versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.2 Rio de Janeiro fev. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018232.05542016
A systematic review of nutritional and sociodemographic characteristics of nursing mothers, using the published literature from 2004 to 2014 in the Biblioteca Virtual de Saúde and Medline databases. Using the following key words, 561 articles were identified: “Human Milk” and “Milk Banks”; keywords: “Profile,” “Nutritional,” “Milk Donor,” “Nursing Mother” and “Nursing Mothers”; available abstracts; date and language. From these, 84.1% were excluded for not dealing with the established subject, 1.8% for being a review and 7.5% for the unavailability of abstracts for study. Thirty-seven articles were selected, of which 18.9% analyzed the profile of the HM donor. Of the total, 89.2% reported age, the majority between 20 and 30 years of age. The level of schooling was mentioned in 32.4% ranging from elementary school and higher education. With respect to income, a higher prevalence of low socioeconomic status was observed. About the nutritional status, 45.9% of the studies measured the body mass index and 29.4% reported the predominance of excess weight. There were deficiencies, particularly of vitamin A, with frequencies between 9% and 26%. A majority of young adult mothers, varied schooling, low income and nutritional deficiencies were noted, demanding interventions to improve health and increase HM donations.
Key words Health profile; Maternal nutrition; Donations; Human milk
O ato de amamentar está intimamente relacionado ao processo de doação de leite humano (LH), visto que, quando a mulher vivencia a experiência da maternidade e da amamentação, ela pode ser doadora desse fluido vital. As doações de leite viabilizam e favorecem a manutenção do aleitamento materno (AM) para lactentes que, por motivos clínicos, não disponham do aleitamento ao seio. Assim, a nutriz doadora exerce um papel fundamental enquanto agente de manutenção dessa prática1.
No que diz respeito à lactante que decide doar seu leite, essa é considerada apta quando possui excesso de leite materno (LM). Ainda, deve apresentar exames pré ou pós-natal sem alterações que impeçam a doação, não fumar mais que dez cigarros ao dia, não fazer uso de álcool e drogas ilícitas, não usar medicamentos incompatíveis com a amamentação e possuir bom estado geral de saúde2.
Além do adicional de LM disponível para doação, alguns fatores sociodemográficos podem afetar o AM e consequentemente impactar sobre a doação. É conhecido que mães mais jovens amamentam mais seus filhos em comparação às mais velhas. Adicionalmente nota-se também que as lactantes com menor grau de instrução amamentam com mais frequência do que aquelas com nível superior, embora se observe uma tendência crescente da prática do AM entre as mulheres mais instruídas e com maior nível socioeconômico3.
Em contrapartida, o estado nutricional inadequado, a saber, a obesidade, parecem desfavorecer o processo de doação. Esse agravo pode influenciar negativamente o estabelecimento da lactação, em virtude de dificuldade de posicionamento do bebê na amamentação e fatores hormonais, já que mulheres com excesso de peso apresentam menor resposta à prolactina nas primeiras 48 horas pós-parto, culminando em atraso na lactogênese e maior probabilidade de desmame precoce. Tal situação é preocupante, visto que o excesso de peso se tornou um problema recorrente após o parto, resultado do exagerado ganho ponderal durante a gestação e pelas elevadas prevalências de excesso de peso no período pré-gestacional4,5.
Ainda no âmbito nutricional, outro problema frequente na lactação são as carências nutricionais, pois a demanda de nutrientes neste período, indispensável para a adequada produção de leite e manutenção da saúde materna, é maior. Dentre os agravos mais comuns, estão a deficiência de vitamina A (DVA) e anemia ferropriva, que compreende um dos maiores problemas de saúde pública neste grupo6–9.
Diante do exposto, torna-se relevante investigar o perfil de saúde das lactantes de modo a subsidiar a formulação de estratégias para melhoria da saúde materna e ações que possam contribuir para o incremento e qualidade das doações de LH. Assim, o presente trabalho objetivou realizar uma revisão sistemática acerca do perfil nutricional e sociodemográfico de lactantes e seu possível impacto sobre a doação de LM.
