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Caracterização da dor decorrente de traumas perineais em mulheres com parto vaginal

Caracterização da dor decorrente de traumas perineais em mulheres com parto vaginal

Autores:

Anayhan Marques Nascimento Silva,
Luciano Marques dos Santos,
Erika Anny Costa Cerqueira,
Evanilda Souza de Santana Carvalho,
Aline Silva Gomes Xavier

ARTIGO ORIGINAL

BrJP

versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192

BrJP vol.1 no.2 São Paulo abr./jun. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20180030

INTRODUÇÃO

Procedimentos rotineiros, que por vezes são desnecessários e sem fundamentação científica, vêm sendo utilizados nos estabelecimentos nacionais de saúde1. Entre as consequências clínicas decorrentes das intervenções durante a atenção à parturiente, além do estresse e do sofrimento, tem-se os traumas perineais, que podem ser espontâneos ou provocados.

A ocorrência de traumatismos perineais é frequente após o parto normal2. Os traumatismos espontâneos consistem nas lacerações, que podem ocorrer durante a passagem do recém-nascido no canal de parto. Os traumatismos cirúrgicos ou provocados, por sua vez, são as episiotomias, que consistem em incisões realizadas no períneo. A pesquisa “Nascer no Brasil” evidenciou que dentre as mulheres de baixo risco obstétrico, 56% foram submetidas à episiotomia, sendo que esse procedimento foi mais frequente entre primíparas e mulheres da região Centro-Oeste1.

Em ambos os traumas perineais, as mulheres acometidas ficam expostas, no puerpério, a morbidades e alguns sinais e sintomas, a exemplo da dor perineal3,4, dispareunia3,5, sangramento, infecções, edema, hematomas, o que poderá comprometer algumas de suas atividades habituais e necessidades fisiológicas, trazendo-lhes considerável desconforto e afetando a qualidade de vida no pós-parto.

Observa-se, na prática obstétrica, uma preocupação com a dor durante o parto e o pós-cesariana. Entretanto, a dor perineal no puerpério, decorrente de traumas nessa região, é frequentemente esquecida ou ignorada pelos profissionais da prática assistencial, que negligenciam os cuidados maternos em detrimento dos cuidados neonatais. Tal acontecimento pode afetar a qualidade de vida da puérpera imediatamente após o parto, pois a dor interfere, por exemplo, na sua mobilidade, na capacidade de deitar6 e no sono6,7.

Apesar de a avaliação da dor perineal e suas características em mulheres com traumas decorrentes do parto vaginal não ser uma constante na prática clínica dos trabalhadores da saúde, essa conduta é necessária para analisar mais precisamente esse problema e, consequentemente, auxiliar no fornecimento de uma atenção mais qualificada à puérpera.

O questionário McGill é considerado um dos mais completos instrumentos para a avaliação da dor nas dimensões sensitiva-discriminativa, afetiva-motivacional e cognitiva-avaliativa, sendo que nele o indivíduo aponta as características da dor sentida. A dimensão sensorial-discriminativa é influenciada, primariamente, pelos sistemas espinais de condução rápida; a dimensão motivacional-afetiva é processada pelas estruturas da formação reticular do tronco encefálico e límbicas, que recebem influência dos sistemas nociceptivos de condução espinal lenta. As unidades neocorticais comparam a informação nociceptiva com as experiências passadas e exercem controle sobre as estruturas responsáveis pela dimensão sensitivo-discriminativa e afetivo-motivacional8.

Cada dimensão da dor no questionário McGill apresenta categorias que, por sua vez, possuem descritores. Sabe-se que para considerar um descritor da Versão Brasileira do Questionário de dor de McGill (Br-MPQ) como característica da dor, o mesmo deve ser referido por pelo menos 33% das pessoas pesquisadas9. Sendo assim, apenas os descritores com frequências a partir desse valor são considerados características da dor.

Realizando um levantamento da produção do conhecimento, em nível nacional e internacional, sobre a caracterização da dor associada a traumas perineais, foram encontrados poucos estudos. Dessa forma, questiona-se: quais são as características da dor perineal apresentada por mulheres com sutura perineal decorrente de episiotomias ou laceração espontânea?

