versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.5 São Paulo set./out. 2016
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.10.013
O carcinoma espinocelular oral/orofaríngeo (CECO) é o quinto câncer mais frequente entre os homens e o sétimo entre as mulheres em todo o mundo, com prevalência de 2-4% entre todos os tumores malignos na Europa,1 com uma taxa de sobrevida global de cinco anos em torno de 60%.2 A etiologia do câncer de boca é desconhecida, embora diversos fatores tenham sido considerados parte de seu desenvolvimento, como fumo, álcool e vírus oncogênicos.3,4 Por serem assintomáticos por um longo tempo, os CECOs são, com frequência, diagnosticados em estágio avançado. A extirpação completa atingindo as margens livres do tumor, bem como a remoção eficaz de linfonodos afetados/suspeitos são medidas vitais para assegurar a sobrevida em longo prazo. Embora o tratamento e as habilidades reconstrutoras tenham melhorado a tal ponto que muitos pacientes podem ser totalmente integrados na sociedade após o tratamento, o CECO pode ter um impacto profundo sobre a qualidade de vida (QV) dos pacientes, já que a sua ressecção permanece associada a desfiguração e disfunções.5,6 Por essa razão, a QV é atualmente considerada um conceito multidimensional, que compreende a percepção do indivíduo de seu estado de saúde dentro do contexto cultural e valores do sistema em que vive e em relação a seus objetivos, parâmetros sociodemográficos e relações sociais7 e parte integrante do resultado do tratamento.8
Muitos estudos relatam que o tratamento cirúrgico do CECO apresenta um resultado cosmético pior, restrição da independência em atividades diárias e de recreação, sérios déficits de mastigação, deglutição e fala e distúrbios de humor e ansiedade frequentes.9 Isso ocorre devido ao fato de o CECO avançado requerer cirurgia altamente destrutiva, com ressecções amplas que envolvem abordagens transmandibulares, às vezes com ressecção, esvaziamento cervical e reconstrução com enxerto, bem como radioterapia (RT) adjuvante, com danos funcionais inevitáveis.10
Neste estudo, selecionamos pacientes com câncer e avaliamos a melhora da QV, expressa como "resultados de QV", usando o Questionário de Avaliação de Qualidade de Vida da Universidade de Washington (UW-QoL), para estimar as características, em relação ao diagnóstico (idade, sexo, localização do tumor, estágio do tumor, estadiamento nodal) e à terapêutica (tipo de tratamento do câncer, abordagem cirúrgica e técnica reconstrutora), após cirurgia de CECO. Os tempos de avaliação escolhidos foram: um mês (T1) e seis meses (T6). Diferentemente da versão original do UW-QoL, a nossa proposta foi realizar uma análise mais focada do questionário para analisar em profundidade cada resultado investigado. De acordo com nossa pesquisa, poucos estudos consideraram a variação dos parâmetros de qualidade de vida em curto prazo.11,12
O estudo foi conduzido no Departamento de Otorrinolaringologia do "Ospedale di Cattinara", em colaboração com o Departamento de Medicina Oral e Patologia de "Ospedale Maggiore" (34100, Trieste, Itália), para avaliar a QV no pós-operatório de pacientes submetidos a tratamento oncológico invasivo para CECO. Uma amostra de 140 pacientes foi selecionada.
Os critérios de inclusão foram: tratamento cirúrgico entre 2001 e 2008, com/sem RT adjuvante; diagnóstico de CECO (de acordo com a classificação TNM); ASA I, II, III.
Especificamente, todos os pacientes incluídos no presente estudo não haviam iniciado a RT em T1 e já haviam terminado a RT em T6.
Os critérios de exclusão foram: RT neoadjuvante; ASA IV12; tratamento quimioterápico concomitante/prévio.
As características diagnósticas e terapêuticas foram obtidas por registros de prontuários hospitalares.
A avaliação da QV foi realizada por meio do questionário UW-QoL, que é composto por 16 perguntas de múltipla escolha. Cada pergunta tem de três a cinco opções de escolha, como indicado na tabela 1: quanto maior a pontuação, pior a condição relacionada. As três últimas perguntas sobre a QV global foram consideradas em conjunto. Os questionários foram distribuídos aos pacientes em T1 e T6 após a cirurgia.