Trata-se de uma revisão sistemática da literatura pautada em bases de dados do sítio da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS): Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Índice Bibliográfico Espanhol de Ciências da Saúde (IBECS) e Scientific Eletronic Library Online (SciELO). Adicionalmente, foram pesquisadas publicações na base de dados Medline (National Library of Medicine) por meio do PubMed.
Para a pesquisa em ambas as bases de dados (BVS e Medline), foram adotados os descritores: Leite Humano e Bancos de Leite, e as palavras chaves: Perfil, Nutricional, Doadoras de leite, Nutriz e Nutrizes, bem como suas respectivas traduções para a língua inglesa e espanhola. Ressalta-se que não foram utilizados operadores boleanos.
Inicialmente, a seleção dos manuscritos, realizada a partir da leitura do título e resumo, e a exclusão daqueles indexados em mais de uma base de dados foi realizada pela autora principal, respeitando os critérios de inclusão e exclusão pré-determinados. Em seguida, a leitura na íntegra dos artigos remanescentes, e a segunda análise dos estudos foi realizada por dois investigadores independentes. As eventuais discordâncias foram avaliadas e posteriormente chegou-se a um consenso.
Foram selecionados artigos publicados na última década (2004-2014) em idioma inglês, português ou espanhol, cujos resumos estavam disponíveis para consulta. Os investigadores contataram os autores dos resumos indisponíveis, a fim de se obter as informações necessárias. A partir disso, foi realizada uma leitura das sinopses dos manuscritos, selecionando-se aqueles compatíveis com a temática proposta. Foi realizada a exclusão de resumos em duplicata em ambas as bases de pesquisa e aqueles cujos autores não retornaram o contato.
Por fim, foi realizada a leitura completa dos manuscritos elegidos. Os artigos de revisão e aqueles que, apesar dos rigorosos critérios de seleção (período da publicação, descritores, viabilidade), não abordavam a temática proposta ou se encontravam indisponíveis, foram excluídos.
No tocante à qualidade metodológica, todos os trabalhos fizeram uso de ferramentas validadas para avaliar as variáveis selecionadas e análises estatísticas adequadas.
Foram encontrados 561 artigos, a partir da revisão inicial, dos quais 398 (70,9%) correspondiam à base de dados Medline e 163 (29,1%) à BVS. Identificou-se que 472 (84,1%) não atendiam a temática em questão, abordando itens como a nutrição de animais e períodos que antecedem a lactação, sendo excluídos. Além disso, 42 (7,5%) não foram avaliados em virtude da indisponibilidade dos resumos para consulta. Foram excluídos também os artigos de revisão (n = 10), que corresponderam a 1,8% de todos os manuscritos pesquisados. Para a análise final, foram incluídos 37 artigos que contemplavam lactantes, e, desses, 7 (18,9%) retrataram o perfil nutricional e/ou sociodemográfico da nutriz doadora de LH (Figura 1).
Identificaram-se nos artigos selecionados as variáveis que se relacionam ao tema proposto por esta revisão: dados sociodemográficos e nutricionais, a saber, antropometria, consumo alimentar e avaliação sérica de micronutrientes (Quadro 1). Posteriormente, as principais características acerca do perfil das lactantes foram descritas. Tabela 1.
Quadro 1 Síntese dos artigos conforme perfil estudado.
