versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.27 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2019 Epub 13-Jun-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201900020059
Sexual violence affects several segments of society and requires urgent action. Women are the main victims of this injury, that can generate countless implications. Thus, the role of health services is essential for coping with this problem and ensuring greater adherense to outpatient treatment.
The aim of this study was to analyze the characteristics of women victims of sexual violence and abandonment of ambulatorial treatment follow-up.
This is a descriptive, retrospective analytical, quantitative study of 161 women's medical records attended at a referral service for sexual violence in Goiânia-GO, in 2015.
Most women were adults (65.8%), residents in Goiânia (55.3%), employed (50.3%), high school graduates (30.4%), single (55,3%), browns (44.1%), heterosexuals (74.5%), without disabilities (85.1%). There was an association between the abandonment of ambulatorial follow-up and receipt of prophylaxis STD (p<0.001), immunoglobulin for hepatitis B (p=0.002), emergency contraception (p=0.010), initiate the antiretroviral regimen (p=0.003) and abandonment of follow-up after the first visit (p <0.001). There was significant between pregnant women victims and the completion of treatment (p <0.001).
It is concluded that when knowing the factors related to non-adherence for ambulatorial follow-up, new strategies should be developed by specialized services.
Keywords: violence against women; sexual violence; ambulatorial care; loss of follow-up
A violência sexual afeta vários segmentos da sociedade e, sendo considerada um problema de saúde pública, requer ações resolutivas1. Mesmo atingindo homens e mulheres em todo o mundo, as mulheres são as principais vítimas desta injúria, em qualquer ciclo de sua vida2. Segundo o 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram registrados 47.646 casos de estupro no Brasil em 2014. Isso significa um estupro a cada 11 minutos. Porém, considera- se que em média apenas 35% dos crimes sexuais são notificados3.
De acordo com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), considerando todas as faixas etárias, o tipo de violência contra a mulher mais notificado é a violência física (64,8%), seguida da violência psicológica (25,7%), negligência (11,6%) e violência sexual (11,3%)4.
No ano de 2015, em Goiás, na população adulta (20 a 59 anos), foram notificados 1332 casos de violência física sofrida por pessoas do sexo feminino e 778 nas do sexo masculino. A violência psicológica aparece em segundo lugar, com 439 notificações (mulheres) e 92 (homens). O terceiro tipo mais frequente é a violência sexual, responsável por 217 ocorrências em mulheres e 10 em homens5.
Dentre os tipos de violência contra as mulheres, a sexual, embora não seja o tipo mais frequente, em geral, é vista como aquela que pode causar consequências mais impactantes que as demais2.
As consequências deste grave problema de saúde pública na vida das pessoas são várias. Mulheres que sofrem violência sexual estão mais propensas ao desenvolvimento de sintomas psiquiátricos e distúrbios psicossomáticos; além de estarem expostas a contrair doenças sexualmente transmissíveis e terem gravidez indesejada6.
Há ainda implicações familiares, sociais e aumento da demanda nos serviços de saúde, por vítimas deste agravo7. Outros problemas podem ser desenvolvidos na vida sexual, afetiva, social e profissional, tornando estas mulheres mais vulneráveis, menos confiantes e seguras, levando-as a desenvolver sentimentos negativos, como culpa e tristeza, e favorecendo a depressão8.
No caso de gravidez decorrente da violência sexual, a situação torna-se ainda mais grave em virtude das consequências para a saúde tanto da mãe quanto do recém-nascido, tais como abortos, parto e nascimento prematuro, baixo peso ao nascer, interrupção da amamentação e até morte materna e/ou fetal9.
O papel dos serviços de saúde é essencial para o enfrentamento da violência sexual. Os profissionais envolvidos no atendimento às vítimas devem ser preparados para lidar com as possíveis consequências, como lesão física, infecções sexualmente transmissíveis (IST), gravidez e problemas psicológicos2.
O abandono do seguimento ambulatorial é um problema enfrentado pelos serviços especializados neste tipo de atendimento. A literatura verifica uma taxa de abandono do seguimento ambulatorial de 24,5%, e aponta a necessidade de estratégias de atendimento que motivem a vítima de violência sexual a finalizar o tratamento10.
