versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.37 no.3 São Paulo jul./set. 2015
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20150061
Desde 1980, há prevalência de aumento global da hiperglicemia de jejum, correlacionada ao desenvolvimento e progresso, associado a aumento de índice de massa corpórea (IMC), indicando que a obesidade é um dos motores do diabetes mellitus tipo 2 (DM2), respondendo a aproximadamente 85-90% da doença.1 A evolução da epidemia diabetes/obesidade e suas complicações tornaram-se um importante problema de saúde pública. Recentemente, o Centro Nacional de Prevenção de Doenças Crônicas e Promoção da Saúde dos Estados Unidos da América indicou que 29,1 milhões de pessoas da população dos EUA têm diabetes, e em 27,8% dos casos a doença permanece sem diagnóstico. As comorbidades do DM2, como retinopatia, levaram 4,2 milhões de americanos diabéticos à amaurose antes dos 70 anos. Lesões renais microvasculares do diabetes levam quase 50 mil pacientes ao transplante de rim. Lesões dos nervos periféricos podem levar à ulceração e amputações dos membros, 60% das amputações nos EUA são relacionados ao DM2.2,3
Estima-se que o custo econômico do diabetes nos EUA, em 2012, foi de aproximadamente US$ 245 bilhões.4
As complicações microvasculares do DM2 ocorrem principalmente na retina (não proliferativa e proliferativa), rins (nefropatia diabética), e tecido nervoso (central, periférico, sensório motor e autonômico). A polineuropatia bilateral periférica é a apresentação mais comum. Estas complicações surgem de acordo com a gravidade e tempo de instalação da doença. O DM2 geralmente inicia com progressão da resistência periférica à insulina, evoluindo com hiperglicemia pós-prandial e hipertrigliceridemia, gerando uma glicotoxicidade, na qual há exaustão das células beta do pâncreas. O endotélio é um importante local de destino para os efeitos nocivos do excesso de glicose e lipídeos circulantes, gerando as complicações microvasculares.5
A nefropatia diabética pode ser definida como um aumento persistente da albuminúria acima de 30 mg de albumina/grama de creatinina urinária. A diminuição da taxa de filtração glomerular (TGF) ocorre devido à fibrose do túbulo intersticial renal, gerando macroalbuminúria, que pode levar o paciente a um estágio final de doença renal crônica (DRC). A macroalbuminúria é precedida por um longo período (cerca de 10-20 anos), de microalbuminúria progressiva (30-299 mg/g de creatinina urinária). Um estudo prospectivo realizado no Reino Unido (UKPDS) indica que 24,9% dos pacientes desenvolvem microalbuminuria ao longo de 10 anos, 5% com macroalbuminúria em desenvolvimento e menos de 1% evolui para a fase final da doença renal.6,7
A retinopatia é a complicação mais frequente do DM2, sendo a forma não proliferativa assintomática, caracterizada por microaneurismas da retina e alterações da permeabilidade vascular. Edema macular pode ocorrer e levar a uma deficiência visual significativa.8
De acordo com o UKPDS, 37% dos pacientes com DM2 têm retinopatia em algum grau no momento do diagnóstico.9
A neuropatia diabética engloba a maior disfunção do sistema nervoso central, geralmente associada a lesões do sistema somatossensorial. Em 50% dos casos, manifesta-se como alterações sensitivas e motoras em forma de luva e bota. Ocorrem devido à degeneração microvascular e de condução das fibras nervosas, reduzindo estimulo tátil e elevação nos limiares térmicos, dor crônica e parestesias.8,10
O Diabetes Control and Complications Trial (DCCT)11 demonstrou que as intervenções glucocêntricas podem controlar e prevenir as complicações micro e macrovasculares. Quatro grandes ensaios clínicos são frequentemente citados. O UKPDS12 acompanhou 3867 pacientes por mais de 11 anos, em que foi realizado controle glicêmico intenso, visando glicemias em jejum < 110 mg/dl. Dentre as conclusões, foi observada redução de 25% nas complicações microvasculares, predominantemente a retinopatia. O Action in Diabetes and Vascular Disease (ADVANCE),11 ensaio clínico randomizado com 5 anos de seguimento, acompanhou 11.140 pacientes, com média de 8 anos de história de DM2 e controle intensivo de glicemia de jejum com objetivo de hemoglobina glicada (HbA1c) de 6,5%. O seguimento não evidenciou diferença significativa em retinopatia, porém, houve redução de 21% na nefropatia. O Action to Control Cardiovascular Risk in Diabetes (ACCORD)13 incluiu 10.251 pacientes com duração média de diabetes de 10 anos, em que 35% tinham doença cardiovascular e 17% doença microvascular O tratamento foi glucocêntrico, com objetivo de HbA1c 6%. O estudo foi suspenso em 3,5 anos por aumento de mortalidade no grupo tratado intensivamente.
