versão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.33 no.2 Rio de Janeiro 2017 Epub 30-Mar-2017
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00197915
La diabetes mellitus tipo 2 se destaca, actualmente, en la composición de los indicadores de los Estudios de Carga Global de Enfermedad. Este estudio estimó la carga de la enfermedad, atribuible a la diabetes mellitus tipo 2 y sus complicaciones crónicas en Brasil, 2008. Se calcularon los años de vida perdidos, ajustados por incapacidad (DALY), años de vida perdidos por muerte prematura (YLL) y los años de vida perdidos, debido a la incapacidad (YLD), estratificados por sexo, franja de edad y región. La diabetes mellitus tipo 2 representó un 5% de la carga de enfermedad en Brasil, posicionándose como la 3ª causa más importante en las mujeres y la 6ª en los hombres en la construcción del DALY. La mayoría del DALY se concentró en la franja de edad entre 30 y 59 años y fue representado mayoritariamente por el YLD. Las mayores tasas de YLL y YLD se concentraron en las regiones del nordeste y sur, respectivamente. Las complicaciones crónicas de la diabetes mellitus tipo 2 representaron un 80% del YLD. El diabetes mellitus tipo 2 representó uno de los principales agravios de salud en Brasil en 2008, contribuyendo con relevantes cuotas de mortalidad y morbilidad.
Palabras-clave: Enfermedad Crónica; Diabetes Mellitus; Años de Vida Perdidos por Incapacidad; Indicadores de Morbimortalidad
As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) representam uma importante causa de morbidade e mortalidade no mundo. Dados provenientes do Estudo de Carga Global de Doença apontam que as DCNT respondiam, em 1990, por 43% dos anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (disability adjusted life years - DALY) e passou a representar 54% em 2010 1. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o impacto humano e socioeconômico das DCNT afeta o progresso das Metas de Desenvolvimento do Milênio e suas consequências são sentidas na maioria dos países, em especial, aqueles de baixa e média renda e em populações vulneráveis 2,3. No Brasil, a epidemia da obesidade é considerada a principal causa do aumento da prevalência das DCNT, o que afeta diretamente as Metas de Desenvolvimento do Milênio4,5.
Dentre as DCNT, o diabetes mellitus tipo 2 é considerado uma epidemia e corresponde por aproximadamente 90% de todos os casos de diabetes 6. Estimativas indicam que no ano de 2010, 285 milhões de indivíduos com mais de 20 anos viviam com diabetes no mundo e, em 2030, esse número pode chegar a 439 milhões 7. Acredita-se, ainda, que aproximadamente 50% dos diabéticos desconhecem que tem a doença 6.
No Brasil, o estudo mais abrangente sobre a prevalência de diabetes mellitus tipo 2 foi realizado em 1988 em nove capitais brasileiras, quando se estimou uma prevalência de 7,4% em adultos com idade entre 30 e 69 anos 8. De acordo com a Federação Internacional de Diabetes, o Brasil ocupa a quarta posição entre os países com o maior número de diabéticos, cerca de 11,9 milhões em 2013 9.
O envelhecimento da população, a crescente prevalência da obesidade e do sedentarismo e os processos de urbanização são considerados os principais fatores relacionados ao aumento da incidência e prevalência do diabetes mellitus tipo 2 em todo o mundo 3,10. Esse cenário tem gerado um alto custo social e financeiro ao paciente e ao sistema de saúde, uma vez que o diabetes mellitus tipo 2 está associado, também, a complicações como insuficiência renal, amputação de membros inferiores, cegueira, doença cardiovascular, entre outras 6.
Essas complicações crônicas do diabetes mellitus tipo 2 acarretam prejuízos à capacidade funcional, autonomia e qualidade de vida dos indivíduos. Quanto à magnitude dos custos envolvidos com a doença no Brasil, resultados apontam que até 15,3% dos custos hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, no período entre 2008 e 2010, foram atribuídos ao diabetes 11. Quanto aos custos de tratamento ambulatorial no SUS, um estudo identificou uma despesa anual de 2.108 dólares americanos por pacientes, dos quais 63,3% foram com gastos diretos e 36,7% foram com gastos indiretos 12.