Para um maior sucesso no tratamento ambulatorial, é necessário que os serviços que atendem este público acolham as vítimas de forma ágil, respeitosa e em ambiente harmonioso, com vista na importância de iniciar o tratamento recomendado o mais rápido possível e atuar diante das preocupações imediatas das vítimas11.
A partir desse contexto, o presente estudo tem como objetivo descrever as características de mulheres vítimas de violência sexual e abandono de seguimento de tratamento ambulatorial.
Trata-se de um estudo descritivo, analítico, retrospectivo com abordagem quantitativa. Utilizaram-se, para tanto, dados secundários coletados dos prontuários e fichas de notificação de mulheres atendidas em um ambulatório de referência no atendimento às vítimas de violência sexual em Goiânia-GO, de janeiro a dezembro de 2015.
O Ambulatório de Apoio a Vítimas de Violência Sexual (AAVVS) atende de forma integral vítimas de violência sexual de todas as faixas etárias, sexo e gênero. O serviço é composto por uma equipe multidisciplinar. As vítimas são atendidas na instituição por demanda espontânea ou por encaminhamento por delegacias, rede básica de saúde, Conselho Tutelar e Ministério Público.
No que concerne ao atendimento à vítima, o ambulatório pesquisado oferece os serviços de anticoncepção de emergência, profilaxia contra IST, imunoprofilaxia contra hepatite B, quimioprofilaxia antirretroviral, acompanhamento laboratorial, interrupção legal da gestação, acompanhamento psicológico, médico e de assistência social12.
Foram levantados 165 prontuários, porém houve 4 perdas devido a erro de arquivamento, pois 4 prontuários não estavam disponíveis para pesquisa, após três tentativas de acesso no Serviço de Arquivamento Médico e Estatística (SAME). Assim, a população de estudo foi constituída por 161 prontuários e fichas de notificação.
Foram considerados como critério de inclusão todos os prontuários e fichas de notificação de pessoas do sexo feminino, que foram vítimas de violência sexual e atendidas no ambulatório de janeiro a dezembro de 2015, com idade igual ou maior que 18 anos. Excluíram- se os prontuários com erros de registro e arquivamento.
A fonte de informação para este estudo foi composta pelo prontuário médico e ficha de notificação de cada paciente, dos quais foram coletados dados sociodemográficos (data de nascimento, idade, município de residência, ocupação, escolaridade, situação conjugal, raça/cor, orientação sexual, deficiência ou transtorno), sobre o atendimento/tratamento realizado (profilaxia IST / HIV e Hepatite B, coleta de sangue, coleta de sêmen e/ou secreção vaginal, contracepção de emergência, aborto previsto em lei) e desfecho do caso (adesão ao tratamento até alta pela equipe ou abandono). As informações foram coletadas no período de março a junho de 2016 e transcritas em formulário elaborado para a pesquisa.
Os dados quantitativos encontrados foram organizados e tabulados no programa Microsoft Office Excel 2015, por meio de estatística descritiva com uso de frequências, médias, percentual e desvio padrão e estatística inferencial utilizando Testes de Quiquadrado e Exato de Fisher, para verificar a associação entre as variáveis do atendimento após a violência sexual com o abandono de seguimento ambulatorial, sendo consideradas estatisticamente significantes as diferenças em que p foi menor que 5% (p<0,05).
Nesta pesquisa, foram classificados como abandono todos os prontuários em que não constava alta pela equipe.
O estudo foi submetido e aprovado via Plataforma Brasil e no Comitê de Ética do Hospital Materno Infantil, com parecer 1.445.406 e CAAE: 50903515.6.0000.5080.
Todas as etapas da pesquisa respeitaram as recomendações propostas pelo Conselho Nacional de Saúde, através da Resolução 466/2012, que apresenta as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.
Em relação à idade das mulheres, a média foi de 28,3±10,9 anos. A maioria das mulheres não tinha deficiência (85,1%).
A Tabela 1 mostra as características sociodemográficas de mulheres vítimas de violência sexual, evidenciando que mais da metade destas tinha idade entre 18 e 29 anos (65,8%), eram procedentes de Goiânia (55,3%), exerciam alguma atividade remunerada (50,3%), tinham ensino médio completo (12,4%), eram solteiras (55,3%) e pardas (44,1%).
