versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.45 no.3 São Paulo 2019 Epub 30-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20190130
A asma é uma doença respiratória crônica que afeta 339 milhões de indivíduos em todo o mundo, dos quais cerca de 20 milhões estão no Brasil.1 Desde 1998, a Global Initiative for Asthma celebra em nível internacional o “Dia Mundial da Asma”, que tem por objetivo aumentar a conscientização sobre a doença e como ela afeta a vida dos pacientes. No Brasil, há longa data, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia promove o “Dia Nacional da Asma” e o “Dia Mundial da Asma”. Este ano, o “Dia Mundial da Asma” será celebrado em 7 de maio e terá como tema “STOP for Asthma”, sendo que STOP é o acrônimo para Sintomas (avaliação dos sintomas); Teste (controle da asma); Observe (e avalie); e Prossiga (e ajuste o tratamento). Esta é uma época para refletir e parece natural perguntarmos, “Como se encontra hoje o cenário da asma no Brasil? O copo está meio cheio ou está meio vazio?”
Para os otimistas, entre os quais nós nos incluímos, o copo está meio cheio. Nem todos, como nós, viveram os dias em que, para tratarmos da asma, dispúnhamos apenas de teofilina, corticoide oral e β2-agonista de curta duração para uso por via oral ou nebulizado. Aqueles eram dias de serviços de emergência e enfermarias lotadas com asmáticos. São inegáveis os grandes avanços no conhecimento da fisiopatologia da asma nas últimas décadas e, consequentemente, a impressionante melhora na oferta de medicamentos controladores da doença. Porém, o benefício desses avanços no conhecimento não se estende para todos os que precisam.
Paradoxalmente, o controle da doença continua subótimo mundialmente.2,3 Em 2011, um inquérito aplicado em diversos países do nosso continente entrevistou 2.169 adultos asmáticos ou pais de crianças portadoras de asma; apenas 9% dos entrevistados tinham asma controlada no Brasil.3 Em relação aos últimos 12 meses, 27% dos brasileiros entrevistados relataram internação e outros 47% relataram atendimento de emergência.4 Mais recentemente, outro inquérito nacional5 envolvendo 12.000 brasileiros adultos que aceitaram responder ao questionário do estudo mostrou que 4,1% dos entrevistados tinham diagnóstico prévio de asma. Desses, 52,1%, 36,4% e 12,3% tinham asma não controlada, asma parcialmente controlada e asma controlada, respectivamente. Apenas 32,4% dos entrevistados relataram adesão completa ao tratamento prescrito. Quando comparados ao grupo controle, os asmáticos tinham pior qualidade de vida e maior número de internações nos últimos 6 meses. A produtividade no trabalho (taxas de absenteísmo e presenteísmo) foi menor entre os asmáticos do que no grupo controle.5
Esses resultados indicam que o copo está meio vazio? Sim, no que concerne ao controle da asma. Pneumologistas, clínicos e pediatras envolvidos no manejo da asma no Brasil enfrentam diversos desafios que variam em complexidade de acordo com as condições socioeconômicas e culturais locais e dos pacientes, suas crenças e mitos, os recursos disponíveis no local de trabalho para investigar e confirmar o diagnóstico de asma, a dificuldade ao acesso da medicação prescrita e a sobrecarga de trabalho, entre outros. Adicionalmente, a asma é uma doença complexa e heterogênea, para a qual o tratamento medicamentoso por via inalatória, por si só, representa um desafio para o uso correto do dispositivo inalatório e a adesão ao tratamento, além da escolha do dispositivo correto e da dose adequada para um determinado paciente.6 Isso posto, deve-se acrescentar que a grande maioria dos asmáticos se encontra nos consultórios da atenção primária e da pediatria. Para essa grande maioria de asmáticos o tratamento da asma é simples, com rápida resolução dos sintomas, uma vez que a doença é do tipo concordante (quanto maiores os sintomas, maior a inflamação das vias aéreas), que, em geral, responde bem ao tratamento guiado pelos sintomas.7
Se a maioria dos pacientes com asma tem asma responsiva ao tratamento7 e a controla facilmente, então porque o controle continua subótimo? Além dos diversos fatores voluntários e não voluntários envolvidos na adesão ao tratamento,6 uma possibilidade plausível é a falta de comunicação entre médico e paciente.8,9 Tal como em toda doença crônica, a parceria médico-paciente não pode ser apenas retórica, mas uma realidade em que o médico reserva tempo para estabelecer confiança e vínculo com o paciente. O mais provável é que o controle subótimo da asma resulte do conjunto da falta de uma abordagem personalizada nos planos biológico e psicossocial e da falta de melhor conhecimento sobre o comportamento do paciente, com suas expectativas e temores, além de dificuldades na escolha do dispositivo inalatório mais adequado para cada paciente.6,10 Os baixos índices de controle da asma representam uma bandeira vermelha chamando a atenção para a necessidade de ações com o objetivo do desenvolvimento de habilidades não apenas do médico mas também de toda a equipe de saúde para a compreensão da complexidade da doença. Além do mais, a asma não tem um biomarcador único para seu diagnóstico, e o tratamento requer o uso de dispositivos inalatórios. Entretanto, na maioria dos casos, a doença pode ser resolvida de forma muito simples com medicações dispensadas gratuitamente na Farmácia Popular do Brasil.
Também existem dados concretos que mostram que o copo está meio cheio. No cenário nacional, as tendências longitudinais mostram que no Brasil, entre 2008 e 2014, houve uma redução média de 43% no número de internações por asma em pacientes com idades entre 1 a 49 anos, o que coincide com o fornecimento de medicações gratuitas pelo Sistema Único de Saúde a partir de 2008.11 Esses dados são animadores, mas podem ser melhorados em muito. Na Finlândia,12 um programa implantado há 27 anos voltado para aumentar o diagnóstico e o controle da asma resultou em significativa redução dos custos com a asma apesar de um aumento de quase 300% no número de diagnósticos da doença no mesmo período. Os custos por paciente diminuíram em 72%. Além disso, a proporção de pacientes com exacerbação grave da asma reduziu-se de 20% para 2,5%. O sucesso do programa foi atribuído à ênfase local, ao engajamento de toda a equipe envolvida no manejo da asma e à visão de que a asma é um problema de saúde pública cuja solução deve envolver profissionais e público através de campanhas educativas direcionadas e tolerância zero ao subdiagnóstico e subtratamento da doença.13 Poderia se argumentar que a Finlândia é um país pequeno e desenvolvido. Várias experiências municipais demonstram que o mesmo pode ser feito no Brasil com sucesso, quando há especialistas dispostos a atuar no Sistema Único de Saúde para oferecer centros de referência e capacitar profissionais da atenção primária.14-17
Em conclusão, é tempo de pararmos de olhar para o copo e arregaçarmos as mangas. Vamos juntos encher o copo. Queremos um Brasil onde todos possam respirar!