versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.46 no.3 São Paulo 2020 Epub 13-Mar-2020
http://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20180341
A maioria dos asmáticos consegue obter controle adequado dos sintomas com corticosteroide inalatório, porém aproximadamente 5% não obtêm êxito mesmo com tratamento adequado e boa adesão.(1) Além de alta morbidade, esse grupo é responsável pela maior parte dos gastos em saúde, que chegam a ser maiores do que os de outras doenças crônicas, como diabetes e nefropatias.(2) No Brasil, calcula-se que o custo anual com asma grave ultrapasse mil dólares/paciente/ano.(3)
Apesar de alguns fenótipos reconhecidos, observa-se grande variabilidade na apresentação clínica e nos biomarcadores associados à gravidade da asma. O estudo SARP III de The National Institutes of Health (NIH)/National Heart, Lung, and Blood Institute (NHLBI) observou que, com o avanço da idade, pacientes com asma grave se tornaram mais obesos e menos sensíveis a alérgenos.(4) O estudo europeu do U-BIOPRED verificou frequência mais alta de pólipos nasais e refluxo gastroesofágico(5) em pacientes com asma grave.
No Brasil, alguns estudos descreveram os perfis clínico e sociodemográfico de adultos e crianças asmáticas graves em diferentes regiões.(6-9) Mais recentemente, Kuschnir et al.(10) verificaram associação significativa entre gravidade da asma e síndrome metabólica, em um estudo sobre risco cardiovascular em adolescentes.
Diante da grande diversidade das manifestações clínicas da doença, do impacto negativo na qualidade de vida dos pacientes e dos elevados custos em saúde, ainda é necessário conhecer melhor os fatores relacionados à asma grave em regiões específicas.
Não tem havido uniformidade na definição de asma grave. Em uma reunião de especialistas promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2009, foi proposta uma classificação que incluiu três categorias: asma grave não tratada, asma grave de difícil tratamento e asma grave resistente ao tratamento.(11) No Programa para o Controle da Asma na Bahia (ProAR), há uma coorte de pacientes com asma grave constituída a partir de 2003,(12) utilizando os critérios de gravidade daquela época, que coincidem com a categoria de asma grave não tratada proposta pela OMS. Em um estudo iniciado em 2013, foi observado que a maior parte dos pacientes dessa coorte pode ser considerada pertencente à categoria asma grave de difícil tratamento.(13)
O objetivo deste estudo foi descrever características clínicas, laboratoriais e funcionais, avaliar o nível de controle e identificar fatores associados a maior gravidade da asma em um grupo de pacientes, usuários do Sistema Único de Saúde, acompanhados no ambulatório de referência do Programa para Controle da Asma na Bahia (ProAR), reclassificados de forma retrospectiva, de acordo com os critérios atuais da European Respiratory Society/American Thoracic Society (ERS/ATS) de 2014 (AG-ERS/ATS),(14) que não eram conhecidos quando o estudo original foi iniciado.
Trata-se de um estudo transversal, que foi conduzido mediante análise de dados secundários provenientes de um projeto maior intitulado “Fatores de risco, biomarcadores e endofenótipos da asma grave”.
A população estudada foi constituída por pacientes adultos, acompanhados regularmente desde 2003 no ambulatório central de referência do ProAR – Universidade Federal da Bahia (UFBA), destinado a pacientes com asma grave em Salvador. Para serem admitidos nesse ambulatório, os pacientes deveriam preencher pelo menos um dos critérios de gravidade a seguir, baseados nas diretrizes do NIH-NHBLI Guidelines for the Diagnosis and Management of Asthma(15) e da Global Initiative for Asthma (GINA):(16) sintomas diários; limitação de atividades diárias (sintomas com esforços mínimos); sintomas noturnos mais de duas vezes por semana; uso de broncodilatadores mais de duas vezes ao dia; pico de fluxo expiratório (PEF)/VEF1 < 60% do predito.
