versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.13 no.1 São Paulo jan./mar. 2015 Epub 16-Dez-2014
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082014RC2975
O carcinoma de células pequenas da bexiga é um subtipo histológico muito raro e agressivo, correspondendo a menos de 1% de todos os tumores de bexiga.(1)Sua abordagem torna-se desafiadora, pois se apresenta da mesma forma que outros tipos histológicos mais frequentes, porém com alto poder metastático. O diagnóstico exige suspeição e precisão do patologista na análise dos fragmentos de ressecção transuretral (RTU) de bexiga. O rápido tratamento multimodal, incluindo cistectomia radical, quimioterapia e radioterapia, deve ser instituído o mais precocemente possível, para haver chance de cura e melhora da sobrevida.(2,3)Esse tipo de carcinoma apresenta metástase e tem prognóstico ruim.
Neste artigo, relatamos o caso de um paciente do sexo masculino com carcinoma de células pequenas de bexiga e sua evolução, assim como buscamos trazer o que há de mais atual no manejo desse tumor que, por sua extrema raridade, não apresenta consenso para o tratamento na literatura mundial.
Paciente JHC, masculino, 61 anos de idade, procurou serviço médico com queixa de hematúria e dor hipogástrica há um ano. Evidenciada tumoração intravesical em ultrassonografia do aparelho urinário, foi submetido a RTU de bexiga, cujo laudo foi conclusivo para carcinoma de células pequenas de bexiga. Frente a esse diagnóstico, a equipe que o acompanhava optou por realizar quimioterapia (recebeu quatro sessões de cisplatina, gencitabina e paclitaxel) (Figura 1).
Ao ser encaminhado ao nosso serviço, foi submetido à tomografia (TC) de tórax e abdome, a qual mostrou neoplasia de 6,2x6,0x5,5cm em parede anterolateral esquerda da bexiga, com sugestiva invasão de uretra prostática. Acometimento linfonodal estava ausente, bem como lesões metastáticas em outros sítios.
Foi, então, submetido à cistectomia radical, com derivação ileal à Bricker, procedimento realizado sem intercorrências, com duração total de 5 horas, sem necessidade de transfusão sanguínea. Importante ressaltar que o tempo da última quimioterapia para a cirurgia foi de 2 meses.
O laudo anatomopatológico da peça cirúrgica comprovou carcinoma de células pequenas de bexiga com extensão extravesical, infiltração perineural e vascular presentes, comprometimento de um linfonodo (obturatório esquerdo) em 16 dissecados. Margens livres. Estadiamento final T3bN1.
No pós-operatório apresentou pneumonia, sendo submetido a antibioticoterapia e recebendo alta hospitalar 29 dias após a cirurgia. Não houve intercorrência cirúrgica. Foi encaminhado à Oncologia para discussão de tratamento adjuvante, que não foi iniciado, pois o paciente faleceu 4 meses após a cirurgia devido a tromboembolismo pulmonar (Figura 2).
O primeiro relato de carcinoma de células pequenas de bexiga foi feito em 1981 por Cramer et al. Desde então, foram registrados aproximadamente 600 casos na literatura mundial.(4)É caracterizado por sua alta agressividade e mau prognóstico, bem como pelo desenvolvimento de doença metastática em cerca de 67% dos pacientes.(3)
O carcinoma de células pequenas da bexiga urinária costuma atingir pessoas da mesma idade, sexo e apresentar os mesmos sintomas e morfologia do carcinoma urotelial. Por isso, é um desafio diagnóstico, dependendo apenas da habilidade do patologista em diferenciá-lo de carcinoma urotelial, que, além dos fatores já citados, apresenta o mesmo aspecto radiológico do carcinoma de células pequenas de bexiga. Não há consenso quanto ao tratamento, por se tratar de patologia incomum. Assim, recomendações são baseadas em estudos retrospectivos, relatos de caso individuais e protocolos para carcinoma de células pequenas de pulmão.
Frequentemente, apresenta-se com histologia mista.(5)Estudos moleculares mostram origem comum entre o carcinoma de células pequenas de bexiga e o carcinoma urotelial, quando coexistentes. No entanto, seu manejo deve ser diferente, pois, frequentemente, apresenta metástases e tem prognóstico ruim. O diagnóstico anatomopatológico desse tipo de tumor é desafiador e exige do patologista o uso de técnicas de imuno-histoquímica para a confirmação histológica. Como são histologicamente idênticos, no diagnóstico de carcinoma de células pequenas de bexiga é utilizada a padronização da Organização Mundial da Saúde para carcinoma de células pequenas de pulmão, composta dos seguintes critérios: presença de grupos de células pequenas com citoplasma escasso, poucas organelas, cromatina em “sal e pimenta”, e alta taxa de mitoses (>10 mitoses/10 campos de alto poder).(4)
Na imuno-histoquímica, esses tumores expressam muita enolase neuroespecífica, cromogranina, sinaptofisina e N-CAM (CD-56). A presença de um ou mais marcadores permite estabelecer o diagnóstico de tumor neuroendócrino. O estadiamento patológico é feito com base no consenso para carcinoma urotelial de bexiga (Figura 3).(4)
Terapias isoladas − seja a RTU, a cistectomia parcial ou a radioterapia − apresentam benefício apenas em casos especiais de doença em estágio inicial. Cistectomia radical é considerada o melhor método para remover o carcinoma de células pequenas de bexiga completamente, mas acredita-se que ela sozinha só altera a sobrevida em tumores de estágios I e II.(3,6)Cheng et al. revisaram 64 casos e concluíram que, em pacientes submetidos à cirurgia radical comparados àqueles tratados com terapia combinada (seja apenas quimioterapia e radioterapia ou ambas em adjuvância), não houve aumento da sobrevida.(7)Em contrapartida, quimioterapia adjuvante à cistectomia radical resultou em prognóstico favorável em outros estudos, incluindo meta-análises.(7,8)
Outra alternativa é a quimioterapia neoadjuvante, recomendada peloMDAnderson Cancer Center, o qual relatou sobrevida de 5 anos sem doença em 36% do grupo submetido à cistectomia radical isoladamente e de 78% no grupo submetido à quimioterapia neoadjuvante à cirurgia.(9)De maneira semelhante, a radioterapia neoadjuvante também mostrou-se eficiente.
Por outro lado, um grupo canadense tratou dez pacientes com lesões pT3-T4, N0 com quimioradioterapia, obtendo remissão completa em nove deles. A taxa de sobrevida desse grupo no período de 2 anos foi de 70% e, em 5 anos, de 44%.(10)Outra série na mesma linha relatou quatro pacientes tratados com quimioterapia seguida de radioterapia que sobreviveram de 27 a 60 meses. A vantagem desse tratamento é a preservação do órgão. Portanto, trata-se de terapia menos invasiva quando comparada à cirurgia radical, a qual está relacionada a importantes taxas de morbidade e mortalidade.(11 )
Pacientes com doença metastática devem receber quimioterapia sistemática, sendo os esquemas terapêuticos mais comuns os baseados em platina (cisplatina e etoposida, carboplatina, etoposida e ciclofosfamida) (Figura 2).(2)
Por se tratar de doença extremamente agressiva e rara, pouco se conhece da patogênese e da biologia molecular. Há escassez de dados para abordagem ideal desse tipo de tumor, mostrando a importância de relatar tais casos e, desta forma, definir melhor os métodos de diagnóstico e tratamento.