Em razão da relevância do diabetes mellitus tipo 2 como problema de saúde pública no Brasil e no mundo, bem como seu desdobramento em complicações crônicas de diferentes gravidades, este artigo apresenta os resultados do Estudo de Carga Global de Doença no Brasil, para o ano de 2008, com ênfase no diabetes mellitus tipo 2 e suas complicações, estratificados por sexo, faixa etária e região.
O Estudo de Carga Global de Doença no Brasil foi conduzido pelo Núcleo de Pesquisa em Métodos Aplicados aos Estudos de Carga Global de Doença da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), no período 2010/2013, utilizando 2008 como o ano base para análise dos dados. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP/Fiocruz (CAAE: 0054.0.031.000-11).
O indicador utilizado nos estudos de carga de doença é o DALY, uma medida sumária que visa apreender o efeito da morbidade e da mortalidade no estado de saúde de populações. O DALY é, então, composto pela soma de duas parcelas, uma que diz respeito aos anos de vida perdidos por morte prematura (years of life lost - YLL) e outra que contempla os anos de vida saudáveis perdidos por causa de problemas de saúde ou incapacidade (years lived with disability - YLD) 13. Por sua vez, os agravos/complicações crônicas, são subdivididos em grandes grupos de análise: I - doenças transmissíveis, condições maternas/ perinatais e condições nutricionais; II - doenças não transmissíveis; e III - causas externas.
Para o cálculo do DALY, adotou-se uma taxa de desconto de 3% sobre os benefícios futuros. Na estimativa do YLL, considerou-se o número de óbitos do determinado agravo e a esperança de vida do Japão conforme metodologia de referência proposta por Murray & Lopez 13. Os dados de mortalidade foram obtidos no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do SUS, tendo em vista o valor médio para o período 2007-2009. Foram então selecionados os óbitos cuja causa principal foi codificada, segundo a 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), entre E10 e E14, desagregados por estado, sexo e faixa etária. Realizou-se correção para o sub-regitro de óbitos em cada estado do país, segundo sexo e faixa etária, sendo a correção nacional de 28% para menores de 1 ano e de 13% para maiores de 1 ano. Conforme a metodologia tradicional dos Estudos de Carga Global de Doença, os casos de óbitos oriundos das causas mal definidas, bem como os casos definidos como códigos-lixo, foram redistribuídos proporcionalmente por sexo, faixa etária e causa do óbito em cada estado do país 14.
No caso do YLD, o cálculo foi realizado com os casos incidentes, duração da doença e o peso das incapacidades oriundos do Estudo de Carga Global de Doença de 1990 13. O YLD foi calculado para os casos não complicados de diabetes mellitus tipo 2 e para as complicações crônicas consideradas no Estudo de Carga Global de Doença: retinopatia diabética (RD), cegueira por RD (C-RD), neuropatia diabética (ND), insuficiência renal crônica diabética (IRC-D), pé diabético (PD) e amputações. As definições utilizadas foram aquelas descritas por Lopez et al. 15.
Após a revisão da literatura científica para definição de parâmetros clínico-epidemiológicos sobre o tema diabetes e complicações crônicas relacionadas, foi realizado seminário de consenso com a presença de especialistas em diabetes mellitus tipo 2 e suas complicações, dentre médicos endocrinologistas, oftalmologistas e clínicos, sendo eles selecionados de modo a contemplar a variabilidade de clientela (pública e privada) e a prática em atendimentos ambulatoriais, hospitalares, gestão, ensino e pesquisa. Tal procedimento de seleção se deu com o objetivo de evitar possíveis vieses de seleção e aferição dos parâmetros a serem consensuados. Buscou-se nesse painel de experts que fossem acordados parâmetros a serem incluídos em posterior modelagem no software DisMod II (EpiGear, Noosa, Austrália; http://www.epigear.com/index_files/dismod_ii.html) 16 para a obtenção dos parâmetros finais.