No início do estudo principal, cada paciente teve seu diagnóstico confirmado e validado por dois especialistas, mediante revisão dos prontuários, quando foi verificada a presença de sintomas típicos de asma e espirometria comprovando distúrbio ventilatório obstrutivo com reversibilidade significativa (aumento de 12% e 200 ml no VEF1 pós-broncodilatador). Quando havia divergência na validação entre os especialistas, um terceiro era consultado.
Para a inclusão no referido estudo, foram utilizados os seguintes critérios: idade ≥ 18 anos, residência em Salvador ou Lauro de Freitas (BA), diagnóstico de asma validado e acompanhamento no programa havia pelo menos seis meses. Foram excluídos os portadores de condições que poderiam interferir na interpretação dos resultados, como doença pulmonar obstrutiva crônica, sequela de tuberculose extensa, alterações estruturais dos pulmões e gravidez.
Após a seleção dos indivíduos elegíveis, eram feitos contato telefônico e convite para participar do estudo. Na data agendada, era lido o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e os que concordavam e assinavam eram avaliados de forma sistemática em visitas presenciais, que foram realizadas entre janeiro de 2013 e julho de 2015. Uma equipe multidisciplinar devidamente treinada, composta de médicos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos, realizou as avaliações e procedimentos da pesquisa.
A coleta de sangue e as medidas antropométricas foram realizadas com o paciente em jejum. Foram considerados obesos indivíduos com índice de massa corporal (IMC) ≥ 30 kg/m2 (norma da OMS(17)).
O teste cutâneo de leitura imediata foi realizado conforme as diretrizes do GA2LEN/ARIA(18) e avaliou a hipersensibilidade aos aeroalérgenos: Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae, Apergillus flavus, Apergillus niger, Aspergillus fumigatus, Alternaria alternata, Cladosporium herbarum, epitélio de cão, epitélio de gato, Blatella germanica, Periplaneta americana, Paspalum notatum (Bahia grass), Cynodon dactylon (Bermuda grass) (GREER®) e Blomia tropicalis (FDA allergenics). Foram consideradas respostas positivas pápulas ≥ 3 mm que a pápula do controle negativo. As leituras dos testes foram interpretadas por um alergologista.
As espirometrias foram realizadas por uma técnica treinada ou fisioterapeuta certificada pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), usando espirômetro Koko® (PDS Instrumentation Inc., Louisville, CO, EUA), seguindo o protocolo da American Thoracic Society de 1995.(19) O software do espirômetro foi atualizado com valores brasileiros de normalidade.(20)
As amostras de fezes foram avaliadas pelo método de sedimentação espontânea para verificar a presença de parasitas.
O hemograma foi obtido pelo método automatizado Cell-Dyn Ruby e a imunoglobulina E total, pelo método de quimioluminescência. Para avaliar a eosinofilia, considerou-se como ponto de corte a contagem de eosinófilos em sangue periférico de 260 células/mm3, com base no trabalho de Zhang et al.,(21) que encontrou esse valor por meio de análise de curva ROC em uma população com características semelhantes à da população do presente estudo.
A técnica inalatória foi verificada sistematicamente com cada paciente, utilizando-se os seguintes dispositivos: inalador pressurizado com e sem espaçador, Aerolizer®, Turbuhaler® e Diskus®. Foram considerados erros graves a ausência de um dos seguintes passos: colocar entre os lábios, inspirar, prender a respiração (todos os dispositivos). Disparar (inalador pressurizado); abrir o compartimento e colocar a cápsula dentro, apertar os botões do inalador (Aerolizer®), girar o dispositivo (Turbuhaler®). Vale ressaltar que grande parte dos pacientes utilizava mais de um dispositivo, motivo pelo qual o número de avaliações foi muito superior ao tamanho da amostra.
Considerou-se adesão adequada pela avaliação subjetiva/autorrelato quando o paciente referia o consumo de pelo menos 70% das doses na semana da avaliação. Para avaliação objetiva, utilizaram-se registros farmacêuticos de dispensação e a adesão foi considerada adequada, quando o medicamento foi retirado mensalmente pelo paciente nos últimos seis meses da avaliação.