O primeiro grande estudo que randomizou 80 pacientes com DM2, microalbuminuria para receberem farmacoterapia multimodal intensificada (controle glicêmico, inibidor da enzima conversora de angiotensina, aspirina), dieta, estilo de vida, tendo como alvo a HbA1c < 6,5%, pressão arterial menor que 130/80 mmHg, colesterol total de 175 g/dl e triglicérides 150 mg/dl foi o Steno-2.14 Após seguimento de 8 anos, os pacientes apresentaram melhor controle metabólico, redução de eventos cardiovasculares e complicações microvasculares, além de reduções de 62% e 58% na nefropatia e retinopatia, respectivamente.
A cirurgia bariátrica atualmente é a intervenção mais eficaz no tratamento de obesidade mórbida. Ensaios clínicos randomizados demonstram maior eficácia da derivação gastrojejunal em Y de Roux (DGJYR) sobre a melhor intervenção farmacológica no controle do DM2.15,17 Um estudo prospectivo - Swedish Obese Subjects (SOS) - mostra como a cirurgia bariátrica diminui em longo prazo a progressão do pré-diabetes para diabetes clinicamente instalado. Dislipidemia e hipertensão são os principais fatores de risco para as doenças microvasculares em DM2 associados à obesidade. Recentemente, Schauer et al.,18 em um trabalho randomizado e controlado, avaliaram 120 pacientes com DM2 com duração superior a 6 meses e HbA1c > 8%, que receberam orientações quanto à mudança de estilo de vida, e intervenções médicas, sendo 60 submetidos à DGJYR, além de mudança de estilo de vida, outros 60 submetidos a tratamento farmacológico intenso e mudança no estilo de vida. Após 12 meses, 28% dos submetidos ao procedimento cirúrgico e 19% dos submetidos ao tratamento farmacológico atingiram os objetivos de HbA1c de 6%, LDL < 100 mg/dl, pressão arterial sistólica < 130 mmHg. Os pacientes do braço cirúrgico atingiram os desfechos à custa de menos medicação. O melhor resultado do grupo cirúrgico se manteve em 3 anos de seguimento.19
Diversas outras publicações demonstraram ações antidiabéticas diretas independentes da perda ponderal e também independentes do índice de massa corpórea dos pacientes.20,24 Os bons resultados das operações metabólicas, com diminuição em longo prazo de complicações micro e macrovasculares, além de diminuição da mortalidade em longo prazo, estão mobilizando órgãos regulatórios da prática médica em diversos países, incluindo o Brasil, a rever os critérios atuais de indicação cirúrgica baseadas em peso. Sem dúvida, a gravidade das doenças associadas deve nortear as indicações de qualquer alternativa terapêutica, seja ela clínica ou cirúrgica.25
Cirurgia metabólica é uma nova disciplina definida como intervenções sobre o trato gastrointestinal que têm, como referido acima, ações antidiabéticas diretas, inicialmente independentes da perda de peso.
