versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde vol.28 no.3 Brasília 2019 Epub 03-Fev-2020
http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742019000300014
describir las notificaciones de tuberculosis drogorresistente (TB-DR) en Brasil.
estudio descriptivo de características clínicas y epidemiológicas de las notificaciones de casos de TB-DR en 2014 en SITETB y TBWeb, sistemas de informaciones donde se registran los casos bajo esquemas especiales de tratamiento.
fueron 1.574 casos, de los cuales el 94,8% eran pulmonares, 27,6% tenían resistencia primaria y 50,9% eran multidrogorresistentes; el 70,6% era del sexo masculino, 87% tenía entre 20 y 59 años de edad, 60,9% era de raza/color de la piel negra y 68,0% tenía menos de 8 años de escolaridad; como comorbilidad, el 13,1% de los pacientes tenía sida, 11,3% diabetes, 25,8% hacía uso de consumo perjudicial de alcohol, 21,0% utilizaba drogas ilícitas y 22,2% utilizaba tabaco.
la mayoría de los casos era de hombres, jóvenes, negros y con baja escolaridad; se observó un alto porcentaje de resistencia primaria, así como de multidrogorresistencia y de comorbilidades, con énfasis en el uso de substancias.
Palabras clave: Tuberculosis Resistente a Múltiples Medicamentos; Enfermedades Transmisibles; Salud Pública; Epidemiología Descriptiva
A tuberculose (TB) é uma das dez principais causas de morte no mundo, afetando principalmente países de renda média e baixa.1 Tratamentos inadequados, intermitentes ou interrompidos podem selecionar cepas resistentes, as quais são transmissíveis.2 A resistência a uma só droga é classificada como monorresistência, enquanto a resistência a mais drogas classifica-se como polirresistência. Multidrogarresistência (TB-MDR) é uma polirresistência caracterizada pela resistência a, ao menos, isoniazida e rifampicina.2 A tuberculose drogarresistente (TB-DR) é um fenômeno cada vez mais frequente1 e tem potencial de tornar ineficazes os esquemas terapêuticos disponíveis.1
Estima-se que em 2017, em todo o mundo, a TB resistente à rifampicina ou a TB-MDR ocorreu em 3,5% dos novos casos (resistência primária) e em 18,0% dos casos previamente tratados (resistência adquirida).1 Segundo as mesmas estimativas, 7,1% dos casos novos e 7,9% dos casos previamente tratados apresentaram monorresistência à isoniazida.1
Para o Brasil, a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou para uma incidência de 1,2 caso de TB-MDR ou TB resistente à rifampicina, por 100 mil habitantes, em 2017.1 Esses padrões estariam presentes em 1,5% dos casos novos de TB e em 8,0% dos previamente tratados.1 Em 1997, no Brasil, 10,6% dos casos de TB pulmonar com baciloscopia positiva apresentavam alguma drogarresistência, sendo 2,2% TB-MDR;3 já em 2006, 1,4% dos novos casos de TB e 7,5% dos anteriormente tratados eram de TB-MDR.4
Estudos brasileiros recentes, ao descreverem o perfil epidemiológico da TB-DR, utilizaram dados locais,5-9 ou seja, sem abrangência nacional.
O objetivo deste estudo foi descrever as notificações de TB-DR no Brasil.
Trata-se de um estudo descritivo das notificações de TB-DR em 2014. Foram utilizados os dados do Sistema de Controle de Pacientes de Tuberculose de São Paulo (TBWeb), para o estado de São Paulo, e os dados do Sistema de Informações de Tratamentos Especiais da Tuberculose (SITETB) para as demais Unidades da Federação (UFs). O SITETB é utilizado em todo o país, para acompanhar os regimes especiais de tratamento de TB. O TBWeb é utilizado exclusivamente pelo estado de São Paulo, para todos os casos de TB. Foram utilizados ambos os sistemas, pois parte dos casos monodrogarresistentes do estado de São Paulo era registrada apenas no TBWeb.
