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Caso 1/2020 – Coartação da Aorta Ístmica Muito Acentuada em Jovem com Hipertensão Arterial, Aliviada por Cateterismo Intervencionista

Caso 1/2020 – Coartação da Aorta Ístmica Muito Acentuada em Jovem com Hipertensão Arterial, Aliviada por Cateterismo Intervencionista

Autores:

Edmar Atik,
Raul Santiago Arrieta,
Renata Cassar

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.4 supl.1 São Paulo abr. 2020 Epub 18-Maio-2020

https://doi.org/10.36660/abc.20190484

Dados clínicos

Havia sido detectada hipertensão arterial há 6 meses após estresse estudantil em jovem de 16 anos de idade. Na ocasião imagens diagnósticas realizadas (ecocardiograma e angiotomografia) comprovaram a presença de coartação da aorta extrema na região ístmica, com muitas colaterais que preenchiam a aorta descendente. A pressão arterial de 170/80 mmHg diminuiu para níveis de 130 a 150/80 mmHg com o uso de propranolol-80 mg/dia. Havia sido operado anteriormente para fechamento de comunicação interatrial com 4 anos de idade. Referia cansaço aos esforços há alguns meses.

Exame físico: Bom estado geral, eupneico, acianótico, pulsos amplos nos membros superiores e ausentes nos inferiores. Peso: 45,5 Kg, Alt.: 163 cm, PAMSD e PAMSE = 155/80 mmHg, FC: 55 bpm. Aorta facilmente palpada na fúrcula.

Precórdio: ictus cordis não palpado e sem impulsões sistólicas na borda esternal esquerda. Bulhas cardíacas normofonéticas, sopro sistólico rude, ++/4 na fúrcula e faces laterais do pescoço e sopro diastólico suave e aspirativo, +++/4, na borda esternal esquerda. Não eram audíveis sopros no dorso do tórax. Fígado não palpado e pulmões limpos.

Exames complementares

Eletrocardiograma: Ritmo sinusal, sinais de sobrecarga de ventrículo esquerdo com índice de Sokollof de 46 mm e com repolarização ventricular normal. AP = +40o, AQRS = +60o, AT = +30o.

Radiografia de tórax: Área cardíaca normal (índice cardiotorácico = 0,50). Pedículo vascular alto mostra imagem em três (3) com maior dilatação na parte inferior orientando ao diagnóstico da coartação da aorta nessa região. Havia sinais de corrosão costal à direita ( Figura 1 ).

Figura 1  Radiografia de tórax em PA salienta área cardíaca normal com índice cardiotorácico de 0,50 e trama vascular pulmonar normal. Colocação de stent no início da aorta descendente salienta a dilatação pós-estenótica da aorta. 

Ecocardiograma: Salienta cavidades cardíacas normais e sem hipertrofia miocárdica. Gradiente máximo de 14,7 e médio de 6,8 mmHg na valva aórtica. As dimensões eram: Ao = 27, AE = 28, VE = 47, septo = 9, FE-VE = 68%, PS-VD = 28 mmHg.

Angiotomografia: Coartação da aorta após a emergência da artéria subclávia esquerda com circulação colateral evidente e pronunciada. Aorta ascendente= 28 mm, aorta descendente após a CoAo = 21 mm e a aorta tóraco-abdominal = 14 mm.

Monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA): Pressão arterial máxima = 170/100 mmHg e na maioria do tempo = 130-140/60-70 mmHg.

Holter: Extrassístoles ventriculares em número de 2.315 (3%) dentre 77 166 batimentos.

Diagnóstico clínico: Coartação da aorta acentuada na região ístmica com circulação colateral exuberante e valva aórtica bivalvular em evolução natural de jovem com hipertensão arterial.

Raciocínio clínico: Os elementos diagnósticos da coartação da aorta eram evidentes, representados pela ausência dos pulsos arteriais nos membros inferiores, a hipertensão arterial nos membros superiores, acompanhados do sopro sistólico na fúrcula, e da sobrecarga de ventrículo esquerdo no eletrocardiograma, além da imagem em três (3) na radiografia de tórax. A confirmação diagnóstica facilmente foi estabelecida pelas imagens do ecocardiograma e da angiotomografia.

Diagnóstico diferencial: A coartação da aorta congênita deve ser distinguida de anomalias adquiridas que também causam obstrução em vários níveis da aorta, como na doença de Takayassu.

Conduta: Dos dois caminhos para a correção da coartação da aorta, o cirúrgico1 e o percutâneo,2 houve opção pelo último. Antes, foi realizado o cateterismo cardíaco que revelou pressão na aorta ascendente de 150/80 com média de 96 mmHg e na aorta descendente de 50/30 e 40 mmHg de média. A angiografia salientava estreitamento progressivamente maior a partir da artéria subclávia esquerda, cujo diâmetro de 12 mm era o mesmo do da croça da aorta, até cerca de 40 mm abaixo, quando então se tornava puntiforme com orifício máximo de 2 mm e dilatação pós estenótica de 18 mm de diâmetro. Havia grande circulação colateral.

Com esse quadro, foi realizada a pré-dilatação com balão Mustang (Boston- 5/20 mm) da região ístmica com coartação. Nova angiografia mostrou aumento do diâmetro da aorta com coartação, sem sinais de dissecção ou de aneurisma. Através de Bainha tipo Mullins 14 fr, foi posicionado e implantado stent CP recoberto e montado em balão 14/40 mm (BIB balloon). Novas angiografias evidenciaram nítida melhora da coartação da aorta ( Figura 2 ). As pressões posteriores se equivaleram na aorta ascendente e descendente em 127/67 e média de 87 mmHg.

Figura 2  Angiografia cardíaca mostra a acentuada coartação da aorta, cerca de 40 mm após a emergência da artéria subclávia esquerda, na imagem a esquerda e a ampla dilatação dessa região após a colocação de stent, na imagem à direita. 

Comentários: A coartação da aorta mesmo acentuada pode evoluir a longo prazo sem alterações significativas desde que haja o desenvolvimento de circulação colateral que minimize a obstrução aórtica. Esse pensamento vem de encontro com a evolução observada neste caso sem que tivesse desenvolvido ao menos hipertrofia miocárdica ou algum grau de disfunção miocárdica. Outro aspecto que chama a atenção neste caso clínico foi o diagnóstico tardio da anomalia, quando incidentalmente foi observado uma elevada pressão arterial nos membros superiores. Tal fato expressa que o exame clínico prévio deste paciente não havia sido certamente executado com os requintes de uma semiologia mais adequada. O procedimento percutâneo tem se tornado o mais indicado na coartação da aorta, principalmente no jovem e no adulto, por menos complicações e com efetividade semelhante à do procedimento cirúrgico.1 , 2 As imagens angiográficas atestam bem essa assertiva.

REFERÊNCIAS

1. Farag ES, Kluin J, de Heer F, et al. Aortic coarctation repair through left thoracotomy: results in the modern era. Eur J Cardiothorac Surg. 2019; 55(2): 331-7.
2. Erben Y, Oderich GS, Verhagen HJM, et al. Multicenter experience with endovascular treatment of aortic coarctation in adults. J Vasc Surg. 2019; 69(3): 671-9.