em mulheres ( X¯ = 0,137, DP = 0,02). Não houve significância para idade ou interação entre gênero e idade.

DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivo caracterizar vozes normais de indivíduos adultos, por décadas, além de verificar o efeito de gênero e idade a partir das medidas acústicas de F0 (da vogal e fala); Jitter; Shimmer e NHR.

Considerando que a análise acústica possibilita inferir sobre os mecanismos fisiológicos da produção vocal(2,3), buscou-se verificar se os parâmetros acústicos investigados poderiam refletir possíveis mudanças, ainda que sutis, de componentes anatômicos e fisiológicos envolvidos na produção da voz de adultos da idade jovem à meia-idade, de ambos os gêneros.

A F0 em adultos foi amplamente reportada na literatura(1,10,11,13-15). No entanto, esse parâmetro acústico foi incluído na investigação devido à necessidade em oferecer informações para uma faixa etária pouca explorada, estendendo-se de adultos jovens à meia-idade.

Medidas da F0 da vogal sustentada e da fala foram apresentadas para ambos os gêneros e grupos etários distintos (19-29 anos, 30-39 anos, 40-49 e 50-59 anos). Ao considerar todos os grupos etários, verificou-se que as medidas da F0 da vogal /a/ e da fala das mulheres foram mais altas do que a dos homens, confirmando achados prévios (2,3,11,14,15), que os justificam pelas diferenças anatômicas e fisiológicas existentes entre os gêneros. A F0 é amplamente afetada pelo gênero do indivíduo, além da idade, por refletir as características das pregas vocais, como comprimento, massa, vibração, alongamento, tensão e sua relação com a pressão subglótica(7).

A F0 de ambas, vogal /a/ e fala, variou em função da idade. Em mulheres, a F0 (da vogal /a/ e fala) de grupos etários mais jovens (décadas de 20 e 30 anos) foi mais elevada do que a de participantes da década de 50 anos. Tal efeito foi verificado até mesmo entre participantes deste estudo das décadas de 20 e 40 anos, sendo que todas as mulheres entre 40-49 anos não haviam passado pelo período da menopausa no momento da coleta de dados, conforme seus relatos. Os resultados deste estudo concordam com achados prévios envolvendo F0 da vogal(9).

A diminuição da F0 vogal /a/ e da fala observada neste estudo na década de 50, por sua vez, poderia ser explicada pela influência das alterações hormonais associadas à menopausa (redução de progesterona e estrógeno (27) e também, das mudanças fisiológicas do envelhecimento (9).

A diminuição da F0 em decorrência de mudanças hormonais que ocorrem durante a menopausa foi reportada por vários estudiosos(2,3,8). Conforme sumarizado por D’haeseleer et al.(8), o período da menopausa pode afetar o tecido laríngeo que, por sua vez, provoca atrofia muscular e edema nas pregas vocais. Mudanças na qualidade vocal em decorrência da menopausa também são reportadas pela autora e incluem rouquidão, mudanças no timbre vocal com dificuldade em atingir notas agudas e instabilidade.

Consistentemente com relatos de investigações prévias que compararam vozes de homens adultos por décadas(1,14), a F0 da vogal /a/ para o gênero masculino não variou em função da idade. Soltani et al.(3) reportaram diminuição da F0 da vogal /a/ para o grupo etário de 50-52 anos, quando comparado com grupos etários mais jovens (20-22, 30-32, 40-42 anos), no entanto, tal diminuição não foi significativa. O fato da F0 da vogal /a/ não variar em função da idade sugere que este parâmetro se mantêm estável em homens adultos até a meia-idade.

Já em relação a F0 da fala, neste estudo, houve diminuição dos valores encontrados em homens de meia-idade. A F0 da fala relaciona-se às características fisiológicas das pregas vocais e ao controle da musculatura da laringe(28). Nishio e Niimi(12) não encontraram diminuição da F0 da fala ao comparar vozes de homens adultos jovens e idosos, por décadas. Um estudo envolvendo 63 homens de 48 a 78 anos de idade encontrou F0 mais elevada para os homens que apresentavam alterações hormonais (redução de estradiol), porém para apenas um terço desta população(29). Os achados da F0 do presente estudo podem ser atribuídos à possíveis alterações hormonais em participantes do gênero masculino.

No presente estudo, variações nas modalidades de tarefas de fala (vogal sustentada ou fala encadeada) poderiam justificar os achados distintos encontrados na F0 de homens, estando a fala encadeada associada às maiores variações e faixa mais ampla de frequências e amplitude(16), quando comparada com a vogal /a/. Informações sobre efeito da idade na F0 em populações de jovens adultos à meia-idade ainda são limitadas, dificultando comparações entre os achados.

