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Caso 5 / 2017 - Síndrome da Cimitarra e Sequestro Pulmonar em Evolução Natural de Mulher com 68 Anos de Idade

Caso 5 / 2017 - Síndrome da Cimitarra e Sequestro Pulmonar em Evolução Natural de Mulher com 68 Anos de Idade

Autores:

Edmar Atik,
Álvaro Francisco Gudiño,
Marcelo Lopes Montemor

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.109 no.3 São Paulo set. 2017

https://doi.org/10.5935/abc.20170128

Dados clínicos

Cansaço aos grandes esforços, acompanhado de palpitações, iniciados há cerca de 20 anos, sem progressão. Episódios esparsos de hemoptise de pequena monta neste período. Em uso de enalapril para tratamento de hipertensão arterial e Metformina para diabetes.

Exame físico: bom estado geral, eupneica, acianótica. Peso: 56 Kg, Alt.: 160 cm, PA (membro superior direito): 140x90 mm Hg, FC: 95 bpm, SO2 99%.

Precórdio: ictus cordis não palpado, sem impulsões sistólicas. Bulhas cardíacas normofonéticas, sem sopros cardíacos. Fígado não palpado e pulmões limpos.

Exames Complementares

Eletrocardiograma: ritmo sinusal, FC 113bpm, sem sobrecargas cavitárias, PR: 0,12, QRS: 0,89; AP = +60o, AQRS = +40o, AT = +60o (Figura 1A).

Figura 1 Eletrocardiograma normal (A). Radiografia de tórax (B) em póstero-anterior salienta área cardíaca de tamanho normal, à direita, hipoplasia pulmonar direita e estrutura vascular em forma de Cimitarra (seta). Angiotomografia salienta a veia pulmonar direita em forma de Cimitarra (seta), drenando na veia cava inferior (C) e o contraste de tamanho entre as artérias pulmonares (D). TP: tronco pulmonar; APD: artéria pulmonar direita; APE: artéria pulmonar esquerda. 

Radiografia de tórax: área cardíaca de tamanho normal, desviada para a direita em decorrência de hipoplasia do pulmão direito. O pulmão esquerdo é vicariante e no lobo inferior direito visualiza-se uma imagem vascular em forma de Cimitarra (Figura 1B).

Ecocardiograma: cavidades cardíacas normais exceto por discreto aumento biatrial, função biventricular normal. Aorta = 32 mm, AE = 34, VD = 28, VE = 53, septo = parede posterior = 10 mm, FEVE = 68%. Observou-se fluxo discreto do AE para o AD.

Tomografia computadorizada do tórax: Situs solitus em levocardia, com coração dextroposto. Drenagem venosa pulmonar anômala à direita com confluência das veias pulmonares para um coletor venoso de grosso calibre (maior diâmetro 11 x 10 mm), com trajeto paramediastinal descendente, drenando no segmento supra-hepático da veia cava inferior (Cimitarra) (Figura 1C).

Tronco pulmonar normal (22 mm). Artéria pulmonar esquerda dilatada (27 mm), com aumento da relação artéria-brônquio intrapulmonar, podendo representar redirecionamento de fluxo ou aumento da pressão pulmonar. Artéria pulmonar direita hipoplásica e tortuosa, medindo 10 mm na sua porção proximal e 9 mm no terço médio (Figura 1D).

Presença de ramo arterial calibroso (13 x 13 mm) proveniente da aorta abdominal, acima da emergência do tronco celíaco, e trajeto ascendente para a região póstero-inferior do pulmão direito (sequestro pulmonar aneurismático).

Pulmão direito hipoplásico e pulmão esquerdo vicariante.

Descontinuidade da porção póstero-lateral do diafragma à direita, sugestiva de hérnia de Bochdalek.

Diagnóstico Clínico

Síndrome de cimitarra com hipoplasia do pulmão direito e sequestro pulmonar do lobo inferior direito.

Raciocínio Clínico

Paciente oligossintomática, sem definição de diagnóstico clínico, devido ausência de sinais sugestivos de qualquer cardiopatia congênita e com ECG normal. A radiografia de tórax tornou-se capital para o diagnóstico da síndrome de cimitarra, confirmado pela angio-tomografia. A repercussão clínica discreta da anomalia, que permitiu a longa evolução natural, decorre da pequena comunicação interatrial e do hipofluxo pulmonar à direita.

Diagnóstico diferencial

Cardiopatias congênitas de discreta repercussão podem apresentar a mesma evolução a longo prazo, extensivo às cardiopatias acianogênicas com discreta passagem da esquerda para a direita, como na Comunicação Interatrial (CIA), Comunicação Interventricular (CIV) e Persistência do Canal Atrial (PCA).

Conduta

Em virtude da discreta repercussão clínica e hemodinâmica da anomalia venosa pulmonar, considerou-se conduta clínica expectante.

Comentários

A síndrome da cimitarra é uma anomalia da drenagem venosa do pulmão direito para a veia cava inferior acompanhada de hipoplasia pulmonar direita, anormalidade na árvore brônquica, dextrocardia, suprimento arterial sistêmico para o pulmão direito originário da aorta abdominal. Ocorrem, concomitantemente, anomalias cardíacas congênitas em um terço dos casos, tais como: defeito do septo ventricular e/ou atrial, persistência do canal arterial, coartação da aorta e tetralogia de Fallot. Outras malformações que podem estar associadas a essa síndrome são: eventração do hemidiafragma direito, anormalidades vertebrais, hipospádia, ureter duplo e duplicação uretral.1

A primeira descrição dessa síndrome foi feita por Cooper e Chassinat em 1836 e o primeiro tratamento cirúrgico foi descrito por Kirkling et al.,1 em 1956.

Dupuis et al.,2 classificaram a síndrome da cimitarra em duas formas: a infantil, que ocorre em crianças menores de um ano e cursa geralmente com insuficiência cardíaca e hipertensão pulmonar, acarretando pior prognóstico, e a forma adulta (crianças maiores e adultos), que na maioria das vezes cursa assintomática, com bom prognóstico.1,2

A nomenclatura de cimitarra (similar à espada turca) é simbólica, descrita por Neil et al. em 1960, devido à imagem radiológica de uma veia pulmonar direita, vertical descendente, lembrando o sabre oriental de cimitarra.1

A maioria dos casos na literatura é operada nos primeiros anos até a juventude e raramente na idade adulta como descrito na literatura em paciente com 66 anos.3

REFERÊNCIAS

1 Ciçek S, Arslan AH, Ugurlucan M, Yildiz Y, Ay S. Scimitar syndrome: the curved Turkish sabre. Semin Thorac Cardiovasc Surg Pediatr Card Surg Annu. 2014;17(1):56-61. doi: 10.1053/j.pcsu.2014.01.003.
2 Brink J, Yong MS, d'Udekem Y, Weintraub RG, Brizard CP, Konstantinov IE. Surgery for scimitar syndrome: the Melbourne experience. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2015;20(1):31-4. doi: 10.1093/icvts/ivu319. Epub 2014 Oct 6.
3 Casha AR1, Sulaiman M, Cale AJ. Repair of adult Scimitar syndrome with an intra-atrial conduit. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2003 Jun;2(2):128-30. Doi:10.1016/S1569-9293(02)00120-2.