versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.16 no.1 São Paulo 2018 Epub 23-Abr-2018
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082018ao4092
O envelhecimento da população e os avanços da medicina moderna contribuíram para o aumento significativo da prevalência de doenças crônicas e degenerativas. Como muitas dessas doenças são incuráveis, cabe considerar cuidadosamente o prognóstico individual no processo de tomada de decisão clínica e priorizar a qualidade de vida no gerenciamento dos cuidados.(1)
A medicina paliativa tem por objetivo satisfazer as necessidades dos pacientes acometidos por doenças que ameaçam a vida e aliviar o sofrimento físico, psicossocial e espiritual.(2) No entanto, os cuidados paliativos não podem se limitar aos cuidados terminais e devem ser oferecidos aos pacientes durante o curso da doença, a fim de otimizar os benefícios. Estima-se que 40 milhões de pessoas no mundo necessitem de cuidados paliativos em algum momento, sendo que as enfermidades não malignas progressivas representam a maior proporção de pacientes, seguidas por câncer.(3) Mesmo dados de países em desenvolvimento, como o Brasil, indicam que as condições crônicas degenerativas são mais frequentemente associadas à elegibilidade para cuidados paliativos.(4) Isso se aplica principalmente a idosos que sofrem declínio físico e funcional no curso da doença e, não raro, vão a óbito por complicações de doenças de longa evolução, como demência, insuficiência cardíaca e doença renal.(5-7)
Neste contexto, o planejamento avançado de cuidados deveria ajudar os pacientes a se preparar para tomar decisões referentes a seu próprio tratamento, de preferência levando em conta seus valores pessoais e a relação custo-benefício das alternativas. Não há, porém, um consenso sobre a melhor maneira de se avaliar o prognóstico em pacientes geriátricos, e a indicação oportuna da transição do cuidado terapêutico para o cuidado exclusivamente paliativo representa um desafio constante.(8,9) Em vista disso, o cuidado paliativo é implementado tardiamente em muitos pacientes idosos não oncológicos,(10) e alguns fatores importantes, como estado funcional, cognitivo e nutricional, são frequentemente subestimados. A identificação e a comunicação de sinais de alarme indicativos de deterioração clínica seriam de grande utilidade para os clínicos.(7)
Uma vez que a população em questão é hospitalizada com frequência, e os estudos indicam que até 36% dos pacientes internados satisfazem os critérios de indicação de cuidados paliativos, os hospitais deveriam aproveitar tal oportunidade para avaliar os pacientes e planejar os cuidados clínicos cabíveis, com base em critérios e medidas preestabelecidas.(11)
Investigar as características clínicas e laboratoriais associadas à indicação de cuidados exclusivamente paliativos em idosos gravemente enfermos; descrever as taxas de sobrevivência em 12 meses associadas a tal indicação; e avaliar a participação do paciente e da família no processo de tomada de decisão.
Estudo prospectivo de coorte baseado em dados de idosos gravemente enfermos, com histórico de internações consecutivas na ala de geriatria de um hospital universitário terciário de São Paulo (SP), entre janeiro de 2009 e agosto de 2013.
Esta unidade geriátrica possuía 18 leitos e recebia pacientes não cirúrgicos e não ortopédicos de idade igual ou superior a 60 anos, destinados à internação. Todos os pacientes eram acompanhados por uma equipe multidisciplinar composta por geriatras, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, assistentes sociais, psicólogos e nutricionistas. Embora a idade fosse o único critério formal de internação, a unidade consistia em uma ala especializada destinada preferencialmente a idosos de alta vulnerabilidade e com quadros de alta complexidade clínica encaminhados pelo pronto-socorro. Pacientes que já estavam sob cuidados exclusivamente paliativos no momento da internação e casos com dados incompletos, no que se refere às principais covariáveis, foram excluídos da análise.
Os dados foram extraídos de exames geriátricos abrangentes e padronizados realizados nas primeiras 24 horas de internação.(12) As avaliações foram realizadas por geriatras assistentes, sob supervisão da equipe permanente de geriatras.
