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Cardiotoxicidade Decorrente do Tratamento com Doxorrubicina e Exercício Físico: Revisão Sistemática

Cardiotoxicidade Decorrente do Tratamento com Doxorrubicina e Exercício Físico: Revisão Sistemática

Autores:

Tauan Nunes Maia,
Gustavo Bento Ribeiro de Araujo,
José Antônio Caldas Teixeira,
Edmundo de Drummond Alves Junior,
Kátia Pedreira Dias

ARTIGO ORIGINAL

International Journal of Cardiovascular Sciences

versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647

Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.30 no.1 Rio de Janeiro jan./fev. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20170004

Introdução

O termo câncer refere-se a um conjunto de mais de 100 doenças que têm como característica principal a multiplicação desordenada de células.1-3 Segundo as estimativas do Instituto Nacional de Câncer,2 o número de casos registrados tem aumentado significativamente nas últimas décadas e, atualmente, as neoplasias configuram-se como importante causa de morbidade e mortalidade, responsáveis por mais de 12,0% das causas de óbito no mundo.4

Em paralelo ao aumento no número de casos confirmados de câncer, a descoberta de novas modalidades de tratamento tem aumentado a sobrevida e as possibilidades de curar a doença.3 Entretanto, a terapêutica do câncer pode trazer diversos efeitos adversos.5 Dentre eles, a cardiotoxicidade provocada pelo tratamento pode gerar acometimentos com expectativas piores do que o próprio câncer, e ainda afetar a continuidade do tratamento.6 Dependendo do tipo de tratamento utilizado, os usuários dos serviços oncológicos podem ter aumentadas em 15 vezes as chances de sofrer de insuficiência cardíaca (IC).7

Nesse sentido, é importante destacar as propriedades cardioprotetoras do exercício já ressaltadas no contexto das doenças cardiovasculares,8 como estímulo à realização de pesquisas com exercício e quimioterápicos cardiotóxicos. Por ser a doxorrubicina (DOX) um quimioterápico de grande utilização no tratamento de diversos cânceres e apresentar elevado nível de evidência com relação à manifestação de cardiotoxicidade,6 foi selecionado para esta revisão com a hipótese de que o exercício pode exercer um efeito protetor contra a cardiotoxicidade induzida pela DOX.

O objetivo desta revisão é verificar na literatura se a prática de exercícios possui um efeito protetor contra a toxicidade cardíaca decorrente do tratamento com DOX.

Foram incluídos ensaios clínicos randomizados que verificam o exercício como meio de controle ou prevenção da cardiotoxicidade induzida pela utilização de DOX; publicação em português, inglês ou espanhol, a partir de 2003 com disponibilidade para acesso gratuito ou pelo Portal Periódicos Capes.

Foram utilizadas as seguintes bases de dados: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) acessada através do Public Medline (PubMed) e a Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS).

Os descritores utilizados foram selecionados por sua representação direta do tema e frequência com que estão presentes nas pesquisas utilizadas para a fundamentação teórica. Além disso, todos os termos estavam disponíveis no "Descritores em Ciências da Saúde (DeCS)" para português, inglês e espanhol e no Medical Subjects Headings (MeSH) da U.S Library of Medicine (NLM) para pesquisa em língua inglesa. Os descritores usados foram: exercício (ou seu correspondente condicionamento físico - que deve ser utilizado para pesquisas em animais segundo o DeCS); Antraciclinas; Doxorrubicina; Adriamicina; Agentes cardiotóxicos. Foi acrescentado à pesquisa o descritor cardiotoxicidade, que embora não tenha sido validado pelas plataformas pesquisadas, é um termo amplamente utilizado em artigos da área, inclusive pela Diretriz de Cardio-Oncologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia.6

A pesquisa foi realizada utilizando os campos de busca avançada que delimitam e especificam os descritores e estão disponíveis nas próprias plataformas. A busca inicial resultou em 146 trabalhos publicados nas bases de dados. Após análise dos resumos, 123 foram excluídos por não corresponderem aos objetivos da pesquisa e três por não estarem disponíveis para acesso gratuito ou pelo Portal Periódicos Capes. Os critérios de exclusão foram: não se referir ao tema central da pesquisa (efeito cardioprotetor do exercício relacionado ao uso de DOX), não se referir ao exercício físico ou a DOX, abordar exclusivamente outros tipos de toxicidade por antraciclinas (muscular, hepática e renal), verificar outros efeitos do exercício sobre toxicidade da DOX (fadiga), publicações anteriores a 2003, outros formatos de pesquisa (revisão) e publicações em outros idiomas.

Para a avaliação crítica e coleta de dados, todos os trabalhos selecionados foram analisados na íntegra. As fases de análise, apresentação e interpretação dos dados foram realizadas de forma subsequente com a estratificação dos dados em uma planilha, usada como referência para a dissertação dos resultados finais. Por fim, a fase de aperfeiçoamento e atualização dos dados foi realizada por meio de nova busca nas bases de dados em 20/05/2015.

De acordo com os critérios de inclusão e os mecanismos de busca selecionados, foram encontrados 20 ensaios clínicos randomizados que analisaram o efeito do exercício aeróbico com relação à cardiotoxicidade induzida pela utilização de DOX (Quadro 1).

