versão impressa ISSN 1413-8123
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.4 Rio de Janeiro abr. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015204.00372014
O impacto de fatores de risco ambiental nos estudos de carga global de doença vem sendo mensurado para diversas regiões do Planeta desde 19901, com atualizações e avanços metodológicos disponíveis para o ano de 20012, 20043, e, mais recentemente para o ano de 20104.
Estima-se que 33% da carga global de doença (DALY) são atribuíveis a fatores ambientais5. Apesar de sua relevância há uma escassez de estudos sobre esse tema5 , 6. Um fator ambiental com grande impacto sobre a saúde das populações é aquele relativo ao acesso às redes de abastecimento de água e esgoto adequados, fator incluído entre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), no qual foi estabelecido que, entre 1990 e 2015, a proporção de pessoas sem acesso à água potável e ao saneamento básico deveria ser reduzida em 50%7 , 8.
Segundo levantamento feito pela OMS, investimentos na melhoria do abastecimento de água, saneamento e higiene em todos os países poderiam prevenir uma série de agravos, com destaque para a diarreia, impactando em aproximadamente 9,1% da carga global de doença e 6,3% do total de mortes, principalmente entre as crianças com até 5 anos de idade9.
A diarreia é considerada um problema de saúde pública, já que tem uma ocorrência universal e atinge pessoas de todas as idades e classes sociais10. É considerada uma das principais causas de morbimortalidade em países em desenvolvimento11 , 12, especialmente entre crianças menores de cinco anos13 - 17 que vivem em locais onde as condições sanitárias são desfavoráveis18 , 19.
Refletindo essa desigualdade, as doenças diarreicas foram responsáveis por 4,8% da carga de doença no mundo, e 7,2% nos países em desenvolvimento. No Brasil, segundo relatório do Unicef e WHO20, a proporção da população com acesso a melhorias no saneamento aumentou de 68% para 79% entre 1990 e 2010. Os avanços também foram observados em relação à utilização da água para beber: 89% e 98%. Apesar dessa expansão, ainda se observam desigualdades relacionadas à cobertura desses serviços entre regiões e grupos sociais do país, o que possivelmente explicaria a importância das doenças diarreicas no cenário brasileiro.
Estudo sobre a Carga de Doença do Estado de Minas Gerais, para 200521, mostrou que a desigualdade social desempenha um papel importante no estado, na medida em que maiores taxas padronizadas de DALY foram observadas nas macrorregiões mais pobres do estado: Jequitinhonha, Norte de Minas e Nordeste. Neste contexto, o presente estudo tem por objetivo mensurar o impacto do sistema de abastecimento de água e saneamento sobre as doenças diarreicas entre crianças menores de cinco anos, no estado de Minas Gerais e suas 13 macrorregiões, em 2005.
As informações sobre a carga de doença devido à diarreia para o estado de Minas Gerais e suas 13 macrorregiões de saúde foram obtidas do estudo realizado por Leite et al.21 tendo como referência o ano de 2005. Estudos de carga de doença utilizam o DALY (disability-adjusted life years - anos de vida perdidos ajustados por incapacidade) para mensurar o estado de saúde de populações1 , 22. O DALY é um indicador sintético que mede simultaneamente o impacto da mortalidade e morbidade. Assim, o DALY é calculado como a soma de dois componentes: o YLL (years of life lost - anos de vida perdidos devido à morte prematura) e o YLD (years of life lost due to disability - anos de vida perdidos devido à incapacidade). No estudo de carga de doença de Minas Gerais, o DALY foi calculado por sexo, faixa etária para mais de 100 doenças/agravos, incluindo a diarreia.
A carga da diarreia atribuível ao sistema de abastecimento de água e saneamento foi calculada com base na fração populacional atribuível (FPA), que tem sido amplamente utilizada em estudos epidemiológicos, objetivando medir o quanto da carga de uma doença poderia ser evitada, caso algum fator de exposição ao risco de ocorrência de uma determinada doença pudesse ser hipoteticamente eliminado. A FPA é definida como a quantidade ou a proporção da carga de doença, na população, atribuída a um determinado fator de exposição: onde: pi é a prevalência da i-ésima categoria de exposição do fator de risco, e RRi é o seu respectivo risco relativo calculado em relação à categoria de exposição de referência.
