versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.44 no.1 São Paulo jan./fev. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562016000000078
Os transtornos do sono têm um impacto substancial na qualidade de vida dos pacientes e em seu desempenho no trabalho.1 A prevalência de queixas de sono na Colômbia é de 59,6%.2,3 Entre os transtornos do sono, o distúrbio respiratório do sono é o que tem as consequências mais graves e deletérias para a saúde, e estudos mostram aumentos substanciais de sua prevalência.4,5
Diversos estudos mostram que, à medida que a altitude aumenta, aumenta também a possibilidade de transtornos. Esses transtornos relacionam-se com diminuição da PaO2 em virtude de mudanças da altitude, embora em alguns casos as evidências sugiram que estão mais intimamente relacionados com alterações hipóxicas do que com pressão atmosférica (PA) reduzida.6 No entanto, qual é o efeito da descida de altitude no distúrbio respiratório do sono? Poderia ele ser explicado por alterações em três variáveis atmosféricas - a densidade do ar (e, portanto, a viscosidade através de uma via aérea superior criticamente estreitada), o conteúdo de oxigênio e a pressão barométrica ou efeito compressivo externo?7 Na tentativa de responder a essas perguntas, realizamos três estudos polissonográficos em um paciente residente na cidade de Bogotá, na Colômbia. Cada estudo foi realizado em uma cidade colombiana diferente, a saber: Bogotá [a 2.640 m acima do nível do mar (ANM)]; Bucaramanga (a 959 m ANM) e Santa Marta (a 15 m ANM). Os dados obtidos receberam pontuação e foram interpretados de acordo com os critérios da American Academy of Sleep Medicine.8
Relatamos o caso de um oficial de saúde pública de 57 anos nascido em Bogotá e realizador de extensas viagens domésticas e internacionais. O histórico médico relevante incluía diabetes mellitus controlado por meio de dieta - o paciente havia recebido diagnóstico de diabetes mellitus 10 anos antes - e tonsilectomia na infância. Quando este texto foi redigido, o paciente era fumante (com carga tabágica de 6 anos-maço). Além de ter relatado que não usava nenhuma medicação, o paciente relatou que não lhe era possível ter uma alimentação normal durante suas viagens; sua dieta geralmente consistia em sanduíches e sopa. Relatou que só bebia álcool em ocasiões especiais.
O paciente relatou ronco, sonolência diurna, fadiga e dores de cabeça matinais. Antes dos três estudos polissonográficos, descreveu seu sono como sendo geralmente muito bom. O exame físico mostrou que o paciente tinha 1,74 m de altura e peso = 94 kg, índice de massa corporal = 31,04 kg/m2, circunferência da cintura = 110 cm e circunferência do pescoço = 47 cm. O restante do exame físico foi normal. O paciente obteve 11 pontos na Escala de Sonolência de Epworth.
O estudo polissonográfico realizado em Bogotá mostrou latência do sono = 4 min e eficiência do sono = 82%. Houve aumento do sono non-rapid eye movement (NREM) estágio 1 (para 24% do tempo total de sono) e diminuição do sono rapid eye movement (REM - para 18% do tempo total de sono). O índice de apneias e hipopneias (IAH) foi de 21 eventos por hora de sono, indicando apneia do sono moderada na posição supina. Os eventos respiratórios consistiram principalmente em hipopneias, que foram mais frequentes durante o sono NREM. O evento mais longo durou 25 s. Houve ronco. Foram observadas apenas 6 apneias centrais sem respiração periódica (Tabela 1). O paciente não apresentou movimentos periódicos significativos das pernas durante o sono. A maioria dos despertares esteve relacionada com eventos respiratórios, com taxa de 3 por hora. A média de saturação de oxigênio foi de 86% com o paciente acordado e diminuiu para 74% durante os eventos.