Tabela 1 Resultados do estudo com a pontuação correspondente
Resultado | Pontuação |
QV | 0, muito bom; 1, bom; 2, razoável; 3, ruim; 4, muito ruim |
Dor | 0, sem dor; 1, leve sem drogas; 2, intensa mas reponde a drogas; 3, intensa e não responde a drogas |
Aparência | 0, sem alteração; 1, leve alteração; 2, incomodativo, não debilitante; 3, desfiguração, atividade limitada; 4, socialmente limitado |
Atividade | 0, sem alteração; 1, limitada, às vezes; 2, cansaço, lentidão; 3, não pode sair; 4, precisa ficar na cama |
Recreação | 0, sem alteração; 1, ainda aproveita a vida; 2, não pode sair com frequência; 3, limitado nas atividades; 4, não pode fazer nada agradável |
Deglutição | 0, sem alteração; 1, às vezes limitada; 2, apenas alimentos líquidos; 3, não pode engolir |
Mastigação | 0, sem alteração; 1, apenas alimentos macios; 2, apenas alimentos líquidos |
Fala | 0, sem alteração; 1, não pode ser entendido ao telefone; 2, entendido apenas por familiares e amigos; 3, não pode ser entendido |
Ombro | 0, sem alteração; 1, ombro rígido, atividade não afetada; 2, dor/fraqueza/mudança de trabalho; 3, não pode trabalhar |
Paladar | 0, sem alteração; 1, sente o gosto da maioria dos alimentos; 2, limitado; 3, não sente o gosto dos alimentos |
Saliva | 0 sem alteração; 1, menos saliva; 2, saliva insuficiente; 3, sem saliva |
Humor | 0, excelente; 1, bom; 2, razoável; 3, um pouco deprimido; 4, extremamente deprimido |
Ansiedade | 0, sem ansiedade; 1, pouco ansiosos; 2, ansioso; 3, muito ansioso |
Diferentemente da versão original do questionário,13 cada pergunta foi considerada um "resultado de QV" e usada para avaliar a melhora entre T1 e T6, usando um modelo de regressão. Esse tipo de análise fornece resultados mais concretos e isola cada questão apresentada no questionário, fornecendo assim uma implicação clínica imediata. Como todos os pacientes eram italianos, a versão original do questionário foi traduzida para o italiano por um profissional italiano bilíngue (italiano e inglês).
O estudo foi realizado após a aprovação do Comitê de Ética (prot. n.º 383/2009; 54/2009).
O programa SPSS(r) 11.0 (Chicago, Illinois, EUA) foi utilizado. Para cada um dos desfechos de QV, o significado da diferença entre os tempos de avaliação foi calculado usando o teste de sinais de Wilcoxon para amostras pareadas.
Subsequentemente, as correlações ajustadas de cada uma das características diagnósticas e terapêuticas com cada um dos desfechos de QV foram avaliadas com o uso de regressão logística multivariada, construindo 13 modelos de regressão separados. Em particular, as mudanças em cada um dos desfechos de QV, calculadas como a diferença entre as pontuações registradas em T6 e T1 - isto é, valores positivos para melhora da qualidade - foram consideradas variáveis dependentes. As variáveis explicativas (categorias) inseridas em cada modelo foram: idade, sexo, localização do tumor, estágio T, estágio N, tipo de tratamento, esvaziamento cervical, abordagem cirúrgica e reconstrução. Os níveis de corte para significância foram 0,05 e 0,10 para inclusão e exclusão, respectivamente. Um p-valor < 0,05 foi considerado estatisticamente significante.
Um total de 140 pacientes foi incluído, e 130 (33,8% do sexo feminino e 66,2% do sexo masculino, com média de idade cumulativa de 65 ± 11) completaram o questionário em ambos os tempos de avaliação. Óbito, questionário incompleto ou perda de um dos tempos de avaliação justificaram a exclusão. A análise univariada e distribuição de frequências descritivas estão resumidas na tabela 2. A análise descritiva das características do diagnóstico e da terapia é apresentada na tabela 2.
Tabela 2 Prevalência de cada uma das variáveis independentes, como contagem (%) (n = 130)
Parâmetro | Contagem (%) |
Gênero | |
Masculino | 57(66,2) |
Feminino | 23 (33,8) |
Idade | |
Masculino | 65,9±11,9 |
Feminino | 65,8±12,2 |
Estágio T | |
T1 | 48 (36,9) |
T2 | 43 (33,1) |
T3 | 25 (19,2) |
T4 | 14 (10,8) |
Estágio N | |
N0 | 80 (61,5) |
N1 | 26 (20,0) |
N2 | 22 (16,9) |
N3 | 2 (1,5) |
Local do tumor | |
Cavidade oral | 96 (73,8) |
Orofaringe | 34 (26,2) |
Tipo de tratamento | |
Cirúrgico | 71 (54,6) |
Cirúrgico e RT adjuvante | 59 (45,4) |
Demolidor transmandibular | 30 (23,1) |
Abordagem cirúrgica | |
Transoral | 77 (59,2) |
Conservadora transmandibular | 23 (17,7) |
Radical transmandibular | 30 (23,1) |
Reconstrução | |
Fechamento direto | 70 (53,8) |
Enxerto local | 13 (10,0) |
Enxerto pediculado | 11 (8,5) |
Enxerto livre microvascular | 36 (27,7) |
Esvaziamento cervical | |
Não | 38 (29,2) |
Sim | 92 (70,8) |
A tabela 3 mostra a melhora nos desfechos de QV entre os tempos avaliados (p < 0,001).