Autores | Público alvo | Características | |||
---|---|---|---|---|---|
Sociodemográficas | Antropométricas | Consumo alimentar | Avaliação sérica de micronutrientes | ||
Antonakou et al. | Nutriz não doadora (n=64) | X | X | ||
Azeredo et al. | Nutriz não doadora (n=50) | X | X | ||
Bachour et al.10 | Nutriz não doadora (n=66) | X | X | ||
Cherop et al.11 | Nutriz não doadora (n=384) | X | |||
Colomina et al. | Nutriz doadora (n=168) | X | |||
Correia-Santos et al. | Nutriz não doadora (n= 36) | X | X | X | |
Dias et al. | Nutriz doadora (n=48) | X | |||
Dimenstein et al. | Nutriz não doadora (n=30) | X | X | X | |
Dimenstein et al.12 | Nutriz não doadora (n=72) | X | X | ||
Ettyang et al.13 | Nutriz não doadora (n=10) | X | X | X | |
Galvão et al. | Nutriz doadora (n=11) | X | |||
Harit et al.14 | Nutriz não doadora (n=299) | X | |||
Lira et al. | Nutriz não doadora (n=97) | X | X | ||
Lopes et al. | Nutriz não doadora (n=46) | X | X | X | |
Lubetzky et al.15 | Nutriz não doadora (n=55) | X | X | ||
Marín et al. | Nutriz não doadora (n=46) | X | X | X | |
Maru et al.17 | Nutriz não doadora (n=45) | X | X | ||
Mello-Neto et al. | Nutriz doadora (n=136) | X | X | X | |
Nakamori et al. | Nutriz não doadora (n=60) | X | X | X | X |
Neves et al. | Nutriz doadora (n=4) Nutriz não doadora (n=3) | X | |||
Olafsdottir et al.18 | Nutriz não doadora (n=77) | X | X | X | |
Örün et al. | Nutriz não doadora (n=144) | X | X | ||
Qiao et al.19 | Nutriz não doadora (n=90) | X | |||
Quinn et al. | Nutriz não doadora (n=102) | X | X | X | |
Ribeiro et al. | Nutriz não doadora (n=86) | X | X | ||
Sánchez et al. | Nutriz não doadora (n=39) | X | X | X | |
Santos et al. | Nutriz doadora (n=91) | X | |||
Severi et al. | Nutriz não doadora (n=312) | X | X | ||
Shashiraj et al.20 | Nutriz não doadora (n=200) | X | X | ||
Soares et al. | Nutriz não doadora (n=40) | X | |||
Souza et al. | Nutriz não doadora (n=196) | X | |||
Szlagatys- Sidorkiewicz et al.21 | Nutriz não doadora (n=156) | X | X | X | |
Szlagatys- Sidorkiewicz et al.21 | Nutriz não doadora (n=24) | X | |||
Tavares et al. | Nutriz não doadora (n=75) | X | X | X | |
Tokuşoğlu et al.22 | Nutriz não doadora (n=92) | X | X | X | |
Valentine et al.23 | Nutriz doadora (n=21) | X | X | ||
Zhixiong Shi et al.24 | Nutriz não doadora (n=103) | X | X | X |
Tabela 1 Principais características nutricionais referentes às lactantes.
Variável Estudada | Percentual (%) de número de Estudos | Síntese dos resultados |
---|---|---|
Antropometria | 45,9 (n=17) | 35,3% encontraram média na faixa de eutrofia (n=6) e 17,6% na faixa de sobrepeso (n=3) 23,5% encontraram maior prevalência de classificação para excesso de peso (n=4) e 23,5% para eutrofia (n=4). |
Ingestão Média de Energia | 10,8 (n=4) | 50% encontraram média > 2000kcal (n=2), 25% média <1500kcal (n=1) e 25% média entre 1500 e 2000kcal (n=1) |
Ingestão Média de Proteína | 13,5 (n=5) | 100% encontraram percentual médio dentro da recomendação (10 a 35%) (n=5) |
Ingestão Média de Carboidratos | 13,5 (n=5) | 80% encontraram percentual médio dentro da faixa recomendada (45 a 65%) (n=4) e 20% abaixo (n=1) |
Ingestão Média de Gorduras | 16,2 (n=6) | 50% encontraram percentual médio dentro da faixa recomendada (10 a 35%) (n=3), 16,7% abaixo (n=1) e 33,3% acima (n=2). |
Carência Nutricional | 13,5 (n=5) | 40% encontraram DVA (n=2); 40% anemia (n=2); 20% hemoglobina abaixo da faixa adequada (12 a 16,5 g/100ml) (n=1). |
DVA: Deficiência de Vitamina A.
Observou-se que as variáveis de maior abordagem nos artigos em estudo foram as sociodemográficas, sendo estas mencionadas em 91,9% (n = 34). As informações nutricionais foram analisadas em 78,4% (n = 29), enquanto 5,4% (n = 2) dos artigos analisados contemplaram todas as características pesquisadas por esta revisão (Tabela 1).
Do ponto de vista sociodemográfico foram detectadas informações referentes à idade, escolaridade, renda e paridade.