Quadro 1 Ensaios clínicos analisados (n=19) 

Autores População Protocolo de tratamento Exercício Efeitos protetores encontrados
Chicco et al.9 Ratos fêmeas (n=28) 10 µ DOX por 60 min Voluntário 8 semanas antes da DOX Resistência contra disfunção cardíaca e dano oxidativo, aumento de HSP72.
Ascensão et al.10 Ratos machos(n=40) 20 mg/kg dose única Esteira 60 min/dia, 5 dias/sem, 14 semanas antes da DOX Manutenção da homeostase, aumento das defesas mitocondriais e redução do dano oxidativo.
Chicco et al.11 Ratos machos(n=28) 2,5 mg/kg 3 x semana durante 2 semanas (15mg/kg) Esteira 60 min/dia, 5 dias/sem, 2 semanas durante o tratamento Atenuou a perda de função do VE e inibiu o aumento do sinal de apoptose.
Ascensão et al.12 Ratos machos(n=44) 20 mg/kg dose única Natação 1h/dia, 5 dias/sem durante 14 semanas, antes do tratamento Músculo cardíaco mais tolerante a DOX, com aumento na resposta do sistema antioxidante.
Chicco et al.13 Ratos machos(n=42) 15 mg/kg dose única Esteira 1h/dia, 5 dias/sem durante 14 semanas antes do tratamento Atenuou a disfunção cardíaca e a peroxidação lipídica e elevou HSP72.
Wonders et al.14 Ratos machos(n=não especificado) 15 mg/kg dose única 1 hora em um único dia de exercício em esteira antes da DOX Preveniu a disfunção cardíaca.
Hydock et al.15 Ratos machos(n=147) 10 mg/kg dose única Voluntário e esteira
1h/dia, 5 dias/sem durante 8 semanas antes do tratamento
Protegeu por até 10 dias, mantendo a função cardíaca e a expressão de isoformas de cadeias pesadas de miosina.
Wonders et al.16 Ratos fêmeas(n=45) DOX 10mg/kg dose única + GW2974 Esteira 60 min/dia, 5 dias/sem durante 8 semanas antes do tratamento Preservou a função cardíaca, diminuiu a sinalização de apoptose e peroxidação lipídica.
Kavazis et al.17 Ratos machos(n=28) 20 mg/kg dose única Esteira 60 min/dia, 5 dias/sem durante uma única semana. Atenuou o dano às mitocôndrias e preservou o metabolismo antioxidante.
Ascensão et al.18 Ratos machos(n=20) 20 mg/kg dose única 1hora em um único dia de exercício em esteira antes da DOX Preveniu a queda nas funções mitocondriais e no metabolismo antioxidante.
Hydock et al.19 Ratos femeas(n=49) 15 mg/kg dose única + acetato de gosserelina Esteira 60 min/dia, 5 dias/sem durante 8 semanas durante o tratamento Atenuou a disfunção do VE e das valvas mitral e aórtica.
Hydock et al.20 Ratos machos(n=94) 1 mg/kg/dia durante 10 dias (10 mg/kg) Voluntário e esteira
1h/dia, 5 dias/sem durante 8 semanas antes do tratamento
Preveniu a disfunção cardíaca e expressão de isoformas de cadeia pesada de miosina, mesmo após 1 mês.
Hornsby et al 21 Humanosn=20 60 mg/m2 + 600 mg/m2 de ciclofosfamidaUma dose a cada 3 semanas, durante 12 semanas. Cicloergômetro
60 min/dia, 3 dias/sem, por 12 semanas durante o tratamento.
Atenuou o aumento de peptídeos natriuréticos.
Hayward et al.7 Ratos filhotes(n=64) 2 mg/kg/dia durante 12 dias (14 mg/kg) Voluntário por 10 semanas durante e após o tratamento Preservou a curva de crescimento da massa corporal e da massa cardíaca, além de atenuar a disfunção cardíaca.
Ashrafi e Roshan22 Ratos machos(n=48) 10 mg/kg, 20 mg/kg Esteira aquecimento + 39 min/dia, 5 dias/sem durante 4 semanas antes da DOX Protegeu contra o dano oxidativo e manteve o equilíbrio entre produção e catabolismo de agentes oxidantes.
Shirinbayan e Roshan 23 Ratos machos(n=48) 10mg/kg, 20mg/kg Esteira aquecimento + 39 min/dia, 5 dias/sem durante 4 semanas antes da DOX Diminuiu o risco de distúrbios cardíacos e manteve os sistemas antioxidantes.
Martins et al.24 Ratos machos (n=12) 15 mg/kg dose única Natação 60 min/dia, 5 dias/sem, por mais de 21 dias antes do tratamento Proteção ao DNA das células cardíacas.
Smuder et al.25 Ratos machos(n=24) 20 mg/kg dose única Esteira 60 min/dia, 5 dias/sem durante uma semana antes do tratamento Preveniu o aumento nos sinalizadores autofágicos dos lisossomos.
Jensen et al.26 Ratos fêmeas(n=77) 10 mg/kg dose única Voluntário e esteira,
1h/dia, 5 dias/sem durante 10 semanas antes do tratamento
Reduziu o nível e o tempo de acumulação de DOX no miocárdio.
Marques-Aleixo et al.27 Ratos machos(n=36) 2 mg/kg/ semana durante 7 semanas Voluntário e esteira
1 h/dia, 5 dias/sem durante 12 semanas
Melhorou a capacidade bioenergética mitocondrial e preveniu o dano por estresse oxidativo.