De forma geral, a literatura traz informações sobre vozes masculinas, comparando adultos e idosos. Alguns estudos encontraram aumento da F0 da vogal /a/ em idosos (2,3), apontando tal aumento como produto de mudanças hormonais que levariam à redução no tecido muscular de homens em processo de envelhecimento (3). Outros, porém, não observaram diferenças na F 0 entre vozes de jovens e idosos(10,15) ou, ainda, constataram diminuição da F0 da vogal /a/ para idosos, quando comparados com jovens(17). Embora divergências entre os resultados para populações idosas tenham sido observadas, a tendência para aumento da F0 parece ocorrer para homens com idades mais avançadas, não sendo refletidas em grupos etários mais jovens.

As medidas de perturbação de frequência (Jitter) e amplitude (Shimmer) a curto prazo oferecem informações sobre as irregularidades na onda acústica gerada pela laringe que, quando sutis, referem-se às variações normais associadas à produção vocal(19), podendo ser influenciadas tanto pelo gênero quanto pela idade do falante (7).

No presente estudo, a medida de Jitter variou em função do gênero, ou seja, mulheres de 19 a 59 anos apresentaram valores desta medida maiores do que homens com idades correspondentes, concordando com relatos prévios de estudos que investigaram Jitter em adultos(11,19). Valores de Jitter maiores (maior irregularidade nos sinais da voz) para mulheres do que homens poderiam ser justificados por fatores tais como F0 e intensidade vocal(19). No entanto, diferenças significativas de Jitter entre homens e mulheres não foram encontradas em outras populações de adultos (20-40 anos(20), 20-50 anos(1), 30-80 anos(14).

Vale ressaltar que, de forma geral, os valores de Jitter obtidos no presente estudo para participantes de ambos os gêneros encontram-se dentro da faixa de normalidade do MDVP (mulheres = 0,633, com limiar máximo de 1,040; homens 0,59, com limiar máximo de 1,04), conforme reportado na literatura(13,30). Os dados do estudo oferecem informações adicionais de como Jitter se comporta quando vozes normais de adultos de ambos os gêneros são analisadas. Tais achados devem ser considerados para fins clínicos, particularmente quando vozes de mulheres e homens são comparadas.

Quanto à idade, não houve mudança na medida de Jitter ao comparar grupos de adultos jovens até meia-idade, o que corrobora com relatos prévios (1,9,14), sugerindo que a medida de perturbação de frequência apresenta-se estável em adultos, inclusive na meia-idade.

Quanto à medida de Shimmer, não houve diferenças entre os gêneros, concordando com estudos prévios envolvendo a população adulta(1,19,20). Houve interação entre gênero e idade para Shimmer , indicando que, em homens, os valores deste parâmetro acústico mudam com o aumento da idade.

Mais especificamente, valores de Shimmer mais elevados foram observados para adultos da década de 50 anos do que adultos mais jovens (décadas de 20 e 30 anos). Embora estudos prévios tenham identificado valores aumentados de perturbação de amplitude em homens idosos(10,17,18), os dados da presente investigação sugerem que a medida de Shimmer começa a se elevar na fase adulta, particularmente na década de 50 anos, fato sugestivo do início de possíveis modificações anatômicas e fisiológicas da laringe que podem refletir na maior perturbação do sinal acústico, o que se acentuaria com o aumento da idade.

No presente estudo, os valores médios de Shimmer obtidos para homens de G1 (19-29 anos) e G2 (30-39 anos) encontraram-se dentro da medida de normalidade proposta pelo MDVP (2,52; com limiar máximo de 3,810) enquanto para G3 (40-49 anos) e G4 (50-59 anos) estes foram mais elevados. Valor médio de Shimmer mais elevado do que a medida de normalidade do MDVP também foi encontrado para homens adultos em estudos prévios para a década de 30 anos(14) e décadas de 20, 30, 40 e 50 anos(30). Em mulheres, também foram encontrados valores médios de Shimmer mais elevados do que a medida de normalidade proposta pelo MDVP (1,997, com limiar máximo de 3,810) para os grupos etários G1 (19-29 anos), G2 (30-39 anos) e G4 (50-59 anos), concordando com achados reportados previamente(30).

A medida de ruído quantifica o ruído adicional no sinal vocal e pode refletir processos envolvidos no fechamento glótico(2), sendo relevante para fins clínicos. Neste estudo, houve efeito de gênero na medida NHR em que homens apresentaram maior quantidade de ruído no sinal vocal do que mulheres, concordando com achados prévios(1,14,16,20), mas discordou de estudo que encontrou valores elevados desta medida para mulheres (2).