O desfecho primário foi a indicação clínica de cuidados exclusivamente paliativos na ala geriátrica, segundo princípios propostos pelo Gold Standards Framework.(13) No momento da alta ou em caso de óbito, os médicos responsáveis registravam se o cuidado paliativo tinha sido instituído durante a hospitalização. Além disso, eram coletados também dados relativos a fatores clínicos, que contribuíram para a indicação de cuidados exclusivamente paliativos; existência de encontros com familiares/cuidadores; percepção do paciente de seu próprio diagnóstico e prognóstico; prescrição de opioides para alívio de sintomas; e prescrição de sedação terminal.
As avaliações realizadas na admissão continham informações detalhadas sobre diagnósticos clínicos, características sociodemográficas, medicações prescritas, estado cognitivo e funcional, exame físico e exames laboratoriais.(14,15) O estado funcional foi mensurado com base em seis atividades da vida diária (AVDs) e nove atividades instrumentais da vida diária (AIVDs).(16,17) Cada AVD e AIVD foi pontuada de acordo em uma escala de zero a 2, na qual escores mais elevados representavam maior independência.(18) A gravidade da demência foi classificada de acordo com a escala de Avaliação Clínica da Demência (CDR - Clinical Dementia Rating).(19) O diagnóstico de delírio foi baseado nos critérios do Confusion Assessment Method (CAM), aplicados no ato da internação e ao longo do período de hospitalização.(20,21) A polifarmácia foi definida como o uso crônico de cinco ou mais medicamentos. As cargas de comorbidades e doença foram avaliadas por meio do índice de comorbidades de Charlson et al., e do Burden of Illness Score for Elderly Patients (BISEP), respectivamente.(15,22) Informações adicionais referentes a novos diagnósticos e complicações, estado funcional e resumo de alta hospitalar foram incluídas no ato da alta ou óbito.
Os óbitos hospitalares foram registrados no final do período de hospitalização. A taxa de mortalidade em 12 meses foi determinada por meio de contato telefônico com os pacientes ou cuidadores, ou com base em dados administrativos do hospital (contatos infrutíferos).
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Humanos, protocolo número 368.073, CAAE: 18474613.5.0000.0068. Todas as informações de saúde individualmente identificáveis foram guardadas em armários trancados e/ou servidores eletrônicos seguros.
A análise descritiva das características demográficas, clínicas e laboratoriais foi realizada com base em médias, desvios padrão, medianas e intervalos interquartis (IQR), contagens e proporções. As variáveis categóricas em cada grupo foram comparadas empregando-se o teste χ2. As variáveis contínuas foram comparadas empregando-se o teste t de Student ou o teste de Mann-Whitney (Wilcoxon Rank-Sum Test), conforme indicado. Os preditores independentes de cuidado paliativo foram investigados por meio da regressão logística backwards stepwise, retendo-se as covariáveis com valor de p <1. A taxa de sobrevida foi representada por meio curvas de Kaplan-Meier e testada empregando-se testes log-rank. Todos os testes estatísticos foram bicaudais, aceitando-se um erro alfa de até 5%. As análises estatísticas foram realizadas empregando-se Stata 14 (Stata Corp, College Station, Texas, EUA).
Foram incluídos 572 casos de uma amostra inicial de 624 internações consecutivas de idosos gravemente enfermos. Foram excluídos 15 (2%) casos por se tratarem de pacientes que já estavam sob cuidados exclusivamente paliativos no momento da internação, e 37 (6%) por avaliação incompleta. Os dados faltantes foram considerados não preferenciais e corresponderam ao período inicial do ano, coincidente com as 4 semanas de treinamento dos assistentes para aplicação do modelo de avaliação geriátrica abrangente.
A média de idade dos pacientes incluídos na amostra foi 81 anos, sendo 63% mulheres. A taxa geral de mortalidade hospitalar foi de 21%, com mortalidade cumulativa de 39% em 12 meses. A maioria dos pacientes tinha menos de 4 anos de educação (69%) e expressou filiação religiosa (75%). Ao todo, 53% casos tinham índice de comorbidade de Charlson de quatro ou superior, e 57% apresentaram escore BISEP grupo IV. O diagnóstico de câncer foi dado a 98 (17%) pacientes, dos quais 40 apresentavam lesões metastáticas. Na admissão, quase metade dos pacientes (47%) mostrou-se totalmente dependente para AVDs e AIVDs, e 37% apresentaram demência moderada à grave. A probabilidade de óbito durante o período de acompanhamento foi maior nos pacientes com doença renal crônica, doença cerebrovascular, câncer, demência avançada, delírio, polifarmácia, histórico de perda de peso, dependência funcional, úlceras de pressão e baixos níveis de albumina (Tabela 1).