DOX: doxorrubicina; sem: semana; HSP: Proteína de choque térmico; VE: ventrículo esquerdo

Dos 20 estudos analisados, 19 foram realizados com ratos e camundongos, dos quais 14 utilizaram ratos machos adultos para isolar o fator protetor do estrogênio.10-15,17,18,20,22-25,27 Um estudo7 utilizou ratos machos, com o objetivo de determinar se o exercício físico proporciona um efeito cardioprotetor em filhotes submetidos a tratamento com DOX. Outros quatro artigos9,16,19,26 selecionaram fêmeas devido à especificidade de seus protocolos e/ou com o propósito declarado de simular condições de tratamento mais próximas possíveis das condições humanas. Um estudo de Hornsby et al. 21 foi realizado com humanos, em mulheres com câncer de mama operável, recebendo tratamento quimioterápico neoadjuvante.

Protocolos de tratamento

Os protocolos de tratamento apresentaram algumas diferenças. Seis estudos15,16,20,22,23,26 utilizaram a quantidade de 10 mg/kg de DOX. Chicco et al.9 encontraram resistência à disfunção cardíaca e o dano oxidativo associados ao uso da DOX. Hydocket et al.,19 utilizando a dose de 10 mg/kg aplicada de forma fracionada (1mg/dia), observaram proteção contra o efeito agudo da DOX por mais de 10 dias, prevenindo a disfunção cardíaca e a distribuição das isoformas de cadeias pesadas de miosina (CPMs). Jensen et al.26, nesta dose, observaram redução significativa da acumulação de DOX no miocárdio em todos os cortes da pesquisa. Nas doses de 10 mg/kg e 20 mg/kg, os autores22,23 observaram efeito protetor do exercício nas variáveis estudadas ligadas à preservação de funções biológicas do coração, principalmente na dose de 20 mg/kg.

Quatro trabalhos utilizaram doses únicas de 15 mg/kg13,14,19,24. No trabalho de Chicco et al.,13 o exercício atenuou a disfunção cardíaca e a peroxidação lipídica induzidas pela DOX e elevou os níveis de HSP72. Esta é uma proteína de choque térmico que aparece nos cardiomiócitos com o exercício e seus níveis elevados estão associados com a preservação das funções cardíacas durante períodos de estresse oxidativo.17 Wonders et al.14 observaram que o efeito agudo do treinamento preveniu a queda das funções cardíacas nessa dose. Já Martins et al.24 investigaram o efeito protetor contra o dano ao DNA nas células cardíacas de ratos machos submetidos ao tratamento com DOX, obtendo resultado positivo.

Os estudos de Chicco et al.11 e Hayward et al.7 foram realizados com doses fracionadas de 15 mg/kg e 14 mg/kg, respectivamente. O primeiro estudo11 aplicou 2,5 mg/kg três vezes por semana. Seus resultados indicaram uma proteção contra a perda de função do ventrículo esquerdo (VE) e inibição do aumento da sinalização para apoptose. Além disso, não foi observado efeito do exercício sobre os e não obteve resultados com relação aos níveis de proteínas de choque e o metabolismo antioxidante.11 O segundo estudo7 utilizou dose fracionada de 2 mg/kg por dia durante uma semana. Nesse estudo,7 o exercício foi eficiente em prevenir decréscimo na curva de crescimento do coração, na massa corporal e nas funções cardíacas. O estudo de Marques-Aleixo et al.27 também utilizou protocolo com dose fracionada de 2 mg/kg com uma dose semanal por 7 semanas e o exercício melhorou a capacidade bioenergética das mitocôndrias e preveniu o dano por estresse oxidativo.

A dose máxima encontrada foi 20 mg/kg, em cinco estudos.10,12,17,18,25 Ascensão et al.12 observaram atenuação do estresse no músculo cardíaco e melhora do sistema antioxidante. Os quatro artigos restantes10,17,18,25 encontraram que de uma forma geral o exercício foi eficaz em: prevenir dano causado por estresse oxidativo, preservar a homeostasia e as funções mitocondriais e inibir o aumento na sinalização de apoptose induzida pela DOX. Smuder et al.25 também verificaram que o exercício inibiu o aumento dos sinalizadores autofágicos dos lisossomos.

Com relação a protocolos que combinam mais de um quimioterápico, três estudos verificaram o efeito da DOX combinado com outros medicamentos.16,20,21 Wonders et al.16 examinaram um protocolo combinado de DOX com GW2974, um inibidor de HER-2 (fator de crescimento epidérmico humano-2), gene associado ao crescimento e desenvolvimento normal das mamas e que é superexpresso em 30% dos cânceres de mama. O GW2974 é um análogo ao trastuzumab, anticorpo monoclonal utilizado no tratamento de câncer de mama.16 Esse protocolo de tratamento está associado ao aumento da incidência de disfunção cardíaca e IC.6,16 Ao fim do período de treinamento, houve uma redução na peroxidação lipídica e uma possível proteção contra a indução de apoptose.16 Hydock et al.19 utilizaram um protocolo com DOX (15 mg/kg) associada ao acetato de gosserrelina. Após o tratamento, a função cardíaca foi analisada in vivo por ecocardiografia e ex vivo. Os resultados indicaram que a disfunção cardíaca foi significativamente atenuada no grupo submetido ao exercício.20

Os possíveis mecanismos cardioprotetores em decorrência do treinamento aeróbico são apresentados no Quadro 2.