Dados Sociodemográficos | n | (%) |
---|---|---|
Idade | ||
18 a 29 | 106 | 65,8% |
30 a 41 | 39 | 24,2% |
42 e + | 16 | 10% |
Procedência | ||
Goiânia | 89 | 55,3% |
Aparecida de Goiânia | 33 | 20,5% |
Trindade | 6 | 3,7% |
Senador Canedo | 5 | 3,2% |
Outros municípios | 26 | 16,1% |
Outros Estados | 2 | 1,2% |
Ocupação | ||
Empregada | 81 | 50,3% |
Não informado | 32 | 19,9% |
Do lar | 25 | 15,5% |
Estudante | 15 | 9,3% |
Desempregada | 5 | 3,1% |
Aposentada | 3 | 1,9% |
Escolaridade | ||
Analfabeta | 1 | 0,6% |
5ª a 8ª série incompleta do Ensino Fundamental | 13 | 8,1% |
5ª a 8ª série completa do Ensino Fundamental | 19 | 11,8% |
Ensino médio incompleto | 20 | 12,4% |
Ensino médio completo | 49 | 30,4% |
Educação superior incompleta | 14 | 8,7% |
Educação superior completa | 14 | 8,7% |
Não informado | 31 | 19,3% |
Estado Civil | ||
Solteira | 89 | 55,3% |
Casada | 38 | 23,6% |
Separada judicialmente | 19 | 11,8% |
Sem informação | 8 | 5% |
Viúva | 7 | 4,3% |
Raça | ||
Parda | 71 | 44,1% |
Branca | 60 | 37,3% |
Sem informação | 15 | 9,3% |
Negra | 13 | 8,1% |
Indígena | 1 | 0,6% |
Amarela | 1 | 0,6% |
n = número de casos; % = porcentagem
Em relação ao atendimento ofertado pelo ambulatório, 85,1% das vítimas receberam profilaxia IST, 79,5% iniciaram esquema antirretroviral, 61,5% receberam profilaxia contra Hepatite B, 59,6% tomaram pílula para contracepção de emergência, 96,9% fizeram coleta de sangue na instituição, a coleta de sêmen/secreção vaginal não foi feita em 99,4% dos casos e em 1 (6%) não havia esta informação.
Analisando-se o seguimento ambulatorial das mulheres que compuseram a amostra do estudo, 100 (62,2%) abandonaram o tratamento, sendo que 40 (24,8%) das vítimas não retornaram ao ambulatório após a primeira consulta. Sessenta e uma (37,8%) mulheres concluíram o tratamento estabelecido pela equipe.
A Tabela 2 aborda o atendimento dispensado e o abandono de seguimento ambulatorial, demonstrando que houve relação do abandono com o fato de as vítimas receberem profilaxia DST (p<0,001) e Hepatite B (p=0,002), iniciarem profilaxia HIV (p<0,003) e receberem anticoncepção de emergência (P=0,010). O abandono de seguimento após a primeira consulta também foi significante (<0,001). Houve relação entre o fato de a mulher estar gestante e o seguimento ambulatorial até a alta (P <0,001).
Variáveis sobre o atendimento dispensado |
Abandono de seguimento do tratamento n = 100 |
% | Tratamento n = 61 | % | Valor p |
---|---|---|---|---|---|
Profilaxia DST | |||||
Sim | 95 | 95% | 42 | 70% | <0,001 |
Não | 5 | 5% | 18 | 30% | |
Profilaxia HIV | |||||
Sim | 90 | 90% | 38 | 63,3% | 0,003 |
Não | 10 | 10% | 22 | 36,6% | |
Profilaxia Hepatite B | |||||
Sim | 71 | 72,4% | 28 | 46,6% | 0,002 |
Não | 27 | 27,5% | 32 | 53,3% | |
Contracepção de emergência | |||||
Sim | 68 | 67,3% | 28 | 46,6% | 0,010 |
Não | 31 | 31,3% | 32 | 53,3% | |
Gestante após a violência | |||||
Sim | 2 | 2% | 16 | 26,2% | <0,001 |
Não | 98 | 98% | 45 | 73,7% | |
Abandono após a primeira consulta | |||||
Sim | 38 | 38% | 61 | 100% | <0,001 |
Não | 62 | 62% | 0 | 0 |
n = número de casos; % = porcentagem. Teste de Quiquadrado ou exato de Fisher, com significância para p < 0,05
Este estudo permitiu conhecer as características de mulheres vítimas de violência sexual e os fatores relacionados ao abandono de seguimento de tratamento ambulatorial. Verificou-se uma casuística de 165 atendimentos ocorridos no ano de 2015.