A população de estudo foi constituída pelos casos de TB-DR diagnosticados no ano de 2014, notificados no TBWeb para o estado de São Paulo e no SITETB para o restante do Brasil.
As variáveis analisadas foram:
UF de residência;
sexo (feminino; masculino);
raça/cor da pele (branca; preta; parda; amarela; indígena; ignorada), sendo que, para fins de análise, as categorias ‘preta’ e ‘parda’ foram agrupadas na categoria ‘negra’;10
faixa etária (em anos: até 19; 20 a 59; 60 ou mais);
escolaridade (em anos de estudo: nenhum; 1 a 3; 4 a 7; 8 a 11; 12 ou mais; ignorada);
presença ou ausência de alcoolismo, diabetes mellitus, aids, drogas ilícitas e tabagismo;
forma clínica de TB (pulmonar; extrapulmonar; pulmonar e extrapulmonar);
tipo de resistência (adquirida; primária); e
padrão de resistência às drogas (MDR; polirresistência não MDR; monorresistência à isoniazida; monorresistência à rifampicina; monorresistência à estreptomicina; monorresistência à etionamida; monorresistência ao etambutol; monorresistência à pirazinamida; ignorado; não classificado).
O padrão de resistência teve como base o registro de resistência a cada droga, independentemente do método de diagnóstico empregado. Os casos classificados nos sistemas de informações como TB-DR, mas sem registro de resistência, foram incluídos na análise como padrão de resistência ‘ignorado’.
Foi realizada a descrição dos casos por meio de frequências absolutas e relativas. As análises foram realizadas utilizando-se o software Stata 12.0.
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília: Parecer nº 1.431.237. As bases de dados analisadas foram solicitadas ao Ministério da Saúde e à Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, conforme a Lei no 12.527/201111 e o Decreto do Governo do Estado de São Paulo no 58.052/2012.12
Foram notificados 1.574 casos de TB-DR no Brasil em 2014, em sua maioria na região Sudeste (53,0%), com ênfase nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (Tabela 1). Todas as capitais registraram ao menos um caso, exceto Boa Vista, capital do único estado sem casos registrados: Roraima.
Tabela 1 - Distribuição dos casos de tuberculose drogarresistente por Unidade da Federação (UF), Brasil, 2014
Região e UF | Casos N (%) |
---|---|
Norte | |
Rondônia | 6 (0,4) |
Acre | 3 (0,2) |
Amazonas | 55 (3,5) |
Pará | 50 (3,2) |
Roraima | - |
Amapá | 2 (0,1) |
Tocantins | 2 (0,1) |
Nordeste | |
Maranhão | 23 (1,5) |
Piauí | 3 (0,2) |
Ceará | 95 (6,0) |
Rio Grande do Norte | 11 (0,7) |
Paraíba | 16 (1,0) |
Pernambuco | 71 (4,5) |
Alagoas | 9 (0,6) |
Sergipe | 10 (0,6) |
Bahia | 114 (7,2) |
Sudeste | |
Minas Gerais | 38 (2,4) |
Espírito Santo | 9 (0,6) |
Rio de Janeiro | 333 (21,2) |
São Paulo | 454 (28,8) |
Sul | |
Paraná | 45 (2,9) |
Santa Catarina | 42 (2,7) |
Rio Grande do Sul | 137 (8,7) |
Centro-Oeste | |
Mato Grosso do Sul | 17 (1,1) |
Mato Grosso | 7 (0,4) |
Goiás | 9 (0,6) |
Distrito Federal | 1 (0,1) |
Ignorado | 12 (0,8) |
Brasil | 1.574 (100,0) |
Do total de casos, 27,6% (434) eram de resistência primária (Tabela 2). Entre os 801 casos de TB-MDR, 159 (20,5%) apresentaram resistência primária e 615 (79,5%) resistência adquirida. Entre os 774 casos de TB-MDR pulmonar ou pulmonar mais extrapulmonar, 159 eram casos novos e 615 previamente tratados.