Quadro 2 Mecanismos cardioprotetores do treinamento aeróbico 

Estudos Mecanismos cardioprotetores
Chicco et al.9 Manutenção da pressão interna e atenuação da peroxidação lipídica no ventrículo esquerdo. Aumento da expressão da proteína de choque térmico HSP72. Não obteve resultados significativos na expressão mitocondrial de superóxido dismutase (ou suas isoformas) no coração dos animais treinados.
Ascensão et al.10 Preveniu completamente a ação da DOX sobre a fase 3 da respiração celular, a taxa de controle respiratório, respiração não pareada, e atividade da aconitase. Diminuiu o aumento induzido pela DOX na sensibilidade ao cálcio, nos grupos carbonil de proteína nas mitocôndrias, em malondialdeído, Bax, taxa Bax/BCLW, e na atividade de caspase-3 nos tecidos. O treinamento também aumentou a expressão de HSP60 nas mitocôndrias e HSP70 nos tecidos.
Chicco et al.11 O exercício de baixa intensidade não foi estímulo suficiente para alterar as expressões de SOD e HSP. Por outro lado, atenuou a perda de função do VE e inibiu a indução de sinal de apoptose pela DOX.
Ascensão et al.12 O nível dos marcadores de estresse indicou que o exercício diminuiu os distúrbios provocados por uma dose aguda de DOX. Os autores sugeriram que as respostas de glutationa e HSP podem ter sido essenciais na defesa contra os radicais livres associados ao uso de DOX.
Chicco et al.13 Atenuou a queda das funções cardíacas: frequência cardíaca, pressão desenvolvida pelo ventrículo esquerdo, função sistólica do ventrículo esquerdo, DT/DP máxima, relaxamento do ventrículo esquerdo, DT/DP mínima. Preveniu completamente o aumento induzido pela DOX de MDA+4HAE protegendo contra peroxidação lipídica. Sem alterações significativas de SOD ou HSP72 no ventrículo esquerdo.
Wonders et al.14 Atenuou queda da relação pressão diastólica final/ pressão diastólica do ventrículo esquerdo e eliminou o aumento induzido pela DOX de MDA + 4 HAE, sugerindo que o exercício reduziu a peroxidação lipídica no VE.
Hydock et al.15 Atenuou o aumento induzido pela DOX de a-MHC.
Wonders et al.16 Preservou as funções cardíacas, diminuiu o nível de MDA+4-HAE e caspase-3 e caspase-8.
Kavazis et al.17 Protegeu contra os efeitos deletérios da DOX nos cardiomiócitos, aumentando a expressão de enzimas antioxidantes e HSP72 nos cardiomiócitos. Entretanto em um modelo de isolamento do HSP72 testado pelos autores o exercício continuou a proteger os cardiomiócitos e a hipótese sugerida é de que o aumento das enzimas antioxidantes tenha sido o fator responsável pela cardioproteção.
Ascensão et al.18 Preveniu a queda das funções mitocondriais cardíacas, preservou a capacidade de fosforilação mitocondrial e atenuou a diminuição da tolerância à abertura do poro de transição da permeabilidade mitocondrial; protegeu a atividade da cadeia mitocondrial nos complexos I e V, aumentou a atividade de caspase-3 e 9 e a atividade de SOD nas mitocôndrias cardíacas.
Hydock et al.19 Preveniu uma redução de 22% da fração de ejeção do ventrículo esquerdo e a diminuição do fluxo sanguíneo nas válvulas aórtica e mitral.Preservou o equilíbrio na expressão de MHC e não teve influência na expressão de Ca2+ ATPase 2a no retículo sarcoplasmático.
Hydock et al.20 Preservou o fluxo sanguíneo máximo e médio da válvula mitral.
Hornsby et al. 21 Atenuou o aumento dos peptídeos natriuréticos.
Hayward et al.7 Protegeu contra a diminuição da frequência cardíaca, da velocidade do fluxo sanguíneo, do aumento do tempo isovolumétrico, preservando as funções diastólica e sistólica, e redução da frequência de despolarização intrínseca do coração. Não apresentou diferença significativa na expressão de cadeia pesada de miosina alfa e beta.
Ashraf e Roshan22 Aumento em Apelin e SOD e diminuição de MDA.
Shirinbayan e Roshan23 Aumento de HSP72 e SOD e diminuição de MDA.
Martins et al. 24 Diminuiu o dano ao DNA das células cardíacas sem mecanismos definidos. A hipótese dos autores é a de que o exercício tenha fornecido proteção contra o estresse oxidativo e a regulação positiva das vias apoptóticas.
Smuder et al. 25 Preveniu danos na ultraestrutura das miofibrilas; inibiu o aumento de Beclin-1(BCL1) e a queda de Beclin-2 (BCL-2) e diminuiu a taxa BCL1/BCL2; redução do aumento induzido pela DOX de TAG12, TAG4, TAG7, LC3, Catepsina-B, Catepsina-L.
Jensen et al.26 Redução de DOX no miocárdio com mecanismos não especificados.
Marques-Aleixo et al.27 Aumentou a porcentagem de mitocôndrias normais e a densidade mitocondrial.Diminuiu o número de mitocôndrias anormais induzidas pela DOX.Melhorou a fase 3 da respiração e diminuiu a fase de atraso na fosforilação do ADP, melhorou os níveis de atividades dos complexos 1 e 4 da cadeia respiratória.