Informações sobre a prevalência de exposição às categorias do sistema de abastecimento de água e saneamento, representativa para as macrorregiões de saúde do estado de Minas Gerais, encontram-se disponíveis nos censos de 2000 e 201023 , 24.
O Programa de Monitoramento Conjunto (PMC), estrutura oficial das Nações Unidas responsável pelo desenvolvimento de indicadores que visem o monitoramento do acesso populacional ao abastecimento de água e saneamento para o Mundo e regiões25, definiu um conjunto de critérios para a classificação de adequabilidade tanto do sistema de saneamento básico quanto do sistema de abastecimento de água (Tabela 1).
Tabela 1. Critérios de adequabilidade dos sistemas de saneamento e abastecimento de água definidos pelo PMC.
Abastecimento de água | Saneamento* | |
---|---|---|
Adequado | Água encanada em lote de habitação ou quintal | Escoamento para: |
Sistema de esgoto canalizado | ||
Torneira pública/fontanários | Fossa séptica | |
Poço de tubo | Latrina | |
Poço escavado protegido | Latrina melhorada ventilada | |
Manancial protegido | Latrina com laje | |
Coletor de água de chuva | Banheiro de compostagem | |
Inadequado | Poço escavado desprotegido | Escoamento para qualquer lugar** |
Latrina sem laje ou aberta | ||
Manancial desprotegido | Balde | |
Carro com pequeno tanque/tambor | Banheiro ou latrina pendurada | |
Agua engarrafada*** | Sem instalações ou mato ou campo | |
Caminhão tanque | ||
Água de superfície (rios, canais, etc.) |
Observou-se que não era possível empregar todos os critérios estabelecidos pelo PMC para abastecimento de água e saneamento no Brasil. Essas definições possuem um nível de detalhamento não incorporado em nenhum dos dois censos, fazendo-se necessária a compatibilização das informações.
Os cenários existentes baseados nas adaptações das definições para abastecimento de água e esgotamento sanitário, segundo informações disponíveis nos Censos 2000, 2010 e PMC foram os seguintes:
Abastecimento de água adequado: domicílio ou terreno ligado a: 1) rede geral de água; 2) poço ou nascente no terreno ou na propriedade; 3) sistema de armazenamento de água da chuva em cisterna.
Abastecimento de água inadequado: domicílio ou terreno cujo abastecimento de água ocorre de outra forma que não citada anteriormente.
Esgotamento sanitário adequado: domicílio com banheiro ou sanitário ligado a: 1) rede geral de esgoto ou pluvial; 2) fossa séptica.
Esgotamento sanitário inadequado: 1) domicílio com banheiro ou sanitário ligado a outra forma que não citada anteriormente; 2) domicílio sem banheiro ou sanitário.
As categorias da variável esgotamento sanitário, empregadas na definição do critério de adequação proposto pelo PMC, estavam disponíveis nos censos 2000 e 2010 e, dessa forma, as prevalências de exposição referentes ao esgotamento sanitário foram calculadas diretamente.
No caso do sistema de abastecimento de água, no entanto, as categorias eram diferentes sendo necessário um pequeno ajuste. No Censo 2000, o abastecimento de água foi mensurado apenas com a presença de rede geral, poço ou nascente no domicílio. No entanto, segundo a definição do PMC, o abastecimento de água adequado deveria incluir a presença de cisterna como forma de armazenamento da água da chuva. Como esta categoria de resposta estava presente apenas no censo 2010, aplicou-se este percentual na categoria de resposta "outra" da variável de abastecimento de água do censo 2000, obtendo-se com isso o número de residentes em domicílios particulares permanentes que apresentavam cisterna em 2000.