Tabela 3 Estatística descritiva para cada um dos resultados de QV, de acordo com os tempos avaliados (n = 130)
Resultado | 1 mês | 6 meses | Melhora (cont. [%]) |
QV global | 3,0 (2,0-4,0) | 2,0 (1,0-3,0)a | 83 (63,8) |
Dor | 0,0 (0,0-0,5) | 0,0 (0,0-0,0)a | 29 (22,3) |
Aparência | 1,0 (0,0-2,0) | 0,0 (0,0-1,0)a | 62 (47,7) |
Atividade | 0,0 (0,0-2,0) | 0,0 (0,0-1,0)a | 53 (40,8) |
Recreação | 0,0 (0,0-2,0) | 0,0 (0,0-1,0)a | 45 (34,6) |
Deglutição | 1,0 (1,0-2,0) | 1,0 (0,0-1,0)a | 73 (56,2) |
Mastigação | 1,0 (0,0-2,0) | 1,0 (0,0-1,0)a | 53 (40,8) |
Fala | 1,0 (1,0-2,0) | 1,0 (0,0-1,0)a | 66 (50,8) |
Ombro | 1,0 (0,0-2,0) | 0,0 (0,0-1,0)a | 51 (39,2) |
Paladar | 0,0 (0,0-1,0) | 0,0 (0,0-1,0)a | 32 (24,6) |
Saliva | 0,5 (0,0-2,0) | 0,0 (0,0-2,0)a | 28 (21,5) |
Humor | 1,0 (0,75-2,0) | 0,0 (0,0-1,0)a | 65 (50,0) |
Ansiedade | 1,0 (0,0-2,0) | 0,0 (0,0-1,0)a | 50 (38,5) |
Diff., Significância da diferença entre os tempo avaliados.
Nível de significância: a p < 0,001.
Regressão múltipla foi realizada para correlacionar a melhora da QV e as características diagnósticas e terapêuticas para cada resultado (tabela 4).
Tabela 4 Vários modelos de regressão logística
Parâmetro | Melhora n (%) | OR (IC 95%) |
Modelo 1: Resultado: Mudança na QV | ||
Dissecção | ||
Não | 27 (71,1) | 1 |
Sim | 56 (60,9) | 0,3 (0,1-0,9)a |
Reconstrução | ||
Fechamento direto | 44 (62,9) | 1 |
Enxerto local | 5 (38,5) | 0,3 (0,9-1,0)a |
Enxerto pediculado | 6 (54,5) | 0,9 (0,1-0,9) |
Enxerto livre microvascular | 28 (77,8) | 2,9 (1,1-7,8)a |
Modelo 2: Resultado: Mudança na dor | ||
Sexo | ||
Feminino | 12 (27,3) | 1 |
Masculino | 17 (19,8) | 0,3 (0,1-1,0)a |
Local | ||
Cavidade oral | 17 (17,7) | 1 |
Orofaringe | 12 (35,3) | 3,1 (1,2-8,6)a |
Tipo de tratamento | ||
Cirurgia | 7 (9,9) | 1 |
Cirurgia+ RT | 22 (37,3) | 6,4 (2,3-17,4)c |
Modelo 3: Resultado: Mudança na aparência | ||
Abordagem cirúrgica | ||
Transoral | 23 (29,9) | 1 |
Conservadora transmandibular | 16 (69,6) | 3,4 (1,2-9,9)b |
Radical transmandibular | 23 (76,7) | 5,5 (2,0-15,2)a |
Dissecção | ||
Não | 7 (18,4) | 1 |
Sim | 55 (59,8) | 4,0 (1,5-10,7)a |
Modelo 4: Resultado: Mudança na atividade | ||
Sexo | ||
Feminino | 21 (47,7) | 1 |
Masculino | 32 (37,2) | 0,3 (0,1-0,8)a |
Tipo de tratamento | ||
Cirurgia | 18 (25,4) | 1 |
Cirurgia+ RT | 35 (59,3) | 3,4 (1,4-8,6)b |
Estágio do tumor | ||
T1 | 9 (18,8) | 1 |
T2 | 23 (53,5) | 2,9 (0,9-9,3) |
T3 | 17 (68,0) | 4,0 (1,1-14,5)a |
T4 | 4 (28,6) | 0,4 (0,1-2,0) |
Local | ||
Cavidade oral | 36 (37,5) | 1 |
Orofaringe | 17 (50,0) | 2,4 (0,9-6,4) |
Abordagem cirúrgica | ||
Transoral | 22 (28,6) | 1 |
Conservadora transmandibular | 12 (52,2) | 1,9 (0,5-6,4) |