A prevalência de diabetes mellitus tipo 2 foi, então, estimada por meio de uma relação entre a prevalência de diabetes mellitus tipo 2, obtida mediante Estudo Multicêntrico de Prevalência de Diabetes de 1986-1988 8 e o estado nutricional da população segundo a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição de 1989 17 e a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 18. As prevalências de RD e ND utilizadas foram acordadas no consenso de especialistas: 20% dos pacientes portadores de diabetes mellitus tipo 2 apresentam algum tipo de RD (47,7% RD leve, 19,4% moderada e 32,9% severa) e 40% algum grau de ND. Foi utilizado o estudo de Resnikoff et al. 19 para estimar a prevalência de C-RD. A incidência da IRC-D foi estimada utilizando os dados do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA-SUS), compilando as Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade (APAC) do ano de 2008 em que 25,7% dos casos com código CID-10 N18 ou N19 e 41,8% dos casos com diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão arterial foram atribuídos ao diabetes mellitus tipo 2 20. A incidência das amputações foi estimada com uso dos dados do Sistema de Internações Hospitalares do SUS (SIH-SUS) pela compilação das Autorizações de Internações Hospitalares (AIH). A média dos anos de 2008 a 2010 foi utilizada, e 50% do total das amputações não traumáticas foram atribuídas ao diabetes mellitus tipo 2 21. Posteriormente, essa incidência foi corrigida tendo como meta o percentual da população que possui planos de saúde privados em relação ao percentual que não possui, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde (ANS) 22 (fator de correção: 1,27 Brasil; 1,10 Norte e Nordeste; 1,50 Sudeste; 1,26 Sul e 1,16 Centro-oeste). A incidência de pé diabético foi estimada com base na incidência de amputação 23.
Assumiu-se remissão zero para os casos não complicados de diabetes mellitus tipo 2, RD, C-RD, ND e amputação e remissão de 9,5% para IRC-D, considerando os casos de transplantes registrados em 2008 nas APAC. Utilizou-se um risco relativo (RR) de mortalidade para diabetes mellitus tipo 2 de 2,0 entre 30 e 69 anos e de 1,0 até 29 anos e a partir de 70 anos; para RD, C-RD e ND, utilizou-se um RR de 1,0 até 29 anos e de 2,0 a partir dos 30 anos, parâmetros acordados no consenso de especialistas. Os RR para a amputação foram gerados por uma relação entre o RR médio dos casos não complicados de diabetes mellitus 24 e os RR descritos por Begg et al. 23. Calculou-se a letalidade para IRC-D através do número de óbitos registrados em 2008 nas APAC.
Utilizou-se o programa DisMod II a fim de estimar parâmetros não disponíveis na literatura e testar a consistência interna dos parâmetros disponíveis. Após a modelagem, foram atribuídos valores zero até 29 anos de idade para as incidências dos casos não complicados de diabetes mellitus tipo 2 e suas complicações crônicas. A modelagem dos dados foi realizada utilizando como variáveis de entrada no programa a prevalência (diabetes mellitus tipo 2, RD, C-RD e ND) ou a incidência (IRC-D e amputação) das doenças, a remissão, a mortalidade (somente para diabetes mellitus tipo 2), a letalidade (somente para IRC-D) e o RR (diabetes mellitus tipo 2, RD, C-RD, ND e amputação). Para o PD, a modelagem não foi necessária, pois utilizou-se a incidência estimada com base nas amputações (razão 1:10) e duração de 2 meses para o agravo 23.
Para os casos não complicados de diabetes mellitus tipo 2, C-RD, ND, PD, amputação e IRC-D, foram usados os pesos para incapacidades descritos por Murray & Lopez 13. Para diabetes mellitus tipo 2, C-RD, ND e PD, os pesos foram ponderados pela proporção de tratamento de cada agravo (50%, 0%, 40%, 40% e 0%, respectivamente), acordada no consenso de especialistas. Para a RD, utilizou-se a média do peso descrito por Stouthard et al. 25 ponderada pela prevalência dos tipos de RD.
A metodologia utilizada para obtenção dos parâmetros clínico-epidemiológicos encontra-se na Tabela 1.
A análise dos dados foi realizada com auxílio do programa SPSS versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos), e as suas estimativas foram calculadas para o Brasil e suas macrorregiões, estratificadas por sexo e faixa etária.
Tabela 1: Parâmetros utilizados para a estimação do número de anos perdidos ajustados por incapacidade para os casos de diabetes mellitus tipo 2 e suas complicações crônicas. Brasil, 2008.