Dos artigos analisados, 89,2% (n = 33) mencionaram a idade das lactantes e observou-se predominância de adultas jovens (20 a 30 anos)25. Em um hospital universitário de Maringá (PR), a maioria das nutrizes avaliadas (41,7%) tinha entre 20 e 29 anos26. Tal resultado é semelhante aos achados de Santos et al.27, que encontraram maioria das mulheres (28,6%) entre 24 e 28 anos e, também ao estudo de Mello-Neto et al.28, no qual mais da metade das doadoras de LH (54,4%) tinha entre 20 e 26 anos de idade.
Alguns trabalhos investigaram a idade média, como os realizados por Nakamori et al.8, e Örün et al.29, e esta foi de 25 anos em ambos. Em um estudo realizado com lactantes doadoras de um Banco de Leite Humano (BLH) na Espanha, encontrou-se média de 33,1 anos30. Sánchez et al.31, já detectaram maiores médias de idade, 33,4 anos.
Apesar desta predominância já esperada de mulheres jovens, por se tratar do período do ciclo de vida mais propício para a gestação, cabe destacar que a idade parece não influenciar diretamente a doação de LM25,27. No entanto, essa é uma variável importante a se considerar em ações relacionadas à doação, principalmente pelas outras variáveis a ela associadas, de maneira direta ou indireta, tal como a escolaridade e renda.
O nível de escolaridade foi mencionado em 32,4% (n = 12) dos artigos, sendo detectada ampla variação em relação ao grau de instrução das lactantes com maior prevalência de baixa escolaridade. O estudo realizado por Örün et al.29, mostrou que a maioria das nutrizes tinha menos que 9 anos de estudo, similar ao encontrado por Galvão et al.1. Adicionalmente, em outro estudo, com 312 lactantes do Uruguai encontrou-se média de escolaridade inferior a 9 anos, a saber, 7,7 anos para as nutrizes adolescentes e 8,1 anos para as adultas32.
Em contraponto, alguns achados apontaram mais tempo de escolaridade, como o de Tavares et al.33, e Quinn et al.34, que encontraram médias de 10 e 9,8 anos de estudos, respectivamente. Além disso, Colomina et al.30 observaram que a maioria das lactantes (65,3%) apresentava educação universitária. Essas diferenças quanto ao nível de educação podem ocorrer em função da idade, visto que os achados que apontam maior grau de instrução referem-se também a maiores médias etárias30,34,35.
Apesar da disparidade no que se refere à escolaridade das nutrizes, os estudos apontam tendência crescente de amamentação entre mulheres com maior nível de educação, provavelmente pelo maior suporte familiar e social, acesso facilitado aos serviços de atenção à saúde e à inserção formal no mercado de trabalho. Ademais, o grau de instrução da nutriz pode interferir na compreensão da mensagem sobre a prática do AM e, portanto, na decisão de doação do LM27,36. Assim, estratégias de incentivo à doação devem conseguir abarcar os diferentes níveis de escolaridade, com ações de complexidade distintas.
A renda familiar foi mencionada por 10,8% (n = 4) dos autores que apontaram perfil predominante de nutrizes com baixo nível socioeconômico (renda familiar mensal per capita de meio salário mínimo e, no máximo, até três salários mínimos)37. Em estudo realizado no Rio de Janeiro, Souza et al.9, notaram que a renda familiar per capita era inferior a um salário em 52,5% da amostra. Já em estudo conduzido por Galvão et al.1, na cidade de Fortaleza, a maioria das nutrizes (45,5%) apresentava renda familiar entre 2 e 4 salários mínimos.
Em São Paulo, verificou-se que a maior parte (59,3%) das lactantes avaliadas tinha renda familiar de até 2 salários mínimos. Tal situação parece ocorrer em função do local do estudo, visto que a maioria (87%) das mulheres avaliadas residia na Zona Leste da cidade, que compreende uma das regiões mais pobres, de pior renda média familiar e menor nível de atividade econômica38.