Um estudo descritivo, com abordagem quantitativa realizado no período de 2009 a 2013, que buscou apresentar o quadro de violência sexual contra a mulher no Brasil, com base nas notificações realizadas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), apontou um número de casos de 183 notificações, no ano de 2013, no Estado de Goiás13.
O serviço analisado no estudo apresenta um elevado número de atendimentos por ser porta aberta, amplamente divulgado pela mídia, e por realizar todos os procedimentos preconizados pelo Ministério da Saúde14 às vítimas de violência sexual.
Verifica-se neste estudo que a violência sexual atinge mulheres em diferentes fases do ciclo vital, desde jovens a idosas e os resultados demonstram que houve maior número de ocorrências na faixa etária de 18 a 29 anos (65,8%). Informações semelhantes foram encontradas em outras pesquisas, nas quais constataram-se médias de idade de 23,715 e entre 19 e 30 anos16.
A literatura evidencia de forma simplista que as jovens estão mais sujeitas a sofrer violência sexual, devido aos padrões culturais dos brasileiros, uma vez que a aparência é mais bela, em evidência, e atrai a atenção dos homens, o que leva à insegurança, atitudes dominadoras e violentas do sexo masculino17.
Outro estudo traz que a persistência de visões tradicionais dos estereótipos de gênero marca o discurso das jovens de ambas as classes sociais, especialmente forte entre as jovens de classe baixa, o que acaba por levá-las a uma aceitação mais “resignada” e naturalizada do exercício dos tipos de violência e do controle por parte de um parceiro18.
Em relação ao nível de escolaridade descrito nos dados, houve uma predominância de mulheres com ensino médio completo (30,4%). Um trabalho abordando este aspecto é consoante ao resultado encontrado, ao apontar que 18,29% das mulheres que vivenciaram violência sexual tinham ensino médio completo17. Porém, outros estudos apontam maior frequência de estupro em mulheres que tinham apenas ensino fundamental15,19.
As principais vítimas de violência sexual são mulheres com menor grau de instrução e nível socioeconômico baixo, possivelmente porque as mulheres menos esclarecidas e dependentes financeiramente do parceiro têm maior dificuldade para romper os ciclos de agressões. Sendo assim quanto maior a escolaridade maior o empoderamento pessoal da mulher, a autoestima e a independência promovendo redução da tolerância à violência16.
Analisando-se o estado civil das vítimas que compuseram este estudo, percebe-se predomínio de mulheres solteiras (55,3%), resultado esse corroborado por outros estudos15,17,20. Ressalta-se que, em muitas vezes, as mulheres casadas se submetem à violência, mas não procuram os serviços de atendimento por não encararem a violência como violação de seus direitos e devido à dependência de seus parceiros21.
Em relação à raça, verificou-se neste estudo maior frequência de mulheres que se declararam pardas (44,1%). Porém, a maior parte das pesquisas afirmam que indivíduos da cor branca são os mais acometidos em casos de violência sexual17,21,22. Ressalta-se que não se pode afirmar que as mulheres brancas são as mais atingidas, em virtude da subnotificação de outros grupos étnicos18.
Observamos que, no tocante à condição de trabalho, a maioria das mulheres (50,3%) era remunerada. Mulheres que desenvolvem algum tipo de atividade remunerada geralmente buscam mais os serviços de apoio, com o objetivo de encontrar estratégias para a superação da situação de violência, aliado a isto, demonstram um enfrentamento mais positivo e mais autonomia16.
