versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.31 no.5 São Paulo 2019 Epub 24-Out-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192019004
Desde os tempos imemoriais, o homem preocupa-se em desvendar as relações de causa e efeito entre os fenômenos corriqueiros da vida. Portanto, a causalidade é objeto de estudo de epidemiologistas e estatísticos, sendo conceituada como um fenômeno universal que investiga a relação entre causa e efeito que produzem, se repetidos, em um mesmo desfecho(1).
Definida epidemiologicamente como a conexão entre os dois processos, em que o primeiro é responsável pela ocorrência do segundo, ou a presença de A causa B(2,3), considerando que todo fato tem uma causa e essas causas produzem, nas mesmas condições, os mesmos efeitos(4,5).
O resgate histórico da causalidade evidencia que ao longo do percurso do entendimento do homem sobre os eventos que ocorrem na terra, os quais foram do mito à razão, surgiram filósofos como Hipócrates, que, no seu tratado Ares, Águas e Lugares, explicou a ocorrência de doenças na população com um fundamento racional e exclusão do sobrenatural. Ademais, outras teorias foram abordadas, tendo como explicação a influência dos deuses e da natureza, causas divinas, entre outras(6).
Na era moderna, a evolução e a organização do pensamento epidemiológico contaram com diversos protagonistas, como Hume, Mills, Locke e Suppes, que contribuíram para a concepção de inferência causal(6). O estudioso John Snow fez reconhecida contribuição para a epidemiologia por meio do Ensaio sobre a Transmissão da Cólera, que relaciona condições de vida e processos de adoecimento. Neste, julgava que para obter uma intervenção eficaz para evitar a doença era necessário o conhecimento da distribuição dos casos no espaço e no tempo (de ocorrência), bem como das características dos doentes(7,8).
Segundo esse entendimento, a associação entre os estudos epidemiológicos e os fatores econômicos, culturais, demográficos e sociais, também denominados determinantes de saúde, é de responsabilidade governamental, assim como as práticas terapêuticas devem ter caráter coletivo. Outro aspecto relevante na evolução do entendimento e na aplicação do conhecimento da causalidade tal como se concebe neste século são os conceitos de uni e multicausalidade, os quais desempenham papel importante na determinação e no combate das doenças e agravos(9). De acordo com o entendimento de que nem todos os fenômenos obedecem a leis determinísticas e que a maioria deles é produto de múltiplas causas, percebeu-se que era possível calcular a probabilidade de ocorrência de um evento em razão da presença ou da atuação de uma ou de várias causas. Desta forma, modelos probabilísticos ou estocásticos foram construídos, o que permite conhecer os fatores de risco e o avanço na elaboração de estratégias no processo saúde-doença(10,11).
O conhecimento científico é essencial, pois visa proporcionar informações capazes de viabilizar a análise do processo saúde-doença e definir medidas preventivas e terapêuticas mais acuradas, resultando em melhora das práticas clínicas e coletivas(12-14). Assim sendo, é de grande relevância que os aspectos sociais, sob a visão da Fonoaudiologia, compreendam o processo saúde-doença em âmbito populacional e não apenas em âmbito individual, o que possibilita multiplicar a produção do conhecimento.
Destarte, o objetivo deste artigo é revisar sistematicamente a literatura dos estudos fonoaudiológicos sob a ótica da epidemiologia, segundo a perspectiva da causalidade.
Esta revisão sistemática da literatura foi conduzida segundo as instruções da Colaboração Cochrane.
A questão de pesquisa que subsidia esta revisão é: a Fonoaudiologia faz uso dos métodos epidemiológicos em suas evidências para inferir causalidade?
Das referências encontradas, foram incluídas apenas as que apresentassem abordagem epidemiológica de causalidade em fonoaudiologia. Foram aceitos delineamentos de estudos observacionais do tipo coorte, estudos casos e controles, prospectivos e retrospectivos, sem nenhuma restrição de idioma, publicados até 9 de janeiro de 2019.
Foram excluídos os estudos que não tivessem abordagem metodológica adequada para análise de causa e efeito.
As buscas foram realizadas nas bases de dados eletrônicas MEDLINE (acessada via PubMed), Scielo e Google Acadêmico (literatura cinzenta). A estratégia de busca foi construída utilizando palavras-chave identificadas no MeSH (Medical SubjectHeadings), DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), apresentado no Quadro 1.
