versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.5 São Paulo maio 2019 Epub 06-Jun-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190083
Paciente evoluiu sem sintomas desde o nascimento até 16 anos de idade, ocasião do início de cansaço aos esforços, progressivo e em uso de medicação anticongestiva como furosemida, enalapril, espironolactona, carvedilol, além de warfarina. O diagnóstico da cardiopatia exteriorizada por sopro cardíaco foi realizado no primeiro mês de vida.
Exame físico: bom estado geral, eupneico, acianótico, pulsos normais nos 4 membros. Peso: 63 Kg, Alt.: 171 cm, PAMSD: 130/90 mmHg, FC: 63 bpm, Sat O2: 89%.
Precórdio: ictus cordis palpado no 6º espaço intercostal esquerdo na linha axilar anterior e difuso, com impulsões sistólicas na borda esternal esquerda. Bulhas cardíacas hiperfonéticas, com segunda bulha desdobrada inconstante. Sopro sistólico de ejeção de moderada intensidade na borda esternal esquerda alta com frêmito e sopro holossistólico ++/4 na borda esternal baixa e na ponta com ruflar diastólico ++/4. Fígado palpado a 4 cm do rebordo costal e pulmões limpos.
Eletrocardiograma: Ritmo sinusal e sinais de sobrecarga das cavidades esquerdas, com QRS estreito de 0,87 ms (AQRS = +110°), onda T positiva em V1 (AT = +10°), e onda P alargada em II, III e em F (AP = + 60°) (Figura 1).
Radiografia de tórax: Aumento acentuado da área cardíaca a custa do arco direito com duplo contorno e do arco ventricular esquerdo (ICT = 0,69). Trama vascular pulmonar aumentada e arco médio abaulado (Figura 1).
Ecocardiograma: Ausência de conexão atrioventricular à direita com discordância ventrículo-arterial com amplas comunicações, interatrial (34 mm) e interventricular (22 mm) e desvio posterior do septo infundibular com estenose subvalvar pulmonar. Havia dilatação do tronco pulmonar e a valva mitral mostrava dupla disfunção. O ventrículo esquerdo (VE) é dilatado com fração de ejeção de 54%. Gradiente de pressão máximo VE-TP = 58 a 77 mmHg. (Figura 2).
Ressonância nuclear magnética (RNM): Mesmos achados encontrados no ecocardiograma.
Cateterismo cardíaco: VD = VE: 110 mmHg; TP: 48 mmHg; RVP: 1,3 UW e RVS: 35,9 UW e Qp/Qs: 5,3/l.
Laboratório: Hg: 19,3, Hct: 59%, ácido úrico: 9,5.
Diagnóstico clínico: Atresia tricúspide tipo II B com amplas comunicações intercavitárias e estenose pulmonar infundíbulo-valvar moderada e insuficiência mitral, mantendo hiperfluxo pulmonar e saturação arterial elevada, em evolução natural até a idade adulta.
Raciocínio clínico: Havia elementos clínicos de orientação diagnóstica da cardiopatia congênita cianogênica com acentuada repercussão clínica, com hiperfluxo pulmonar. Atresia tricúspide ou dupla via de entrada de VE com estenose pulmonar discreta a moderada em face de limitação ao fluxo pulmonar, em presença da ausculta característica da estenose pulmonar associada. O eletrocardiograma salientava sobrecarga de VE compatível com os diagnósticos acima. O ecocardiograma e a RNM salientaram os elementos diagnósticos do defeito.
Diagnóstico diferencial: Outras cardiopatias cianogênicas com hiperfluxo pulmonar devem ser lembradas com o mesmo quadro fisiopatológico. Dentre elas a atresia da valva atrioventricular esquerda em presença de VE bem desenvolvido e qualquer outra cardiopatia acompanhada de hipoplasia do ventrículo direito.
Conduta: Em face do balanceamento dos fluxos pulmonar e sistêmico ao longo do tempo, sem sinais de hipoxemia e/ou de insuficiência cardíaca e na presença de boa tolerância física, foi considerada a conduta expectante clínica.
Comentários: É sabido que a atresia tricúspide nos vários tipos que a caracterizam, seja com limitação do fluxo pulmonar ou não, evolui desfavoravelmente com sinais de hipóxia ou de insuficiência cardíaca já nos primeiros dias de vida e de maneira progressiva ao longo dos primeiros meses, até o final do primeiro ano de vida. Daí a necessária intervenção cirúrgica neste período. Pode-se afirmar que raramente são identificados casos com atresia tricúspide com discreta repercussão, que evoluem assintomáticos até a idade adulta.1 Nessa condição, podem não requerer intervenção operatória precoce. Por isso, torna-se importante salientar que esses pacientes necessitam de uma avaliação rigorosa e minuciosa, afim de se poder determinar a conduta mais correta no lactente, se expectante ou de intervenção cirúrgica. Essa decisão se torna ainda mais difícil na idade adulta, desde que a insuficiência cardíaca que se nota tardiamente, com dilatação e hipertrofia miocárdicas, e mesmo com preservação da função cardíaca, constitui-se parâmetro para conduta incerta dado os riscos cirúrgicos maiores nesta faixa etária. Não encontramos na literatura relatos semelhantes ao do caso descrito.