Para a melhor compreensão deste achado, seria importante o desenvolvimento de pesquisas que relacionassem esta medida com outras sobre o fechamento glótico a partir de exames laríngeos. Em relação à idade, os achados deste estudo não apontaram diferenças na medida de NHR entre os grupos estudados, sugerindo que esta medida é mais estável durante a fase adulta, incluindo a meia-idade, com mudanças esperadas somente na terceira idade(21).

Os valores médios de NHR deste estudo apresentaram-se dentro dos valores de normalidade do MDVP, sendo de 0,120 (com limiar máximo de 0,190) para homens e 0,112 (com limiar máximo de 0,190) para mulheres(30).

O presente estudo caracterizou as vozes normais de adultos da idade jovem à meia-idade a partir de um conjunto de medidas acústicas. Ao oferecer dados acústicos para vozes adultas, registrados por décadas, este estudo possibilita a identificação de mudanças sutis que ocorrem no final da fase adulta e que devem ser consideradas na prática clínica, a fim de auxiliar no diagnóstico de doenças que podem afetar a função laríngea desta população.

Para fins clínicos, os achados apresentados neste estudo mostram que as medidas acústicas investigadas apresentaram-se, em sua maioria, dentro dos limites de normalidade (incluindo limiar máximo) do programa MDVP. As medidas de F0 da vogal sustentada e da fala, além da medida de perturbação Shimmer, foram as mais sensíveis para mostrar o efeito da idade sobre a voz. No entanto, os valores de Shimmer foram mais elevados neste estudo do que os limites de normalidade do programa MDVP.

O estudo contribui, ainda, com a descrição da medida da F0 da fala em adultos, uma medida pouco explorada na faixa etária estudada e que pode corroborar na avaliação da voz, já que oferece informações relevantes para o julgamento real da fala em um indivíduo. Além disso, as informações sobre medidas de perturbação analisadas podem colaborar para um maior entendimento sobre o efeito do gênero, já que informações prévias apresentadas ainda são contraditórias.

Apesar da relevância dos achados acústicos do presente estudo, este limita-se a uma faixa etária específica. Futuros estudos são necessários a fim de caracterizar vozes normais ao longo da vida, com ampla faixa etária, a partir de um conjunto de medidas acústicas.

CONCLUSÃO

Mudanças vocais decorrentes do avanço da idade podem ser identificadas, acusticamente, no final da fase adulta e, em mulheres, essas mudanças podem ser marcadas particularmente antes do período da menopausa.

Por meio das medidas estudadas, observou-se que, em relação à idade, mulheres apresentam modificações na medida de F0 da vogal e da fala e, em homens, o início das modificações vocais são apontadas pela medida F0 da fala e de Shimmer. Homens e mulheres apresentam diferenças de gênero nas medidas de F0, Jitte r e NHR. Clinicamente, esses achados acústicos devem ser considerados para efeitos de comparações com populações patológicas.