Diante disso, cabe ressaltar que o menor nível socioeconômico pode determinar o acesso desigual aos serviços de saúde. Mulheres de baixa renda são mais desprovidas de assistência durante o pré-natal e puerpério e, consequentemente, de informações básicas para o desfecho satisfatório do ciclo reprodutivo. É nos serviços de saúde também que lactantes recebem informações e devem ser sensibilizadas quanto ao processo de doação de LH denotando, portanto, a importância do acesso a esses locais4,39. Adicionalmente, informações sobre a doação também precisam ser veiculadas com frequência nos meios de comunicação mais acessíveis, a fim de alcançar todas as nutrizes, independente do nível socioeconômico avaliado.
Em relação à paridade, 18,9% (n = 7) dos artigos a averiguaram e houve predominância de primíparas (57,1%). Em estudo com 48 lactantes doadoras, 62,5% eram primíparas, enquanto em um Hospital Universitário de Londrina (Paraná) este percentual era de 56%27. Já os achados de Ribeiro et al.40, e Lira et al.41, apontaram que 62,5% e 52% das lactantes eram multíparas, respectivamente.
As diferenças encontradas em relação à paridade podem ocorrer em função da idade das lactantes, uma vez que, geralmente, mulheres com maior número de filhos são também mais velhas. Os estudos de Dias et al.26, e Santos et al.27, que encontraram alta prevalência de primíparas, comprovam essas ideias, pois a maioria das nutrizes (64,6 e 60,5%, respectivamente) eram mulheres jovens. Ainda referente à paridade, em estudo revisado por Castro et al.4 observou-se que as multíparas são mais frequentes nas classes sociais mais baixas e com menor nível de escolaridade.
No que tange ao número de filhos, há que se pensar que as mulheres multíparas já vivenciaram a experiência do AM, sentindo-se mais confiantes no processo da amamentação. Por outro lado, cabe salientar que a primiparidade é fator de risco para as intercorrências mamárias, em virtude da inexperiência na prática da lactação. Diante disso, mulheres primíparas buscam auxílio nos BLH com maior frequência, consequentemente têm mais acesso a informação acerca dos benefícios da doação e tornam-se, portanto, mais sujeitas a doarem o seu leite26,27.
Em síntese, o perfil sociodemográfico identificado denota a importância de estratégias específicas, como a ampliação da assistência médica e de ações políticas que aumentem a cobertura dessas mulheres, além das existentes, que favoreçam a homogeneização do acesso aos serviços de saúde, independente das condições socioeconômicas. Nesse contexto, o maior acesso a esses locais determinará esclarecimentos importantes que podem viabilizar o incremento das doações de LH.
Dos 37 estudos selecionados, 45,9 % (n = 17) avaliaram o estado nutricional por meio do Índice de Massa Corporal (IMC). Destes, 29,4% (n = 5) relataram IMC médio na faixa de classificação para excesso de peso. Entre esses achados estão Tavares et al.33, que investigaram mulheres a partir do 28° dia pós parto e encontraram IMC médio de 26,4 kg/m2. Além deste, Lopes et al.42 e Sanchez et al.31, que incluíram lactantes a partir de um mês após o parto, encontraram IMC médio de 27,4 e 26,2 kg/m2, respectivamente.
Cabe ressaltar que a interpretação desses dados deve ser realizada com cautela. O tempo de seguimento desses estudos são considerados curtos (até 6 semanas pós parto), sendo este o período em que ocorre o reequilíbrio hidroeletrolítico gradual, em que a água extracelular e extravascular aumentada na gestação diminui, e o volume circulante retorna a valores pré-gravídicos. Somente depois desse período, é que a retenção de peso pós-parto pode ser atribuída ao aumento de gordura corporal materna adquirida durante a gestação, bem como ao aumento do tecido mamário43.
Apesar das limitações para a avaliação desses dados, destaca-se que o pós-parto é um período que vem sendo associado ao excesso de peso em virtude do elevado ganho ponderal durante a gestação. No que concerne a isso, estudos longitudinais revisados por Castro et al.4 apontaram valores elevados de retenção ponderal pós-parto, sendo as frequências entre 14% e 25,6%, nas populações estudadas.
Assim, o acompanhamento adequado da gestante durante o pré-natal é essencial para o controle ponderal durante a gestação, visto que este é um preditor para obesidade futura, além de favorecer o processo de doação de LH pela interferência na lactogênese5,6.