Radical transmandibular | 19 (63,3) | 3,9 (1,2-13,3)a |
Modelo 5: Resultado: Mudança na recreação | ||
Estágio T | ||
T1 | 5 (10,4) | 1 |
T2 | 20 (46,5) | 5,1 (1,6-16,6)a |
T3 | 16 (64,0) | 7,0 (1,6-30,0)a |
T4 | 4 (28,6) | 1,2 (0,2-7,0) |
Reconstrução | ||
Fechamento direto | 16 (22,9) | 1 |
Enxerto local | 1 (7,7) | 0,2 (0,0-2,2) |
Enxerto pediculado | 3 (27,3) | 0,7 (0,2-3,4) |
Enxerto livre microvascular | 25 (69,4) | 4,9 (1,6-15,1)a |
Modelo 6: Resultado: Mudança na deglutição | ||
Sexo | ||
Feminino | 30 (68,2) | 1 |
Masculino | 43 (50,0) | 0,4 (0,2-0,8)a |
Dissecção | ||
Não | 14 (36,8) | 1 |
Sim | 59 (64,1) | 3,9 (1,7-9,0)b |
Modelo 7: Resultado: Mudança na mastigação | ||
Reconstrução | ||
Fechamento direto | 21 (30,0) | 1 |
Enxerto local | 2 (15,4) | 0,4 (0,1-2,1) |
Enxerto pediculado | 5 (45,5) | 1,9 (0,5-7,1) |
Enxerto livre microvascular | 25 (69,4) | 5,3 (2,2-12,7)c |
Modelo 8: Resultado: Mudança na fala | ||
Idade | - | 1,0 (0,9-1,0) |
Local | ||
Cavidade oral | 52 (54,2) | 1 |
Orofaringe | 14 (41,2) | 0,5 (0,2-1,1) |
Reconstrução | ||
Fechamento direto | 37 (52,9) | 1 |
Enxerto local | 1 (7,7) | 0,1 (0,0-0,6)a |
Enxerto pediculado | 5 (45,5) | 0,6 (0,2-2,3) |
Enxerto livre microvascular | 23 (63,9) | 1,6 (0,7-3,7) |
Modelo 9: Resultado: Mudança no ombro | ||
Local | ||
Cavidade oral | 41 (42,7) | 1 |
Orofaringe | 10 (29,4) | 0,4 (0,1-1,0)a |
Abordagem cirúrgica | ||
Transoral | 21 (27,3) | 1 |
Conservadora transmandibular | 15 (65,2) | 4,0 (1,3-12,0) |
Radical transmandibular | 15 (50,0) | 1,7 (0,6-4,2)a |
Dissecção | ||
Sim | 5 (13,2) | 1 |
Não | 46 (50,0) | 5,2 (1,8-15,6)b |
Modelo 10: Resultado: Mudança no paladar | ||
Idade | - | 1,0 (0,9-1,0) |
Modelo 11: Resultado: Saliva | ||
Tipo de tratamento | ||
Cirurgia | 9 (12,7) | 1 |
Cirurgia + RT | 19 (32,2) | 3,2 (1,2-1,5)a |
Abordagem cirúrgica | ||
Transoral | 13 (16,9) | 1 |
Conservadora transmandibular | 10 (43,5) | 2,5 (0,8-7,4) |
Radical transmandibular | 5 (16,7) | 0,6 (0,2-2,0) |
Modelo 12: Resultado: Mudança no humor | ||
Sexo | ||
Feminino | 26 (59,1) | 1 |
Masculino | 39 (45,3) | 0,4 (0,2-1,0)a |
Estágio T | ||
T1 | 19 (39,6) | 1 |
T2 | 27 (62,8) | 3,3 (1,3-8,1)b |
T3 | 12 (48,0) | 1,5 (0,6-4,1) |
T4 | 7 (50,0) | 1,9 (0,6-6,6) |
Modelo 13: Resultado: Mudança na ansiedade | ||
Sexo | ||
Feminino | 21 (47,7) | 1 |
Masculino | 29 (33,7) | 0,3 (0,1-0,7)b |
Abordagem cirúrgica | ||
Transoral | 22 (28,6) | 1 |
Conservadora transmandibular | 16 (69,6) | 0,7 (0,3-1,7)b |
Radical transmandibular | 12 (40,0) | 4,2 (1,3-13,9) |
Dissecção | ||
Não | 8 (21,1) | 1 |
Sim | 42 (45,7) | 0,4 (0,1-1,0) |
Um modelo separado foi construído para cada resultado de QV.