Após a compatibilização das informações sobre esgotamento sanitário e sistema de abastecimento de água dos censos 2000 e 2010, as prevalências para cada uma das quatro categorias de exposição ao fator de risco, para o estado de Minas Gerais e suas 13 macrorregiões de saúde, foram estimadas para o ano de 2005 com base na taxa geométrica de crescimento populacional do período intercensitário.
Os riscos relativos utilizados foram obtidos do estudo realizado Pruss et al.14, no qual a carga de doença associada a água, saneamento e higiene inadequados foi estimada para o mundo e regiões geográficas. Neste estudo são apresentados cenários de exposição da população e seus respectivos riscos relativos segundo dois critérios: mínimo e realístico. O critério mínimo apresenta estimativas de risco mais conservadoras e leva em consideração apenas a higiene pessoal. Já o critério realístico leva em consideração, além da higiene, a qualidade do suprimento de água (através da melhoria da água para beber em pontos de utilização).
Os riscos relativos utilizados para cálculo da FPA apresentados tomaram como base um cenário ideal, onde não há transmissão de doenças diarreicas através da água, saneamento e higiene inadequados14. Os riscos relativos foram os seguintes: situação ideal (RR = 1); Presença de água e saneamento (RR = 4,5); Ausência de água e presença de saneamento (RR = 6,9); Presença de água e ausência de saneamento (RR = 8,7) e Ausência de água e saneamento (RR = 11,0).
As frações atribuíveis foram calculadas com base na existência de três cenários: No primeiro, mensurou-se o impacto das quatro categorias de exposição. No segundo, assumiu-se que todos os domicílios teriam disponibilidade de água adequada. Por último, todos os domicílios teriam água e saneamento adequados.
As FPA foram então aplicadas no total de DALY por diarreia no Estado de Minas Gerais e macrorregiões, no ano de 2005. Com isso, obteve-se o total de DALY por diarreia atribuível ao sistema de abastecimento de água e saneamento.
A Tabela 2 apresenta as prevalências de crianças menores de cinco anos segundo critério de adequabilidade do abastecimento de água e esgotamento sanitário. As maiores prevalências de inadequação simultânea nos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário foram encontradas nas macrorregiões Jequitinhonha (13,6%), Norte de Minas (13,4%) e Nordeste (11,6%). Estas mesmas regiões apresentaram as menores prevalências de adequação simultânea aos dois sistemas.
Tabela 2. Prevalência de crianças menores de cinco anos residentes em domicílios particulares permanentes segundo a adequabilidade do abastecimento de água e do esgotamento sanitário. Minas Gerais e macrorregiões, 2005.
Água adequada | |||||
---|---|---|---|---|---|
Região | Não | Sim | |||
Saneamento adequado | |||||
Não | Sim | Não | Sim | ||
Minas Gerais | 4,0 | 0,6 | 26,0 | 69,4 | |
Jequitinhonha | 13,6 | 0,4 | 47,3 | 38,7 | |
Norte de Minas | 13,4 | 0,5 | 57,2 | 28,8 | |
Nordeste | 11,6 | 0,9 | 46,4 | 41,0 | |
Leste do Sul | 4,3 | 0,8 | 37,3 | 57,6 | |
Noroeste | 3,9 | 0,3 | 32,7 | 63,0 | |
Centro Sul | 3,6 | 0,7 | 25,7 | 70,0 | |
Leste | 3,0 | 0,9 | 26,2 | 69,9 | |
Sul | 2,7 | 0,7 | 16,9 | 79,6 | |
Sudeste | 2,2 | 1,0 | 19,8 | 77,1 | |
Centro | 1,8 | 0,4 | 20,8 | 77,0 | |
Oeste | 1,1 | 0,4 | 18,2 | 80,3 | |
Triângulo do Sul | 0,9 | 0,3 | 11,4 | 87,4 | |
Triângulo do Norte | 0,9 | 0,2 | 11,0 | 87,8 |
Fonte: IBGE, Censo Demográfico2000/201023,24.
