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Cardiomiopatia Hipertrófica, Todos os Fenótipos em um

Cardiomiopatia Hipertrófica, Todos os Fenótipos em um

Autores:

Aníbal M Arias,
Diego Perez de Arenaza,
Rodolfo Pizarro,
Ricardo G Marenchino,
Fernando Garagoli,
Hernán Garcia Rivello,
César Belziti

ARTIGO ORIGINAL

International Journal of Cardiovascular Sciences

versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647

Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.31 no.3 Rio de Janeiro maio/jun. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20180016

Introdução

A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é uma doença intrínseca do miocárdio caracterizada por hipertrofia cardíaca (espessura da parede ≥ 15 mm), não causada por sobrecarga de pressão (p.ex. hipertensão, estenose aórtica grave).1 A CMH é a cardiomiopatia primária genética mais comum, cuja prevalência está estimada em aproximadamente 1 para cada 500 adultos na população geral.2

Mais de 450 mutações foram identificadas em 20 genes responsáveis por diferentes fenótipos. Na maioria dos casos, a CMH está associada com mutações nos genes que codificam proteínas do sarcômero e exibe muitas expressões fenotípicas. Apresentamos um caso que combina todos os fenótipos.3

Relato do Caso

Uma mulher de 58 anos, hipertensa, foi admitida à unidade coronária por insuficiência cardíaca aguda. A paciente negou desconforto no peito, uso de drogas ilícitas ou doenças prévias. Percebeu dispneia progressiva, inchaço do abdômen e em ambas as pernas, além de ganho de peso. No exame físico, detectou-se edema bilateral, ascite, distensão da veia jugular, e ritmo de galope com 3 sons. O eletrocardiograma (ECG) mostrou ritmo sinusal, QRS com amplitude diminuída, e padrão de pseudo-infarto (Figura 1). O ecocardograma mostrou hipocinesia grave, com movimentação da parede lateral preservada, e aumento da espessura da parede e do ventrículo esquerdo (VE). Também foi detectada efusão pericárdica moderada. Foi administrado diurético de alça em infusão contínua. Testes de hormônios tireoideanos, ferro e proteínas de cadeia livre leve deram negativos. A angiografia coronária mostrou artérias coronárias normais.

Figura 1 O eletrocardiograma apresentou ritmo sinusal, QRS com amplitude diminuída, e padrão de pseudo-infarto. 

A ressonância magnética cardíaca revelou espessura máxima da parede de 15 mm, massa ventricular esquerda de 262 g e índice de massa do VE de 178 g/m2, volume diastólico do VE de 194 mL, volume sistólico do VE de 167mL e fração de ejeção de 14%. Também foi marcante a presença de realce tardio transmural difuso com gadolinium (Figura 2A-F) (Figura 2 A-F)..

Figura 2 A ressonância magnética (RM) cardiovascular apresenta aumento do volume do ventrículo esquerdo e da espessura da parede em imagens de cine-RM adquiridas nos planos de 4 câmaras (A), eixo longo (2 câmaras), (C) e eixo curto medial. O realce tardio difuso e transmural com gadolinium é apresentado em D, E, e F, com segmentos basais preservados. (G) A biópsia endomiocárdica apresentou desorganização dos miócitos. 

Diante do quadro de insuficiência cardíaca congestiva e da relação inversa da amplitude do ECG com a espessura da parede, suspeitou-se de cardiomiopatia restritiva (infiltrativa). O cateterismo cardíaco esquerdo mostrou pressão de enchimento aumentado e baixo débito cardíaco, e a biópsia endomiocárdica revelou fibrose difusa, sem alterações específicas. Como a paciente tornou-se resistente ao tratamento médico, foi submetida ao transplante cardíaco ortotópico. A paciente recuperou-se sem intercorrências e a biópsia do coração explantado foi positiva para CMH, com fibrose intersticial grave e focos extensos de desorganização dos miócitos, acometendo o VE (Figura 2.G).