Nesse sentido, este estudo objetivou comparar as características da dor perineal em mulheres com traumas perineais decorrentes de episiotomia ou laceração, conforme as dimensões do Br-MPQ, em uma maternidade pública do interior da Bahia.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo de corte transversal, realizado, na Unidade de Alojamento Conjunto para mulheres no pós-parto vaginal.

A amostra, do tipo aleatória simples, foi estimada em 306 puérperas com dor, considerando margem de erro de cinco pontos percentuais e nível de 95% de confiança em uma população de 1.500 partos, esperando encontrar 52% de frequência da dor6, sendo que foram acrescidos 20% para as perdas. Entretanto, a amostra final foi de 449 puérperas que apresentaram dor perineal decorrente de traumas locais no período de setembro de 2013 a dezembro de 2014.

Para inclusão no estudo, foram utilizados os seguintes critérios: ser puérpera de parto normal e em vértice que tenha apresentado alguma lesão perineal decorrente do processo parturitivo, estar com condições psíquicas, clínicas e obstétricas adequadas para responder aos questionamentos e estar com mais de seis horas de pós-parto.

Para a coleta de dados foi utilizada a técnica da entrevista estruturada e aplicado um formulário com questões sociodemográficas, obstétricas, perinatais e sobre a condição perineal. Para a caracterização da dor foi utilizada a terceira parte do Br-MPQ, que é formada por 68 palavras divididas em 4 categorias: sensorial (10 subcategorias), afetivo (5 subcategorias), avaliação (01 subcategoria) e mista (04 subcategorias). Cada subcategoria é formada por 2 a 6 descritores, e cada participante poderia optar por apenas um ou nenhum descritor.

O estudo respeitou as exigências formais contidas nas normas nacionais e internacionais regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Entre as demais regras seguidas, foi realizada a apresentação dos objetivos, técnicas de coleta de dados, benefícios e malefícios, entre outras informações, e solicitada às puérperas que aceitaram participar do estudo a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

O projeto de pesquisa foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana, sendo aprovado sob o parecer de número 69/2012.

Análise estatística

Para a análise dos dados foi utilizada a estatística descritiva através do cálculo das frequências absolutas e relativas. Os dados foram analisados por meio do pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.0.

RESULTADOS

Dentre as 499 puérperas que participaram do estudo, 51,9% apresentaram episiotomia e 48,1%, laceração perineal. A maioria das mulheres que apresentaram episiotomia eram jovens com idade até 20 anos (48,6%), cursaram até o ensino médio completo (34,7%) e se autodeclararam pardas (54,4%). Um total de 78,4% eram primíparas, 98,5% realizaram pré-natal e destas, 67,2% realizou 6 ou mais consultas de pré-natal. As mulheres que apresentaram laceração perineal, em sua maioria, possuíam idade entre 21 e 30 anos (44,2%), estudaram até o ensino médio completo (40,4%) e se autodeclaram pardas (54,2%). Um total de 47,1% eram primíparas e 99,2% referiram ter realizado pré-natal, sendo que 66,3% participaram de 6 ou mais consultas.

Entre as mulheres com episiotomia, 60,2% foram medicadas com ocitocina e 57,1% permaneceram internadas, em trabalho de parto, por até 5 horas. Um total de 88,4% dos partos foram realizados por profissionais médicos e 98,1% das mulheres pariram em posição horizontal. Das puérperas que apresentaram laceração, 60,4% usaram ocitocina e 63,8% permaneceram até 5 horas internadas no Centro Obstétrico; 70% dos partos foram realizados por médico e 91,7% ocorreram em posição horizontal.

Quanto à caracterização da dor segundo as dimensões do Br-MPQ, a sensório-discriminativa foi a mais escolhida entre as puérperas com episiotomia e laceração, alcançando percentual entre 59,4% e 60,4% respectivamente, seguida da dimensão motivacional-afetiva para ambos os traumas (18% e 17,4%, respectivamente).

