On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.30 no.3 São Paulo May/Jun. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201700040
O julgamento clínico e a tomada de decisão são considerados desafios amplos e determinantes ante as diversas situações no cotidiano do profissional de saúde. Dentre estas, destacam-se as situações de urgência/emergência, as quais priorizam as informações direcionadas e as condições facilitadoras para determinação da gravidade e do risco de morte depacientes nas portas de entrada dos serviços de saúde.
Em razão de tais situações, os profissionais de saúde, atuantes nas unidades de urgência/emergência, em especial os enfermeiros, necessitam deconhecimento, habilidade e atitude paraacolher, escutar e orientar, de maneira adequada, o usuário de saúde em tais unidades,1 de modo a determinar a prioridade de atendimento nas portas de entrada.
Estudiosos2elucidam que a expressão classificação de risco se refere ao ato de identificar a queixa principal manifestada ou relatada por pacientes e/ou respectivos acompanhantes, com intuito de estabelecer uma lista de espera com base no risco clínico e não na ordem de chegada, ou seja, propõe-se a direcionar a realização da anamnese e do exame físico ante os sinais e sintomas expressos, com determinação da prioridade de atendimento, em virtude das condições relacionadas às complicações e ao risco de morte.
Para realizar a classificação de risco, serviços indicam e utilizam tecnologias em saúde, como os protocolos de atendimento para realização do Acolhimento com Classificação de Risco (ACCR).
Em levantamento bibliográfico, realizado para identificar, na produção científica, os instrumentos de tecnologia em saúde utilizados na triagem e/ou na classificação de risco de crianças ou adolescentes, foram detectados nove instrumentos direcionados à realização de triagem ou ACCR: Triângulo de Avaliação Pediátrica, Canadian Paediatric Triage and Acuity Scale e a respectiva versão computadorizada - Staturg, Emergency Triage Assessmentand Treatment, Emergency severity index para pediatria, Paediatric Taiwan Triage System, Paediatric Triage and Acuity System, Manchester Triage System para cuidado pediátrico e Paediatric Triage Tape.3
Ademais a esse levantamento bibliográfico, destaca-se o Protocolo de Acolhimento com Classificação de Risco em Pediatria como instrumento para classificação de risco, que favorece a caracterização, a avaliação e a classificação do grau de comprometimento da criança e/ou adolescente, com vistas a identificar a prioridade de atendimento no serviço de urgência/emergência. Este instrumento foi elaborado pela Secretaria de Saúde de Fortaleza-Ceará-Brasil, o qual se utiliza de cinco cores para classificar o risco e determinar o tempo previsto para atendimento médico: vermelho (prioridade I), com atendimento médico imediato; laranja (atendimento médico em até 15 minutos, podendo ser reavaliado pelo(a)enfermeiro(a) a cada 15 minutos); amarelo (atendimento médico em até 30 minutos, podendo ser reavaliado pela enfermeira a cada 30 minutos); verde (atendimento médico em até 60 minutos, podendo ser reavaliado pela enfermeira a cada 60 minutos); e azul (atendimento médico por ordem de chegada ou direcionado à unidade de atenção primária com garantia de atendimento).Este foiavaliado por juízes em Pediatria e ACCR, sendo considerado válido quanto ao conteúdo e à aparência.4
Com suporte no aprofundamento do estudo mencionado, evidenciou-se a necessidade de avaliar a confiabilidade interobservadores e a validade na prática clínica do protocolo em questão. Portanto, um instrumento torna-se confiável quando é capaz de medir fielmente o fenômeno a que se propõe e de reproduzir resultados de forma consistente no tempo, no espaço e com observadores diferentes, quando utilizado de maneira adequada.5
O presente estudo justificou-se e tornou-se relevante à medida que favoreceu a avaliação, na prática clínica,da confiabilidade desse instrumento junto a enfermeiros classificadores, para tomada de decisão, com determinação adequada e segura da prioridade de atendimento de crianças e/ou adolescentes que busquem atendimento nos serviços de urgência/emergência. Viabilizou, também, a utilização deste para prestar assistência à saúde de qualidade, com melhoria do processo de acolhimento com classificação de risco ao público-alvo, em tempo hábil e eficaz, de modo a prevenir e minimizar complicações e risco de morte nas portas de entrada do serviço de saúde.