ADP: Adenosina Difosfato; BAX: Proteína relacionada a apoptose BAX; BCL: Beclin; BCLW: Beclin W; DNA: Ácido Desoxirribonucléico; DOX: Doxorrubicina; DP: Duplo Produto; DT: Derivada Temporal; HAE: Hidroxialquenais; HSP: Proteína de Choque Térmico; LC3: Marcador de Autofagia LC3; MDA: malonaldeído; MHC: Complexo Maior de Histocompatibilidade; SOD: Superoxido Desmutase; TAG=triacilglicerol; VE: Ventrículo Esquerdo.

Protocolos de exercício segundo o princípio F.I.T.T

Conforme se observa no Quadro 1, todos os estudos incluídos nesta pesquisa utilizaram o exercício aeróbio na tentativa de prover cardioproteção contra os efeitos adversos da DOX. Assim, serão abordados: frequência da prática de exercícios, intensidade com que foram realizados, tempo de realização e tipo de exercício realizado, seguindo um princípio de prescrição do exercício aeróbio denominado de F.I.T.T (Frequência, intensidade, tempo e tipo).28

Frequência

Com relação à frequência com que os animais se exercitaram, dois estudos14,18 realizaram duas semanas de adaptação à esteira e uma única sessão de exercício de 60 minutos. No trabalho de Wonders et al.,14 o exercício agudo preveniu com sucesso a queda de todas as variáveis da função cardíaca e não alterou os marcadores ligados à peroxidação lipídica. Já o trabalho de Ascensão et al.18 mostrou que o mesmo protocolo de estudo descrito, também foi capaz de prevenir a disfunção das mitocôndrias e aumentar os níveis de enzimas antioxidantes.

Três estudos avaliaram o efeito do exercício com menos de um mês de treinamento11,17,25. Chicco et al.11 verificaram se o exercício de baixa intensidade praticado cinco dias na semana, variando de 8-10 m/min até 30 m/min, teria um efeito protetor contra a cardiotoxicidade por DOX. Os resultados do estudo apontam para uma atenuação da disfunção do VE e inibição da sinalização de apoptose das células cardíacas. Kavazis et al.17 e Smuder et al.25 utilizaram um protocolo com realização de exercícios em esteira cinco vezes por semana durante uma única semana. Os resultados dos estudos17,25 indicam que o exercício foi eficaz em atenuar os danos causados às mitocôndrias por meio da manutenção do metabolismo antioxidante, e inibição do aumento de sinalizadores autofágicos nos lisossomos, respectivamente.

Alguns estudos utilizaram a modalidade de exercício voluntário em roda de corrida, na qual foram mensuradas as distâncias totais percorridas7,9,15,20,26,27 Destes, dois estudos utilizaram apenas os modelos de exercício voluntário: Chicco et al.9 constataram resistência contra a disfunção cardíaca e aumento nos níveis de HSP72; Hayward et al.7 verificaram que o exercício voluntário protegeu a curva de crescimento do coração e da massa corporal, além de prevenir a disfunção cardíaca em ratos filhotes. Quatro estudos15,20,26,27 compararam o exercício voluntário, no qual a frequência não foi mensurada, com o treinamento em esteira com um protocolo pré-estabelecido de prática de exercício por cinco vezes na semana por oito a 12 semanas. Seus resultados não constataram diferenças entre os grupos que se exercitaram, com exceção ao nível de dano às funções cardíacas, que no estudo de Hydock et al.15 só foi atenuada no grupo que treinou na esteira.

Os outros oito estudos10,12,13,16,19,22-24 realizados em animais utilizaram um modelo de exercício realizado cinco vezes por semana, por quatro a 12 semanas. Dois trabalhos foram realizados com natação12,24 e seis utilizaram esteiras motorizadas.10,13,16,19,22,23 Todos apontam um efeito cardioprotetor do exercício independente dos mecanismos e de outras diferenças entre seus protocolos.

Por esses achados, não se pode afirmar que a frequência tenha uma relação direta com os resultados, uma vez que desde uma sessão aguda de exercício até o exercício com participação aleatória apresentaram evidências de efeitos protetores, principalmente sobre a disfunção cardíaca induzida pela DOX. Embora o estudo de Hydock et al.15 aponte uma diferença em relação aos danos causados por espécies reativas de oxigênio, deve ser considerado que o efeito da DOX foi avaliado aos 5 e aos 10 dias após o tratamento, e que a intensidade do exercício foi diferente nos dois grupos.