REFERÊNCIAS

1 Dehqan A, Ansari H, Bakhtiar M. Objective voice analysis of Iranian speakers with normal voices. J Voice. 2010;24(2):161-7. . PMid:19230602.
2 Stathopoulos ET, Huber JE, Sussman JE. Changes in acoustic characteristics of the voice across the life Span: measures from individuals 4-93 years of age. J Speech Lang Hear Res. 2011;54(4):1011-21. . PMid:21173391.
3 Soltani M, Ashayeri H, Modarresi Y, Salavati M, Ghomashchi H. Fundamental frequency changes of Persian Speakers across the life Span. J Voice. 2014;28(3):274-81. . PMid:24461477.
4 Pontes P, Brasolotto A, Behlau M. Glottic characteristics and voice complaint in the elderly. J Voice. 2005;19(1):84-94. . PMid:15766853.
5 Pessin ABB. A voz do idoso: características clínicas, endoscópicas, vocais e morfológicas [tese]. Botucatu: Universidade Estadual Paulista; 2015.
6 Machado FCM, Cielo CA, Lessa MM, Barbosa LHF. Vocal characteristics of elderly women engaged in aerobics in private institutions of Salvador, Bahia. J Voice. 2016;30(1):127-e9. PMid:25795360.
7 Behlau M, Madazio G, Feijó D, Pontes P. Avaliação de voz. In: Behlau M, editor. Voz: o livro do especialista. São Paulo: Revinter; 2001. p. 139-41.
8 D’haeseleer E, Depypere H, Claeys S, Van Borsel J, Van Lierde KM. The menopause and the female larynx, clinical aspects and therapeutic options: a literature review. Maturitas. 2009;64(1):27-32. . PMid:19632797.
9 D’haeseleer E, Depypere H, Claeys S, Wuyts FL, Baudonck N, Van Lierde KM. Vocal characteristics of middle-aged premenopausal women. J Voice. 2011;25(3):360-6. . PMid:20189350.
10 Goy H, Fernandes DN, Pichora-Fuller MK, van Lieshout P. Normative voice data for younger and older adults. J Voice. 2013;27(5):545-55. . PMid:23769007.
11 Demirhan E, Unsal EM, Yilmaz C, Ertan E. Acoustic voice analysis of young Turkish speakers. J Voice. 2016;30(3):378.e21-5. . PMid:26223964.
12 Nishio M, Niimi S. Changes in speaking fundamental frequency characteristics with aging. Folia Phoniatr Logop. 2008;60(3):120-7. . PMid:18305390.
13 Beber BC, Cielo CA. Medidas acústicas de fonte glótica de vozes masculinas normais. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(3):299-304. . PMid:21103722.
14 Santos AO. Parâmetros acústicos e perceptivo-auditivos da voz de adultos e idosos [dissertação]. Bauru: Universidade de São Paulo; 2012.
15 Zraick RI, Smith-Olinde L, Shotts LL. Adult normative data for the KayPENTAX phonatory aerodynamic system model 6600. J Voice. 2012;26(2):164-76. . PMid:21600731.
16 Lortie CL, Thibeault M, Guitton MJ, Tremblay P. Effects of age on the amplitude, frequency and perceived quality of voice. Age. 2015;37(6):117. . PMid:26578457.
17 Xue S, Deliyski D. Effects of aging on selected acoustic voice parameters: preliminary normative data and educational implications. Educ Gerontol. 2011;27(2):159-68.
18 Dehqan A, Scherer RC, Dashti G, Ansari-Moghaddam A, Fanaie S. The effects of aging on acoustic parameters of voice. Folia Phoniatr Logop. 2012;64(6):265-70. . PMid:23328404.
19 Brockmann M, Drinnan MJ, Storck C, Carding PN. Reliable jitter and shimmer measurements in voice clinics: the relevance of vowel, gender, vocal intensity, and fundamental frequency effects in a typical clinical task. J Voice. 2011;25(1):44-53. . PMid:20381308.
20 Felippe ACN, Grillo MHMM, Grechi TH. Normatização de medidas acústicas para vozes normais. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006;72(5):659-64. .
21 Ferrand CT. Harmonics-to-noise ratio: an index of vocal aging. J Voice. 2002;16(4):480-7. . PMid:12512635.
22 Hirano M. Clinical examination of voice. New York: Springer-Verlag; 1981. 100 p.
23 Marino VC, Dutka JDCR, de Boer G, Cardoso VM, Ramos RG, Bressmann T. Normative nasalance scores for Brazilian Portuguese using new speech stimuli. Folia Phoniatr Logop. 2015;67(5):238-44. . PMid:26844554.
24 Parsa V, Jamieson DG. Acoustic discrimination of pathological voice: sustained vowels versus continuous speech. J Speech Lang Hear Res. 2001;44(2):327-39. . PMid:11324655.
25 de Boer G, Bressmann T. Application of Linear Discriminant Analysis to the Long-term Averaged Spectra of Simulated Disorders of Oral-Nasal Balance. Cleft Palate Craniofac J. 2016;53(5):e163-71. . PMid:26068387.
26 Boersma P, Weenink D. Praat: doing phonetics by computer. Version 5.3.56 [Internet]. Amsterdam: University of Amsterdam; 2007 [citado em 2007 Maio 17]. Disponível em: http://www.praat.org
27 Abitbol J, Abitbol P, Abitbol B. Sex hormones and the female voice. J Voice. 1999;13(3):424-46. . PMid:10498059.
28 Baken RJ. The aged voice: a new hypothesis. J Voice. 2005;19(3):317-25. . PMid:16102660.
29 Gugatschka M, Kiesler K, Obermayer-Pietsch B, Schoekler B, Schmid C, Groselj-Strele A, et al. Sex Hormones and the Elderly Male Voice. J Voice. 2010;24(3):369-73. . PMid:19185460.
30 Smits I, Ceuppens P, De Bodt MS. A comparative study of acoustic voice measurements by means of Dr. Speech and Computerized Speech Lab. J Voice. 2005;19(2):187-96. . PMid:15907433.