Em cada seção definida como "modelo n", as características diagnósticas e terapêuticas são apresentadas na sequência dos resultados da regressão logística em sentido contrário, que isola as características relevantes entre todas as consideradas. Os resultados são apresentados, tanto como número (e percentagem) dos casos que apresentaram melhora, e como odds ratio (OR).
A significância de cada parâmetro foi distribuída da seguinte forma:
a p < 0,05.
b p < 0,01.
c p < 0,001.
Especificamente, a melhora global da QV foi menos evidente nos pacientes submetidos a esvaziamento cervical (OR 0,3) e mais evidente nos pacientes submetidos a técnicas reconstrutoras invasivas, como enxerto livre microvascular (OR 2,9). O enxerto local e o enxerto livre pediculado resultaram em melhora menor (OR 0,3 e 0,9, respectivamente). Em relação à dor, a melhora foi maior em homens que em mulheres (OR 0,3) em T6. Os pacientes submetidos a RT adjuvante apresentaram uma melhora bem mais acentuada da dor ao longo do tempo (OR 6,4). Além disso, um tumor na cavidade oral resultou em mais dor em T6 que em T1, se comparado a tumor na região da orofaringe (OR 3,1). Considerando a aparência, a realização de esvaziamento cervical e o tipo de tratamento cirúrgico determinaram uma melhora entre os tempos avaliados: quanto mais invasiva a intervenção, maior a melhora sentida (p < 0,05). Tanto as intervenções transmandibulares conservadoras como as mais radicais proporcionam aparência significantemente melhor em comparação às abordagens transorais (OR 3,4 e 5,5, respectivamente). Em relação à capacidade de continuar exercendo as atividades diárias, os homens sentiram mais limitações que as mulheres em T6 (OR 0,3), bem como os pacientes submetidos a intervenção cirúrgica sem RT adjuvante. Além disso, os pacientes diagnosticados com câncer em estágio T3 retornaram às suas atividades diárias mais facilmente que os pacientes com câncer em estágio T1 (OR 4,0), bem como os pacientes submetidos a intervenção mais invasiva (OR 3,9). Quanto ao desfecho recreação, pacientes com tumores em estágio T2 (OR 5,1) e T3 (OR 7,0) apresentaram melhora expressiva entre os tempos avaliados; o mesmo ocorreu com os pacientes submetidos a abordagens cirúrgicas mais invasivas (OR 4,9 para enxerto livre microvascular). A manutenção de uma boa capacidade de deglutição ao longo do tempo foi maior em mulheres que em homens (OR 0,4), e em pacientes não submetidos ao esvaziamento cervical (OR 3,9). Quanto à capacidade de mastigação, a melhora observada após enxerto livre microvascular (OR 5,3) foi maior. Quanto à capacidade de fala, a melhora foi maior em pacientes mais velhos que em pacientes mais jovens. Por outro lado, a melhora da fala em T6 foi maior nos pacientes afetados por tumores da cavidade oral que nos pacientes afetados por tumores na região orofaríngea (OR 0,5). De acordo com a técnica reconstrutora, a pior função da fala em T6 foi registrada em pacientes operados com técnicas utilizando enxertos locais (OR 0,1). A melhora da dor no ombro em T6 foi maior em pacientes operados de tumores orais em relação aos pacientes operados de tumores na orofaringe (OR 0,4), e em pacientes que não foram submetidos ao esvaziamento cervical (OR 5,2). A abordagem transmandibular mais radical foi associada a uma melhor recuperação da dor no ombro ao longo do tempo (OR 1,7). Além disso, a RT adjuvante foi associada à melhora da salivação em T6 (OR 3,2). Quanto ao humor, a melhora foi maior em mulheres que em homens (OR 0,4) em T6. O tumor em estágio T2 pareceu ser a categoria que mais influenciou o mesmo desfecho (OR 3,3). Em relação à ansiedade, a melhora foi maior em mulheres que em homens (OR 0,3) em T6. Por fim, a abordagem conservadora transmandibular foi menos tolerada (OR 0,7) que as intervenções cirúrgicas mais radicais.
