versão impressa ISSN 0101-2800
J. Bras. Nefrol. vol.36 no.2 São Paulo abr./un. 2014
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20140019
A carambola pertence à família das Oxalidaceae, espécie Averrhoa carambola, é comum em países tropicais e muito conhecida no Brasil.1 As primeiras observações clínicas relacionadas à ingestão desse fruto foram relatadas por Martin et al.,2 em 1993, que descreveram um surto de soluços incoercíveis em pacientes renais crônicos submetidos a tratamento hemodialítico. Em 1998, Moyses Neto et al.3 descreveram 6 pacientes submetidos à diálise que, além de soluços incoercíveis, apresentaram outros sintomas de distúrbios neurológicos como confusão mental, agitação psicomotora, coma e convulsões, com um paciente indo a óbito. Posteriormente, outros relatos confirmaram essas alterações em pacientes renais crônicos em diálise e em pacientes com doença renal crônica (DRC) que ainda não eram submetidos à diálise.4-6 Foram publicados, após alguns anos de observações e vários relatos de casos, revisões mais amplas sobre o assunto.7,8 Pacientes com DRC (estágios 3 a 5) são susceptíveis à intoxicação, inicialmente apresentando soluços, podendo evoluir para distúrbios da consciência como confusão mental, coma, convulsões e óbito. Esses sintomas se confundem clinicamente com o quadro de uremia, mimetizando, em alguns, casos síndromes neurológicas.9,10 A maioria dos pacientes melhora quando submetidos à hemodiálise ou mais raramente com métodos contínuos de hemodiálise ou hemoperfusão.7,8 Entretanto, alguns casos evoluem para o óbito, independentemente do tratamento. Geralmente, isso acontece quando o quadro de intoxicação não é reconhecido a tempo e o tratamento é instituído mais tardiamente. A diálise peritoneal não é um tratamento adequado. Recentemente, foi isolada a neurotoxina presente na carambola, que os autores denominaram de caramboxina. É uma molécula similar à fenilalanina, com fortes propriedades agonistas dos receptores glutamatérgicos, produzindo hiperexcitabilidade cerebral.11
Além dos efeitos neurotóxicos em pacientes com DRC, a quantidade de oxalato existente no fruto pode provocar lesões renais agudas em indivíduos com função renal normal. A carambola pode apresentar quantidades de sais solúveis de oxalato que variam de 80 mg/dL a 730 mg/dL.12 Portanto, pode provocar duas patologias distintas: a neurotoxicidade e a nefrotoxicidade. O primeiro estudo mostrando nefrotoxicidade em humanos foi relatado em 2001.13 Os autores descrevem dois casos de indivíduos que apresentaram quadro clínico de lesão renal aguda por oxalato após ingestão de grandes quantidades de suco. Ambos os pacientes necessitaram de hemodiálise, foram submetidos à biópsia renal e a histologia mostrou alterações típicas de nefropatia aguda por oxalato. Os pacientes estavam em jejum e provavelmente desidratados. Após essa observação, outros relatos em humanos foram publicados,14-16 além de estudos experimentais sobre o assunto.17-19 O ácido oxálico e seus sais solúveis são potencialmente lesivos aos homens e animais, enquanto os seus sais insolúveis de cálcio e magnésio não o são.20 Geralmente, quando os indivíduos se alimentam, aumentam as chances para que o ácido oxálico livre seja quelado ao cálcio ou magnésio no trato gastrointestinal, formando complexos insolúveis, e que, portanto, não consiga ser reabsorvido. O oxalato livre reabsorvido se liga ao cálcio circulante e se precipita nos túbulos renais, provocando obstrução aguda e lesões tubulares.13,14,20 Niticharoenpong et al.15 relataram o caso de um paciente com DRC pré-existente, que fazia uso medicinal da carambola com piora da função renal. A biópsia renal revelou nefropatia aguda por oxalato. A função renal voltou aos níveis iniciais após a suspensão da ingestão do fruto. Ainda não se sabe a dose máxima de suco de carambola ou número de frutas ingeridas além do qual a nefrotoxidade vai aparecer. Há necessidade de se determinar a quantidade mínima da ingestão da fruta que pode provocar a nefropatia aguda por oxalato, mas parece haver riscos individuais que aumentam essa probabilidade.14,20 Às vezes, quantidades de 300 ml de suco puro, mas com o indivíduo em jejum, pode provocar a nefropatia.14 Nos casos descritos na literatura, em pacientes com função renal normal prévia, todos tiveram boa evolução com ou sem necessidade de diálise.13,14,16
Entretanto, em alguns casos de nefrotoxicidade, a função renal se deteriora e pode acometer o indivíduo com os dois efeitos: nefrotóxico e neurotóxico.14 Nesses casos, a lesão renal aguda impede a excreção da fração neurotóxica da carambola, a caramboxina, provocando neurotoxicidade como soluços e, às vezes, confusão mental, que melhoram rapidamente assim que a função renal volta aos níveis normais.14
Nessa edição do JBN, o relato de Scaranello et al. mostra mais um caso de intoxicação por carambola sugestivo de lesão renal aguda por oxalato. O paciente foi submetido a duas sessões de hemodiálise e teve boa evolução como nos casos descritos na literatura. Chama a atenção, nesse paciente, a grande quantidade de carambola ingerida, oferecendo para o trato gastrointestinal muito oxalato livre que, absorvido, desencadeou lesão renal aguda. No caso descrito, não há relato de soluços ou quaisquer outras manifestações sugestivas de neurotoxicidade. Esse caso contribui para chamar a atenção dos médicos e especialmente dos nefrologistas para uma patologia que é cada vez mais conhecida e, por isso, mais frequentemente diagnosticada. É também oportuno, pois outro fruto da família das Oxalidaceae espécie Averrhoa bilimbi também pode provocar nefropatia aguda por oxalato, segundo relato recente da literatura.21 Esse fruto, também rico em oxalato, conhecido como "biri-biri", "azedinha", "limão-Caiena", é muito cultivado na Bahia e em toda a extensão do Brasil.22 Recentemente, fomos informados que um indivíduo, em jejum, desenvolveu lesão renal aguda não oligúrica após ingestão do suco desse fruto na Bahia. O paciente não necessitou de diálise e recuperou a função renal. (Comunicação pessoal-Raphael Paschoalin: 18/12/2013).