AIH: Autorização de Internação Hospitalar; APAC: Autorização de Procedimento de Alta Complexidade; C-RD: cegueira por retinopatia diabética; CID-10: 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças; EMPD: Estudo Multicêntrico de Prevalência de Diabetes; IRC-D: insuficiência renal crônica diabética; ND: neuropatia diabética; PD: pé diabético; PNSN: Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição; POF: Pesquisa de Orçamentos Familiares; RD: retinopatia diabética; RFG: ritmo de filtração glomerular; RR: risco relativo; SIA: Sistema de Informação Ambulatorial; SIH: Sistema de Informação Hospitalar; SUS: Sistema Único de Saúde.
* Censo Demográfico de 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. http://www.ibge.gov.br);
** Consenso de especialistas;
*** Parâmetro não utilizado;
# Média calculada considerando os pesos para os casos tratados e não tratados 13 e respectivo percentual de tratamento da doença/sequela.
Foram apresentadas na Tabela 1 as incidências por 100 mil habitantes dos casos de diabetes mellitus tipo 2 e suas complicações crônicas para homens e mulheres no Brasil, após modelagem no software DisMod II. No geral, não se encontraram diferenças relevantes entre as incidências de homens e mulheres, sendo ligeiramente maior nos homens e mais expressiva para amputação e PD. As complicações crônicas com maior incidência foram a ND e o PD.
A Tabela 2 apresenta o YLL, YLD e DALY para todas as causas, doenças e agravos não transmissíveis (Grupo II) e em específico para o diabetes mellitus tipo 2 no Brasil e regiões. Observou-se uma taxa de 195 DALY por mil habitantes no país em 2008. O Grupo II das DCNT respondeu por aproximadamente 77% da carga de doença no referido ano, variando de 71,5% na Região Norte a 79,5% na Região Sudeste. Alta participação do Grupo II no YLL e YLD também foi observada: 65,3% e 89%, respectivamente.
Tabela 2: Número absoluto, taxa e proporção de anos de vida perdidos (YLL), anos de vida vividos com incapacidade (YLD) e anos perdidos ajustados por incapacidade (DALY) para todas as causas, para doenças e agravos não transmissíveis (Grupo II) e para o diabetes mellitus tipo 2. Brasil e macrorregiões, 2008.
Nota: grandes grupos de análise: Grupo I - doenças transmissíveis, condições maternas/perinatais e condições nutricionais; Grupo II - doenças não transmissíveis; e, Grupo III - causas externas.
O diabetes mellitus tipo 2, por sua vez, representou quase 5% da carga de doença no Brasil, com taxa de DALY de 9,2 por mil habitantes. Dentre os agravos não transmissíveis (Grupo II), a participação do diabetes mellitus tipo 2 foi mais expressiva: 6,1% no Brasil (Tabela 2).
O maior componente da carga de diabetes mellitus tipo 2 foi o de morbidade (53,2%), com 930.478 YLD. A participação do diabetes mellitus tipo 2 no total de YLD para o Grupo II foi mais expressiva nas regiões Sul e Sudeste, com valores de 7,1% e 6%, respectivamente, quando comparado à média nacional de 5,6%. Quanto à participação do diabetes mellitus tipo 2 dentre o total de YLL para o Brasil, constatou-se percentual de 4,5% (816.716 YLL), alcançando 5,4% na Região Nordeste do país. Especificamente dentro do Grupo II, a participação do diabetes mellitus cresce para 6,9%, com destaque nas regiões Nordeste e Norte, com 8,3% e 7%, respectivamente (Tabela 2).
Na Figura 1, é possível verificar o posicionamento do DALY de diabetes mellitus tipo 2 frente aos outros agravos estudados por faixa etária e sexo. Percebe-se que o diabetes mellitus tipo 2 coloca-se, em todos os grupos etários (a partir dos 30 anos) e em ambos os sexos, entre os cinco agravos mais importantes para a carga de doença no país. O diabetes mellitus tipo 2 ocupa, entre os homens, a 2ª posição para aqueles com idade até 59 anos, caindo para a 5ª posição a partir dos 60 anos. Já entre as mulheres, observa-se que o diabetes mellitus tipo 2 encontra-se nas 2ª e 3ª posições nas faixas etárias de "30 a 44" e "45 a 69 anos", respectivamente, caindo para 4ª posição aos "70 anos e mais".