Portanto, objetivou-se analisar a confiabilidade interobservadores da segunda edição do protocolo de Acolhimento com Classificação de Risco em Pediatria na prática clínica de urgência/emergência.
Estudo do tipo metodológico, com abordagem quantitativa, para avaliação do Protocolo de ACCR em Pediatria como constructo confiável que possa ser utilizado por profissionais de saúde nas unidades de urgência e emergência pediátrica.
Foi desenvolvido naunidade de urgência/emergência de um hospital municipal de referência em atendimento pediátrico da cidade de Fortaleza-CE-Brasil, na qual há atendimento acrianças e adolescentes emsituações de risco iminente de complicações.
Para seleção de crianças e/ou adolescentes, os critérios de inclusão foram: ter idade de zero a 16 anos, buscar atendimento na unidade de urgência/emergência da referida Instituição e estar com um acompanhante. Como critérios de exclusão: buscar atendimento eletivo com médico ou enfermeiro (puericultura).
Para o cálculo da amostra, foram consideradas as recomendações do coeficiente de concordância de Kendall, usado em análise de concordância de atributos, indicando, também, o grau de associação de avaliações ordinais procedidas por diferentes avaliadores quando analisam as mesmas amostras.
Tal coeficiente de Kendall indicou, no mínimo, 96 crianças e/ou adolescentes como suficiente para responder ao tamanho amostral para cada enfermeiro classificador interobservador. Porém, decidiu-se por selecionar amostra total de 100 crianças e/ou adolescentes para cada Enfermeiro Classificador Interobservador Treinado (ECIT - 1 e 2) e Enfermeiro Classificador Interobservador Não Treinado (ECINT - 1 e 2), isto é, cada enfermeiro, ao mesmo tempo em queapesquisadora avaliou e classificou, de forma independente, 100 crianças e/ou adolescentes, analisou amostra final de 400 crianças e/ou adolescentes em atendimentos no setor de ACCR em Pediatria.
Acoleta de dados foi realizada com enfermeiros classificadores interobservadores e a pesquisadora. A confiabilidade e o grau de correlação da classificação de risco foram determinados por dois ECIT-1 e ECIT-2 e a pesquisadora; e por dois ECINT-1 e ECINT-2 e a pesquisadora.
Dentre os critérios de inclusão para os ECINT, tiveram-se: não ter participado do curso de capacitação sobre ACCR em Pediatria, ter no mínimo dois anos de experiência e estar escalado no setor de ACCR da Instituição, no período da coleta de dados. Como critérios de exclusão, tiveram-se: estar em férias, licença gestação ou de saúde no período de coleta de dados. Após a seleção, identificaram-se quatro enfermeiros não treinados que se dispuseram a contribuir, porém, no decorrer da coleta, houve desistência e uma licença saúde no período. Obtiveram-se, assim, apenas dois ECINT, sendo acordado com cada um destes que a pesquisadora iria coletar os dados conforme escala pré-estabelecida com a coordenação de enfermagem da Instituição.
Para os ECIT, teve-se como critério de inclusão: participação, com mais de 80% de frequência, no curso de capacitação, com carga horária de 40h/aula, sobre ACCR em Pediatria, e no grupo de discussão para melhoria da aplicabilidade do Protocolo. Como critérios de exclusão, tiveram-se: estar em férias, licença gestação ou de saúde no período de coleta de dados e ser profissional temporário no período da coleta de dados.
A coleta de dados iniciou com o ECINT-1 realizando a avaliação da criança e/ou adolescente com a determinação da prioridade de atendimento de cada um, de modo que a pesquisadora apenas observava, captava as informações descritas pelo enfermeiro e seguia a prioridade de atendimento preconizada pela segunda edição do Protocolo de ACCR em Pediatria, conforme a situação clínica de cada paciente. Esse processo se repetiu com as 100 crianças avaliadas pela pesquisadora e por cada um dos enfermeiros classificadores, seguindo a sequência: ECINT-1, ECINT-2, ECIT-1 e ECIT-2.