Quadro 1 Estratégia de busca usada no Medline acessado via PubMed, SciELO e Google acadêmico (2019)
Índice | Estratégia | Hits |
---|---|---|
PubMed | ||
#1 | “causality” [Mesh] OR (causal* AND (multifactorial)) | 763.826 |
#2 | “speech” [Mesh] OR (speech AND (therapy OR disorder OR pathology)) OR “audiology” [Mesh] OR “hearing sciences” [Mesh] OR “hearing impairment” [Mesh] OR “deafness” [Mesh] | 104.057 |
#3 | # 1 AND #2 | 1.6142 |
#4 | NOT cardiovascular) NOT gen*) NOT syndrome*) NOT molecular*) NOT animal) NOT brai*) NOT hybri*) NOT biomechanic*) NOT diseas* | - |
#5 Busca | # 3 AND #4 | 812 |
Busca completa | (((((“causality”[Mesh] OR (causal* AND (multifactorial))))) AND ((“speech”[Mesh] OR (speech AND (therapy OR disorder OR pathology)) OR “audiology”[Mesh] OR “hearing sciences” [Mesh] OR “hearing impairment” [Mesh] OR “deafness” [Mesh])))) NOT (cardiovascular) NOT gen*) NOT syndrome*) NOT molecular* NOT animal) NOT brai*) NOT hybri*) NOT biomechanic*) NOT diseas*) | 812 |
Scielo | ||
Busca completa | #(causalidade e fonoaudiologia) #(causalidade, fonoaudiologia e epidemiologia) #(fonoaudiologia, epidemiologia e saúde pública) |
300 |
Google acadêmico | ||
Busca completa | (causalidade e fonoaudiologia) e (causalidade, fonoaudiologia e epidemiologia) e (fonoaudiologia, epidemiologia e saúde pública) | 2.730 |
Dois autores deste estudo (RSR e NCS), de maneira independente, revisaram todas as citações, resumos e artigos encontrados na busca para determinar a elegibilidade para inclusão dos estudos, cegados para os resultados uns do outro. Quando os revisores não conseguiram determinar a inclusão/exclusão apenas com base nos resumos, o artigo foi aceito para leitura na íntegra, a fim de determinar a sua possível inclusão. Desacordos em todas as fases do processo de seleção serão resolvidos por um terceiro revisor de maneira independente e cega (BNGG).
Utilizou-se um formulário determinado a priori para extrair os seguintes dados: autor, ano de publicação, país de origem, concepção teórica, aplicação ou não do estudo e discussão central abordada no artigo.
Conforme demonstrado no fluxograma (Figura 1), a estratégia de busca compreendeu 3.842 estudos. Destes, nenhum deles utilizou metodologia para análise de causa e efeito adequada.
Os estudos encontrados tratavam de temas variados, como: melhora da percepção da fala no ruído com foco atual nos usuários de implante coclear; tratamento da disfonia em idosos: o papel do fonoaudiólogo; diagnóstico e tratamento da disfagia pós-extubação: resultados de uma pesquisa nacional; elo causal entre atenção espacial visual e aquisição de leitura; guia prático para implante coclear em adultos com longos períodos de privação sonora monoaural e triagem para atraso de fala e linguagem em pré-escolares. Nenhum dos estudos exemplificados permitia análise de causa e efeito.
A predominância de produção científica identificada caracterizou-se pela temática na área de linguagem infantil, com ênfase na leitura e escrita, assim como a área da audiologia. Quanto aos métodos, a maioria era de estudos transversais, revisões da literatura e estudos de caso. Ademais, as análises estatísticas mais utilizadas foram descritivas, correlações e associações bivariadas.
Visto que não foram encontradas abordagens com a perspectiva da causalidade que esta revisão se propunha a analisar, optou-se por realizar descrição de alguns estudos sobre causalidade, objetivando a ampliação do conhecimento na temática por fonoaudiólogos (Quadro 2).