Discussão

A CMH é uma doença heterogênea em termos genéticos e fenotípicos. Por exemplo, a distribuição da hipertrofia pelo gene da troponina T na cardiomiopatia hipertrófica difere-se não só entre famílias como também dentro de uma mesma família.4

Informações acerca da correlação genotípica-fenotípica são escassas. Às vezes, a CMH apresenta um fenótipo "restritivo", caracterizado por enchimento restritivo e hipertrofia do VE mínima ou ausente, semelhante à cardiomiopatia restritiva idiopática.5

Um menor número de pacientes com CMH (5-10%) evoluirá para o estágio terminal da doença, que é caracterizado por dilatação do VE, redução na espessura da parede, e disfunção sistólica.6

Apesar da ausência de doença sistêmica, a presença de espessura da parede aumentada, baixa amplitude no ECG e disfunção diastólica grave é sugestiva de cardiomiopatia restritiva. O realce com gadolinium também foi característico de amiloidose cardíaca. Além disso, não havia história de doença cardíaca familiar. Apesar de a biópsia endomiocárdica haver descartado o diagnóstico de amiloidose cardíaca, também não confirmou o de CMH, provavelmente pelo fato de o ventrículo direito ter sido pouco afetado.

No presente caso, encontramos dimensões aumentadas do VE, função sistólica diminuída, hipertrofia ventricular e fisiologia restritiva, que caracterizam um fenótipo dilatado, restritivo, hipertrófico.

Sabe-se que muitas mutações genéticas podem estar presentes em um mesmo indivíduo, o que pode explicar a combinação de três características diferentes no presente caso.

Não existe relato de caso similar na literatura.

A limitação deste estudo deve-se a não realização de um teste genético, uma vez que esse ainda não está disponível em nossa instituição. Além do diagnóstico de CMH obtida por biópsia, seria de grande valor conhecer a mutação genética específica a fim de se esclarecer tal fenótipo "intrigante".

REFERÊNCIAS

1 Task Force Members. Elliott PM, Anastasakis A, Borger MA, Borggrefe M, Cecchi F, Charron P, et al. 2014 ESC Guidelines on diagnosis and management of hypertrophic cardiomyopathy: the task force for the diagnosis and management of hypertrophic cardiomyopathy of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2014; 35(39): 2733-79. DOI: 10.1093/euheartj./Orgv-Ejehu284.
2 Lipshultz SE, Sleeper LA, Towbin JA, lowe AM, Cox GF, Lurie PR, et al. The incidence of pediatric cardiomyopathy in two regions of the United States. N Engl J Med. 2003;348(17):1647-55. DOI: 10.1056/NEJM.oa21715.
3 Ho CY, Charron P, Richard P, Garolami F, Van Spaendonck-Zwarts KY, Pinto Y. Genetic advances in sarcomeric cardiomyopathies: state of the art. Cardiovasc Res 2015; 105: 397-408. DOI: 10.1093/cv/cvv025.
4 Anan R, Shono H, Kisanuki A, Arima S, Nakao S, Tanaka H. et al. Patients with familial hypertrophiccardiomyopathy caused by a Phe110Ile missense mutation in the cardiactroponin T gene have variable cardiac morphologies and a favorableprognosis. Circulation.1998;98(5):391-7. PMID:9714088.
5 Kubo T, Gimeno JR, Bahl A, Steffenson U, Osman E, Thaman R, et al.Prevalence, Clinical Significance,and Genetic Basis of Hypertrophic Cardiomyopathy With Restrictive Phenotype. J Am Coll Cardiol 2007;49(25):2419-26. DOI: 10.1016/jack.2007.02061.
6 Harris JK, Spirito P, Maron MS, zenovich AG, Formisano F, Lesser JR, et al. Prevalence, clinical profile, and significance of left ventricular remodeling in the end-stage phase of hypertrophic cardiomyopathy.Circulation. 2006;114(3):216 -25. DOI: 10.1161./CIRCULATIONAHA.105.583.500.