Foram utilizados ainda os questionários ACQ-6 para avaliação de controle,(22) AQLQ de qualidade de vida(23) e QS-DRGE para avaliação de sintomas de doença do refluxo gastroesofágico.(24) Todos foram traduzidos para o português do Brasil e validados na nossa população. Ademais, utilizou-se a classificação da GINA para avaliar o controle dos sintomas.(25)
A escolha dos critérios da ERS/ATS 2014(14) para a reclassificação justifica-se por serem os critérios de definição de gravidade mais recentes e amplamente aceitos, os quais definem asma grave como a que necessita de tratamento conforme a etapa 4 ou 5 da GINA (alta dose de corticosteroide inalatório associado a beta-agonista de longa ação e/ou modificador de leucotrieno e/ou teofilina) no último ano ou corticosteroide sistêmico por ≥ 50% do ano no último ano, para impedir que se torne não controlada ou que permaneça não controlada, apesar do tratamento.
A amostra final, portanto, foi constituída por pacientes que utilizavam doses altas de corticosteroides (iguais ou superiores a 1.600 µg de budesonida ou equivalente) associadas a outro controlador (broncodilatador de longa ação) e/ou corticosteroide sistêmico por tempo igual ou superior a 50% no último ano da avaliação.
Foi utilizado o software estatístico Statistical Package for the Social Sciences para Windows na versão 20.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). As variáveis foram descritas utilizando a mediana e o intervalo interquartílico. Os testes utilizados na análise estatística foram o Qui-quadrado e Exato de Fisher para as variáveis categóricas e Mann-Withney para as numéricas. Foi realizada regressão logística binária para análise multivariada a fim de identificar possíveis previsores para a classificação de gravidade.
Este estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Seres Humanos (Conep), parecer no 450/10.
Dados secundários de 473 pacientes acompanhados no ProAR foram reclassificados e analisados. Oitenta e oito foram considerados portadores de AG-ERS/ATS (Figura 1). A mediana da idade foi de 53 anos (IQ 45-62) e a da idade de início dos sintomas, 9 anos (IQ 1-25). A maioria da amostra (77 [87%]) foi composta de mulheres. Nenhum paciente se declarou fumante atual e 22 (25%) referiram história pregressa de tabagismo. Quase metade dos estudados [43 (49%)] era obesa. A mediana do IMC foi 29 kg/m2 (IQ 26-34). A maioria [73 (83%)] admitiu sintomas de DRGE, com mediana de escores QS DRGE de 9 (IQ 4-15). Quase a totalidade dos casos [87 (99%)] tinha sintomas de rinite. Verificou-se proporção significativamente maior de pacientes com obesidade, DRGE e rinite no grupo com AG-ERS/ATS em relação ao grupo sem AG-ERS/ATS (Tabela 1).
Características | Com AG-ERS/ATS | Sem AG-ERS/ATS | valor p |
---|---|---|---|
n = 88 | n = 385 | ||
Gênero feminino - n (%) | 77(87) | 303 (78) | 0,61¥ |
Idade/anos - Md (IQ) | 53 (45-62) | 51 (42-61) | 0,21 T |
Início dos sintomas de asma ≥ 18 anos - n (%) | 39(44) | 137 (35) | 0,12 ¥ |
Idade do início dos sintomas (anos) Md (IQ) | 9 (1-25) | 10 (2-25) | 0,73 T |
Tabagismo atual - n (%) | 0 | 5 (1) | 0,53 Ω |