Desse modo, alcançou-se ototal de 400 classificações para avaliação da confiabilidade interobservadores. O período de coleta de dados correspondeu a cerca de oito meses, em que o tempo aproximado de atendimento do enfermeiro classificador foi de uma cincominutos por paciente, dependendo da complexidade e gravidade da queixa principal referida pela criança, adolescente ou respectivoacompanhante. Ademais, a coleta foi realizada em turnos diurno e noturno, respeitando a escala e a disponibilidade dos enfermeiros classificadores. O período de coleta de dados foi estendido, também, pela sazonalidade de doenças comuns em unidades de urgência/emergência pediátrica.
Os instrumentos de coleta de dados foram: 1) Caracterização dos enfermeiros classificadores com perguntas sobre idade, escolaridade, tempo de experiência em pediatria, tempo médio de experiência em classificação de risco, participação no Curso de Capacitação sobre ACCR em Pediatria, utilização do Protocolo de ACCR em Pediatria e dificuldade na utilização do Protocolo de ACCR em Pediatria; 2) Instrumento de classificação de risco, no qual continhaos dados de identificação e classificação de risco da criança e/ou adolescentes, como idade (em meses), gênero, escolaridade, sinais vitais, dados antropométricos, queixa principal, tempo de classificação, tempo de espera para atendimento médico, discriminadores clínicos (principais condições clínicas que estejam relacionadas com a queixa principal), escala de dor e determinação da classificação de risco a partir das cinco cores do protocolo.
Além disso, a pesquisadora obtevetais dados de forma individualizada, com abordagem aos responsáveis das crianças e/ou adolescentes que buscavam atendimento. Eram apresentados objetivos do estudo e solicitava-se a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para esses participantes, respeitando-se os aspectos éticos e legais.
Para análise da confiabilidade da segundaedição do Protocolo de ACCR em Pediatria, empregou-se o coeficiente Kappa, medida que avalia o nível de concordância, a consistência dos julgamentos ou a posição relativa às avaliações entre avaliadores/juízes para dados. Ou seja, é o índice queconsidera a capacidade que um mesmo instrumento, aplicado por dois ou mais observadores, tem de alcançar os mesmos resultados proporcionando a magnitude da confiabilidade interobservadores.
Conforme estudiosos, têm-se seis classificações de concordânciapara interpretação do teste Kappa, foram considerados os seguintes valores de concordância: Pobre (0); Leve (>0 a 0,19); Considerável (0,20 a 0,39); Moderada (0,40 a 0,59); Substancial (0,60 a 0,79); e “quase perfeita” a excelente (0,80 a 1).
Assim, recomenda-se que os valores de Kappa sejam superiores a 0,60, concordância substancial, para que se obtenham resultados confiáveis. Caso os valores sejam inferiores a 0,60, deve-se questionar o nível de concordância entre os juízes ou a adequação do instrumento utilizado.
O estudo respeitou os princípios da Resolução nº 466/12, do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, com aprovação para seu desenvolvimento, conforme parecer nº 1.282.924 e CAAE nº 49076915.7.0000.5054.
Como caracterização dos participantes, quatro eram enfermeiros, sendo três do gênero feminino e um masculino, com média de idade de 26 anos e cinco meses, todos concluíram pós-graduação lato sensu, duas participavam de grupos de pesquisas e possuíam publicações científicas relacionadas à temática Saúde da Criança. Todos tinham experiência profissional nessa área temática e, também, em urgência/emergência, com média de quatro anos.
Ao comparar os grupos, identificou-se que os ECIT possuíam menor tempo de experiência clínica em pediatria (no mínimo um ano de experiência profissional), enquanto que os ECINT possuíam média de cinco anos de experiência. Os enfermeiros participantes referiram que raramente usavam o Protocolo estudado e que não tiveram dificuldade na utilização da segundaedição do Protocolo de ACCR em Pediatria, opinando como ótimo.