Em relação à deficiência, somente 11 mulheres (6,8%) tinham algum grau de limitação. As mulheres vítimas de violência sexual, com algum grau de deficiência são mais vulneráveis, devido às suas limitações. As deficientes físicas são inábeis para a defesa pessoal, devido à limitação dos movimentos e as deficientes mentais podem ser mais facilmente violentadas devido à menor consciência sobre a realidade23.
Nesta pesquisa, houve uma maior frequência de vítimas procedentes da Capital, seguida pela região metropolitana, consonante a outro estudo realizado no Estado do Paraná, em que 52,4% das vítimas eram provenientes de Curitiba e 44,6% da região metropolitana24. Mulheres que vivem na capital e região metropolitana têm mais facilidade de acesso aos serviços de saúde, já as vítimas provenientes da zona rural ou interior do Estado contam com menor rede de serviços de apoio, e, devido a maior dificuldade de acesso, geralmente não procuram os serviços especializados localizados nas Capitais25.
Neste estudo, as mulheres atendidas no serviço receberam medicamentos para profilaxia IST em 85,1% dos atendimentos. Resultado diferente do encontrado em um estudo de corte transversal, na Região Sul, com uma taxa de 52%, verificando-se também que ser atendida em 72 horas e receber profilaxias não resultou em menor proporção de IST11.
A profilaxia para patologias virais inclui a prevenção ao HIV e Hepatite B. Na presente pesquisa, a maior parte das vítimas iniciou a quimioprofilaxia HIV (79,5%) e recebeu imunoglobulina contra Hepatite B (61,5%). A maior adesão à profilaxia HIV é justificada pelo temor da vítima em contrair o vírus11.
No atendimento à vítima de violência sexual, grande parte das mulheres realizou coleta de sangue na instituição (96,9%). A coleta de sangue imediata, realizada no momento de admissão da vítima de violência sexual é necessária para estabelecer a eventual presença de IST, HIV ou hepatite prévias à violência. Entretanto, tal coleta não deve retardar o início da profilaxia14.
Em relação à coleta de sêmen/secreção vaginal, 99,4% das mulheres não a realizaram na Unidade. O dado está dentro do esperado, visto que a coleta de vestígio não é procedimento padronizado pelo serviço, sendo de responsabilidade do Instituto Médico Legal. Dentre as recomendações atuais do Ministério da Saúde14 no atendimento à vítima de violência sexual, este não é um procedimento obrigatório aos serviços que atendem este público.
Analisando-se a contracepção de emergência no presente estudo, a maioria (59,6%) das mulheres recebeu a pílula contraceptiva. Um estudo verificou que mulheres serem atendidas em até 72 horas e receberem contracepção de emergência foi fator de proteção significativo para gravidez (p=0,001)11.
Em relação ao seguimento ambulatorial no serviço analisado, o tempo estabelecido para o tratamento completo é de 180 dias, vista a importância do acompanhamento ambulatorial de mulheres que apresentam risco elevado de contaminação pelo HIV, a exemplo das vítimas que vivenciaram violência sexual com penetração vaginal e/ou anal desprotegida com ejaculação14,26.
Na presente pequisa, as vítimas que realizaram a primeira consulta após a violência abandonaram o tratamento ambulatorial (<0,001). Estudo realizado em um serviço de referência no atendimento de vítimas de violência sexual no Estado do Paraná constatou que, de um total de 394 vítimas da violência sexual que compareceram ao primeiro atendimento, apenas 228 (57,8%) retornaram para outra consulta10. Porém outro estudo evidenciou que a maioria dos atendimentos à mulher foi também em nível ambulatorial (15.842/72,6%), e 77,2% (16.879) dos casos evoluíram para alta13.
No presente estudo, houve uma baixa adesão (37,8%) à conclusão do tratamento ambulatorial pelas vítimas, evidenciando um alto abandono no seguimento de tratamento em relação a outros serviços13,18. A reduzida continuidade do seguimento ambulatorial está relacionada às diversas causas como ausência de qualidade do serviço de saúde, falta de diálogo entre vítima e profissional de saúde e efeitos colaterais dos medicamentos que interferem na qualidade de vida da mulher em tratamento14.