Figura 1: Ranqueamento de anos perdidos ajustados por incapacidade (DALY) de diabetes mellitus tipo 2 segundo faixa etária e sexo. Brasil, 2008.
Uma maior proporção de DALY de diabetes mellitus tipo 2 foi encontrada em indivíduos com idade entre 30 e 59 anos (59,7%). No que diz respeito ao sexo, os homens respondem por uma fração levemente superior do DALY até os 59 anos de idade, quando comparados às mulheres. A partir de então, uma maior parcela é encontrada no sexo feminino nas faixas etárias de "60 a 69 anos" e "mais de 70 anos": 55,5% e 63,2%, respectivamente. Quanto à distribuição do YLD e YLL na composição do DALY de diabetes mellitus tipo 2 segundo faixa etária, observa-se, até os 59 anos, uma maior proporção do DALY atribuída à morbidade, em especial na faixa etária de 30 a 44 anos, com 86,8% de YLD. Após os 60 anos, vê-se inversão desse perfil, com a maior participação do componente de mortalidade, especialmente para a o último grupo etário ("70 anos e mais"), no qual se encontram 82,1% de YLL. Ou seja, observa-se um importante gradiente de aumento da participação da mortalidade por diabetes mellitus tipo 2 conforme o avançar da idade (Figura 2).
Figura 2: Distribuição de anos perdidos ajustados por incapacidade (DALY) de diabetes mellitus tipo 2 por sexo e por anos de vida perdidos (YLL) e anos de vida vividos com incapacidade (YLD) segundo faixa etária. Brasil, 2008.
No tocante à composição do diabetes mellitus tipo 2 quanto às suas complicações crônicas, a carga de morbidade (YLD) foi representada, em especial, pela RD (42,4%), pela ND (27,7%) e casos não complicados de diabetes mellitus tipo 2 (20,9%). Quanto à variação regional no que tange ao YLD, verifica-se uma concentração na Região Sudeste. A proporção de YLD de acordo com as regiões para o diabetes mellitus tipo 2 como um todo (casos e complicações crônicas) foi de 47,3% no Sudeste e 6,1% no Norte (Tabela 3).
Tabela 3: Distribuição das taxas e proporcional do anos de vida vividos com incapacidade (YLD) dos casos de diabetes mellitus tipo 2 e suas complicações crônicas, por regiões. Brasil, 2008.
C-RD: cegueira por retinopatia diabética; IRC-D: insuficiência renal crônica diabética; ND: neuropatia diabética; PD: pé diabético; RD: retinopatia diabética.
Este estudo apresentou a importância das DCNT e do diabetes mellitus tipo 2 no cenário epidemiológico brasileiro. De acordo com os principais resultados, a participação do diabetes mellitus tipo 2 foi a mais expressiva dentre as DCNT, chegando a ocupar a 2ª posição no ranking do DALY. A contribuição do YLL aumenta conforme o avançar da idade, particularmente na Região Nordeste, e o YLD é formado majoritariamente por complicações crônicas, concentrando-se em regiões mais desenvolvidas e urbanizadas do país.
O número total de DALY estimado representou uma redução de aproximadamente 1,5% comparada ao Estudo de Carga Global de Doença no Brasil de 1998, fato condizente com os resultados do recente Estudo de Carga Global de Doença mundial de 2010 1, bem como se viu similar resultado no respeitante à participação do diabetes mellitus tipo 2 no total de DALY, que permaneceu em torno de 5% nos últimos 10 anos no Brasil. Porém, a participação do diabetes mellitus tipo 2 no total de DALY do Grupo II aumentou comparado à participação no Estudo de Carga Global de Doença no Brasil de 1998, de 66,3% para 77,2%.
A contribuição do YLD no total de DALY por diabetes mellitus tipo 2 manteve-se maior nos últimos 10 anos comparada à participação do YLL, resultados que podem ser explicados pelo aumento na prevalência e manutenção da taxa de mortalidade por diabetes mellitus tipo 2 no Brasil 6,26. Segundo o estudo de Newton et al. 27, que analisou a carga de doença na Inglaterra, houve uma redução importante da carga de mortalidade por diabetes no período de 1990 (17ª posição), 2005 (27ª posição) e 2013 (não constando entre as primeiras 31 posições).
