versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.12 no.1 São Paulo jan./mar. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082014MD2739
O uso de células-tronco para tentar regenerar o miocárdio lesado é antigo: os primeiros trabalhos datam de 2003(1) e utilizam células obtidas da medula óssea. São bem conhecidas as capacidades dessas células-tronco de medula óssea – posteriormente identificadas no sangue circulante – de regenerar completamente todo tecido hematopoiético e mais o sistema imune.
Apesar de existirem muitos estudos empregando essa metodologia, os resultados são variáveis. Muitos favoráveis,(2,3) outros nem tanto.(4,5) As diferenças entre resultados têm varias explicações: metodologias diferentes de preparo das células derivadas da medula; dúvidas sobre qual é realmente o tipo celular relevante – mesenquimais ou células-tronco; métodos diferentes de infusão dessas células (intracoronariana e intracardíaca); tempos diferentes entre o infarto do miocárdio como fator a indicar esse tratamento e a execução do mesmo; e metodologias variáveis para medir resultados.(6)
Revisão relativamente recente dos estudos clínicos mostrou alguns problemas especialmente ligados à análise dos resultados clínicos: quase todos os estudos são de poucos pacientes, com variabilidade de métodos de apreciação, sendo o mais objetivo o que mede a fração de ejeção do ventrículo esquerdo, com variações temporais pós-infarto e com o famoso efeito Hawthorne (se a equipe médica e o paciente esperam melhora, vão notar melhora…).(7)
O uso de células mesenquimais alogênicas, que não induz reação transplante versus hospedeiro, mostrou efeito relativamente pequeno, mas real, na melhora pós-infarto comparado a células mesenquimais autólogas.(8)
Outras células-tronco também foram utilizadas, como as obtidas de tecido adiposo, por enquanto em caráter experimental.(9) Um estudo randomizado, com número maior de pacientes, também relativamente recente, não foi entusiástico no uso de células derivadas da medula óssea para melhor resultado clínico pós-infarto ou em grave insuficiência cardíaca.(10)
Estudos mais recentes mostraram que existem, no coração, células-tronco com as características desse tipo de célula: são clonogênicas, e capazes de se diferenciarem em cardiomiócitos, células da musculatura lisa vascular e endotélio. Modelos animais mostraram melhor sucesso com o uso dessas células na regeneração miocárdica pós-infarto e um estudo muito recente,(11) ainda que com número pequeno de pacientes, foi encorajador. As células-tronco miocárdicas neste estudo, o SCIPIO (do inglês Stem Cell Infusion in Patients with Ischemic Myocardiopathy) foram infundidas em 16 pacientes, sendo 7 controles. Não se trata de estudo terminado, mas é randomizado: um estudo aberto, com todas as críticas que possam ser feitas a esse modelo. As células-tronco cardíacas têm um marcador de superfície, o c-kit, e foram obtidas nesse estudo a partir de biópsia de aurícula durante cirurgia cardíaca: foram expandidas in vitro e separadas usando-se um cell sorter e uma seleção imunomagnética com micro-pérolas. Dois milhões dessas células foram obtidas por paciente e infundidas 4 meses depois. Melhoras foram aferidas por testes funcionais, mensuração do tamanho do infarto por ressonância magnética, sendo significativas. Esse foi um estudo em evolução, e, se realmente os resultados forem confirmados com um número maior de casos, tem-se uma possibilidade de reparar os danos da miocardiopatia isquêmica e talvez – isso precisa ser ainda pesquisado – tratar miocardiopatias de outras causas.
Ao contrário de outras células-tronco, as cardíacas podem ser expandidas, aparentemente sem perda da sua “trococidade”, ou seja, mantém-se como células-tronco. Não é o que ocorre, por exemplo, com as células de medula óssea, que podem ser expandidas, mas progressivamente deixam de ser células-tronco.
Propostas ainda mais arrojadas existem (e são ainda propostas), nunca executadas na espécie humana, como o uso de células-tronco de adultos transformadas em embrionárias – não existem trabalhos publicados usando essas técnicas, quer experimentais e, muito menos, clínicos.
Doenças isquêmicas cardíacas ainda são a mais importante causa de morte em países desenvolvidos e em países como o Brasil, que rapidamente atingem padrão de consumo dos países desenvolvidos, incluindo a mudança para pior da dieta: ainda que a prevenção seja muito mais efetiva para doença isquêmica miocárdica que tratamento post facto, tem-se a certeza de que será preciso o tratamento das complicações da doença isquêmica do miocárdio. Os resultados desses novos estudos dão esperança de que a regeneração miocárdica é clinicamente possível.