Na Tabela 3 são apresentadas as taxas e razões de taxas de DALY por diarreia entre os menores de 5 anos, segundo: sexo, faixa etárias (< 1 ano, 1 a 4 anos) e macrorregiões do Estado de Minas Gerais.
Tabela 3. Taxas e razões de taxas de DALY (todas as causas e diarreia) para menores de cinco anos, segundo macrorregiões de saúde e faixa etária. Minas Gerais 2005.
Todas as causas | Diarreias | ||||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Macrorregião | Taxa DALY (1000) | Razão de taxas* | Taxa DALY (1000) | Razão de taxas* | |||||||||||
Total | < 1 | 1-4 | Total | < 1 | 1-4 | Total | < 1 | 1-4 | Total | < 1 | 1-4 | ||||
Minas Gerais | 163 | 658 | 44 | 100 | 100 | 100 | 6 | 15 | 4 | 100 | 100 | 100 | |||
Nordeste | 388 | 1.679 | 73 | 238 | 255 | 168 | 24 | 79 | 11 | 381 | 524 | 255 | |||
Norte de Minas | 208 | 853 | 53 | 127 | 130 | 122 | 14 | 30 | 10 | 223 | 200 | 243 | |||
Jequitinhonha | 232 | 990 | 55 | 142 | 151 | 126 | 11 | 25 | 7 | 166 | 167 | 169 | |||
Leste do Sul | 167 | 645 | 48 | 102 | 98 | 109 | 8 | 19 | 5 | 121 | 125 | 116 | |||
Noroeste | 145 | 574 | 42 | 89 | 87 | 97 | 7 | 17 | 4 | 105 | 114 | 98 | |||
Leste | 176 | 709 | 47 | 108 | 108 | 109 | 6 | 15 | 4 | 98 | 96 | 99 | |||
Sudeste | 162 | 675 | 39 | 100 | 103 | 90 | 6 | 15 | 3 | 89 | 99 | 81 | |||
Centro-Sul | 168 | 704 | 42 | 103 | 107 | 96 | 5 | 13 | 3 | 79 | 83 | 77 | |||
Oeste | 140 | 567 | 38 | 86 | 86 | 87 | 4 | 7 | 3 | 63 | 48 | 76 | |||
Triângulo do Sul | 141 | 559 | 41 | 87 | 85 | 93 | 4 | 8 | 3 | 62 | 54 | 68 | |||
Centro | 135 | 521 | 40 | 83 | 79 | 92 | 4 | 7 | 3 | 55 | 47 | 61 | |||
Sul | 128 | 512 | 36 | 78 | 78 | 83 | 4 | 6 | 3 | 55 | 38 | 70 |
Fonte: Núcleo de estudo e métodos aplicados ao estudo de Carga de Doença - ENSP/Fiocruz.
As taxas do total de DALY foram mais elevadas nas macrorregiões Nordeste, Jequitinhonha e Norte de Minas, com taxas de DALY, aproximadamente, 138%, 42% e 27% maior do que a taxa do Estado de Minas Gerais, respectivamente. Essas macrorregiões também apresentaram as maiores taxas de DALY por diarreia, contudo, a macrorregião do Norte de Minas ocupou a segunda posição, com uma taxa de DALY por diarreia em torno 14,1 por 1000 crianças, cerca de 123% maior do que a média do Estado como um todo. Embora as taxas de DALY total e por diarreia tenham sido mais elevadas entre os menores de 1 ano, o padrão regional foi semelhante. É importante destacar que as macrorregiões Nordeste, Jequitinhonha e Norte de Minas são as áreas economicamente mais desfavorecidas do Estado.
Com relação às frações populacionais atribuí veis (Tabela 4), calculadas com base nas quatro categorias de exposição, verificaram-se valores superiores a 80% em todas as macrorregiões do estado de Minas Gerais. As maiores frações populacionais atribuíveis foram observadas nas três macrorregiões mais vulneráveis do estado: Norte de Minas, Jequitinhonha e Nordeste.