Quadro 2 Características dos estudos selecionados para a revisão sistemática acessados via PubMed, SciELO e Google acadêmico (2019)
Autores (ano, país) | Objetivo | Concepção teórica | Estudo aplicado | Principal discussão |
---|---|---|---|---|
Mota e Kuchenbecker (2017)(15); Brasil | Demonstrar as relações de causalidade entre medicamentos e eventos adversos, enfatizando a importância do modelo de causalidade de Rothman. | Epistemológica | Descritivo | Modelo de Rothman |
Hamra et al. (2015)(16); USA | Verificar os conjuntos de ajustes com técnica de cálculo da média nos modelos para obter estimativas causais baseadas em modelos múltiplos. | Estatística | Descritivo | Teoria das DAGs e cálculo de modelos múltiplos |
Araújo et al. (2014)(17); Brasil | Revisar o determinismo probabilístico, multicausalidade na perspectiva de Hill e Mackie sobre causalidade. | Epistemológica | Descritivo | Visão determinista e probabilística da causalidade |
Lagnado et al.(18) (2013); Inglaterra | Enfatizar as inter-relações entre causalidade, confratual e atribuições de responsabilidade, propondo um novo modelo de juízo. | Analítica comportamental | Descritivo | Teoria da causalidade e confratuais |
Marshall e Galea (2015)(19); USA | Elucidar modelos baseados em agentes que podem ser usados para simular saída confratual na presença de complexidade para avaliar os efeitos causais. | Epistemológica | Descritivo | Inferência causal confratual |
Petersen e van der Laan (2014)(20); USA | Elucidar a utilidade do pensamento causal, fornecer uma introdução acessível às ferramentas flexíveis e poderosas fornecidas pelos modelos causais. | Epistemológica | Descritivo | Modelo causal |
Tuner et al. (2013)(21); USA | Explicar as condições necessárias à obtenção de sinais de contratura mental baseados no Modelo de Rubin. | Epistemológica | Descritivo | Modelo causal de Rubin e inferência causal |
Wang et al. (2013)(22); USA | Explicar as correlações entre múltiplos mediadores usando variáveis latentes contínuas para quaisquer mediadores por meio de um modelo de distribuição conjunta. | Epistemológica | Descritivo | Mecanismo causal de múltiplos mediadores |
Plümper et al. (2010)(23); Inglaterra | Demonstrar a inferência causal da pesquisa qualitativa usando técnicas de Monte Carlo para avaliar o desempenho de diferentes técnicas ou algoritmos de seleção de casos com amostra maior. | Estatística | Aplicada análise qualitativa | Técnica de Monte Carlo e inferência causal |
Petersen et al. (2006)(24); USA | Verificar a estimativa de efeitos diretos naturais por meio da implementação de software estatístico. | Epistemológica | Descritivo | Mecanismo causal e software estatístico |
Rothman e Greenland (2005)(25); USA | Esclarecer o modelo de causalidade e os princípios da multicausalidade em termos de causas suficientes e componentes. | Epistemológica | Descritivo | Modelo causal e princípios da multicausalidade |
Hernán et al. (2004)(26); USA | Demonstrar como a estrutura dos diagramas causais na estatística leva a ajustar os viesses de seleção e auxilia a diferenciá-los. | Estatística | Descritivo | Teoria das DAGs |
Olsen (2003)(27); Dinamarca | Abordar formas de como é vista a causa na epidemiologia e avaliar qual conceito de causação. | Epistemológica | Descritivo | Visão epidemiológica sobre causalidade |
Parascandola e Weed (2001)(2); USA | Revisar a literatura epidemiológica, buscando padrões e definições dominantes da casualidade. | Epistemológica | Descritivo | Teoria da causalidade |
Susser (2000)(28); USA | Revisar abordagens de diversas vertentes sobre a teoria da causalidade. | Epistemológica | Descritivo | Teoria da multicausalidade |
Greenland (2000)(29); USA | Revisar a abordagem contrafatual da análise causal nas ciências da saúde, conexões com abordagens de equações gráficas e estruturais e análise de dados longitudinais. | Estatística | Descritivo | Análise confratual da causalidade |
Czeresnia et al. (1995)(30); Brasil | Discutir a base de construção do conceito de risco, mediante a apresentação do modelo de inferência causal de Rubin desenvolvido no âmbito da estatística aplicada. | Estatística | Descritivo | Modelo de Rubin |
Cox (1992)(31); Inglaterra | Revisar o pensamento estatístico mais recente sobre o tópico, sob o ponto de vista de que há certamente algum sentido em que a causalidade é central para os esforços do cientista em compreender o mundo real. | Estatística | Descritivo | Visão estatística da teoria da causalidade |
Holland (1986)(3); USA | Investigar as contribuições que o modelo estatístico pode proporcionar sobre causação. | Estatística | Descritivo | Modelo estatístico |
Stehbens (1985)(32); Nova Zelândia | Debater sobre a classificação e a determinação dos papéis dos fatores associados envolvidos no desenvolvimento de uma doença e multicausalidade. | Epistemológica | Descritivo | Teoria da causalidade |
Rothman (1976)(33); USA | Demonstrar um esquema para inter-relação de causas que pode fornecer uma maneira útil de pensar sobre a modificação de efeito como uma descrição da natureza. | Epistemológica | Descritivo | Teoria da causalidade e modelo causa |
Hill (1965)(34); USA | Analisar se os aspectos do meio e a doença são causais ou associativos com base dos critérios de Hill. | Epistemológica | Descritivo | Causalidade Critérios de Hill |
O objetivo inicial deste estudo foi revisar sistematicamente a literatura referente aos estudos fonoaudiológicos que abordassem a causalidade. Contudo, não foram identificados artigos com essa perspectiva, demonstrando a fragilidade da abordagem causal em estudos específicos da Fonoaudiologia. Diante do exposto, elegeu-se a descrição de alguns estudos sobre a causalidade objetivando que o conhecimento sobre a temática seja expandido e discutido por fonoaudiólogos.