Intensidade

Foram encontradas algumas variações em relação à intensidade dos exercícios e aos resultados apresentados. O trabalho realizado por Chicco et al.11 foi o único estudo que teve como objetivo verificar o efeito do exercício de baixa intensidade na proteção contra a cardiotoxicidade por DOX. Esse trabalho utilizou um protocolo progressivo de intensidade e duração, iniciando com 5 min diários de exercício, à velocidade de 8-10 m/min com 0% de inclinação, aumentando 10 min por dia até atingir 60 min/dia à velocidade de 30 m/min no último dia da segunda semana de treinamento. O resultado desse trabalho indica que essa modalidade de exercícios durante o tratamento é bem-sucedida na inibição da indução do sinal de apoptose e atenuação da perda de função do VE. Porém, não foi estímulo suficiente para alterar as expressões de proteína de choque térmico (HSP) e superóxido dismutase (SOD).11

Ascensão et al.10 estudaram os efeitos do exercício moderado em esteira sobre a redução da mitocondriopatia e sinal de apoptose induzidos pela utilização de DOX. O grupo de animais submetidos ao exercício passou por uma semana de adaptação à esteira, depois treinou por 14 semanas a uma velocidade de 30 m/min com 0% de inclinação, o que resultou em redução das alterações na homeostase mitocondrial e nos níveis de estresse oxidativo, e no aumento do metabolismo antioxidante e defesas mitocondriais.10

Em outro estudo realizado com intensidade moderada, Shirinbayan e Roshan23 submeteram os animais a oito semanas de treinamento em esteira, com 5 min de aquecimento e 39 min de corrida, à velocidade de 17 m/min. De acordo com os autores, o resultado sugere que o exercício diminuiu o risco de distúrbios cardíacos por dose aguda de DOX, pela manutenção dos sistemas de proteção por SOD e HSP.23

Dois estudos utilizaram treinamento com natação12,24 e ambos não especificaram as intensidades utilizadas. Ascensão et al.12 verificaram se o treinamento de natação por 1 hora diária de exercício com 4% do peso corporal atado à cauda aumentava a tolerância do músculo cardíaco ao uso de DOX. Os resultados indicaram proteção contra o estresse oxidativo, constatada pela diminuição dos níveis de troponina e o aumento de HSP e glutationa (GSH), uma enzima antioxidante comum à mitocôndria.12 Já Martins et al.24 verificaram o efeito do treinamento com natação com 8% do peso corporal atado à cauda dos animais. Os resultados indicaram que o exercício protegeu o DNA das células cardíacas contra o dano induzido pela DOX.24

Chicco et al.13 propuseram-se a utilizar somente o exercício voluntário em roda de corrida o que, segundo as referências citadas pelos próprios autores, atingem intensidades menores do que os protocolos em esteira com intensidade controlada. Após as oito semanas do período de exercícios, o grupo que treinou teve uma atenuação da disfunção cardíaca e do dano oxidativo se comparado ao grupo sedentário.13 Hayward et al.7 também utilizaram somente exercício voluntário em roda de corrida, e após 10 semanas de exercício houve uma manutenção da curva de crescimento do coração, da massa corporal e das funções cardíacas dos ratos treinados em comparação com o grupo-controle.

Hydock et al.15 e Jensen et al.26 compararam o exercício voluntário em roda de corrida com o modelo de treinamento em esteira, utilizando protocolo de intensidade progressiva idêntico, iniciando com uma velocidade de 13 m/min e inclinação de 5% por 20 minutos e, após quatro semanas, atingindo a velocidade final de 30 m/min com 18% de inclinação durante 60 minutos. O estudo de Hydock et al.15 analisou o efeito do pré-condicionamento sobre as alterações induzidas pela DOX, na função cardíaca e na expressão de isoformas de CPMs. A disfunção cardíaca foi atenuada somente no grupo que realizou o treinamento mais intenso na esteira.15

Jensen et al.26 avaliaram ambas as modalidades, esteira e roda de corrida, sobre a função cardíaca e acumulação de DOX no miocárdio. Os animais foram avaliados a 1, 3, 5, 7 e 9 dias após a administração do tratamento e os resultados apontaram uma diferença significativa na redução dos níveis de acumulação e total eliminação da DOX após cinco dias, sem diferença significativa entre as modalidades de exercício.26

Marques-Aleixo et al.27 também utilizaram intensidades variadas na comparação entre esteira e roda de corrida. A intensidade da esteira foi aumentada gradativamente de 18 m/minuto na semana de adaptação à esteira à 27 m/min na sétima semana. A partir desse ponto, a velocidade do grupo DOX foi ajustada em 20 m/min da sétima à décima segunda semana e, no placebo (solução salina) a velocidade continuou aumentando até 30 m/min. Ambas as modalidades preveniram o dano por estresse oxidativo.27

Ainda com intensidade progressiva, o estudo de Hornsby et al.21 utilizou um protocolo em cicloergômetro por 12 semanas com intensidades progressivas, cerca de 60% a 100% do consumo máximo de oxigênio mensurado antes do início do programa de exercícios. As medidas ecocardiográficas não encontraram diferenças significativas em função da intervenção realizada.21 Outros artigos analisados13,14,16-19,22,25 utilizaram o exercício em esteira motorizada com protocolos de intensidade e duração progressivas, começando com intensidades baixas e chegando a velocidades entre 25-30 m/min ao longo do período de treinamento, com variações de inclinação entre 5-18%. É importante ressaltar que no estudo realizado por Smuder et al.25, os animais treinaram em intensidade equivalente a 70% do consumo máximo de oxigênio.