Variável | Cidade (altitude) | ||
---|---|---|---|
Bogotá (2.640 m ANM) | Bucaramanga (959 m ANM) | Santa Marta (15 m ANM) | |
Data | |||
17/02/2014 | 14/10/2014 | 5/08/2014 | |
Peso, kg | 94 | 94 | 94 |
Eficiência do sono, % | 82 | 75 | 81 |
Latência do sono, min | 4 | 26 | 11 |
Latência do sono REM, min | 64 | 53 | 94 |
Sono NREM estágio 1, % | 24 | 20 | 19 |
Sono NREM estágio 2, % | 46 | 46 | 40 |
Sono NREM estágio 3, % | 12 | 11 | 6 |
Sono REM, % | 18 | 23 | 35 |
Apneias centrais, n | 6 | 0 | 6 |
Apneias obstrutivas, n | 37 | 11 | 26 |
Apneias mistas, n | 0 | 0 | 0 |
Hipopneias, n | 69 | 3 | 6 |
IAH, eventos/h | 21 | 2 | 7 |
IAH em posição supina, eventos/h | 39 | 2 | 12 |
Índice de despertares, eventos/h | 3 | 10 | 1 |
SpO2, % | 74-86 | 86-94 | 88-94 |
Frequência cardíaca, bpm | 66-91 | 67-74 | 66-70 |
ANM: acima do nível do mar; REM: rapid eye movement; NREM: non-rapid eye movement; e IAH: índice de apneias e hipopneias.
O estudo polissonográfico realizado em Bucaramanga mostrou latência do sono ligeiramente prolongada (latência de 26 min) e diminuição da eficiência do sono (eficiência de 75%). Houve aumento do sono NREM estágio 1 (para 20% do tempo total de sono). O sono REM correspondeu a 23% do tempo total de sono. O IAH foi de 2 eventos por hora de sono. Houve despertares em virtude de esforço respiratório e achatamento da curva respiratória, indicando limitação do fluxo aéreo (Tabela 1). Houve ronco. Não foram observados eventos centrais. O paciente teve 10 despertares por hora. O evento mais longo durou 18 s. Não houve movimentos periódicos das pernas durante o sono. A média de saturação de oxigênio foi de 94% com o paciente acordado e diminuiu para 86% durante o sono.
O estudo polissonográfico realizado em Santa Marta mostrou latência do sono = 11 min e eficiência do sono = 81%. Houve aumento do sono NREM estágio 1 (para 19% do tempo total de sono) e do sono REM (para 35% do tempo total de sono). Houve 6 apneias centrais sem respiração periódica (Tabela 1). O IAH foi de 7 eventos por hora de sono, indicando apneia do sono leve, predominantemente na posição supina. Os eventos respiratórios consistiram principalmente em apneias obstrutivas, predominantemente durante o sono NREM. Houve ronco. O evento mais longo durou 23 s. O paciente não apresentou movimentos periódicos significativos das pernas durante o sono. A média de saturação de oxigênio foi de 94% com o paciente acordado e diminuiu para 88% durante os eventos respiratórios. O paciente teve 4 despertares por hora.
Embora esperássemos uma relação linear entre apneia do sono e altitude, constatamos que a cidade na qual o paciente apresentou o menor IAH situava-se a uma altitude intermediária (Bucaramanga, a 959 m ANM). Em Bogotá, a cidade de maior altitude (a 2.640 m ANM) e onde o paciente residia quando este texto foi redigido, a polissonografia (PSG) revelou apneia do sono moderada (IAH = 21 eventos/h). Isso pode ser explicado pelo processo de aclimatação, pelo qual o número de apneias centrais pode diminuir e eventos obstrutivos podem ocorrer. Em Bucaramanga, o paciente apresentou aumento da resistência das vias aéreas superiores, ao passo que em Santa Marta, a cidade de menor altitude (a 15 m ANM), ele apresentou apneia leve do sono (IAH = 7 eventos/h). O maior IAH foi observado na cidade de maior altitude, um achado coerente com a literatura. No entanto, o efeito da descida de altitude no IAH no presente estudo contrasta com o relatado por Patz et al.,7 que estudaram 11 pacientes e observaram uma redução do IAH na descida. Os autores constataram que a redução do IAH foi predominantemente uma redução das apneias centrais e hipopneias, que diminuíram 70% e 49%, respectivamente.7 Em nosso paciente, a redução do IAH ocorreu em virtude de menos hipopneias e apneias obstrutivas, que diminuíram 85% e 71%, respectivamente. Essa redução das hipopneias na descida de altitude é coerente com os achados de Patz et al.7
Nossos resultados podem ser explicados por nossas condições climáticas particulares. Relatou-se que pacientes com distúrbio respiratório do sono apresentam aumento do IAH com o aumento da altitude, e sugeriu-se que alterações hipóxicas provocam esse fenômeno, mais do que reduções da PA.6 Em um estudo do sono realizado a 60 m ANM, constatou-se que o IAH foi alterado por alterações da PA relacionada com o tempo.6 Os autores daquele estudo concluíram que pequenas alterações da PA em virtude de sistemas meteorológicos podem desempenhar um papel importante na fisiopatologia e no diagnóstico da apneia obstrutiva do sono.6