Tabela 4. Frações atribuíveis (%) e taxas de DALY por diarreia entre menores de 5 anos atribuíveis ao sistema de água e saneamento segundo macrorregiões. Minas Gerais, 2005.
Taxa de DALY | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|
Macrorregião | Água para todos** | Saneamento para todos *** | por diarreia | |||
FA* | Proporção | Variação % | Proporção | Variação % | (por 1000 hab.) | |
Minas Gerais | 83,0 | 82,6 | 99,5 | 78,3 | 94,7 | 5,2 |
Norte de Minas | 87,2 | 86,6 | 99,3 | 79,3 | 91,5 | 12,3 |
Jequitinhonha | 86,5 | 85,8 | 99,1 | 79,3 | 92,4 | 9,1 |
Nordeste | 86,2 | 85,6 | 99,3 | 79,2 | 92,5 | 20,8 |
Leste do Sul | 84,3 | 84,0 | 99,6 | 78,4 | 93,3 | 6,5 |
Noroeste | 83,7 | 83,4 | 99,6 | 78,3 | 93,8 | 5,6 |
Centro Sul | 82,9 | 82,6 | 99,6 | 78,3 | 94,7 | 4,2 |
Leste | 82,8 | 82,5 | 99,6 | 78,2 | 94,7 | 5,1 |
Centro | 81,8 | 81,6 | 99,7 | 78,0 | 95,5 | 2,8 |
Sudeste | 81,8 | 81,6 | 99,7 | 78,1 | 95,7 | 4,6 |
Sul | 81,5 | 81,2 | 99,6 | 78,2 | 96,3 | 2,8 |
Oeste | 81,3 | 81,2 | 99,8 | 78,0 | 96,0 | 3,2 |
Triângulo do Sul | 80,2 | 80,1 | 99,8 | 77,9 | 97,2 | 3,1 |
Triângulo do norte | 80,1 | 80,0 | 99,8 | 77,9 | 97,3 | 2,2 |
Fonte: Núcleo de estudo e métodos aplicados ao estudo de Carga de Doença - ENSP/Fiocruz.
* FA calculadas com a presença dos 4 cenários, conjuntamente.
** FA calculadas realocando as prevalências em 2 cenários: Presença de água/saneamento ausente; Presença de água e saneamento.
*** FA calculadas realocando as prevalências em 2 cenários: Ausência de água/Presença de saneamento; Presença de água e saneamento.
Com a hipótese de todos os domicílios passarem a ter acesso à água adequada, ocorreria uma redução muito pequena nas frações atribuíveis. Para um acesso completo a um saneamento básico disponível a todos os domicílios, as reduções observadas seriam mais expressivas.
As maiores reduções nas frações atribuíveis são, portanto, observadas no cenário hipotético, no qual o saneamento básico está disponível para todos. Nesse cenário, 78,3% da diarreia seriam atribuíveis ao sistema de abastecimento de água e saneamento. Estes percentuais oscilaram entre 77,9%, no Triângulo do Norte, a 79,3%, na macrorregião Norte de Minas.
Quanto à ocorrência de diarreia atribuível ao sistema de abastecimento de água e saneamento básico, as maiores taxas de DALY foram encontradas nas macrorregiões mais desfavorecidas economicamente: Nordeste (20,8/1000 hab), Norte de Minas (12,3/1000 hab) e Jequitinhonha (9,1/1000 hab).
Observou-se uma relação inversa entre as frações populacionais atribuíveis e taxas de DALY e PIB per capita no Estado e Macrorregiões, em 2005. Assim, maiores frações atribuíveis e taxas de DALY foram encontradas em áreas com o menor PIB per capita (Figura 1).
Figura 1. Frações Populacionais atribuíveis (%) e taxas de DALY por diarreia entre menores de 5 anos atribuíveis ao sistema de abastecimento de água e saneamento segundo PIB percapita e macrorregiões. Minas Gerais, 2005. Fonte: Núcleo de estudo e métodos aplicados ao estudo de Carga de Doença - ENSP/Fiocruz.