As categorias mais utilizadas na dimensão sensório-discriminativa para as mulheres com episiotomia foram a temporal, marcada por mais da metade das mulheres (63,3%), seguida da geral (61,8%) e pressão ponto (45,6%). Nas mulheres que sofreram laceração, as categorias mais escolhidas foram a temporal (61,7%), geral (57,5%) e tração (37,9%).

Na dimensão motivacional-afetiva, a categoria desprazer foi a mais referida pelas mulheres com dor perineal decorrente de episiotomia (55,2%), e 47,9% das mulheres com laceração também escolheram essa categoria. A dimensão cognitiva-avaliativa é composta por apenas uma categoria, avaliação subjetiva, e esta foi escolhida por 74,5% das mulheres com episiotomia e 68,3% das que sofreram laceração. Na dimensão mista, por sua vez, a categoria sensorial foi a mais referida entre as mulheres de ambos os grupos, obtendo um percentual de 21,2% entre as mulheres com episiotomia e de 17,9% entre aquelas com laceração.

De acordo com a tabela 1, os descritores mais utilizados da dimensão sensorial-discriminativa para mulheres com episiotomia foram: “que vai e vem” (27,4%) da categoria temporal, “que salta daqui e ali” (8,1%) da categoria espacial, “pica como uma agulha” (31,7%) da categoria pressão ponto, “corta como uma navalha” (10,4%) da categoria incisão, “como um beliscão” (20,1%) da categoria compressão, “que repuxa” (42,1%) da categoria tração, “que esquenta” (18,1%) da categoria calor, “ardida” (21,2%) da categoria vivacidade, “amortecida” (5,4%) da categoria surdez, “sensível” (22,8%) da categoria geral.

Tabela 1 Caracterização da dor perineal conforme descritores da dimensão sensorial-discriminativa do questionário de dor (Br-MPQ) em mulheres no pós-parto vaginal com trauma perineal 

Descritores da dimensão sensorial-discriminativa Episiotomia Laceração
n=259 (%) n=240 (%)
Temporal
Que vai e vem
Que pulsa
Latejante
Em pancadas
Não escolherem
71 (27,4)
20 (7,7)
68 (26,3)
5 (1,9)
95 (36,7)
78 (32,5)
12 (5)
56 (23,3)
2 (0,8)
92 (38,4)
Espacial
Que salta daqui e ali
Que se espalha em círculos
Que irradia
Não escolherem
21 (8,1)
8 (3,1)
17 (6,6)
213 (82,2)
11 (4,6)
4 (1,7)
9 (3,8)
216 (90)
Pressão ponto
Pica como uma agulha
Écomo uma fisgada
Como ponta de faca
Perfura como uma broca
Não escolherem
82 (31,7)
23 (8,9)
9 (3,5)
4 (1,5)
141 (54,4)
65 (27,1)
9 (3,8)
8 (3,3)
5 (2,1)
153 (63,8)
Incisão
Corta como uma navalha
Que dilacera a carne
Não escolheram
27 (10,4)
6 (2,3)
226 (87,3)
10 (4,2)
10 (4,2)
220 (91,7)
Compressão
Como um beliscão
Em pressão
Compressão
Como uma mordida
Em cólica/câimbra
Que esmaga
Não escolherem
52 (20,1)
16 (6,2)
-
3 (1,2)
13 (5,0)
3 (1,2)
172 (66,4)
42 (17,5)
10 (4,2)
-
2 (0,8)
10 (4,2)
2 (0,8)
174 (72,5)
Tração
Que repuxa
Que arranca
Que parte ao meio
Não escolherem
109 (42,1)
2 (0,8)
2 (0,8)
146 (56,4)
89 (37,1)
-
2 (0,8)
149 (62,1)
Calor
Que esquenta
Que queima como água quente
Que queima como fogo
Não escolheram
47 (18,1)
13 (5)
2 (0,8)
197 (71,6)
29 (12,1)
6 (2,5)
5 (2,1)
200 (83,3)
Vivacidade
Que coça
Em formigamento
Ardida
Como uma ferroada
Não escolheram
12 (4,6)
18 (6,9)
55 (21,2)
11 (4,2)
163 (62,9)
9 (3,8)
11 (4,6)
58 (24,2)
2 (0,8)
160 (66,7)
Surdez
Amortecida
Adormecida
Não escolheram
14 (5,4)
8 (3,1)
237 (91,5)
6 (2,5)
9 (3,8)
225 (93,8)
Geral
Sensível
Dolorida
Como um machucado
Pesada
Não escolheram
59 (22,8)
54 (20,8)
40 (15,4)
7 (2,7)
99 (38,2)
56 (23,3)
46 (19,2)
31 (12,9)
5 (2,1)
102 (42,5)