Dentre as crianças e/ou adolescentes avaliadas, houve predominância de 51,2% (205) do sexo masculino, média de idade de 50,2 meses (aproximadamente quatro anos), mediana de 26,5 meses (dois anos) e desvio padrão médio de 40,3 meses (três anos).
Sobre a classificação de risco determinada pelos enfermeiros classificadores interobservadores, ao mesmo tempo em que a pesquisadora,evidenciou-se a equivalência destes, por meio da concordância da prioridade de atendimento dos enfermeiros na prática clínica de urgência/emergência pediátrica, como ilustrado na tabela 1.
Tabela 1 Distribuição das crianças conforme a classificação de risco preconizada pelo Protocolo de ACCR em Pediatria, realizada pelos Enfermeiros Classificadores Interobservadores e pela pesquisadora
Classificação de risco | Enfermeiro classificador interobservador | Pesquisadora |
---|---|---|
n(%) | n(%) | |
Laranja - Prioridade II | 1(0,3) | 9(2,3) |
Amarelo - Prioridade III | 79(19,8) | 80(20,0) |
Verde - Prioridade IV | 203(50,7) | 205(51,2) |
Azul - Prioridade V | 117(29,3) | 106(26,5) |
Total | 400(100,0) | 400(100,0) |
Pelos dados da tabela 1, observa-se predominância de 50,7% (203) para pacientes classificados como verde-prioridade IV (menor urgência) e 29,3 % (117) azul-prioridade V (não urgente) atribuídas pelos ECI, totalizando amostra de 80%. Estes resultados tiveram semelhança com a classificação atribuída pela pesquisadora, a qual classificou 77,7% das crianças em verde e azul.
Ao considerara classificação conferida pelos ECIT com a pesquisadora e pelos ECINT com a pesquisadora, tornou-se manifesto a importância de avaliar o grau de correlação do Protocolo de ACCR em Pediatria quanto à legitimidade por abordagem em grupos contrastados, aplicado à prática clínica de urgência/emergência pediátrica.
Ressalta-se que, no estudo, não houve crianças ou adolescentes considerados de risco emergencial, ou seja, nenhum dos enfermeiros participantes e nem a pesquisadora atribuiu a classificação vermelho (prioridade I), em que o paciente apresenta risco imediato de complicações ou morte.
Acercada classificação de risco laranja (prioridade II), constatou-se que nenhum dos pacientes avaliados pelo grupo de ECINT e apenas um paciente classificado pelo grupo de ECIT foi considerado com necessidade de atendimento médico em até 15 minutos. Enquanto que a pesquisadora identificou, no seu quantitativo total de pacientes avaliados, 4,5% (9) das crianças e/ou adolescentes que buscaram atendimento emergencial.
Em relação às demais cores de classificações de risco, comprovou-se maioria de pacientes classificados como verde (prioridade IV), com 41%; e azul (prioridade V), com 39%, atribuídas pelos ECIT.O mesmo predominou no grupo de ECINT, com atribuição da cor verde em 49,5% e de azul em 29,5% dos pacientes avaliados. Enquanto que para a pesquisadora, houve 93% classificações de menor urgência (verde) e 61% (122) classificações não urgentes (azul).
Os dados determinam o perfil de atendimento dos pacientes da Instituição estudada, os quais foramconsiderados de menor urgência (verde) e não urgente (azul). No que se refere àcomparação da classificação de risco atribuídas pelo grupo de enfermeiros interobservadores treinados (T1 e T2) com a pesquisadora, na fase de confiabilidade interobservadores do Protocolo, têm-se os dados descritos na tabela 2.