Tabela 2 - Tipo e padrão de resistência dos casos de tuberculose drogarresistente no Brasil, 2014
Variável | Frequência N(%) |
---|---|
Tipo de resistência | |
Primária | 434 (27,6) |
Adquirida | 1.102 (70,0) |
Ignorada | 38 (2,4) |
Padrão de resistência às drogas | |
Multidrogarresistência (MDR) | 801 (50,9) |
Polirresistência não MDR | 149 (9,5) |
Monorresistência à isoniazida | 342 (21,7) |
Monorresistência à rifampicina | 141 (9,0) |
Monorresistência à estreptomicina | 71 (4,5) |
Monorresistência à etionamida | - |
Monorresistência ao etambutol | 5 (0,3) |
Monorresistência à pirazinamida | 3 (0,2) |
Ignorado | 44 (2,8) |
Não classificado | 18 (1,1) |
Quanto às características pessoais, 70,6% (1.111) eram do sexo masculino, 87,0% (1.370) tinham entre 20 e 59 anos de idade, 60,9% (959) eram de raça/cor da pele negra e 68,0% (1.070) tinham menos de 8 anos de escolaridade (Tabela 3).
Tabela 3 - Características demográficas e clínicas dos casos de tuberculose drogarresistente no Brasil, 2014
Variável | Frequência N (%) |
---|---|
Sexo | |
Feminino | 463 (29,4) |
Masculino | 1.111 (70,6) |
Faixa etária (em anos) | |
≤19 | 83 (5,3) |
20-59 | 1.370 (87,0) |
≥60 | 121 (7,7) |
Escolaridade (em anos de estudo) | |
Nenhum | 99 (6,3) |
1-3 | 507 (32,2) |
4-7 | 464 (29,5) |
8-11 | 255 (16,2) |
≥12 | 104 (6,6) |
Ignorada | 145 (9,2) |
Raça/cor da pele | |
Branca | 546 (34,7) |
Negra | 959 (60,9) |
Amarela | 6 (0,4) |
Indígena | 10 (0,6) |
Ignorada | 53 (3,4) |
Forma clínica | |
Pulmonar | 1.492 (94,8) |
Extrapulmonar | 30 (1,9) |
Pulmonar e extrapulmonar | 52 (3,3) |
Comorbidades | |
Aids | 206 (13,1) |
Diabetes mellitus | 178 (11,3) |
Uso de drogas ilícitas | 330 (21,0) |
Transtorno relacionado ao uso de álcool | 406 (25,8) |
Tabagismo | 350 (22,2) |
Quanto às características clínicas, a maioria dos casos era exclusivamente pulmonar, 94,8% (1.492), 13,1% (206) tinham aids e 11,3% (178) tinham diabetes. O uso de drogas ilícitas, transtorno relacionado ao uso de álcool e tabagismo foram relatados, respectivamente, por 21,0% (330), 25,8% (406) e 22,2% (350) dos casos (Tabela 3). Do total de casos, 56,5% (890) tinham alguma das comorbidades estudadas, sendo o uso de substâncias (álcool, tabaco e/ou drogas ilícitas) referido em 42,0% (661) dos casos.
Todas as variáveis analisadas tinham completitude maior que 90%.