A noção de causa não implica somente predizer eventos, mas explicá-los. Podemos prever com base em correlações, mas para atribuir causalidade, A precisa explicar B. É muito difícil saber se e quando A causa B(35). O desenvolvimento da matemática e da estatística facilitou esse processo de atribuição de causalidade. Entretanto, a simples observação da ocorrência de associação ou correlação entre A e B não é capaz de determinar causalidade(36,37). Simplesmente observar que dois fenômenos estão associados não significa que um seja causa do outro, porque várias situações não causais ou espúrias podem ocorrer(19,25,38). A partir disso, é possível perceber que a Fonoaudiologia ainda se baseia na associação e não na causa nem no efeito comprovado, o que pode alterar o diagnóstico e a terapêutica.
A ocorrência de associações espúrias tem enganado os homens através da história e, por isso, até hoje a ciência luta para identificar mecanismos causais(39). Visto isso, são necessários esforços da comunidade científica fonoaudiológica para aprimorar os métodos e análises utilizados.
Para identificar os fatores causais, a epidemiologia tem utilizado tanto estudos experimentais quanto observacionais(35). Independentemente da abordagem que o pesquisador utilizar, observacional ou experimental, uma hipótese causal a ser investigada deve ser incorporada a priori sob a perspectiva de risco, assim como estipular quais serão os critérios utilizados para julgar se uma associação é ou não causal, minimizando erros como o acaso, vieses e fatores de confundimento(25). Outra peça fundamental a ser considerada é o tipo de delineamento utilizado, visto que cada método tem pressupostos próprios e o fornecimento sobre causalidade é distinto(10).
Quanto aos dados descritos no Quadro 1, tem-se que a maioria dos estudos são publicados pelos Estados Unidos (56%), seguidos da Inglaterra (17%), Brasil (13%), Itália, Dinamarca e Nova Zelândia (4%) cada um. Verificam-se nos artigos selecionados a definição do conceito de causalidade, a apresentação de modelos causais e a relevância da estatística, embora possam existir algumas divergências na concepção teórica dos autores. Ainda, de acordo com as literaturas pesquisadas, nota-se que as principais abordagens são referentes à teoria da multicausalidade, em maioria com concepção teórica epistemológica.
No trabalho de Rothman e Greenland(25), nenhuma causa é autossuficiente para que ocorra o desencadeamento de uma doença. Nesse aspecto, a teoria da multicausalidade pode identificar outros componentes de um modelo causal complexo, como doença de base, predisposição genética, estado nutricional e idade do indivíduo, envolvendo, assim, diversos mecanismos causais.
A utilização de medicamentos tem sido pesquisada como fator de interferência na dinâmica de eventos adversos. Mota e Kuchenbecker pesquisaram se o uso de medicamentos está associado a efeitos adversos, aplicando o Modelo de Causalidade de Rothman. Nesse modelo, o agente causal pode ser composto de uma constelação de causas referidas como suficientes de um evento adverso. O modelo ainda postula que vários componentes causais agem em grupo para produzir um efeito. Isso não implica, necessariamente, que as causas componentes devam agir ao mesmo tempo(15).
No que tange às causas complexas, é possível cunhar “redes causais complexas” para indicar que numerosos elementos tiveram papel na produção de um dado efeito ou “teia de causalidade”, que, segundo sua elaboração, era para os epidemiologistas aumentarem suas capacidades de descrever e estudar as complexas inter-relações entre fatores de risco e doenças, isto é, a conexão existente entre todos os elementos da teia direta ou indiretamente, entretanto todos fazem parte do mesmo conjunto(40).