Tabela 2 Classificação de risco atribuída pelos ECIT e a pesquisadora na fase de confiabilidade interobservadores
Classificação da Pesquisadora | Classificação do ECIT | Total | Kappa | p-value | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Laranja | Amarelo | Verde | Azul | |||||||||
T1 | T2 | T1 | T2 | T1 | T2 | T1 | T2 | |||||
Laranja | T1 | 1 | - | 1 | - | 1 | - | 0 | - | 3 | ||
T2 | - | 0 | - | 0 | - | 0 | - | 0 | 0 | T1 0,726 | T1 0,060 | |
Amarelo | T1 | 0 | - | 12 | - | 6 | - | 2 | - | 20 | ||
T2 | - | 0 | - | 22 | - | 0 | - | 0 | 22 | T2 1,000 | T2 0,0001 | |
Verde | T1 | 0 | - | 3 | - | 45 | - | 3 | - | 51 | ||
T2 | - | - | - | 0 | - | 34 | - | 0 | 34 | |||
Azul | T1 | 0 | - | 0 | - | 1 | - | 25 | - | 26 | ||
T2 | - | - | - | 0 | - | 0 | - | 44 | 44 | |||
Total | T1 | 1 | - | 16 | - | 53 | - | 30 | - | 100 | ||
T2 | - | - | - | 22 | - | 34 | - | 44 | 100 |
Evidenciou-se concordância “quase perfeita” entre o ECIT-2 e a pesquisadora (Kappa = 1; p < 0,0001). Entre ECIT-1 e a pesquisadora, obteve-se concordância substancial (Kappa = 0,726; p = 0,060). Quanto àconcordância da classificação de risco atribuída pelo grupo de enfermeiros interobservadores não treinados (NT1 e NT2) com a pesquisadora, na fase de confiabilidade interobservadores do Protocolo, elaborou-se a tabela 3.
Tabela 3 Classificação de risco atribuídas pelos ECINT e a pesquisadora na fase de confiabilidade interobservadores
Classificação da Pesquisadora | Classificação do ECINT | Total | Kappa | p-value | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Amarelo | Verde | Azul | ||||||||
NT1 | NT2 | NT1 | NT2 | NT1 | NT2 | |||||
Laranja | NT1 | 1 | - | 1 | - | 0 | - | 2 | ||
NT2 | - | 1 | - | 1 | - | 0 | 2 | NT1 0,619 | NT1 0,067 | |
Amarelo | NT1 | 15 | - | 4 | - | 3 | - | 22 | NT2 0,887 | NT2 0,410 |
NT2 | - | 18 | - | 1 | - | 0 | 19 | |||
Verde | NT1 | 5 | - | 40 | - | 7 | - | 52 | ||
NT2 | - | 2 | - | 48 | - | 1 | 51 | |||
Azul | NT1 | 0 | - | 3 | - | 21 | - | 24 | ||
NT2 | - | 0 | - | 1 | - | 27 | 28 | |||
Total | NT1 | 21 | - | 48 | - | 31 | - | 100 | ||
NT2 | - | 21 | - | 51 | - | 28 | 100 |
A tabela 3 demonstra resultados que compreenderam concordância substancial (Kappa = 0,619; p = 0,067) para o ECNT- 1 com a pesquisadora. Enquanto que o ECINT-2 obteve concordância “quase perfeita” (Kappa =0,887; p = 0,410). No entanto, tal índice apresentou-se não estatisticamente significante quando comparado aos enfermeiros treinados.
É possível verificar que os dados mostraram maiores percentuais nas diagonais das Tabela 3, tendo em vista que se esperava analisar a concordância entre observadores, com predomínio de concordância para classificação menor urgência (verde), com pouquíssimas diferenças de concordância no não urgente(azul). Ou seja, constatou-se, de modo geral, que não houve diferença significativa entre as médias dos escores totais obtidos pelos enfermeiros treinados e os não treinados com a pesquisadora, gerando, assim, “quase perfeita” concordância entre os ECIT (Kappa = 0,863 e p = 0,030), enquanto que houve concordância substancial com os ECINT (Kappa = 0,753 e p = 0,355).
Os resultados podem inferir que o protocolo é confiável, simples e autoexplicativo para determinação da classificação de risco de crianças e/ou adolescentes em situação de urgência/emergência. Isto significa que o Protocolo, utilizado por um enfermeiro treinado ou um não treinado, é confiável em produzir os mesmos resultados sobre medidas repetidas, sendo coerente e previsível quanto à determinação da prioridade de atendimento.