O objetivo deste estudo foi determinar quais características diagnósticas e terapêuticas estão envolvidas na melhora da QV após cirurgia de grande porte para CECO. A avaliação foi realizada em um curto período de seis meses. A avaliação no período pré-operatório não foi considerada, porque o objetivo do presente estudo foi destacar se houve diferenças significativas entre os tempos avaliados no acompanhamento em curto prazo. No entanto, valores basais seriam de grande interesse juntamente com exame psicológico, o que justifica estudos futuros.
O questionário UW-QoL foi escolhido por oferecer uma plataforma para identificar aqueles com problemas significativos em qualquer um dos 13 domínios avaliados.14 A versão modificada do questionário que propomos oferece a possibilidade de isolar cada resultado como uma característica específica, dando mais foco ao o tratamento. No entanto, o modelo multivariado reúne todos os resultados que reproduzem de modo abrangente e preciso o estado de saúde dos pacientes. Recentemente, medidas de QV foram incorporadas em oncologia clínica de rotina para monitorar e triar indivíduos com disfunções/problemas significativos que se esperava encontrar e, a partir daí, propor intervenções em saúde.15
Cada uma das características do diagnóstico e da terapia mostrada abaixo foi analisada separadamente e correlacionada com desfecho relevante de QV, resultante da análise multivariada. Esta abordagem pode ajudar o clínico a estabelecer uma hipótese sobre como a QV pode variar entre um e seis meses após a cirurgia, simplesmente considerando as características diagnósticas e terapêuticas.
Os homens apresentaram melhora menor que as mulheres e estavam mais ansiosos e mal-humorados em T6. Isso pode estar correlacionado com o estado de aflição que é frequente em pacientes com CECO, e mais propenso a ocorrer em homens.16 No que diz respeito à idade, terapias médicas prolongadas, complicações cirúrgicas e reconstruções devem ser cuidadosamente avaliadas em pacientes idosos, pois a tolerância pode ser menor. Ao contrário de nossas expectativas, os resultados de QV não foram afetados pela idade, contrastando com estudo anterior.17
Embora os tumores maiores normalmente estejam associados a intervenções mais invasivas,18 provavelmente levando a um pior estado geral no pós-operatório imediato, nossos resultados corroboram a hipótese de que mesmo as grandes tumores podem ser operados com esperança de recuperação no prazo de seis meses, permitindo a reintegração na sociedade e o retorno às atividades cotidianas em um período curto de tempo. Esse resultado pode ser considerado relevante, também levando em consideração que apenas um terço dos pacientes apresentou tumores em estágio T3 e T4 na amostra completamente avaliada. Indivíduos com doenças malignas sofrem uma variedade de sintomas limitantes. Os sobreviventes de CECO sofrem déficits e desfiguração facial e experimentam várias preocupações psicológicas, incluindo o medo de recorrência e a incerteza sobre a vida além do câncer.19 Essa condição pode ser definida como "angústia". Geralmente, a angústia está fortemente correlacionada com os escores de dor e ocorrência de sintomas físicos, bem como de mau humor/ansiedade.20 Mudanças positivas de humor já eram evidentes em nossos pacientes em T6, quase em todos os estágios, e de forma mais significativa naqueles com estágio T2. Isso ocorre proporcionalmente à aceitação de si mesmo, diminuição dos sintomas e a volta às atividades diárias. Consequentemente, apoio psicológico pode ser recomendado imediatamente após a cirurgia. De forma surpreendente, não houve correlação entre o estágio do tumor e os domínios de QV em nosso modelo de regressão. Na verdade, as técnicas cirúrgicas para dissecação de tumores estão cada vez mais avançadas e específicas para o tamanho e localização do tumor; isso permite que o resultado do tratamento seja melhor.21
No presente estudo, os tumores de boca e orofaríngeos foram considerados. No caso dos tumores orofaríngeos, a melhora em T6 foi registrada para dor e atividade, enquanto a melhora foi menor para fala e dor no ombro nos casos com tumores de boca. Isso pode estar correlacionado com o fato de que os tumores de orofaringe são frequentemente diagnosticados em fase avançada, devido à dificuldade no exame objetivo, bem como a escassez de sintomas, o que, inevitavelmente, leva à intervenção mais radical e problemas de longa duração, como a disfunção da fala. Embora a reabilitação a longo prazo geralmente aconteça, a recuperação completa da fala normalmente não é obtida, e a inteligibilidade da fala continua sendo o principal objetivo do tratamento.22