Obesidade (IMC ≥ 30 kg/m2) – n (%) | 43 (48) | 140(36) | 0,03 ¥ |
IMC kg/m2 _ Md (IQ) | 29 (26-34) | 28 (24-31) | 0,01 T |
Sintomas de DRGE - n (%) | 73(83) | 252 (65) | <0,01 ¥ |
QS DRGE* em escores - Md (IQ) | 9 (4-15) | 7 (1-12) | 0,01 T |
Sintomas de rinite crônica - n (%) | 87(99) | 359 (93) | 0,04 ¥ |
Uso de beclometasona - n (%) | 78(88) | 111(28) | <0,01 ¥ |
Uso de budesonida - n (%) | 88(69) | 299(77) | 0,26 ¥ |
Uso de fluticasona - n (%) | 17(19) | 67(17) | 0,67 ¥ |
Uso de formoterol - n (%) | 69(78) | 301(78) | 0,14 ¥ |
Uso de salmeterol - n (%) | 17(19) | 68(17) | 0,71 ¥ |
Adesão ao tratamento (registros da farmácia) - n (%) | 50(57) # | 178(46) ## | 0,07 ¥ |
Adesão ao tratamento (autorrelato) - n (%) | 68(77) | 310(80) ### | 0,46 ¥ |
VEF1 pós-BD < 60% - n (%) | 41(46) # | 163(42) | 0,46 ¥ |
VEF1 pós-BD L - Md (IQ) | 1,7(1,3-2,0) | 1,8(1,4-2,3) | 0,32 T |
VEF1 pós-BD % predito - Md (IQ) | 67(55-80) | 69 (58-81) | 0,22 T |
Neutrófilos % - Md (IQ) | 58(51- 65) | 55(48-61) ┴ | <0,01T |
Neutrófilos células/mm3 _ Md (IQ) | 3988(2958-5191) | 3481(2409-4548) ┴ | <0,01T |
Eosinófilos % - Md (IQ) | 3 (1-5) | 4(3-7) ┴ | <0,01T |
Eosinófilos células/mm3 _ Md (IQ) | 209(116-321) | 258(154-403) ┴ | 0,01T |
Eosinófilos > 260 células/mm3 | 32 (36) ┴ | 189(49) ┴ | 0,02 ¥ |
IgE UI/ml - Md (IQ) | 276 (117-423) | 346 (149-517) | 0,10 T |
Teste cutâneo positivo - n (%) | 52 (69) ┴┴ | 224 (63) ┴┴┴ | 0,34 ¥ |
aValores expressos em n (%) para variáveis categóricas e mediana (Md)/intervalo interquartílico (IQ) para variáveis contínuas;
¥Qui-quadrado;
ΩTeste Exato de Fisher;
TTeste de Mann-Withney;
*QS DRGE: Questionário de gravidade de sintomas de Doença do Refluxo Gastroesofágico;
#n: 87 pacientes;
##n: 380 pacientes;
###n: 384 pacientes;
┴n: 381 pacientes;
┴┴n: 75 pacientes;
┴┴┴n: 352 pacientes. n (%): número de casos em valores absolutos e percentual; p: probabilidade de significância.
Os principais corticosteroides inalatórios utilizados como medicação de controle foram beclometasona (78 [88%]), budesonida (69 [78%]), fluticasona (17 [19%]), mometasona (1 [1%]) e broncodilatadores de longa ação: Formoterol (69 [78%]) e Salmeterol (17 [19%]). Muitos pacientes usaram uma combinação de corticosteroides inalados para permitir dose mais alta. A maioria dos pacientes apresentou adesão adequada segundo o autorrelato [68 (77%)], mas essa proporção foi menor quando avaliada por registros da farmácia [50 (57%)]. Foram realizadas 977 avaliações de técnica de uso de dispositivos inalatórios e em apenas 6 (0,6%) casos foram evidenciados erros graves com comprometimento da técnica inalatória.
A mediana dos valores absolutos e percentuais do VEF1 e a do FEF25-75 pós-BD foram ligeiramente inferiores nos pacientes com AG-ERS/ATS [VEF1 pós-BD = 1,7L (IQ: 1,3-2,0) e VEF1 pós-BD = 67% (IQ: 55-80); FEF25-75 = 0,9 l/s (IQ: 0,6-1,5) e FEF25-75 = 37% (IQ: 26-64)] em relação aos sem AG-ERS/ATS [VEF1 pós-BD = 1,8 l (1,4-2,3) e VEF1 pós-BD = 69% (IQ: 58-81) e FEF25-75 = 1,1 l/s (IQ: 0,7-1,8) e FEF25-75 = 41% (30-63) com diferença estatisticamente significativa apenas em relação ao valor absoluto de VEF1 (Tabela 1).