Entretanto, é pertinente referir que foram encontradas divergências de concordância entre os enfermeiros classificadores interobservadores e a pesquisadora, embora não tenha sido estatisticamente significante. Porém, essacontestação na classificação dos pacientes quanto ao nível de risco pode demonstrar necessidade de maior sensibilidade ao direcionamento da queixa clínica e, então, determinar o discriminador e os respectivos indicadores clínicos àquela situação da criança e/ou adolescente.
Nesse aspecto, adverte-se que alguns pacientes foram classificados, pela pesquisadora, com maior nível de prioridade de atendimento, enquanto o enfermeiro classificador indicou menor nível de prioridade, comparando o preconizado pelo protocolo. Isso talvez se deva ao direcionamento da queixa clínica principal, fato que pode indicar situação de subestimar a prioridade de atendimento, o que demonstra a importância da utilização do protocolo como tecnologia em saúde favorávela determinação de prioridade de atendimento fidedigna e segura para o atendimento de crianças e/ou adolescentes em situação de urgência/emergência.
Para o exercício legal da profissão, o enfermeiro que realiza a classificação de risco deve ter conhecimento aprofundado sobre o que é uma situação de urgência/ emergência e uma situação eletiva, avaliar com habilidade e direcionamento os sinais clínicos eter a tomada de decisão para identificar qual o serviço deverá ser indicado ao atendimento adequado, visando diminuir o viés de subjetividade da procura ao serviço de urgência/emergência.
Como discussão dos resultados, constatou-se a idade como característica sociodemográfica importante, uma vez que se verificou o predomínio de lactentes e pré-escolares. Este dado pode ser comparado a um estudo realizado em urgência pediátrica vinculada a um hospital universitário em Mato Grosso do Sul-Brasil, em que foram atendidos 1.236 pacientes, com prevalênciade 988 (79,9%) de lactentes e pré-escolares. Logo, conota-se que essa faixa-etária pode apresentar-se mais predisposta a enfermidades e requerer maior atenção por parte da equipe de saúde.6
Contudo, em outro estudo, no qual se buscou avaliar 2.153 registros de crianças e adolescentes atendidos em unidade de emergência em Alagoas-Brasil, a faixa-etária mais representativa foi entre 10 e 18 anos, com 931 (43,2%) pacientes.7
Ao considerar as situações de maior urgência (vermelho ou laranja) presentes em unidades de urgência/emergência pediátricas, incluem-se parada cardiorrespiratória, choques, sepse grave, convulsões, dentre outros, os quais necessitam de atendimento imediato com acionamento do sinal sonoro. Circunstâncias em que há concordância com os resultados de outros estudos, os quais, também, apontaram pouca frequência de tais ocorrências nas portas de entradas de serviços pediátricos.6,8
Identificou-se, no presente estudo, que mais da metade das crianças e adolescentes analisados tiveram determinação da prioridade de atendimento classificada como não urgente (verde), o que indica que muitas das unidades de urgência/emergência dos hospitais continuam sendo a porta de entrada do Sistema Único de Saúde, demonstrando, ainda, que pais ou responsáveis pelas crianças e/ou adolescentes, frequentemente, procuram primeiro tais unidades ao invés de se dirigirem para atendimento nas unidades de atenção primária à saúde.6O excedente nas emergências ocorre, também, devido aos usuários considerarem esses setores como acessíveis, pois oferecem maiores recursos, como consultas, exames laboratoriais, remédios, exames de imagem, dentre outros. A procura por esses serviços de forma errônea compromete o andamento das unidades de emergências e isso acontece, principalmente, por falta de orientação da população e pela insuficiente estruturação das redes de atenção básica.9
No que se refere à confiabilidade interobservadores, os resultados corroboram com estudos internacionais que discorrem sobre a avaliação do grau de concordância de enfermeiros utilizadores dos Protocolos de Triagem na determinação da prioridade de atendimento em situações de urgência e emergência, incluindo, ainda, a validade e a confiabilidade dos protocolos em Pediatria, o que demonstra instrumentos que contém informações fidedignas para definir protocolos de cuidados que melhoram e ampliam a prática do enfermeiro.10-14
Osdados são semelhantes a pesquisa15desenvolvida,em que se obteve “quase perfeita” concordância (Kappa = 0,884) entre a queixa de entrada e o diagnóstico médico de saída, sinalizandoque a escala canadense, avaliada nesse estudo, representou novo instrumento a ser utilizado pelos serviços de emergência.