Os pacientes tratados de CECO passam por diferentes terapias, incluindo cirurgia e RT/quimioterapia (QT) neoadjuvante/adjuvante. A cirurgia para CECO é destrutiva e invasiva devido às características anatômicas do complexo maxilofacial, bem como ao padrão de evolução do CECO. As metástases sistêmicas do CECO ocorrem via canais linfáticos ipsilaterais/contralaterais, de modo que a dissecção de linfonodos é realizada para minimizar o risco de metástase oculta. Complicações sérias, como aparência estética, mudança na atividade diária, preocupações sociais e comprometimento, funcional podem ocorrer.23 Os pacientes geralmente são submetidos a RT adjuvante em caso de propagação extracapsular e/ou envolvimento de linfonodos.24 A RT, juntamente com o tratamento cirúrgico, está relacionada ao aumento da sensação de dor e dificuldade na atividade diária. Após a ressecção cirúrgica para CECO de cavidade oral, a RT adjuvante pode ser recomendada para pacientes com risco maior de recorrência locorregional.25 Protocolos mais recentes recomendam a associação de RT adjuvante e TC após a cirurgia, embora isso aumente o risco de efeitos colaterais relacionadas à terapia de câncer precoce e tardio.26 Na verdade, a RT, sem dúvida, está associada a efeitos colaterais graves, como mucosite, xerostomia, perda do paladar, dificuldades de deglutição, cárie e trismo, bem como a complicações crônicas. Em pacientes com CECO, a xerostomia representa um efeito colateral tardio de grande preocupação para os pacientes tratados com RT. Registramos melhora entre os tempos avaliados em pacientes submetidos a RT associada à cirurgia. Embora a xerostomia subjetiva tenha parecido melhorar em T6 em pacientes tratados com RT, apenas 32% dos pacientes realmente melhoraram. Esse resultado não é confiável a longo prazo, pois as complicações crônicas geralmente começam 6-12 meses após a RT. O presente estudo não considerou o desenvolvimento de efeito colateral relacionado à RT, mas esse tema poderia ser de grande interesse para uma investigação mais aprofundada. Enfim, alguns fatores relacionados à RT, como sensação de dor e realização das atividades diárias, podem melhorar em seis meses, de modo que os médicos devem estar cientes das necessidades dos pacientes, de acordo com o período de tempo considerado.
Há vários tipos de abordagens cirúrgicas para tratar o CECO. As técnicas atuais são "voltadas para o defeito/paciente" e, por conseguinte, bem definidas, assim como técnicas mais avançadas de reconstrução cirúrgica estão sendo desenvolvidas para compensar defeitos funcionais/cirúrgicos.27 A conservação completa da continuidade do osso mandibular foi conseguida por meio de "abordagens transorais". Em casos de tumores de faringe, não são recomendadas, pois estão associadas a várias complicações no pós-operatório, como hemorragia, fístula, deiscência e danos aos nervos. Por outro lado, as abordagens transmandibulares, embora mais radicais e destrutivas, permitem maior visibilidade e manejo cirúrgico no intraoperatório. Muitas vantagens estão associadas à visualização direta do tumor, como amplo campo de acesso, bom controle de sangramento e iluminação; e alguns estudos evidenciaram menos complicações no pós-operatório em tumores de faringe.28
Em nosso estudo, a curto prazo, a melhora foi maior nos pacientes submetidos a cirurgia radical que nos pacientes submetidos a intervenção conservadora. Isso implica que, embora a intervenção transmandibular seja muito mais complicada e cirurgicamente invasiva, ela está associada à recuperação tolerável em T6. Além disso, as intervenções transmandibulares foram associadas à diminuição da dor no ombro em T6. A dor no ombro é frequentemente reconhecida em pacientes submetidos a esvaziamento cervical, devido à disseminação do tumor, mas é geralmente tratada com fisioterapia e, com frequência, a recuperação é rápida.29 Após o diagnóstico de câncer e nas fases que antecedem a cirurgia, uma sensação de angústia pode surgir e, às vezes, é difícil de superar. A angústia está relacionada a medo da morte, sensação de declínio e pessimismo.30 A melhora em vários desfechos de QV, que temos apresentado até agora, pode contribuir na diminuição do comportamento ansioso em geral.