Ao contrário de Patz et al.,7 não observamos relação significativa entre eventos de maior duração e altitudes menores. Em nosso paciente, a duração dos eventos foi semelhante nos estudos realizados a maior e menor altitude (25 s vs. 23 s), e foi menor (18 s) no estudo realizado a uma altitude intermediária. Esperávamos que, a uma altitude menor, demoraria mais para atingir a SaO2-limite para desencadear o despertar, o que resultaria em uma apneia mais longa.7
No tocante à hipoxemia, observamos uma tendência linear inversa em relação à altitude; foram observados valores de 82%, 86% e 88% da maior para a menor altitude, semelhantes aos descritos na literatura. Em Bogotá, constatamos que a saturação de oxigênio permaneceu abaixo de 90% 80% do tempo, ao passo que nas outras duas cidades permaneceu abaixo de 90% apenas 0,4% do tempo. Esse achado é muito importante por causa da relação proposta entre o tempo de dessaturação e o surgimento de lesões neoplásicas em longo prazo9 e do surgimento de hipertensão pulmonar.10
Em todas as três cidades, nosso paciente passou mais tempo em estágios superficiais do sono (24% do tempo total de sono em Bogotá, 20% do tempo total de sono em Bucaramanga e 19% do tempo total de sono em Santa Marta), com tendência decrescente em relação à altitude. Não se usou ar condicionado em nenhuma das cidades, e nosso país não tem estações. O paciente viajou para Bucaramanga no mesmo dia em que a PSG foi realizada e para Santa Marta um dia antes da PSG.
Os estudos polissonográficos realizados em Santa Marta e Bogotá revelaram eventos centrais sem respiração periódica. Os tipos de eventos observados em nosso paciente (com predominância de apneias obstrutivas em Santa Marta e de hipopneias em Bogotá) são semelhantes aos descritos anteriormente.11 Em um estudo de transtornos do sono em imigrantes com e sem mal crônico das montanhas, a hipopneia foi o evento mais comum.11
Nosso paciente teve 4 despertares por hora de sono em Santa Marta, 3 em Bogotá e 10 em Bucaramanga. Relatou-se que um IAH aumentado não causa despertares mais frequentes a altitudes elevadas.12 Esse achado é semelhante aos do presente estudo. Embora nosso paciente tenha apresentado taxa de despertares normal em duas cidades, isso não exclui a possibilidade de que o funcionamento diurno possa ser afetado. Relatou-se que distúrbios respiratórios não acompanhados de despertares podem afetar a qualidade do sono e prejudicar os processos de reparação relacionados com o sono mais do que se acreditava anteriormente.13
Estudos nos quais se examinou a presença de apneia do sono a diferentes altitudes mostraram diminuição da saturação de oxigênio, aumento do IAH e diminuição do sono de ondas lentas a altitudes mais elevadas. Nosso achado de diminuição da saturação de oxigênio é coerente com a literatura.14
Do ponto de vista fisiológico, o aumento da sensibilidade ao CO2 abaixo da eupneia leva a níveis de PaCO2 abaixo do limiar de apneia e faz com que a respiração pare até que a PaCO2 fique acima do limiar de apneia.15 Como a capnografia não estava disponível, não foi possível observar isso em nosso paciente.
Embora não se tenham encontrado diferenças estatisticamente significativas entre altitudes altas e baixas no que tange à duração de estágios específicos do sono, qualidade do sono, tempo total de sono e eficiência do sono, constatou-se que o número de despertares dobrou a uma altitude elevada.16 Não foram relatadas alterações da frequência de respiração periódica, à exceção de eventos centrais isolados e menor média de saturação de oxigênio a uma altitude elevada.16
É importante mencionar que o estudo polissonográfico que realizamos em Bucaramanga revelou a presença de síndrome de resistência das vias aéreas superiores em nosso paciente. Esse achado é digno de nota por causa do debate contínuo sobre essa doença e sua abordagem diagnóstica, suas implicações para a saúde e as opções terapêuticas.17-20 São necessários mais estudos comparativos, especialmente na Colômbia e em outros países com características geográficas, pressão barométrica e clima semelhantes, a fim de compreender melhor as características dos transtornos do sono, melhorar os programas de detecção, corrigir distúrbios e fornecer mais opções de tratamento personalizado.