A contagem absoluta e relativa de eosinófilos no sangue periférico [209 células/mm3 (IQ: 16-321) e 3% [(IQ: 1-5), respectivamente] foi significativamente menor nos pacientes com AG-ERS/ATS, quando comparada a dos pacientes sem AG-ERS/ATS [258 células/mm3 (IQ: 154-403) e 4% (IQ: 3-7)]. O contrário ocorreu em relação aos valores de contagem absoluta e relativa de neutrófilos [3.988 células/mm3 (IQ: 2.958-5.191)] e [58% (IQ: 51-65), respectivamente], que foi significativamente maior nos pacientes com AG-ERS/ATS, em relação aos sem asma grave [3.481 células/mm3 (IQ: 2.409-4.548) e 55%(48-61)].
A mediana da concentração de IgE total foi de 276 IU/mL (IQ: 117-423) e 52 (69%) pacientes apresentaram teste cutâneo positivo para aeroalérgenos (Tabela 1), entre os pacientes com AG-ERS/ATS.
Realizaram exame parasitológico de fezes 446 pacientes. Apenas 10 (2%) apresentaram parasitas associados à eosinofilia (quatro com estrongiloidíase, três com ascaridíase e três com esquistossomose). Apenas dois pacientes com AG-ERS/ATS tiveram parasitológico de fezes positivo e apenas um destes teve contagem de eosinófilos no sangue periférico superior a 260 células/mm3. A baixa proporção de pacientes com parasitológico de fezes positivo nessa categoria descarta a influência de parasitose no resultado da contagem de eosinófilos.
A verificação de fatores associados à AG-ERS/ATS foi feita pela regressão logística multivariada. Foram incluídas no modelo as variáveis idade, idade de início dos sintomas, gênero, obesidade (IMC > 30 kg/m2), rinite, DRGE e contagem de eosinófilos > 260 células/mm3.
A análise mostrou que pacientes com sintomas de DRGE tiveram 2,28 vezes mais chances de ter AG-ERS/ATS do que os sem essas queixas. Pacientes com contagem de eosinófilos > 260 células/mm3 tiveram 42% menos chances de ter AG-ERS/ATS em relação aos que tiveram valores de eosinófilos ≤ 260 células/mm3 (Tabela 2).
Variável | Efeito bruto | Efeito ajustado* |
---|---|---|
(OR; IC95%) | (OR; IC95%) | |
Gênero feminino | 1,89 (0,96-3,73) | 1,41 (0,71-2,59) |
Idade em anos | 1,00 (0,98-1,02) | |
Início dos sintomas de asma ≥ 18 anos | 1,44 (0,90-2,3) | 1,50 (0,89-2,52) |
Obesidade* | 1,67 (1,05-2,67) | 1,46 (0,89-2,39) |
Sintomas de DRGE | 2,57 (1,42-4,65) | 2,28 (1,22-4,23) |
Sintomas de rinite | 6,30 (0,84-47,7) | 4,55 (0,58-35,4) |
Eosinófilos > 260 células/mm3 | 0,58 (0,36-0,94) | 0,58 (0,35-0,96) |
*IMC ≥ 30 (OMS). ERS: European Respiratory Society; ATS: American Thoracic Society; AG: Asma Grave; OR: Odds Ratio; IC95%: Intervalo de Confiança de 95%; DRGE: Doença do Refluxo Gastroesofágico.
Pacientes com AG-ERS/ATS tiveram morbidade significativamente maior [procuraram a emergência 1,5 vez mais (IC95%: 1,09-2,32) e usaram corticosteroide oral no último ano 3,8 vezes mais (IC95%: 2,40-6,16) quando comparados a pacientes sem AG-ERS/ATS] (Tabela 3).