A região da cabeça e pescoço é uma das áreas mais difíceis para a reconstrução, uma vez que possui interações anatômicas funcionais e fisiológicas complexas.31 Durante a última década, o uso de transferência de enxerto livre em CECO levou a avanços notáveis na confiabilidade e nos resultados finais da reconstrução oromandibular. Além disso, com o desenvolvimento da reconstrução microcirúrgica com tecido livre, é consensual que esses pacientes podem ser reabilitados mais cedo e, portanto, podem se readaptar melhor ao seu ambiente social. Em conformidade com muitos relatos sobre a correção de defeitos em cabeça e pescoço com enxertos livres, 77,8% de nossos pacientes relataram uma melhora da QV global em T6 (p < 0,05). O comprometimento funcional pode ser observado em pacientes com CECO logo após a intervenção cirúrgica. Em geral, a mastigação e a fala melhoraram entre T1 e T6, mas esses fatores estão, sem dúvida, associados à técnica de reconstrução, pois os pacientes submetidos a intervenção mais complicada e invasiva apresentaram melhora maior em T6. De acordo com a literatura, uma avaliação em seis meses é confiável para afirmar que uma melhora funcional pode ser esperada após técnicas reconstrutivas complexas, com estabilidade a longo prazo.32 As técnicas reconstrutoras que exploram reconstruções com enxerto livre possuem mais controle local, e a sobrevida dos pacientes com câncer é maior.33 Além disso, a transferência de tecido livre microvascular revolucionou a abordagem cirúrgica de reparação de defeitos complexos, proporcionando um procedimento seguro e confiável para devolver a funcionalidade e a QV aos pacientes. Nossos resultados evidenciaram que um período de seis meses após a cirurgia é um indicador confiável de melhora da QV. Muitos estudos afirmam que as técnicas reconstrutivas estão associadas a piores resultados de QV imediatamente após a cirurgia, pois tais procedimentos implicam em dor, inchaço e limitação funcional.34,35 Em T6, o enxerto livre microvascular provou ser ideal para a melhora gradual, superando, às vezes, os escores no pré-operatório.36
Anteriormente, o esvaziamento cervical radical era visto como uma medida indispensável para assegurar o controle local do tumor e melhora do prognóstico; atualmente, esse procedimento foi substituído pelo esvaziamento cervical seletivo. O esvaziamento cervical seletivo está associado a uma morbidade comparativamente baixa e a resultados funcionais aceitáveis, sem ter um impacto negativo no prognóstico.37 De qualquer forma, a dissecção do nervo acessório e do grande nervo auricular pode facilmente causar complicações em longo prazo, incluindo dormência, dor no ombro e disfunção motora.38 Em nosso estudo, os pacientes submetidos a esvaziamento cervical apresentaram uma melhora menos evidente de QV entre T1 e T6, provavelmente devido às complicações mencionadas anteriormente. Por outro lado, os pacientes submetidos a esvaziamento cervical apresentaram melhora significante da aparência em T6, em comparação com os pacientes não submetidos a qualquer dissecção. O esvaziamento cervical é normalmente realizado com uma abordagem invasiva, o que deixa uma cicatriz visível e não estética, mas, graças a técnicas cirúrgicas avançadas, o resultado estético é aceitável após a cicatrização tecidual.39 Uma melhora significante em relação à sensação de ansiedade foi registrada em T6 no mesmo grupo de pacientes. A deglutição melhorou em T6 nos pacientes submetidos a esvaziamento cervical, o que está de acordo com a literatura, relatando que, em caso de esvaziamento cervical, a reabilitação da função de deglutição permite um progresso contínuo entre T1 e T6.40
Certamente, estudos adicionais considerando o desenvolvimento de efeitos colaterais agudos e crônicos durante o tratamento do câncer e a avaliação da QV em longo prazo e da sobrevida complementariam os resultados apresentados, bem como a inclusão de mais variáveis explicativas, como nível escolar, estado civil, comorbidades e fatores de risco para CECO. Em nossos planos futuros, temos em mente fazer uma análise da QV no período pré-operatório, adicionando uma análise psicológica por meio de um questionário específico antes e após o tratamento. Acreditamos que os resultados serão de grande ajuda para prestar a melhor assistência possível, juntamente com um acompanhamento prolongado.
O presente estudo discute a questão da melhora subjetiva da QV no pós-operatório de cirurgia de grande porte para CECO em seis meses. Na verdade, apesar de a falta de avaliação da QV antes da cirurgia poder ser considerada uma limitação, o objetivo do estudo foi a mudança dinâmica dos pacientes em relação aos desfechos da QV em curto prazo. Além disso, a versão modificada do questionário que propusemos é mais precisa, no sentido de reproduzir o estado de saúde dos pacientes entre os tempos avaliados. Nossos resultados reforçam a necessidade de os médicos estabelecerem um tratamento de suporte adequado imediatamente após o final das fases cirúrgicas, acompanhado de terapia orientada para o paciente e para os resultados a longo prazo. Quanto mais invasiva for a intervenção, maior a probabilidade de melhora em um curto prazo. Em outras palavras, os pacientes afetados por tumores maiores e submetidos a intervenções mais invasivas, especialmente com reconstruções complicadas, geralmente experimentam graves alterações na QV imediatamente após a cirurgia, mas têm probabilidade de melhorar rapidamente nos primeiros seis meses.