Em função das mudanças ocorridas no processo de estimação da FPA, principalmente pela inclusão de novas doenças, os resultados deste estudo foram comparados àqueles em que somente a diarreia foi considerada enquanto doença associada ao fator água, saneamento e higiene inadequados.
Entre os principais resultados encontrados neste estudo, observaram-se as maiores taxas de DALY (todas as causas e especificamente por diarreia) e razões de taxas de DALY encontradas nas regiões do Estado mais desfavorecidas economicamente: Norte de Minas, Nordeste e Jequitinhonha. Além disso, a fração da diarreia atribuível ao sistema de abastecimento de água e saneamento em todo o Estado foi de 83,0%, reduzindo-se para 78,3%, caso o saneamento tivesse uma cobertura de 100% no Estado. Uma relação inversa foi encontrada entre as taxas de DALY e frações atribuíveis com o PIB per capita no Estado e macrorregiões de Minas Gerais.
Em 2001, Rodgers et al.26 estimaram que 3,7% do total de DALY previsto para todos os países poderia ser atribuído ao fator água, saneamento e higiene inadequados e que, nos países de elevada e baixa mortalidade, seriam atribuídos ao fator em estudo 5,5% e 1,8% do total do DALY, respectivamente. Entre os menores de quatro anos, este percentual foi de 9% do total de DALY27.
Já no presente estudo, entre os menores de cinco anos, 3,2% do total de DALY no Estado de Minas Gerais foi atribuído ao sistema de abastecimento de água e saneamento, chegando a 5,9% na macrorregião Norte de Minas.
Diferentemente do encontrado neste estudo, relatório da OMS3 apresenta para países de baixa renda e no total dos países do mundo, em 2004, a água, saneamento e higiene inadequados sendo responsáveis por 6,3% e 4,2% do total de DALY, respectivamente.
Com relação às crianças nos países em desenvolvimento, Pruss-Ustun et al.27 observaram que a fração da diarreia atribuível a água, saneamento e higiene inadequados neste grupo variou entre 85 e 90%. Já na América Latina e Caribe, o valor encontrado foi de 87%22.
Neste estudo, entre os menores de cinco anos, o valor encontrado foi de 83% para Estado de Minas Gerais, chegando a 87% na macrorregião Norte de Minas.
A relação inversa encontrada neste estudo entre DALY e PIB per capita também foi observada em estudo que avaliou as disparidades regionais na carga de doença atribuíveis a água, saneamento e higiene inadequados na China28.
Embora a associação entre diarreia e saneamento básico seja bem estabelecida, existem poucos estudos sobre a efetividade de intervenções voltadas ao saneamento na prevenção da doença. Além disso, a maioria das evidências provém de estudos observacionais29 - 31.
Entre as limitações apontadas pelos estudos que trabalharam com a temática água, saneamento e higiene associados a diarreia ressalta-se: 1) Não controle do viés e confundimento32 - 34; 2) Limitações relacionadas a exclusão dos estudos que trabalharam com a língua chinesa17.
Recentemente, foram publicadas revisões sistemáticas e meta-análises que avaliaram intervenções voltadas para lavagem das mãos12, disposição dos excretas humanos34 e qualidade da água35 , 36 na prevenção da diarreia. Estes trabalhos observaram que, devido à substancial heterogeineidade entre os estudos em relação ao tipo de desenho e intervenção, uma ampla variação nas estimativas das medidas de efeito puderam ser observadas e, com isso, os efeitos combinados não puderam ser calculados. A exceção ocorreu para intervenções voltadas à higiene, onde medidas sumárias puderam ser calculadas, incluindo o percentual de redução nos episódios de diarreia12.