Característica | AG-ERS/ATS | AG-ERS/ATS | valor p | RP (IC95%) |
---|---|---|---|---|
Sim | Não | |||
n = 88 | n = 385 | |||
Visitas a serviço de emergência n (%) | 35 (39) | 104 (27) | <0,01¥ | 1,59 (1,09-2,32) |
Uso de corticoide oral n (%) | 68 (77) | 198 (51) | 0,01¥ | 3,85 (2,40-6,16) |
História de internação n (%) | 6 (6) | 16 (4) | <0,28¥ | 1,50 (0,74-3,05) |
Valores expressos em n (%). n (%): número de casos em valores absolutos e percentual; p: probabilidade de significância; RP (IC95%): Razão de Prevalência com Intervalo de Confiança de 95%.
¥Teste do Qui-quadrado.
Nos pacientes com AG-ERS/ATS, a mediana do escore do ACQ-6 foi de 1,5 (IQ: 0,8-2,3) e a do AQLQ foi de 3,4 (IQ 2,5-4,7), mostrando mau controle e pior qualidade de vida, respectivamente, com diferença estatisticamente significativa quando comparados aos escores dos pacientes sem asma grave. Pela classificação categórica da GINA, 24 (27%) pacientes estavam controlados, 35 (39%) estavam parcialmente controlados e 29 (32%) estavam não controlados (Tabela 4).
Características | AG-ERS/ATS | AG-ERS/ATS | p valor |
---|---|---|---|
Sim | Não | ||
n = 88 | n = 385 | ||
Escore de ACQ-6 - Md (IQ) | 1,5 (0,8-2,3) | 0,8 (0,3-1,6) | <0,01T |
Escore de AQLQ - Md (IQ) | 3,4 (2,5-4,7) | 4, 6 (3,5-5,6) | <0,01T |
Nível de controle da GINA - n (%) | <0,01¥ | ||
Controlados | 24 (29) | 184 (47) | |
Parcialmente controlados | 35 (39) | 136 (35) | |
Não controlados | 29(32) | 65 (16) |
Valores expressos em Md (IQ); mediana e intervalo interquartílico. n (%). n (%): número de casos em valores absolutos e percentual; p: probabilidade de significância; ACQ-6: Asthma Control Questionnaire; AQLQ: Asthma Quality of Life Questionnaire; GINA: Global Initiative for Asthma; ERS: European Respiratory Society; ATS: American Thoracic Society; AG: Asma Grave.
¥Teste do Qui-quadrado;
TTeste de Mann-Withney.
Em nosso estudo a proporção de AG-ERS/ATS foi maior do que a apresentada na literatura em geral, em amostras de serviços especializados. Esse resultado se justifica por se tratar de pacientes acompanhados em ambulatório específico para asma grave. Para serem admitidos no programa no passado, deveriam, inicialmente, preencher os critérios de gravidade vigentes na época, a partir de 2003, e foram reclassificados segundo critérios mais atuais de gravidade, a partir de 2015.
Nenhum paciente se declarou fumante. O tabagismo é uma condição de exclusão para dispensação do formoterol + budesonida, de acordo com portaria do Ministério da Saúde. É possível que alguns pacientes tenham omitido essa informação durante a entrevista. Alguns trabalhos que utilizaram medidas indiretas de tabagismo, como cotinina urinária, evidenciaram omissão do hábito de fumar entre pacientes asmáticos. Em um estudo realizado com 1.341 indivíduos em Salvador (BA), incluindo a amostra avaliada no presente estudo, Pinheiro et al.(26) observaram níveis elevados de cotinina urinária entre alguns não fumantes autodeclarados e tabagistas pregressos, especialmente em pacientes com asma grave. Stelmach et al.(27) verificaram 38% de omissão entre pacientes asmáticos e portadores de DPOC em um estudo conduzido em um ambulatório de referência em São Paulo.
Quanto ao tratamento, os pacientes recebem gratuitamente os medicamentos que constam da Rename e/ou da lista de componentes especializados da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, padronizadas pelo SUS. A discrepância entre a adesão declarada e obtida pela farmácia se explica, em parte, pelo desabastecimento das farmácias da rede pública ocorrido em alguns períodos ao longo do estudo principal, fazendo que os pacientes precisassem adquiri-los com recursos próprios. Considerando o autorrelato, nossos índices são superiores aos descritos na literatura.(28) A proporção extremamente baixa de erros na técnica inalatória resulta da abordagem multiprofissional e da educação continuada aplicada aos pacientes acompanhados no ProAR.