Tempo ou Duração

A duração do exercício é um importante fator na prescrição de exercícios aeróbios, pois tem uma relação direta com a intensidade e a frequência para determinar o volume de treinamento a ser realizado periodicamente.28 Treze dos artigos analisados10-13,15-17,19,20,24-27 utilizaram períodos de uma hora de exercícios por dia, cinco vezes por semana (5 horas/semana), independente de quantas semanas cada estudo utilizou.

Dois estudos também utilizaram 60 minutos diários, porém em uma única sessão de exercício.14,18 Ashrafi e Roshan22 e Shirinbayan e Roshan23 trabalharam com protocolos com o tempo de exercício de 39 minutos diários durante cinco dias na semana, totalizando 3 horas e 15 minutos semanais. Hornsby et al.21 empregaram um protocolo com 60 minutos diários, realizados três vezes por semana, o que totaliza 3 horas semanais de exercício. Chicco et al.9 utilizaram somente exercício voluntário em roda de corrida, assim como Hayward et al.7, portanto, nesses estudos o tempo de realização dos exercícios assim como a intensidade não foram quantificados para uma análise isolada.

De um modo geral, os estudos aqui analisados9-27 não tiveram o objetivo específico de testar as variáveis do treinamento na cardioproteção contra a DOX, preferindo buscar os mecanismos responsáveis pela proteção. Embora muitos estudos tenham estruturado metodologicamente os protocolos de exercício, as variáveis ligadas à prescrição não foram testadas de forma isolada para determinar a relação causa/efeito.

Nesse sentido, o tempo de exercício é importante fator a ser considerado, pois além de sua relação direta com o volume total de treinamento,7 uma das grandes dificuldades enfrentadas por pacientes com câncer é a de realizar exercícios por longos períodos.3 Isso ocorre, principalmente, devido à fadiga e outros efeitos adversos que limitam a vontade e as possibilidades de praticar exercícios.3

Tipo

Os diferentes tipos de exercício ou de modalidades esportivas podem exercer diferentes efeitos sobre os indivíduos e assim interferir diretamente nos objetivos e na prescrição de exercícios.28 Nesta revisão, somente foram encontrados trabalhos com exercício aeróbio, apresentando algumas variações nas modalidades e na intensidade, frequência e período de realização com relação ao tratamento.

Quinze estudos foram realizados com ao menos um grupo fazendo exercícios na esteira e todos utilizaram, no mínimo, uma semana para adaptação dos animais a esse procedimento.10,11,13-20,22,23,25-27

Os resultados indicaram que o treinamento em esteira protegeu o coração contra a perda de função induzida pelo uso da DOX em todos os oito trabalhos em que essa variável foi um dos objetivos primários.13-16,19,20,23 O exercício também foi eficaz em prevenir a peroxidação lipídica e o dano oxidativo em quatro estudos.10,13,16,22 Com relação ao estresse oxidativo, em cinco estudos, o exercício foi eficiente em proteger, ou mesmo melhorar a ação do sistema antioxidante.10,17,18,22,23

Quatro estudos investigaram a ação do exercício sobre a função, defesas e apoptose das mitocôndrias. Os resultados indicaram que o treinamento na esteira exerceu um efeito protetor contra o dano e disfunção, além de atenuar o aumento de apoptose induzida pela DOX e aumentar as defesas das mitocôndrias.10,17,18,27 Com relação à morte programada dos cardiomiócitos, o treinamento inibiu o aumento na sinalização para apoptose induzida pela DOX em três estudos.11,16,25 Outros fatores benéficos do exercício foram elevar o nível de HSP7213 e preservar a expressão de isoformas de CPMs.15,19

Os exercícios voluntários em roda de corrida estão presentes em quatro trabalhos7,9,15,26 e foram selecionados pelos autores devido a sua intensidade mais baixa do que em protocolo pré-programado em esteira, e também pela liberdade de os animais fazerem exercício de acordo com sua vontade. Esses fatores dialogam diretamente com a viabilidade de execução de atividades físicas por pacientes oncológicos, que podem ter dificuldade em aderir a programa de exercícios em horário pré-estabelecido e em altas intensidades.3

Chicco et al.9 indicaram que a atividade física voluntária realizada de forma regular pode, em longo prazo, prover resistência contra a disfunção cardíaca e o dano oxidativo causado pela utilização de DOX, apresentando ainda indícios de que o exercício pode prover um aumento nos níveis de HSP72. Hayward et al.7 concluíram que o exercício foi eficaz em prevenir alteração na curva de crescimento do coração, na disfunção sistólica e diastólica, na diminuição da velocidade de despolarização, e, não obtiveram resultados sobre a perda de massa corporal. Como diferencial em relação a outros trabalhos, esse estudo foi o único a realizar avaliação das funções cardíacas durante o exercício.

Hydock et al.15 compararam animais que se exercitaram em roda de corrida e em esteira. Nesse estudo, somente no grupo que realizou o treinamento mais intenso na esteira, houve atenuação da disfunção. Finalmente, Jensen et al.26 avaliaram o efeito de exercício prévio ao tratamento em ambas as modalidades, esteira e roda de corrida. Ambas as modalidades de exercício levaram à redução significativa dos níveis de acumulação e aumento significativo na total eliminação da DOX após cinco dias, sem diferença significativa entre elas.26

Dois estudos utilizaram a natação na tentativa de conseguir proteção contra a cardiotoxicidade.12,24 Ascensão et al.,12 após o tratamento e análise dos dados, encontraram nos animais que se exercitaram, uma proteção dos cardiomiócitos pela redução do estresse cardíaco - o que pode estar relacionado à redução de marcadores de estresse - e pela manutenção do nível de enzimas antioxidantes quando comparados ao grupo sedentário. Martins et al., 24 com um programa de natação antes do tratamento, demonstraram um efeito protetor com relação ao dano no DNA das células cardíacas.