Dos 15 artigos que avaliaram o consumo alimentar, 33,3% (n = 5) analisou a adequação da ingestão de carboidrato (CHO), 33,3% (n = 5), de proteína (PTN), 40% (n = 6), de lipídio (LIP) e 26,7% (n = 4), o consumo calórico (Tabela 1).
Quanto aos estudos que avaliaram a ingestão de macronutrientes, em sua maioria encontraram valores médios dentro da faixa de recomendação: 10 a 35%, para PTN; 45 a 65%, para CHO; e 20 a 35%, para LIP44.
Adicionalmente, de acordo com o Institute of Medicine44, o consumo alimentar da nutriz deve oferecer, no mínimo, 1800 kcal ao dia. Dos artigos que mencionaram a ingestão energética, 75% (n = 3) encontraram resultados superiores a esta recomendação. No entanto, dietas com menos de 1500 kcal são desaconselhadas44, por não atenderem as necessidades nutricionais da mulher nesse período34.
Entre 75 nutrizes paulistas avaliadas, por meio de Recordatório Alimentar de 24 horas e Questionário de Frequência Alimentar, o valor energético médio ingerido por dia foi de 2.233 kcal33. Sánchez et al.31 investigaram o consumo calórico utilizando os mesmos inquéritos nutricionais e encontraram média de 2.340,5 kcal/dia. Esses valores se aproximam das necessidades energéticas de uma nutriz de referência, com peso e altura apropriados, que é de aproximadamente 2.300 kcal44.
Resultados divergentes, no entanto, foram observados por Quinn et al.34 e Lopes et al.42, que referiram médias de 1411,3 kcal e 3392,1 kcal, respectivamente. Tais discrepâncias demandam atenção, pois, na lactação, há necessidade de maior aporte energético visando garantir a produção de LM, porém o excesso não é desejável. Recomenda-se em média um adicional de 500 kcal/dia nos primeiros seis meses e de 400 kcal/dia nos meses subsequentes. O consumo calórico insuficiente pode acarretar danos à saúde materna, como, por exemplo, a deficiência de nutrientes, enquanto o excessivo pode favorecer o acúmulo de gordura e retenção ponderal pós-parto4.
A dieta materna sofre influência de fatores demográficos, socioeconômicos, culturais e sociais. A idade, por exemplo, interfere no consumo energético, visto que mulheres mais velhas apresentam menor consumo de calorias em relação às mais jovens33. Isso aponta a demanda por atenção individualizada, no que se refere a avaliação nutricional e orientações especificas para uma alimentação equilibrada a fim de estimular a doação de LH.
Em relação à avaliação de micronutrientes, poucos estudos referiram essas informações – 10,8% (n = 4) com dados dietéticos e 32,4% (n = 12) com parâmetros séricos. Quanto a ingestão, os estudos selecionados por este trabalho investigaram ferro, zinco e cálcio (Tabela 2), possivelmente pelas implicações destes nutrientes para a saúde da nutriz.
Tabela 2 Ingestão Diária Recomendada (RDA) e níveis séricos de micronutrientes recomendados
Micronutrientes | RDA (lactantes) | Níveis séricos | |
---|---|---|---|
14-18 anos | 19-50 anos | ||
Vitamina A | 1200 μg/d11 | 1300 μg/d11 | >0,7 μmol/L37 |
Ferro | 10 mg/d11 | 9 mg/d11 | >7,2 mmol/L43 |
Cobre | 1300 μg/d11 | 1300 μg/d11 | >10 μmol/L43 |
Zinco | 13 mg/d11 | 12 mg/d11 | >9,2 μmol/L43 |
Cálcio | 1300 mg/d21 | 1000 mg/d21 | 2,5-2,5 mmol/L43 |
Vitamina E | 19 mg/d14 | 19 mg/d14 | >16,2 μmol/L48 |
A média de ingestão de ferro, zinco e cálcio foi aquém da recomendada em todas as investigações8,34,42. Porém, não há evidências de que os níveis desses micronutrientes no LH dependam da dieta materna, em vista da manutenção da homeostase realizada pelo organismo. Assim, para esses nutrientes a qualidade da dieta da mãe não afeta a qualidade de seu leite, mas é importante que a nutriz tenha níveis adequados para manter a sua própria saúde, favorecendo o processo de doação do LH45.