No Brasil, em 2014, quase um terço dos casos de TB-DR notificados nunca havia se tratado de TB e mais da metade tinha TB-MDR. A maioria era do sexo masculino, de raça/cor da pele negra, em idade produtiva, com baixa escolaridade e ao menos uma comorbidade, destacando o uso de substâncias. A frequência relativa de casos com resistência primária foi superior à descrita para o Brasil em 2010 (entre 6,0 e 8,0%),13 o que pode sugerir transmissão de cepas resistentes ou melhora no diagnóstico da TB-DR. Esta última hipótese considera a expansão da oferta de testes de sensibilidade, bem como do teste rápido molecular para TB.14
A predominância de TB-MDR entre as TB-DR também foi investigada no estado do Espírito Santo: 47,7% entre 2002 e 2012;9 já o percentual de polirresistências, de 14,0% (2002) e 9,5% (2012) segundo o mesmo estudo citado, foi superior ao aqui descrito.9 Quanto às monorresistências, os resultados apontam predominância de monorresistência à isoniazida, seguida de monorresistência à rifampicina, resultados semelhantes aos encontrados em estudos anteriores.5,7,9 No entanto, a predominância de monorresistência à estreptomicina já fora relatada no município de São José do Rio Preto, SP, entre 2009 e 2013.6
o mesmo estudo citado, foi superior ao aqui descrito.9 Quanto às monorresistências, os resultados apontam predominância de monorresistência à isoniazida, seguida de monorresistência à rifampicina, resultados semelhantes aos encontrados em estudos anteriores.5,7,9 No entanto, a predominância de monorresistência à estreptomicina já fora relatada no município de São José do Rio Preto, SP, entre 2009 e 2013.6
O número de casos de TB-MDR pulmonar notificados em 2014 representou 43,7% do estimado pela OMS para o Brasil naquele ano (19,4% dos casos primários e 64,7% dos adquiridos).15 As estimativas da OMS tinham como base os casos notificados, a subnotificação estimada por especialistas e o último inquérito nacional de resistência aos fármacos.16 A diferença encontrada pode decorrer de uma superestimativa de casos pela OMS, dadas as reconhecidas limitações do método,16 assim como pode indicar uma endemia oculta no país.
A predominância de homens, negros, jovens e de baixa escolaridade também foi encontrada nos outros estudos municipais, estaduais e locais, entre 2000 e 2013; exceto no município de Porto Alegre, RS, entre 2006 e 2007, quando a maioria (64,3%) dos casos de TB-DR foi de indivíduos brancos,5-9,17-20 variação possivelmente decorrente de diferenças regionais na composição étnica da população. O perfil de casos de TB-DR é o mesmo associado à perda de seguimento de tratamento de TB sensível.21-23 Tal convergência sugere necessidade de aprimoramento do acompanhamento desses grupos, para a prevenção de formas resistentes da doença.
Um a cada nove casos de TB-DR tinha aids (11,3%), proporção maior que a encontrada entre os casos de TB-MDR no Espírito Santo entre 2000 e 2004 (9,5%).18 A coinfecção HIV/aids e TB-DR representa maior complexidade, associada ao manejo de cada infecção.24 Em relação ao diabetes, foi encontrado percentual intermediário aos de Porto Alegre, dos estados do Espírito Santo e do Amazonas, entre 2000 e 2013 (de 7,7% a 13,6%).5,9,20 O diabetes tem potencial interferência no tratamento da TB, com risco aumentado de falência, recidiva e óbito.25
A frequência relativa de uso de substâncias é consistente com a encontrada em São José do Rio Preto, entre 2009 e 2013,6 assim como entre os casos de TB-MDR do Centro de Referência do Estado de São Paulo, em 2010.19 No Espírito Santo, entre casos de TB-DR notificados de 2002 a 2012,9 foi relatado maior percentual de tabagistas e etilistas. Exclusivamente quanto ao álcool, o achado do presente estudo é marcadamente mais elevado que os dados do Amazonas entre 2000 e 2011 (6,2%).20 Como um todo, os altos percentuais sugerem que os serviços de TB devem ser capazes de fornecer assistência centrada no paciente com TB-DR e suporte psicossocial,26 prioridades da Estratégia End TB (pelo fim da TB).27
O uso de dados de dois sistemas de informações - TBWeb e SITETB - pode significar uma limitação deste estudo, devido à potencial não uniformidade de coleta e registro. A subnotificação dos casos de TB-DR pode ser mais uma limitação, embora a notificação seja obrigatória no Brasil.28
O presente estudo delineou o perfil dos casos de TB-DR notificados no Brasil no ano de 2014, encontrou uma frequência relativa de casos de TB-DR primária superior ao conhecido anteriormente13 e menor número de casos de TB-MDR pulmonar que o estimado pela OMS.15
Espera-se que tais resultados possam subsidiar decisões programáticas concernentes à TB-DR no país, considerando-se sua magnitude, distribuição territorial e particularidades dos grupos mais afetados.