Houve uma relação entre o início do esquema de antirretrovirais (p=<0,003) e contracepção de emergência (P=0,010) com o abandono de seguimento do tratamento ambulatorial. Uma pesquisa apontou que, de um total de vítimas de violência sexual atendidas em um Serviço de Referência no Estado do Paraná, que iniciaram a profilaxia antirretroviral e fizeram uso da contracepção de emergência, somente 19,5% concluíram o tratamento de 180 dias10.
Alguns fatores relacionados à vítima interferem na adesão ao protocolo de quimioprofilaxia do HIV, tais como lembranças da violência sofrida, a falta de entendimento da importância da realização do tratamento completo. Isto também se agrava pelo número de comprimidos diários, rigidez de horários e os efeitos colaterais. Outro fator associado é o fato de a vítima não entender a importância de um tratamento profilático, pois não há doença instalada27.
No presente estudo, a cobertura profilática para a hepatite B está relacionada com o abandono de seguimento de tratamento (P=0,002). A imunoglobulina hiperimune contra hepatite B fornece imunidade provisória por um período de 3 a 6 meses após a administração, é indicada quando não se sabe a situação vacinal ou falha de resposta imunológica à vacina. Quando é verificada a necessidade de esquema vacinal, é interessante acompanhamento para que sejam feitos testes para analisar o desenvolvimento de anticorpos anti-HBS suficientes contra o vírus da hepatite B28.Um estudo com o mesmo desenho metodológico da presente pesquisa não encontrou dados significantes ao realizar análise estatística sobre o atendimento de emergência e a perda de seguimento ambulatorial, mas trouxe significância em relação à baixa escolaridade (P=0,0268), presença de doenças crônicas (p<0,0001), antecedente de violência sexual (p<0,0001) e ser agredida por conhecidos (p=0,044)29.
Neste trabalho houve associação entre o fato de a mulher estar gestante decorrente de violência sexual e a conclusão do tratamento com alta, pela equipe do ambulatório (P <0,001). Um estudo que teve como objetivo avaliar a adesão à terapia antirretroviral em gestantes HIV positivas, em um ambulatório no Paraná, apontou que apenas 2 mulheres (5,4%) não realizaram o tratamento estabelecido durante a gestação, o que mostra boa adesão deste público30.
Observa-se uma particularidade em relação às gestantes decorrentes de violência sexual que buscam atendimento no serviço em análise. A grande maioria não procura o ambulatório logo após a violência sexual. A procura por ajuda médica é motivada, em geral, por sintomas sugestivos de gravidez como amenorreia, tonturas e enjoos. Por vezes as mulheres desconhecem programas de atendimento à mulher vítima de violência sexual, não sabem da importância das medidas profiláticas, bem como do direito legal à interrupção da gestação31.
Ainda que a temática da violência contra a mulher esteja assumindo maior visibilidade na literatura, ainda restam maiores investigações, principalmente relacionadas aos fatores de não adesão ao seguimento ambulatorial, em virtude da escassez de estudos sobre este aspecto e a importância de seu desvendamento, para proposição de estratégias a serem desenvolvidas pelos serviços especializados no atendimento às vítimas de violência sexual.
Por se tratar de uma pesquisa descritiva, realizada a partir de dados coletados de prontuários, houve limitações no desenvolvimento do trabalho e análise estatística das variáveis, pois alguns itens apresentaram dados sem informação, os quais não puderam ser resgatados, pois não houve contato com as vítimas.
Ressalta-se que, apesar das limitações do estudo, os dados foram valiosos para o conhecimento do perfil de mulheres vítimas de violência sexual no Estado de Goiás e os fatores relacionados ao abandono de seguimento ambulatorial. Mas sugere-se que sejam feitos outros estudos qualitativos com profissionais e serviços especializados para o levantamento de estratégias capazes de motivar a vítima de violência sexual a finalizar o tratamento proposto.
Porém, sabe-se que o amparo, encorajamento e acolhimento proporcionados pelos profissionais de saúde são fundamentais para a qualidade do atendimento, o que pode contribuir para uma maior adesão ao tratamento pelas vítimas deste agravo.