Tavares et al.33 avaliaram a ingestão de cálcio e esta foi abaixo da recomendação em 64% das participantes. Lopes et al.42 também observaram valores inferiores às recomendações para este nutriente, com média de 659,8 ± 307,1 mg. Atenção especial deve ser dada a este nutriente, porque adaptações fisiológicas ocorrem no corpo durante a lactação, a fim de assegurar uma transferência adequada de cálcio para a glândula mamária. Tais adaptações podem levar à perda temporária de massa óssea, à elevação da absorção de cálcio e redução da excreção urinária46.
A perda de massa óssea durante a lactação pode ser transitória e não aumenta o risco de osteoporose ou fraturas. Porém, essas situações podem ocorrer se a ingestão materna de cálcio for inferior a 500 mg/dia. Assim, a nutriz deve-se ater para o consumo de alimentos fonte desse micronutriente, como leite e derivados45.
O cálcio sérico foi analisado por 1 (2,7%) estudo, conduzido por Correia Santos et al.46, e a concentração média encontrada estava dentro do intervalo normal (entre 2,2 e 2,5 mmol/L), denotando a forte regulação homeostátisca deste mineral.
O nível sérico de outros nutrientes também foi mensurado. Do total, 5 artigos (41,6%) avaliaram o retinol, indicador que tem sido amplamente utilizado para identificar as populações em risco de DVA. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), concentrações abaixo de 0,7 μmol/L indicam risco de hipovitaminose A, e a carência desse micronutriente altera sua concentração no LM28,40,47.
Um dos principais fatores que leva a DVA é uma ingestão insuficiente de alimentos de origem animal, como leite e derivados, ovos e fígado, bem como os de origem vegetal ricos em provitamina A, tais como manga, mamão, cenoura, abóbora e moranga40,48.
Lira et al.41 realizaram uma análise individualizada dos níveis séricos de retinol em 97 puérperas, em Natal (RN), e detectaram prevalência de deficiência subclínica em 15% da amostra. Já Ribeiro et al.40 e Soares et al.47 encontraram frequências de inadequação de 9,3% e 7,5%, respectivamente. Mello-Neto et al.28, por sua vez, realizaram o estudo em São Paulo e observaram maior prevalência de DVA: 25,7% das nutrizes avaliadas, o que corrobora os achados que identificaram maior prevalência dessa deficiência na região Sudeste do país7,48. Esses resultados denotam que a DVA não é um problema restrito a regiões de extrema pobreza do Brasil, e que o consumo inadequado está mais relacionado a fatores culturais e hábitos alimentares do que a questões econômicas. Por este motivo, o Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A, que antes se concentrava na Região Nordeste, municípios do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (Estado de Minas Gerais) e alguns municípios da Amazónia Legal, foi ampliado para todo o País (todos os municípios da Região Norte e Distritos Sanitários Especiais Indígenas e municípios prioritários do Plano Brasil Sem Miséria das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul)49.
Adicionalmente, destaca-se que a idade materna e a paridade apresentam uma relação positiva com os níveis de vitamina A séricos. A lactação prévia proporciona maior mobilização das reservas de retinol, estimulada também pela maior adiposidade materna em multíparas, com posterior transferência à glândula mamária40,41.
A concentração de ferro no sangue foi analisada por 3 (8,1%) estudos. Mello Netto et al.28 e Correia Santos et al.46 encontraram valores médios de acordo com a normalidade (> 7,2 mmol/L). Na pesquisa conduzida por Nakamori et al.8, com lactantes entre 6 e 12 meses pós-parto, a anemia foi encontrada em 39% das participantes, consequência da ingestão de ferro aquém do recomendado, conforme informações acerca do consumo alimentar investigadas por este estudo.