Destaque-se que a associação não implica relações causais, apesar de haver diversas tentativas históricas de equalizar os dois conceitos(17). A visão determinista probabilística da causalidade se refere ao entendimento de que a estatística pode ou não oferecer, conectada a conceitos como força, consistência, plausibilidade e especificidade, aproximação com a filosofia analítica, que contribui para um melhor entendimento das relações causais(17), ou seja, para que se identifique que A causa B, é necessário que exista A antes de B e que para que B ocorra, A esteja presente antes de B; que na falta de A, B não ocorra e que haja alguma plausibilidade dentro do conhecimento existente que explique que A causa B. A associação indica que A está associado a B, mas não há determinação de causa nem indicação do que ocorreu antes, A ou B.
Há algumas técnicas para demonstrar inferência causal, as quais são exploradas a seguir: a técnica Monte Carlo (TMC) é usada para demonstrar a inferência causal da pesquisa qualitativa, avaliando o desempenho de diferentes técnicas ou algoritmos de seleção de casos com amostra maior. O fundamento da TMC é gerar valores para as variáveis que compõem o modelo a ser estudado, por meio de números aleatórios(41).
A teoria de gráfico acíclico direcionado (DAG) demonstra como a estrutura dos diagramas causais na estatística leva a ajustar os vieses da seleção e auxilia a diferenciá-lo. O uso de DAG na modelagem causal confirma a noção de que causalidade implica direcionalidade de influência. Vale destacar que a relação causal é assimétrica, em que a causa influencia o desfecho e nunca o oposto. Em um DAG, a existência de uma seta entre ambas variáveis A e B exprime a possibilidade de uma relação causal direta entre estas. Logo, a ausência de uma seta entre duas variáveis A e B configura a hipótese mais definitiva de efeito causal direto nulo(16,42).
Para que tenhamos um bom entendimento dos fatores determinantes e condicionantes no processo saúde-doença e suas implicações, torna-se necessário um olhar mais detalhado nas condições de vida em âmbitos individual e coletivo, que incluem os materiais básicos à subsistência, relacionados a nutrição, habitação, saneamento básico(39), dado que tais características exercem interação, a qual pode tornar certos indivíduos mais vulneráveis do que outros, o que influencia o percurso de um desfecho, e que os fatores de causalidade podem ser organizados em uma ordem hierárquica, do mais proximal até o distal fator socioeconômico(10).
Um estudo realizado na Noruega abordou uma população com cáries tendo aplicado a teoria da causalidade para verificar os processos e, assim, justificar sua ocorrência. O estudo evidenciou que a falta de um modelo específico não permite que quaisquer resultados sejam aceitos para fins de identificação de risco e que apenas há o conhecimento fragmentado das associações entre variáveis sociais, contextuais, individuais e cárie(43).
O reconhecimento dos determinantes sociais no processo saúde-doença pela epidemiologia social confere-lhe o status de uma teoria que facilita o entendimento dos sistemas que formam as necessidades dos sujeitos sociais, reorientando os mecanismos para a análise epidemiológica, a indicação dos diagnósticos e a definição das intervenções preventivas e terapêuticas(13). Isso potencializa a melhora da prática fonoaudiológica em saúde, em cumprir o papel de cuidar das pessoas de forma eficaz, evidenciando a qualidade de vida individual e a coletiva(39).
Com base nisso é que a fonoaudiologia deve prosseguir, atuar diretamente nas pesquisas, buscando confirmação causal, e não somente abraçar a associação como se fosse a veracidade das ocorrências. A área compreende todos os níveis de atenção à saúde e visa à construção da universalidade e da integralidade em suas práticas, tanto preventivas quanto reabilitadoras, individuais ou coletivas. Entretanto, o referencial teórico que tem subsidiado as suas ações apresenta limitações, como não analisar o processo de saúde-doença em sua complexidade, sem abarcar as peculiaridades da comunicação humana (audição, linguagem escrita/oral, voz, fluência) e disfagia. Evidências tendem a negligenciar as particularidades dos processos subjetivos, sociais, históricos e culturais de cada contexto/comunidade.
Portanto, é sob a ótica da teoria da causalidade que o fonoaudiólogo terá uma análise do fio condutor da doença e sua progressão de forma mais clara, acompanhando ao longo do percurso até o desfecho e, com isso, reconhecerá a amplitude do efeito. Assim, as ações de prevenção e promoção serão manuseadas de maneira confiável e com efetividade.
Estudos da área da Fonoaudiologia não utilizam a teoria da causalidade, nem metodologias que a exploram, porém, com base na proposta conceitual descrita neste artigo, fonoaudiólogos terão conteúdo substancial para avançar como ciência.