Tabela 1 Características da população associadas à mortalidade hospitalar e mortalidade após 12 meses
Características | Total (n=572) | Óbito hospitalar | Óbito após 12 meses (pacientes que tiveram alta) | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Não (n=450) | Sim (n=122) | Valor de p | Não (n=350) | Sim (n=100) | Valor de p | |||
Dados demográficos | ||||||||
Idade, anos (DP) | 81 (±8) | 81 (±8) | 82 (±9) | 0,185 | 80 (±8) | 82 (±8) | 0,884 | |
Mulheres, n (%) | 362 (63) | 288 (64) | 74 (61) | 0,497 | 230 (66) | 58 (58) | 0,156 | |
Casados, n (%) | 210 (37) | 158 (35) | 52 (43) | 0,127 | 118 (34) | 40 (40) | 0,245 | |
Comorbidades, n (%) | ||||||||
Insuficiência cardíaca | 178 (31) | 142 (32) | 36 (30) | 0,665 | 104 (30) | 38 (38) | 0,116 | |
Doença cerebrovascular | 120 (21) | 100 (22) | 20 (16) | 0,161 | 64 (18) | 36 (36) | <0,001 | |
DPOC | 72 (13) | 58 (13) | 14 (11) | 0,676 | 44 (13) | 14 (14) | 0,707 | |
Doença renal crônica | 146 (26) | 102 (23) | 44 (36) | 0,003 | 58 (17) | 44 (44) | <0,001 | |
Depressão | 144 (25) | 118 (26) | 26 (21) | 0,268 | 94 (27) | 24 (24) | 0,567 | |
Câncer* | 98 (17) | 54 (12) | 44 (36) | <0,001 | 44 (13) | 10 (10) | 0,485 | |
Charlson, mediana (IQR) | 4 (2,6) | 4 (2,5) | 4 (2,7) | 0,062 | 3 (3,5) | 4 (3,6) | <0,001 | |
Síndromes geriátricas, n (%) | ||||||||
Polifarmácia | 266 (47) | 198 (44) | 68 (56) | 0,021 | 168 (48) | 30 (30) | 0,001 | |
Atividades de vida diária | ||||||||
Independente | 127 (22) | 103 (23) | 24 (20) | 0,029 | 20 (71) | 32 (32) | 0,001 | |
Parcialmente dependente | 176 (31) | 148 (33) | 28 (23) | 130 (37) | 18 (18) | |||
Totalmente dependente | 269 (47) | 199 (44) | 70 (57) | 149 (43) | 50 (50) | |||
Demência avançada* | 128 (22) | 102 (23) | 26 (21) | 0,75 | 68 (19) | 34 (34) | 0,002 | |
Delírio* | 230 (40) | 150 (33) | 80 (66) | <0,001 | 106 (30) | 44 (44) | 0,010 | |
Úlceras por pressão | 66 (12) | 44 (10) | 22 (18) | 0,011 | 28 (8) | 16 (16) | 0,018 | |
Perda de peso | 160 (28) | 106 (24) | 54 (44) | <0,001 | 88 (25) | 18 (18) | 0,138 | |
Testes laboratoriais | ||||||||
Hemoglobina, g/dL (DP) | 11,3 (±2,4) | 11,3 (±2,4) | 11,2 (±2,4) | 0,644 | 110,5 (±20,4) | 100,9 (±20,1) | 0,023 | |
TFG, mL/min (IQR) | 45 (30,65) | 47 (31,64) | 41 (22,74) | 0,312 | 50 (35,65) | 31 (23,52) | <0,001 | |
Albumina, g/dL (DP) | 3,3 (±0,6) | 3,4 (±0,6) | 3,0 (±0,6) | <0,001 | 30,5 (±00,6) | 30,1 (±00,5) | <0,001 | |
Indicação para cuidados paliativos | 152 (27) | 76 (17) | 76 (62) | <0,001 | 52 (15) | 24 (24) | 0,031 |
*dados consolidados na alta hospitalar.