Esses dados corroboram a deficiência de ferro e a anemia como sendo um grande problema de nível mundial. Existem programas governamentais para amenizá-los, como o Programa Nacional de Suplementação de Ferro que fornece administração profilática de suplementos desse mineral para, além de crianças de 6 a 24 meses de idade, gestantes e mulheres até 3° mês pós-parto49. Todavia, são necessárias mais estratégias para o diagnóstico e tratamento da anemia durante o período da lactação. Sabe-se que as orientações dietéticas constituem intervenções essenciais para estímulo ao consumo de alimentos que contenham ferro de alta biodisponibilidade. Portanto, o acompanhamento nutricional nesse período torna-se fundamental.
A concentração sanguínea de zinco foi investigada em 10,8% (n = 4) dos estudos. Correia-Santos et al.46 e Mello Netto et al.28 encontraram os níveis médios adequados (> 9,2 μmol/L). Severi et al.32 relataram que a prevalência de hipozincemia foi relativamente baixa, sendo 7,3% em adolescentes e 12,3% em adultas. Isso pode ser justificado pela maior ingestão de zinco em função do alto consumo de produtos cárneos no Uruguai, local onde o estudo foi realizado. Entretanto, Nakamori et al.8 encontraram percentual de inadequação em 55,4% das participantes do estudo, ocorrido em função da baixa ingestão de alimentos fontes de zinco.
Sabe-se que as deficiências de vitamina A, ferro e zinco frequentemente coexistem. Isso acontece, pois há uma interação entre o metabolismo desses micronutrientes. O zinco é um elemento importante para síntese de Retinol Binding Protein (RBP), uma proteína responsável pelo transporte de vitamina A. Assim, níveis sanguíneos reduzidos desse mineral acarretam baixa concentração do retinol sérico. A deficiência de ferro, por sua vez, compromete o funcionamento da mucosa intestinal, resultando em menor absorção da vitamina A50.
Correia-Santos et al.46 e Nakamori et al.8 também avaliaram a concentração de cobre no plasma. Em relação ao primeiro, foi encontrada média acima dos níveis séricos normais (> 10μmol/L). Já Nakamori et al.8 constataram que 21,4% das lactantes apresentavam níveis séricos insuficientes.
A ingestão de cobre parece não comprometer sua concentração no LH, mas o estado nutricional de zinco pode afetar a presença de cobre no leite. Isso ocorre porque a ingestão marginal de zinco durante a lactação aumenta os transportadores de cobre da glândula mamária e altera sua localização, resultando, portanto, em aumento de cobre no LH8.
Em relação aos 2 (5,4%) estudos que avaliaram alfa-tocoferol, conduzidos por Dimenstein et al.51, os valores médios encontrados foram adequados, de acordo com a referência adotada pelo estudo (> 16,2 μmol/L). Esses resultados indicam um bom estado nutricional em vitamina E, reflexo de uma ingestão satisfatória dos alimentos fonte como vegetais verde-escuros, oleaginosas e óleos vegetais.
Em síntese, os resultados encontrados apontam uma condição preocupante em relação ao perfil nutricional da lactante e possíveis impactos para a doação de LM. Apesar de entre todos os nutrientes apresentados apenas a vitamina A ter associação com a concentração no LH, é importante que a nutriz apresente níveis adequados de todos os micronutrientes, para o funcionamento apropriado do seu organismo e para manutenção de bom estado geral da sua saúde, que pode favorecer o processo de doação. Diante disso, destaca-se a importância de realizar ações de educação alimentar e nutricional neste período do ciclo reprodutivo, principalmente no que se refere à qualidade nutricional da dieta, aproveitando o momento em que as mulheres procuram os serviços de saúde para acompanhamento de seus filhos33.
Os achados apontaram que entre as lactantes avaliadas há predominância de adultas jovens, primíparas, nível de escolaridade variado, devido às diferentes regiões estudadas, de baixa renda, com maior propensão ao excesso de peso e carências nutricionais, demandando intervenções direcionadas a fim de favorecer melhoria da saúde da nutriz e oportunizar incremento da doação de LH.
Adicionalmente, a escassez de dados exclusivos das doadoras de LM apontam a necessidade de mais estudos que investiguem as características sociodemográficas e nutricionais desta população, de modo a detectar os fatores associados ao processo de doação e incentivá-lo desde o período pré-natal.
Por fim, salienta-se a importância da atenção integral à saúde da lactante como agente preponderante para a doação de LH e cuidado com a saúde infantil.