Mulheres com laceração perineal definiram a dor nessa dimensão, predominantemente, como “que vai e vem” (32,5%) da categoria temporal, “que salta daqui e ali” (4,6%) da categoria espacial, “pica como uma agulha” (27,1%) da categoria pressão ponto, “que corta como uma navalha” (4,2%) e “que dilacera a carne” (4,2%) da categoria incisão, “como um beliscão” (17,5%) da categoria compressão, “que repuxa” (37,1%) da categoria tração, “que esquenta” (12,1%) da categoria calor, “ardida” (24,2%) da categoria vivacidade, “adormecida” (3,8%) da categoria surdez e “sensível” (23,3%) da categoria geral (Tabela 1).

Consoante a tabela 2, os descritores motivacionais-afetivos mais referidos para mulheres submetidas à episiotomia foram: “que cansa” (9,3%), “de suar frio” (5,4%), “horrível” (6,8%), “castigante” (13,5%) e “chata” (39,8%), das categorias cansaço, autonômica, medo, punição, desprazer, respectivamente. Seguindo essa mesma ordem das categorias, a maioria das mulheres com laceração referiram com mais frequência os descritores “que cansa” (9,6%), “de suar frio” (3,3%), “horrível” (3,8%), “castigante” (5,4%) e “chata” (37,1%).

Tabela 2 Caracterização da dor perineal conforme descritores da dimensão motivacional-afetiva do questionário de dor (Br-MPQ) em mulheres no pós-parto vaginal com trauma perineal 

Descritores da dimensão motivacional-afetiva Episiotomia Laceração
n=259 (%) n=240 (%)
Cansaço
Que cansa
Que enfraquece
Fatigante
Que consome
Não escolheram
24 (9,3)
14 (5,4)
6 (2,3)
1 (0,4)
214 (82,6)
23 (9,6)
13 (5,4)
1 (0,4)
2 (0,8)
201 (83,8)
Autonômica
De suar frio
Que dá ânsia de vômito
Não escolheram
14 (5,4)
2 (0,8)
243 (93,8)
8 (3,3)
6 (2,5)
226 (94,2)
Medo
Assustadora
Horrível
Tenebrosa
Não escolheram
9 (3,8)
16 (6,2)
1 (0,4)
233 (90)
7 (2,9)
9 (3,8)
0
224 (93,3)
Punição
Castigante
Torturante
De matar
Não escolheram
35 (13,5)
7 (2,7)
0
217 (83,8)
13 (5,4)
6 (2,5)
1 (0,4)
220 (91,7)
Desprazer
Chata
Que perturba
Que dá nervoso
Irritante
De chorar
Não escolheram
103 (39,8)
19 (7,3)
6 (2,3)
12 (4,6)
3 (1,2)
116 (44,8)
89 (37,1)
11 (4,6)
6 (2,5)
5 (2,1)
4 (1,7)
125 (52,1)

Fonte: Banco de dados do Projeto de Pesquisa "Condições perineais de mulheres no pósparto vaginal em uma Instituição pública do interior da Bahia", 2015.

Na dimensão cognitiva-avaliativa, o descritor “incômoda” obteve frequências entre 37,6 e 33,3% entre as puérperas com episiotomia e laceração, respectivamente, enquanto o descritor “leve” obteve frequências de 31,7 e 30% (Tabela 3).