DP: desvio padrão; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; IQR: intervalo interquartil.
Os cuidados exclusivamente paliativos foram indicados durante a internação hospitalar em 27% dos casos, em uma mediana de 4 dias (IQR: 1,7) após a admissão. A instituição formal de cuidados paliativos foi precedida por encontros com familiares/cuidadores em 89% dos casos; mas, segundo os médicos responsáveis, apenas 11% de 70 pacientes com indicação paliativa (e sem comprometimento cognitivo significativo) estavam cientes de seu prognóstico. Os opioides foram prescritos em 49% dos casos com indicação de cuidados paliativos e a sedação terminal foi empregada em 5% dos óbitos hospitalares.
Os principais fatores clínicos associados à indicação de cuidados paliativos foram demência avançada (45%), câncer (38%), insuficiência cardíaca congestiva (25%), insuficiência renal estágios IV ou V (24%), doença pulmonar obstrutiva crônica (8%) e cirrose (4%). As complicações mais frequentes no grupo de cuidados paliativos foram delírio (p<0,001), infecções (p<0,001) e úlceras por pressão (p<0,001). Após a análise multivariada, os fatores sexo masculino, câncer, demência avançada e baixos níveis séricos de albumina foram identificados como preditores independentes da indicação de cuidados exclusivamente paliativos (Tabela 2).
Tabela 2 Preditores de indicação para cuidados paliativos em idosos hospitalizados
Cuidados paliativos (%) | Odds ratios não ajustadas | Odds ratios ajustadas* | Valor de p ajustado | ||
---|---|---|---|---|---|
Idade, 10 anos | - | 1,02 (0,82-1,28) | - | - | |
Sexo | |||||
Feminino | 22 | Ref. | Ref. | Ref. | |
Masculino | 34 | 1,84 (1,26-2,68) | 2,12 (1,32-3,40) | 0,002 | |
Casado | |||||
Sim | 30 | Ref. | - | - | |
Não | 25 | 0,79 (0,54-1,16) | |||
Insuficiência cardíaca | |||||
Não | 20 | Ref. | - | - | |
Sim | 29 | 1,64 (1,08-2,52) | |||
Doença cerebrovascular | |||||
Não | 25 | Ref. | - | - | |
Sim | 33 | 1,52 (0,98-2,35) | |||
DPOC | |||||
Não | 28 | Ref. | - | - | |
Sim | 24 | 0,63 (0,34-1,17) | |||
Doença renal crônica | |||||
Não | 27 | Ref. | - | - | |
Sim | 26 | 0,96 (0,63-1,48) | |||
Câncer | |||||
Não | 22 | Ref. | Ref. | Ref. | |
Sim | 51 | 3,80 (2,42-5,97) | 7,36 (4,16-13,03) | <0,001 | |
Demência avançada | |||||
Não | 17 | Ref. | Ref. | Ref. | |
Sim | 61 | 7,8 (5,05-12,04) | 12,6 (7,5-21,2) | <0,001 | |
Atividades da vida diária | |||||
Independente | 16 | Ref. | - | - | |
Parcialmente dependente | 15 | 0,97 (0,52-1,82) | |||
Totalmente dependente | 39 | 3,43 (2,0-5,86) | |||
Albumina, g/dL | - | 0,31 (0,22-0,43) | 0,25 (0,17-0,38) | <0,001 |
*regressão logística backwards stepwise
Ref.: categoria de referência; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica.
No grupo de cuidados paliativos, a mortalidade hospitalar foi de 50%, e a mortalidade cumulativa em 12 meses chegou a 66%. O risco não ajustado de morte associado à indicação de cuidados paliativos foi de 4,57 (intervalo de confiança de 95% − IC95%: 3,33-6,26; p<0,001) para óbitos hospitalares, e de 1,55 (IC95%: 1,06-2,29; p=0,026) para óbito durante o período de acompanhamento de 12 meses. A probabilidade de sobrevida, de acordo com a indicação de cuidados paliativos, encontra-se representada na figura 1.