Dentre as principais limitações deste estudo, podemos citar que as definições e riscos relativos empregados para cálculo das frações atribuíveis ao sistema de abastecimento de água e saneamento não levaram em consideração o tema higiene. Este tema foi incorporado em alguns cenários empregados por Pruss et al.14, porém, dada a ausência de informações populacionais compatíveis com a realidade brasileira, não foram incorporados ao presente estudo. Além disso, os riscos relativos foram construídos utilizando uma população externa, entre 3 e 36 meses e foram aplicados no cenário brasileiro em menores de cinco anos. Outro ponto seria com relação às informações de abastecimento de água disponíveis nos Censos. O PMC trabalha com a inclusão de outras variáveis na definição de adequabilidade para água e, se estas informações estivessem disponíveis para o Brasil, poderíamos qualificar melhor estes dados e consequentemente produzir estimativas mais próximas da realidade. Outro destaque é a carência de informações disponíveis sobre a qualidade da água nas principais bases de dados. O monitoramento de fatores que afetam a qualidade da água ofertada está relacionado a questões de infraestrutura (limpeza das tubulações, interrupções no abastecimento) e deveriam ser variáveis importantes a serem consideradas na estimação dos parâmetros.
Acredita-se que estas limitações contribuíram para a estimativa de parâmetros conservadores no presente estudo.
No Brasil, assim como na maior parte dos países da América Latina, o processo de urbanização e adensamento populacional das grandes cidades trouxe a necessidade do fornecimento de água com quantidade e qualidade adequadas, o recolhimento e tratamento dos dejetos humanos. No entanto, a população urbana vem adquirindo acesso a água através da expansão precária, acima da capacidade das redes de abastecimento, sem que sejam promovidos a coleta e o tratamento de esgotos e lixo. A combinação entre a universalização do acesso a redes de abastecimento de água e a crescente vulnerabilidade das fontes superficiais e subterrâneas tem ampliado os riscos à saúde devido à precariedade dos sistemas, com aumento da população exposta a agentes químicos e biológicos37.
A vulnerabilidade e intermitência nos sistemas de abastecimento de água, mais do que sua cobertura, têm sido apontados como problemas relevantes nas grandes cidades38 - 40, já que permitem a intrusão de agentes patogênicos através da água contaminada nas redes de distribuição41.
A disponibilidade de água encanada no domicílio também tem sido apontada como fator importante no controle da doença diarreica. Sua presença torna possível a adequada higiene pessoal, doméstica e dos alimentos, interrompendo o ciclo de transmissão oro-fecal dos patógenos18.
Segundo dados da PNAD 2005, no Estado de Minas Gerais, 98,1% das pessoas que possuem água canalizada em pelo menos um cômodo têm o domicílio ligado à rede geral de distribuição. Esta informação foi levada em consideração no momento de definição dos cenários e seus respectivos riscos relativos associados.
Dados da PNDS 200642 mostram que a qualidade e quantidade da água disponível para população no Brasil não tem melhorado nos últimos anos e que a população passou a utilizar mais a água engarrafada em função da baixa qualidade proveniente da rede geral, poços e nascentes.
O monitoramento da qualidade da água oferecida, através da avaliação de sua acessibilidade, disponibilidade (quantidade, confiabilidade, continuidade) e aceitabilidade, além de um sistema de saneamento efetivo na prevenção de exposições a materiais fecais (adequado tratamento) podem permitir ganhos potenciais para a saúde brasileira43 - 45. No entanto, é preciso vencer o desafio imposto a este avanço, em função da disponibilidade restrita de informações nas principais bases de dados39 , 46 , 47.
No Estado de Minas Gerais, em 2005, o percentual de crianças menores de cinco anos, moradoras de domicílios com água e saneamento adequados foi de 69,4%. Além disso, as elevadas taxas de DALY total e por diarreia, principalmente nas regiões mais desfavorecidas economicamente do Estado, mostram que é preciso uma ampliação, além da cobertura dos serviços, da melhoria da qualidade da água e no sistema de saneamento.
Estas medidas trazem benefícios econômicos e sociais para toda a população, principalmente aqueles relacionados à redução das doenças diarreicas e, consequentemente, à melhoria na qualidade de vida e redução dos gastos com saúde.