Em outra pesquisa,16 obtiveram-se, também, resultados similares, visto que o grau de concordância pelas quatro enfermeiras observadoras foi de substancial a “quase perfeita” concordância, em que o Kappa variou entre 0,68 e 0,90,oque demonstrou que o instrumento de classificação dos pacientes apresenta confiabilidade para ser utilizado na prática gerencial do enfermeiro como instrumento diagnóstico de categoria de cuidado a que o paciente pertence.
Todavia, é preciso enfatizar sobre a importância da educação formal, continuada e com treinamentos constantes entre profissionais e estudantes na graduação, visando aprendizado e prática do uso dessa tecnologia na prática clínica de enfermagem, para melhorar a performance e a confiabilidade no processo de ACCR em Pediatria, o que tem sido ressaltado, também, por autores nacionais e internacionais.15-17
Isto reflete, também, a relevânciada implantação do acolhimento com classificação de risco, o qual propicia maior acessibilidade aos serviços de emergência, prioriza os casos mais graves, sendo resolutivo quando a situação exige. Promove menor agravo à saúde dos usuários, pois facilita a classificação e a orientação do fluxo de pacientes, pois o mais grave é priorizado em relação ao menos grave. Então, os protocolos de triagem e de classificação de risco promovem melhor reorganização dos serviços de emergências, cujo principal objetivo é garantir os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) de universalidade, resolutividade e humanização do atendimento prestado.8,18,19
Como limitação do estudo, evidenciou-se dificuldade de adesão dos enfermeiros em valorizar e aderir a capacitação sobre o uso do Protocolo de ACCR em Pediatria como tecnologia em saúde. Quanto aoperfil clínico das crianças e adolescentes atendidos na Instituição estudada, não houve caso de emergência com classificação de risco vermelho, como necessidade de atendimento médico imediato e acionamento de sinal sonoro, nos dias e horários de coleta de dados. E a dificuldade de envolvimento dos gestores em saúde com a implementação do processo de ACCR na emergência pediátrica, uma vez que frequentemente havia redução de recursos humanos com apenas um (a) enfermeiro (a) na escala de 12 horas e carênciade material adequado para realização do exame físico das crianças e/ou adolescentes em situação de urgência/emergência.
A presente pesquisa trouxe como implicação para a prática em saúde o Protocolo de ACCR em Pediatria como tecnologia em saúde confiável, vistoque sua utilização pode configurar uma estratégia apropriada e segura, possibilitando ao enfermeiro classificador direcionamento adequado para determinação da prioridade de atendimento de crianças e adolescentes em situações de urgência/emergência pediátrica.
Identificou-se que o Protocolo de Acolhimento com Classificação de Risco em Pediatria, desenvolvido em Fortaleza-Ceará-Brasil, é confiável para classificar a prioridade de atendimento de crianças e adolescentes em situação de urgência/emergência, a partir do grau de sofrimento e risco de complicações e morte, nas filas de espera das emergências pediátricas, contribuindo paratomada de decisão rápida e eficaz, no atendimento desses usuários de saúde. Para confiabilidade interobservadores do Protocolo de ACCR em Pediatria, evidenciou-se equivalência, por meio do grau de concordância de enfermeiros treinados e a pesquisadora, assim como os enfermeiros não treinados e a pesquisadora, durante a avaliação de crianças e/ou adolescentes em situação de urgência/emergência.
Atestou-se, portanto, que o Protocolo estudado é confiável para classificar o risco decrianças e adolescentes para priorizar o atendimento, com qualquer enfermeiro, seja estetreinado ou não acerca do Protocolo de ACCR em Pediatria. Denota-se, portanto, que é possível inferir que o Protocolo se trata de uma tecnologia confiável para determinação da prioridade de atendimento de crianças e/ou adolescentes em situação de urgência/emergência, independente da necessidade do treinamento.