A decisão de quando indicar e implementar cuidados exclusivamente paliativos a pacientes idosos é uma questão complexa. Embora um em cada quatro idosos gravemente enfermos internados em alas geriátricas seja encaminhado para cuidados paliativos, não há um consenso sobre a melhor forma de se avaliar e comunicar o prognóstico em populações geriátricas. O estabelecimento de melhores diretrizes clínicas pode contribuir para a identificação precoce de pacientes hospitalizados, que poderiam se beneficiar de cuidados paliativos, além de fornecer informações relevantes a pacientes e cuidadores envolvidos no processo de tomada de decisão.
Os clínicos que adotam as diretrizes atuais de cuidados paliativos tendem a se concentrar em pacientes oncológicos, podendo negligenciar outros aspectos importantes do cuidado geriátrico. Na verdade, as principais causas de internação de idosos correspondem a condições não neoplásicas, como doenças cardiovasculares e respiratórias, além da demência.(23) Achados deste estudo mostram que pacientes do sexo masculino, indivíduos com câncer, aqueles com demência avançada e os com baixos níveis de albumina têm maior probabilidade de serem encaminhados para cuidados exclusivamente paliativos. Dois em cada três pacientes sob cuidados paliativos faleceram no período de 12 meses após a internação, sendo a maioria dos óbitos em hospitais.
Um consenso de 2011 propôs cinco critérios principais para a avaliação da indicação de cuidados paliativos na admissão: sobrevida esperada abaixo de 12 meses, internações hospitalares frequentes, sintomas físicos ou psicológicos recorrentes, necessidade de cuidados complexos, dependência funcional e failure to thrive.(24) No entanto, tal proposta não foi direcionada a idosos. A importância de outros fatores, além daqueles clássicos, considerados indicativos de potenciais candidatos a cuidados paliativos, foi destacada na população estudada. Além disso, este estudo confirmou a relevância de comorbidades não neoplásicas para o embasamento da indicação de cuidados paliativos em idosos gravemente enfermos, mostrando que não só o câncer, mas também a demência avançada, a insuficiência cardíaca congestiva, a doença renal, a doença pulmonar obstrutiva crônica e a cirrose constituem motivos importantes de indicação.(23)
Uma revisão sistemática realizada por Coventry et al., revelou que diversas características gerais e específicas para a doença foram descritas como variáveis potencialmente preditoras da indicação de cuidados paliativos em idosos, podendo auxiliar os clínicos na tomada de decisão. No entanto, tais modelos prognósticos foram considerados pouco acurados.(25)
Nesta coorte, sexo masculino, demência avançada e baixos níveis de albumina foram preditores independentes da indicação de cuidados exclusivamente paliativos. Tais variáveis mostraram-se associadas a importantes complicações clínicas, como delírio, infecções e úlceras por pressão. O conhecimento dos fatores potencialmente envolvidos na indicação de cuidados exclusivamente paliativos e a confrontação deles com preditores de morte em pacientes sob cuidados paliativos representam um passo importante na seleção de estratégias adequadas de tratamento para idosos.
De fato, demência avançada, baixos níveis de albumina, delírio e úlceras por pressão mostraram-se associados a maiores taxas de mortalidade hospitalar e ao longo de 12 meses, neste estudo. Além disso, pacientes do sexo masculino tiveram maior probabilidade de encaminhamento para cuidados paliativos, embora o sexo do paciente não tenha emergido como preditor significante de morte. Questões relacionadas ao sexo não foram bem exploradas no âmbito do cuidado paliativo. Sabe-se que homens são menos propensos a discutir sua terminalidade do que mulheres,(26) em aparente contraste com os resultados apresentados. Porém, outras diferenças, como a forma como homens e mulheres vivenciam a dor e o sofrimento, e a influência do sexo nas relações cuidador-paciente carecem de investigação mais profunda antes que se possam tirar quaisquer conclusões. O câncer também foi um preditor independente da indicação de cuidados exclusivamente paliativos e esteve associado à mortalidade hospitalar, mas não à mortalidade em 12 meses.