O único estudo que utilizou cicloergômetro foi realizado por Hornsby et al.21 e o único resultado estatisticamente significativo foi a atenuação do aumento de peptídeos natriuréticos no grupo que treinou em comparação ao grupo-controle.

Em humanos

Hornsby et al.21 avaliaram a segurança e eficácia do treinamento aeróbio em promover melhoras de efeitos adversos do tratamento quimioterápico, e Jones et al.29 avaliaram seu efeito cardioprotetor sobre a cardiotoxicidade induzida pela DOX. Segundo Jones et al.,29 o exercício não apresentou efeito cardioprotetor para humanos. Deve-se ressaltar que este foi o único estudo a apresentar esse protocolo, além de a ciclofosfamida ser um quimioterápico com nível de evidência elevado para cardiotoxicidade.6

Os estudos de Hornsby et al.21 e de Jones et al.29 avaliaram 20 mulheres com câncer de mama operável, estágios IIB a IIIC, recebendo tratamento neoadjuvante composto por 60 mg/m2 de DOX + 600 mg/m2 de ciclofosfamida em quatro ciclos (1 a cada 21 dias, durante três meses). As pacientes foram randomizadas em dois grupos: DOX + ciclofosfamida e ciclofosfamida + treino aeróbico. O treinamento aeróbico foi realizado em cicloergômetro três vezes por semana durante três meses, com acompanhamento individualizado e aumento progressivo da intensidade, prescrita com base na ergoespirometria realizada no início do estudo (Quadro 3).

Quadro 3 Treinamento aeróbico realizado nos estudos analisados 

Semana Duração Intensidade Sessão incremental a partir da quinta semana
3 sessões de15-20 min 60% VO2máx. -
2ª a 4ª 3 sessões de 30 min 65% VO2máx -
5ª e 6ª 2 sessões de 30-45 min 60-65% VO2máx 1 sessão de 20-25 min utilizando o limiar ventilatório determinado por aumento sistemático da taxa VE/VO2, enquanto VE/VCO2 permaneceu constante.
7ª a 9ª 2 sessões de 60 min 65-70% VO2máx 1 sessão de 25-30 min utilizando o limiar ventilatório determinado por aumento sistemático da taxa VE/VO2, enquanto VE/VCO2 permaneceu constante.
10ª a 12ª 2 sessões de 60 min 60-70% VO2máx Treino intervalado com 30 s a 100% VO2máx com 60 s de recuperação ativa (total de 10 a 15 ciclos).

A análise dos efeitos do treinamento aeróbico foi realizada utilizando teste ergoespirométrico e ecocardiografia transtorácica. Os resultados publicados em ambos os estudos21,29 indicaram que não houve diferenças significativas quanto à proteção contra cardiotoxicidade induzida pela DOX após exercício ou entre os grupos. Entretanto, o estudo de Hornsby et al.21 indicou que o treino aeróbico intervalado de alta intensidade é seguro e bem tolerado pelos participantes, diminuindo os efeitos adversos, atenuando o aumento dos peptídeos natriuréticos e reduzindo a queda de algumas funções cardiopulmonares e do VO2máx.

Em síntese, os resultados dos estudos analisados indicaram que o exercício aeróbio pode exercer um efeito protetor das funções cardíacas se realizado antes, durante ou depois do tratamento, configurando-se uma possível terapia complementar ao tratamento com DOX. No entanto, os mecanismos envolvidos a esse efeito protetor são controversos e associados a diversos mecanismos hipotéticos, necessitando novas pesquisas na área. De um modo geral, os estudos aqui analisados diferem quanto aos seus protocolos: intensidade, época do treinamento em relação ao tratamento, métodos utilizados para análise e objetivos de estudo.

Com relação às variáveis relacionadas à prescrição desse tipo de exercício, não foram encontradas grandes variações no efeito cardioprotetor quando o exercício foi realizado antes, durante ou depois do tratamento. Porém, alguns resultados com relação ao tempo total de treinamento podem ser relevantes se articulados com a realidade dos tratamentos oncológicos, uma vez que sessões agudas ou uma única semana antes da aplicação de DOX mostraram resultados efetivos. A frequência não apresentou relação direta com os resultados dos referidos estudos, pois independente de sua variação, foram apresentadas evidências de efeitos protetores do exercício, principalmente sobre a disfunção cardíaca induzida pela DOX. A intensidade também não foi definitiva para a preservação da função cardíaca, porém o treinamento mais intenso esteve relacionado com melhoras no sistema antioxidante que não esteve presente em alguns estudos com intensidades mais baixas.

Novos estudos, com diferentes populações e tipos de prescrição de exercício físico são necessários antes de se afirmar que o exercício se configura parte efetiva do tratamento contra a cardiotoxicidade decorrente do tratamento com DOX.

REFERÊNCIAS

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