Tabela 3 Caracterização da dor perineal conforme descritores da dimensão cognitiva-avaliativa do questionário de dor (Br-MPQ) em mulheres no pós-parto vaginal com trauma perineal 

Descritores da dimensão cognitiva-avaliativa Episiotomia Laceração
n=259 (%) n=240 (%)
Avaliação subjetiva
Leve
Incômoda
Miserável
Angustiante
Inaguentável
Não escolheram
82 (31,7)
97 (37,6)
7 (2,7)
6 (2,3)
1 (0,4)
66 (25,6)
72 (30)
80 (33,3)
3 (1,3)
7 (2,9)
2 (0,8)
76 (31,7)

Fonte: Banco de dados do Projeto de Pesquisa "Condições perineais de mulheres no pós-parto vaginal em uma Instituição pública do interior da Bahia", 2015.

Com relação aos descritores da dimensão mista, mulheres com episiotomia mencionaram, mais frequentemente, como “que prende” (6,2%) na categoria dor/movimento, “que cresce e diminui” (11,2%) na categoria sensorial, “fria” (9,7%) na categoria frio e que “deixa tensa” (10,1%) na categoria emocional. Mulheres com laceração perineal utilizaram mais, na categoria dor/movimento, os descritores “que prende” (2,9%) e “que imobiliza” (2,9%), usando, na categoria sensorial, “que cresce e diminui” (12,1%), “fria” (7,1%) na categoria fria, e “que deixa tensa” (4,6%) na categoria emocional.

DISCUSSÃO

Sabe-se que para considerar um descritor do Br-MPQ como característica da dor, ele deve ser referido por pelo menos 33% das pessoas pesquisadas9. Dessa forma, apenas os descritores com frequên cias a partir desse valor são caracterizações da dor.

No presente estudo, ao comparar as características da dor perineal nas dimensões do questionário McGill entre as mulheres com episiotomia e laceração, a dimensão sensório-discriminativa foi a mais escolhida. Esse resultado corrobora os resultados de um estudo realizado com puérperas em pós-parto vaginal, a maioria com trauma no períneo, cuja dimensão mais utilizada para caracterizar a dor foi a sensorial10.

Diante disso, visto que essa dimensão apresenta as qualidades sensoriais da dor9, torna-se evidente que tanto as mulheres com episiotomia quanto aquelas com lacerações, provavelmente relatarão mais as impressões físicas sobre esse sintoma.

Ainda com relação a essa dimensão, para ambos os traumas, mais da metade das mulheres escolheu as categorias temporal e geral. Isso mostra que a dor perineal apresenta uma variação temporal, não se caracterizando como uma dor constante, e sendo a intensidade dessa dor referida através da categoria geral9.

Essa característica temporal da dor pode estar associada à realização de atividades e necessidades fisiológicas, visto que sentar e urinar, por exemplo, são práticas dificultadas no puerpério de mulheres com traumas perineais, devido à dor que é desencadeada ou intensificada durante sua realização11.

Apesar de a categoria temporal ter sido a mais selecionada pelas puérperas na dimensão sensório-discriminativa, a dor associada à episiotomia e à laceração também foi frequentemente caracterizada como “que repuxa”, da categoria tração, sendo que esse descritor expressa uma sensação de estiramento no local9.

A categoria “desprazer” foi a mais utilizada na dimensão motivacional-afetiva. Essa categoria expressa a intensidade do padecimento que a dor provoca no indivíduo9. Tanto mulheres com episiotomia quanto aquelas com laceração perineal, ainda nesta categoria, utilizaram o descritor “chata” para caracterizar sua dor, o que revela a intensidade da dor perineal e a sensação desagradável associada a esse desconforto.

A dimensão cognitiva-avaliativa foi selecionada por mais da metade das mulheres com trauma perineal. Tal dimensão analisa a força bem como a importância do problema9, sendo que essa dor foi, com uma maior frequência, descrita como “incômoda” por mulheres com traumas perineais espontâneos ou provocados.

Na dimensão mista destacou-se a categoria sensorial, que remete o mesmo sentido da dimensão sensório-discriminativa. Contudo, nenhum de seus descritores caracterizou a dor perineal, visto que não houve frequências iguais ou superiores a 33%9.

