versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol., ahead of print Epub 01-Jun-2020
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2020-0061
A doença do cálculo renal não é apenas uma patologia do trato urinário, mas também está intimamente associada a anormalidades metabólicas e hábitos alimentares incorretos. Rodrigues et al.1 relataram os resultados de um estudo observacional sobre as características metabólicas e alimentares de uma população brasileira de pacientes com cálculos renais. Eles descobriram que os formadores de pedras nos rins tinham uma prevalência mais alta de obesidade, diabetes e hipertensão, juntamente com níveis séricos mais altos de glicose e triglicerídeos do que aqueles que não formavam os cálculos. Essas características são indicativas da síndrome metabólica, que é uma condição de resistência à insulina e pode estar associada à nefrolitíase.
A resistência à insulina aumenta o risco de formação de cálculos renais através de alterações no metabolismo e transporte nas células dos túbulos renais. A resistência à insulina prejudica o processo de acidificação renal, ou seja, a produção de amônio a partir de L-glutamina nas células dos túbulos proximais, diminuindo o pH urinário e a excreção de citrato2,3. Essas mudanças predispõem o paciente à supersaturação de ácido úrico e oxalato de cálcio na urina, levando à formação de cálculos de ácido úrico e oxalato de cálcio. Além disso, os formadores de cálculos renais apresentam maior risco de diabetes, hipertensão e eventos cardiovasculares, incluindo infarto do miocárdio. Esse quadro sugere que litíase renal por ácido úrico e oxalato de cálcio deve ser vista como um distúrbio sistêmico, provavelmente associado à síndrome metabólica 4. Portanto, mudanças na dieta e no estilo de vida representam estratégias importantes a serem adotadas pelos pacientes formadores de cálculos renais, o que não se limita a prevenir recorrências de litíase renal, mas também prevenir e tratar a síndrome metabólica e suas complicações associadas5.
Padrões alimentares saudáveis, como a dieta DASH ou mediterrânea, representam uma abordagem substancial de base populacional capaz de reduzir o risco de eventos cardiovasculares. Essas dietas são ricas em frutas, vegetais, grãos integrais e laticínios com baixo teor de gordura; carnes magras, peixes, aves, nozes e feijões, enquanto a carne vermelha, gorduras adicionadas, alimentos processados, alimentos com alto teor de sal e alimentos e bebidas açucarados são limitados. O padrão alimentar saudável representa um estilo de vida que também inclui não fumar e praticar atividade física.
As dietas mediterrânea e DASH são ricas em vegetais. Uma dieta baseada em vegetais aumenta a preocupação com a alta ingestão de oxalato. Noori et al. realizaram um pequeno estudo em que os participantes foram aleatoriamente atribuídos uma dieta DASH ou baixa em oxalato. Eles encontraram uma tendência para um aumento na excreção urinária de oxalato, mas também uma tendência para uma redução na supersaturação de oxalato de cálcio na DASH em comparação ao grupo de baixo oxalato na dieta. Isso ocorreu devido ao aumento da excreção de magnésio e citrato, e a um maior pH urinário nos indivíduos da dieta DASH6.
Uma dieta DASH pode diminuir o risco de formação de cálculos renais, aumentando a excreção urinária de citrato e o volume urinário. Foi encontrada uma fraca associação entre maior ingestão de DASH e menor supersaturação relativa da urina, por isso foi sugerido um possível papel de inibidores identificados de cálculos em produtos lácteos e/ou vegetais7.
Rodrigues et al. também relataram que a dieta dos formadores de cálculos renais mostrou uma quantidade maior de proteína e sal, mas menor de cálcio do que os controles1. Provavelmente, a maior porcentagem de diabetes em seu grupo poderia ter influenciado as escolhas alimentares do paciente. De qualquer forma, os formadores de cálculos geralmente não têm uma boa aderência a um padrão alimentar DASH, e podem se predispor à formação de cálculos renais. De fato, o alto consumo de proteína, alto sal e baixa ingestão de cálcio estão associados ao aumento do risco de nefrolitíase. Quando uma ingestão anormal é observada para um ou mais componentes da dieta do paciente, é necessária uma intervenção alimentar baseada em nutrientes específicos para aquele paciente5.
O alto consumo de proteínas, especialmente de origem animal, eleva a excreção de cálcio, oxalato e ácido úrico na urina e menor pH e citrato urinários: todas essas alterações levam a um perfil pró-litogênico. Proteínas de origem vegetal têm efeitos muito menores sobre esses parâmetros: mais um motivo para se preferir uma dieta à base de vegetais.
A carga de sódio na dieta causa um aumento na excreção urinária de cálcio. Assim, uma restrição da ingestão de sal na dieta (isto é, uma ingestão de sal de 5 a 6 g/dia, conforme recomendado em uma dieta saudável) deve ser sugerida para prevenção primária e secundária da formação de cálculos de cálcio.
Uma baixa ingestão de cálcio (400-500 mg/dia) pode reduzir a calciúria nos formadores de cálculos de cálcio, mas aumenta a saturação de oxalato de cálcio na urina devido ao aumento da oxalúria, decorrente do aumento da absorção intestinal. Portanto, é preferível uma dieta com teor de cálcio ≥1g/dia, além de uma condição de hipercalciúria dependente da dieta. Finalmente, uma abordagem dietética abrangente deve incluir também intervenções visando prevenir ou corrigir condições que causem alterações metabólicas, como sobrepeso ou obesidade, dislipidemia, diabetes, hipertensão, etc.5
Em conclusão, os achados de Rodrigues et al. nos formadores brasileiros de cálculos renais confirmam que a síndrome metabólica e padrões alimentares não saudáveis estão associados à formação de cálculos renais. Isso nos adverte para o fato de que está na hora de implementar uma avaliação metabólica mais extensa e corrigir desequilíbrios nutricionais no manejo clínico de pacientes formadores de cálculos renais. Promover um padrão alimentar saudável pode ser a primeira intervenção populacional como estratégia de prevenção primária para reduzir o risco de formação de cálculos renais e eventos cardiovasculares. Manipulações dietéticas nutricionais específicas para cada paciente podem ser adicionadas como método de prevenção secundária após a avaliação dos fatores de risco cardiovascular e de cálculos renais.