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Cardiomiopatia Ventricular Esquerda Gordurosa: Uma Doença Subdiagnosticada

Cardiomiopatia Ventricular Esquerda Gordurosa: Uma Doença Subdiagnosticada

Autores:

Abdalla Elagha,
Anthon Fuisz

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.108 no.1 São Paulo jan. 2017

https://doi.org/10.5935/abc.20160199

Durante uma avaliação cardíaca pré-operatória de uma mulher assintomática de 57 anos de idade, sem fatores conhecidos de risco cardíaco, o ECG mostrou BRE e a ecocardiografia revelou cardiomiopatia dilatada. Foi feita uma TC angiografia coronária, para descartar doença arterial coronariana, que não acusou obstrução coronariana significativa.

Foi utilizado também estudo de ressonância magnética cardíaca (CMR). Observou-se uma área focal de infiltração gordurosa no ápice ventricular esquerdo (VE) que se estendia da superfície subendorcárdica à subepicárdica (Figura 1A e 1B). Esta área estava suprimida com sequencias de pulso com saturação de gordura (Figura 1C) e não mostrou sinal reforçado em imagens de hiper-realce tardio (HRT) (Figura 1D). Ambos os VE e AE estavam dilatados; função sistólica do VE estava reduzida globalmente. Além disso, a CMR mostrou que o VD estava com dimensões, função e espessura parietal normais. A área com gordura também apareceu na TC cardíaca retrospectivamente (Figura 1E).

Figura 1 Imagens axiais de MRI do coração usando diferentes sequencias de pulso para demonstrar o segmento do miocárdio com infiltração gordurosa no ápice do VE. O protocolo de CMR incluiu spin-echo ponderada em T1 (com e sem supressão de gordura), imagem com técnica de sangue escuro (black-blood) ponderada em T2 e HRT após administração de gadolínio. (A) black-blood ponderada em T2, (B), spin-echo turbo ponderada em T1, (C) spin-echo turbo ponderada em T1 com saturação de gordura (mostrou clara supressão da área gordurosa apical), (D) Técnica de HRT não mostrou evidências de cicatriz do miocárdio, (E) Imagem de TC de múltiplos detectores que mostra a área focal da infiltração gordurosa no ápice do VE (seta preta). Esta área tem valor Hounsfield negativo, indicando sua natureza gordurosa. Estudo de follow-up com 3-Tesla após 18 meses não mostrou mudanças significativas na distribuição de gordura no VE, (F) Spin-echo turbo com duas câmaras ponderada em T1 mostrando a área gordurosa no ápice do VE, (G) Spin-echo turbo com duas câmaras ponderada em T1 com saturação de gordura mostrando clara supressão da área gordurosa apical, (H) Imagem axial obtida em single-shot ponderada em T1 da porção apical mais distal do VE mostrando parte da área gordurosa, (I) Técnica de HRT mostrando que não há evidências de cicatriz do miocárdio - área gordurosa não realçada. 

Estudo de follow-up com CMR após 18 - com uso de campo magnético 3 Tesla - não apontou mudanças significativas de distribuição de gordura dentro do VE e uma leve redução na função sistólica do VE (fração de ejeção = 45%) semelhante ao estudo inicial (Fígura 1F-I).

Existem alguns diagnósticos diferenciais. Primeiramente, lipoma cardíaco, geralmente bem definido e encapsulado, e que normalmente produz compressão em estruturas cardíacas adjacentes. Em segundo lugar, a deposição gordurosa pós IM está associada ao adelgaçamento e cicatrização do miocárdio em imagens HRT. Por último, a cardiomiopatia arritmogênica do VE é um substrato para arritmias ventriculares, e geralmente envolve o septo interventricular.

A cardiomiopatia ventricular esquerda gordurosa isolada é uma entidade clínica rara que pode ser subdiagnosticada. Com os avanços tecnológicos recentes em CTs e MRIs, mais casos podem ser detectados e investigados.