A mortalidade hospitalar significativamente mais alta observada no grupo de cuidados paliativos sugere que estas medidas foram implementadas mais tarde no curso da doença dos pacientes estudados. Acreditamos que a introdução de cuidados paliativos em estágios mais precoces da doença, sobretudo durante a fase de seguimento em Atenção Primária, poderia ter beneficiado muitos pacientes.(27) Em uma pesquisa envolvendo 2.000 óbitos por câncer, Beccaro et al., relataram que o acesso a serviços de cuidados paliativos guarda relação com as caraterísticas sociodemográficas dos pacientes e cuidadores, inclusive maior escolaridade.(28) Como este estudo foi realizado em um hospital público, muitos dos pacientes atendidos dependiam exclusivamente dos recursos do sistema público de saúde. O acesso deficitário à Atenção Primária de qualidade pode comprometer tanto a implementação oportuna de ações curativas e preventivas, como aquelas voltadas para a qualidade de vida.
A maioria dos familiares e cuidadores participou da decisão de se optar por cuidados paliativos. Porém, o número de pacientes aparentemente envolvidos no processo e até mesmo conscientes de seu próprio prognóstico foi baixo. Isso não significa necessariamente que as preferências de idosos sejam ignoradas, mas mostra a influência da família no seu cuidado, sobretudo em países latinos.(29) Em estudo envolvendo 220 participantes, Bullock et al., relataram que as crenças culturais, os valores e os padrões de comunicação têm impacto importante na tomada de decisão relativa ao término da vida.(30)
Além disso, estudos prévios mostraram que médicos têm dificuldade em compartilhar informações completas, e muitos pacientes preferem não ter acesso a informações detalhadas sobre sua própria saúde, o que pode ter contribuído para os resultados deste estudo.(31)
Os opioides foram amplamente utilizados no tratamento de pacientes sob cuidados paliativos. Embora tais drogas sejam importantes e muitas vezes essenciais nesse contexto, seus potenciais eventos adversos não devem ser ignorados, e seu uso deve ser criterioso.(32) Em contrapartida, poucos casos necessitaram de sedação terminal. Tal achado não surpreende, uma vez que se trata de uma estratégia de última escolha para o tratamento de sintomas refratários e dor. No entanto, o alto número de pacientes com demência associada a quadros de delírio hipoativo também deve ser considerado.(33)
Este estudo teve limitações. Trata-se de um estudo unicêntrico envolvendo uma unidade especializada no cuidado de pacientes geriátricos de alta complexidade − muitos dos quais sem acesso à Atenção Primária adequada antes da internação. Embora isso possa ter limitado a generalização dos resultados apresentados, estudos prévios também indicaram que fatores sociodemográficos podem limitar o acesso a cuidados paliativos.(28)
Somente prontuários médicos contendo registros de indicação de cuidados exclusivamente paliativos no resumo de alta hospitalar foram revisados em detalhes. Embora isto possa ter gerado erros de classificação, as diferenças significativas observadas entre os grupos de cuidados paliativos e não paliativos sugerem erros potencialmente mínimos. Finalmente, a decisão de se instituir cuidados exclusivamente paliativos pode ter refletido a falha de medidas terapêuticas prévias − o que não foi mensurado neste estudo. Do mesmo modo, as intervenções específicas dos cuidados paliativos não foram exploradas em detalhes, fato que nos impede de apresentar dados adicionais sobre o uso de opioides e a prescrição de sedação terminal.
Além do câncer, a demência avançada é um desencadeador importante para indicação de cuidados exclusivamente paliativos; delírio, úlceras por pressão e hipoalbuminemia são preditores importantes de morte. Embora poucos pacientes estivessem sob cuidados paliativos no momento da admissão, muitos se encontravam nesta situação no final do período de internação. Considerando que idosos hospitalizados podem não ter passado por triagem para cuidados paliativos antes da internação, é importante que os clínicos reconheçam tais fatores como indicadores de mau prognóstico, e que implementem ações rápidas para proporcionar o melhor cuidado possível para seus pacientes e respectivos cuidadores e familiares.