Mesmo não sendo utilizada a estatística inferencial para análise da caracterização da dor perineal, os dados sugerem que não foram observadas diferenças nas dimensões e categorias selecionadas como características da dor perineal pelas mulheres submetidas à episiotomia e aquelas com lacerações espontâneas. Dessa forma, analisando todas as categorias das dimensões, a dor foi caracterizada como “que repuxa”, “chata” e “incômoda”, uma vez que apenas as frequências desses descritores foram iguais ou superiores a 33%9.

Os resultados deste estudo corroboram parcialmente os resultados de uma pesquisa descritiva realizada com 53 puérperas, que também comparou as características da dor entre os traumas.

Mulheres com episiotomia caracterizaram a dor, predominantemente, como “incômoda” e “dolorida” e as mulheres que apresentaram laceração perineal, como “sensível” e “incômoda”12.

Um estudo descritivo realizado em São Paulo, com 50 puérperas, mostrou que a dor perineal no pós-parto de puérperas submetidas à episiotomia foi mais caracterizada pelos seguintes descritores do Br-MPQ: “latejante”, “que repuxa”, “que esquenta”, “ardida”, “dolorida”, “chata”, “incômoda”, “que prende” e “que deixa tensa”6, também corroborando, parcialmente, os resultados deste estudo.

Semelhante ao anterior, outro estudo descritivo desenvolvido com 40 puérperas primíparas submetidas à episiotomia verificou que os descritores que melhor caracterizaram a dor foram: “dolorida”, “que repuxa”, “incômoda”, “chata”, “ardida”, “pica como agulhada”, “latejante” e “em pressão”13.

A dor perineal pode impactar a vida diária da puérpera, dificultando ou mesmo impedindo a realização de atividades básicas, tais como sentar, deitar, deambular, além de comprometer a realização da higiene íntima e das eliminações urinárias e intestinais9,14. Estudo realizado em uma maternidade da cidade São Paulo mostrou que a dor referida pelas puérperas submetidas à episiotomia limitou a execução de algumas atividades habituais, principalmente sentar, caminhar e dormir. Esse mesmo estudo constatou que a prevalência desse desconforto perineal decorrente de episiotomia é alto, especialmente nas primeiras 24 horas após o parto, sendo uma queixa comum entre muitas mulheres após esse período15.

Contudo, apesar de toda essa problemática, as repercussões da dor perineal são pouco valorizadas pelos trabalhadores da saúde, o que expõe as mulheres a experiências desagradáveis no período puerperal, que repercutem em sua recuperação orgânica.

Sendo assim, no presente estudo, as características da dor perineal segundo o Br-MPQ foram iguais para mulheres submetidas à episiotomia e para as que apresentaram lacerações perineais espontâneas. A dimensão sensório-discriminativa foi a mais referida pelas mulheres com trauma perineal de ambos os tipos, sendo a dor perineal caracterizada como “que repuxa”, “chata” e “incômoda”.

Este estudo apresentou algumas limitações. Por ser transversal, seus resultados não poderão ser generalizados. Ademais, o Br-MPQ é extenso e isso pode ter levado as mulheres a marcarem poucas palavras ou escolherem os primeiros descritores das categorias.

Considera-se, também, a incipiente produção e publicação do conhecimento sobre a comparação da caracterização da dor decorrente da perineorrafia secundária à episiotomia ou lacerações espontâneas. Assim, os dados deste estudo foram limitados à comparação com publicações sobre episiotomia. Outra limitação apontada para este estudo foi a ausência de comparação entre a episiotomia e lacerações perineais não suturadas. Dessa maneira, considera-se fundamental a realização de novas investigações sobre a temática, incluindo mulheres com lacerações que não foram suturadas e que possuam caráter multicêntrico.

CONCLUSÃO

A dor perineal, caracterizada como “que repuxa”, “incômoda” e “chata”, causa desconforto nas mulheres, podendo interferir no seu bem-estar. Sendo assim, é importante que a episiotomia seja realizada de forma restrita e que os profissionais procurem utilizar técnicas de proteção perineal, pois, dessa forma, reduzirá a frequência de dor perineal e proporcionará maior conforto à mulher no puerpério imediato.

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