Quanto às comorbidades, os pacientes com AG-ERS/ATS estudados apresentaram mais obesidade, sintomas de DRGE e rinite quando comparados àqueles sem asma grave (Tabela 1).
A proporção de pacientes obesos neste estudo foi elevada, sobretudo no grupo com asma grave. Estudos mostram prevalência maior de asma entre obesos,(29) que tendem a ter pior controle e mais comprometimento da função pulmonar.(30) Heaney et al.(31) observaram a mediana de IMC semelhante à de nosso estudo em pacientes com asma refratária, em um estudo multicêntrico no Reino Unido. Vários mecanismos fisiopatológicos foram propostos para justificar essa associação,(32) mas a relação causal ainda não foi claramente estabelecida.
Sintomas de DRGE foram mais frequentes em pacientes com AG-ERS/ATS, assim como a mediana de escores do questionário QS-DRGE. Ademais, a associação entre asma grave e sintomas de DRGE foi encontrada tanto na análise bruta quanto na ajustada. A prevalência de DRGE na população em geral varia entre 8% e 33%(33) e nos asmáticos ultrapassa 50%.(34) A “teoria do refluxo e reflexo”(35) propõe que tanto o refluxo leva à asma quanto a asma leva ao refluxo. Embora o atual estudo tenha sido baseado em autorrelato, utilizou-se o questionário validado QS-DRGE,(24) o que elevou a confiabilidade dessa informação.
Nossos resultados corroboram também a hipótese da “doença da via aérea única”(36). O estudo multicêntrico norte-americano TENOR II identificou rinite alérgica como a comorbidade mais frequente entre pacientes com asma grave/difícil tratamento.(37)
A relação inversa entre a contagem de eosinófilos > 260 células/mm3 e mais gravidade da asma pode ser explicada pelo perfil da nossa amostra. Por definição, AG-ERS/ATS inclui a necessidade de altas doses de corticosteroides, que sabidamente induzem apoptose dos eosinófilos e inibem a apoptose dos neutrófilos.(38) Ortega et al.(39) observaram, em um estudo de vida real, decréscimo na contagem de eosinófilos no sangue após o uso de corticosteroide em pacientes com asma grave ou persistente. Além disso, nossa amostra é formada, em sua maioria, por mulheres e, em grande parte, obesas, fenótipo que pode estar associado ao perfil não TH2. Ademais, sabe-se que pacientes com asma eosinofílica tendem a responder melhor a corticosteroides, o que não os qualificaria, em geral, para os critérios de AG-ERS/ATS. É importante destacar o estudo de Lima-Matos et al.,(13) que constatou associação entre número de eosinófilos no sangue ≥ 260 células/mm3, falta de controle e mais gravidade da asma. Os autores avaliaram uma população proveniente do mesmo centro de referência e incluíram a amostra de pacientes com asma grave utilizada em nosso estudo. Foram incluídos pacientes sem asma, com asma leve a moderada e asma grave e, nesse último grupo, foram utilizados critérios prévios de gravidade que estão incluídos na proposta de uniformização apresentada à OMS.(11) A diferença entre os resultados dos dois estudos reflete o quanto a escolha do critério de gravidade pode influenciar na identificação de grupos com características clínicas distintas.
Pacientes com AG-ERS/ATS apresentaram também mais visitas a serviços de emergência, pior controle e qualidade de vida. Nossos resultados estão dentro do esperado e concordam com estudos similares.(40)
Ao reavaliar 473 pacientes classificados como tendo asma grave, conforme critérios prévios, o presente estudo verificou que apenas 88 (18%) pacientes se enquadravam na categoria asma grave segundo a classificação ERS/ATS de 2014. Sintomas de refluxo gastroesofágico foram associados a AG-ERS/ATS e contagem de eosinófilos > 260 células/mm3, ao contrário, esteve inversamente associada a AG-ERS/ATS.