Somente a Região Nordeste apresentou um perfil de diabetes mellitus tipo 2 com maior proporção de YLL comparada ao YLD no DALY. Esse resultado pode estar representando uma menor taxa de diagnóstico precoce devido às dificuldades no acesso aos serviços de saúde, bem como barreiras no acesso ao tratamento continuado, aumentando a parcela de mortalidade no diabetes mellitus tipo 2. Além disso, questões da educação em saúde, tanto da população com diabetes mellitus tipo 2, como dos profissionais de saúde, e a adesão ao tratamento de uma condição crônica são aspectos relevantes que devem ser considerados.
O interior do país e regiões menos desenvolvidas economicamente têm enfrentado dificuldades para a implementação do SUS desde a sua regulamentação. Em razão do pequeno porte populacional da maioria dessas localidades, há escassez de recursos humanos e financeiros e inadequação de estrutura física, por exemplo 28. Mendes et al. 29 apresentaram resultados de uma pesquisa realizada em uma capital da Região Nordeste do Brasil que evidenciou grande insatisfação, por parte de usuários e profissionais de saúde do SUS, pela dificuldade em obter medicamentos, realizar os exames e possuir acesso à referência especializada, além do alto tempo de espera nas unidades de atenção primária à saúde.
O diabetes mellitus tipo 2 no presente estudo ficou entre as dez causas mais importantes na construção do DALY (3ª posição em mulheres e 6ª em homens), similar à 8ª posição para a América Latina Tropical estimada no Estudo de Carga Global de Doença mundial 1. Esse fato mostra a relevância do diabetes mellitus tipo 2 no Brasil, sobretudo por causa do aumento nas taxas de prevalência dos fatores de risco, como obesidade e sedentarismo 5,18,30. A carga estimada foi maior em populações jovens, alcançando a 2ª posição entre aqueles de 30 a 44 anos, comparada aos idosos, para os quais a carga das doenças cardíacas e demências ocupam as primeiras posições. Ainda com relação à faixa etária, a parcela do YLL teve uma maior participação no DALY do diabetes mellitus tipo 2 nos idosos por conta da maior taxa de mortalidade nessa população 10.
A contribuição dos casos não complicados de diabetes mellitus tipo 2 na parcela do YLD é somente de 20,9%, o que reflete a atual situação do Brasil no que diz respeito à detecção precoce e tratamento dos casos, de modo a promover a prevenção das complicações crônicas. Segundo Guidoni et al. 31, a Estratégia Saúde da Família, principal mecanismo do SUS para a atenção primária em saúde atualmente, não atende integralmente as medidas preventivas e de promoção da saúde previstas para o diabetes mellitus tipo 2, gerando inadequações que se refletem nos altos gastos em procedimentos de alta complexidade para os diabéticos. Avaliando o perfil dos pacientes com diabetes mellitus tipo 2 que se internam no SUS, Artilheiro et al. 32 apresentaram que a maioria relata tratamento para hipertensão arterial sistêmica ou ser portador de alguma comorbidade associada ao diabetes mellitus tipo 2, como ND, RD e doença vascular periférica. Adicionalmente, 24% desses pacientes não realizaram consulta na unidade básica de saúde nos últimos 12 meses por motivo de ausência de vaga, e 54% não realizaram consulta com endocrinologista nos últimos três anos por falta de encaminhamento.
Como exemplo para o impacto das complicações crônicas de diabetes mellitus tipo 2 na saúde dos pacientes, podemos destacar a RD e a C-RD, que juntas correspondem a aproximadamente 45% de todo o YLD devido ao diabetes mellitus tipo 2, percentual nove vezes maior quando comparado às estimativas do Estudo de Carga Global de Doença mundial. A RD é considerada a principal causa de cegueira em indivíduos entre 20 e 74 anos; estima-se que 38% dos indivíduos com diabetes mellitus tipo 2 apresentem algum grau de RD à época do diagnóstico 10.
No que tange ao PD e às amputações, segundo Rezende et al. 33, aproximadamente 30% dos casos anuais de PD no Brasil necessitam de internação hospitalar e perto de 48% dos custos dessas internações são relativos às amputações realizadas. Há um número expressivo de amputações maiores, o que reflete, de acordo com os mesmos autores, falhas no tratamento do PD no país. A situação torna-se mais delicada pelo fato de a principal causa para o surgimento das úlceras ser a ND, detectada muitas vezes desde o momento do diagnóstico do diabetes mellitus tipo 2 10.
Acerca da IRC-D, segundo Cherchiglia et al. 34, 20% dos pacientes que iniciaram diálise no ano 2000, no SUS, apresentavam diabetes como causa da IRC. Os pacientes foram acompanhados por quatro anos, e a média de gasto anual para cada paciente variou entre, aproximadamente, R$ 27.000,00 e R$ 35.000,00.
Independentemente do tipo de complicação crônica, é condizente afirmar que os maiores obstáculos para que a contribuição delas diminua em relação ao total de YLD no diabetes mellitus tipo 2 estão relacionados ao diagnóstico precoce eficaz e tratamento eficiente da doença, ambos ainda muito precários na atenção primária no Brasil. Vale ressaltar que sendo o diabetes mellitus tipo 2 doença de difícil manejo, seu prognóstico depende em grande parte de mudanças no estilo de vida, associadas ao acesso a medicamentos, bem como adesão ao tratamento. Segundo Alfradique et al. 35, o diabetes mellitus tipo 2 é uma condição de saúde sensível à atenção primária, ou seja, a taxa de internação hospitalar pode diminuir com ações efetivas nesse nível de atenção. Medidas preventivas e curativas relativamente simples podem ser desenvolvidas para diagnosticar e acompanhar os indivíduos diabéticos e consequentemente evitar o aparecimento ou retardar a progressão das complicações crônicas 10,30,32,36,37.
Este estudo apresenta duas limitações que são comuns a todos os estudos sobre carga global de doença no mundo: (i) escassez de estudos que estimam as taxas de prevalência e incidência do diabetes mellitus e suas complicações crônicas com representatividade nacional, bem como estimem a duração e proporção de tratamento realizado; e (ii) o sub-regitro e a classificação correta dos óbitos. Além disso, outra limitação inerente ao método tradicional dos Estudos de Carga Global de Doença refere-se à exaustividade da lista de complicações a serem investigadas, evidenciando-se a ausência das complicações agudas nela, particularmente a hipoglicemia e a hiperglicemia, uma vez que tais complicações têm frequência relevante nos pacientes com nefropatia diabética, resultando em visitas a unidades de emergência ou mesmo hospitalizações.
No Brasil, o último estudo multicêntrico que avaliou a prevalência de diabetes mellitus tipo 2 na população com uso de testes diagnósticos ocorreu entre 1986 e 1988. O presente estudo ajustou essa estimativa de acordo com a prevalência de indivíduos com excesso de peso e obesos na população brasileira, resultando em uma taxa de 9,7% para adultos com idade igual ou superior a 30 anos (10,3% em homens e 9,1% em mulheres). Com relação aos óbitos, tendo em tela as dificuldades encontradas para classificar corretamente a parcela dos óbitos por infarto agudo do miocárdio atribuída ao diabetes mellitus tipo 2, neste trabalho a carga dos óbitos por infarto agudo do miocárdio ainda foi computada no grupo das doenças cardíacas isquêmicas e não como uma morbidade associada ao diabetes mellitus tipo 2.
Os resultados aqui apresentados corroboram a elevada importância do diabetes mellitus tipo 2 no cenário brasileiro e mundial nas últimas décadas. A taxa de YLD por mil habitantes é mais da metade da taxa de todo o grupo correspondente às doenças infecciosas e parasitárias, causas maternas, perinatais e deficiências nutricionais. Os achados, portanto, geram implicações no planejamento das ações no sistema de saúde brasileiro. Nesse sentido, sendo o diabetes mellitus uma condição sensível à atenção primária, é esperado que um fortalecimento dessa atenção, contemplando a aplicação de medidas preventivas e curativas relativamente simples, impacte positivamente no diagnóstico e acompanhamento dos indivíduos diabéticos e consequentemente promova a prevenção do diabetes mellitus e do surgimento ou retardo das complicações crônicas, contribuindo para a melhoria da assistência e cuidado de qualidade a esses pacientes.