A prática clínica e a literatura médica desde o início da história da cirurgia bariátrica têm mostrado resultados promissores e até impressionantes em relação à melhora, ou mesmo remissão do DM2 no pós-operatório.26,27
Após estabelecer um pneumoperitônio com aproximadamente 15 mmHg de gás carbônico e campo operatório adequado, o procedimento é iniciado abrindo-se o peritônio do pilar diafragmático esquerdo. Neste ponto, é criado o túnel retrogástrico por onde será tracionado o cateter da banda. Neste momento, o estômago está isolado pelo cateter, mas ainda mantém toda gordura do pequeno omento em conjunto. Inicia-se, então, o segundo passo da colocação da banda. Um balão com 30 ml de volume é inflado dentro do estômago e tracionado até a junção gastroesofágica para moldar o novo estômago. Abaixo do balão, na margem direita do estômago, isola-se toda gordura do pequeno omento e traciona-se o cateter da banda de forma a ficar com o estômago isolado sem excesso de gordura na sua circunferência. Para finalizar, dois pontos, com fio inabsorvível 2-0 unindo estômago com estômago por sobre a banda fechada, e um ponto, unindo o fundo gástrico ao pilar esquerdo, são aplicados.
Existem diversos estudos retrospectivos e observacionais com taxas de remissão de DM2 em torno de 50% com seguimento de 12 a 36 meses. Porém, há uma falta de uniformidade sobre as definições de controle do DM2, sendo alguns somente considerando controle glicêmico (HbA1c < 7) e alguns poucos considerando controle metabólico (HbA1c, LDL e pressão arterial multifatorial).
Em 2008, Dixon et al.,15por meio de um estudo randomizado e controlado, compararam 60 pacientes com IMC entre 30-40 kg/m2, divididos em 2 grupos, um com modificação comportamental e tratamento clínico e outro com BGA. Após 24 meses, 73% do grupo cirúrgico conseguiu a remissão, definida como glicemia em jejum menor que 126 mg/dL e HbA1c menor que 6,2% sem antidiabéticos, enquanto somente 13% dos pacientes do grupo clínico conseguiram a remissão do DM2. Como o esperado após operações puramente restritivas, a remissão foi diretamente associada com maior perda de peso. Neste estudo, os pacientes tinham história curta de DM2 e estavam somente utilizando antidiabéticos orais.
Também realizada por videolaparoscopia, consiste na criação de um reservatório gástrico de 20 a 50 ml e da derivação do estomago distal e intestino proximal com medidas variáveis de alças. Após a enteroanastomose, é realizada, comumente de forma precólica, a anastomose gastrojejunal, que pode ser confeccionada manualmente ou com o auxilio de grampeadores linear ou circular.
A DGJYR é a mais realizada no Brasil e no mundo. É o procedimento com maior tempo de seguimento e resultados mais consistentes e reprodutíveis.
Pories et al., em 1995,26em estudo com 608 obesos mórbidos submetidos ao DGJYR e acompanhados por 14 anos, alertaram para os resultados desta cirurgia, não só em relação à diminuição de peso efetiva e duradoura, mas também ao controle da glicemia em pacientes diabéticos (82,9%) e intolerantes à glicose (98,7%), bem como à melhora ou resolução de outras comorbidades como hipertensão arterial, apneia do sono, insuficiência cardíaca, artrite e infertilidade Da mesma forma, Schauer et al., em 2003,28 encontraram 83% de remissão de DM2 em 5 anos, principalmente aqueles com menor tempo de evolução da doença ou não usuários de insulina. Higa et al.29 também reportaram 83% de melhora ou resolução do DM2 após DGJYR. Cerca de 67% dos pacientes mantiveram-se sob controle glicêmico em até 10 anos de seguimento. Diversos outros autores reportaram um alto índice de resolução ou melhora do DM2 após DGJYR.30,36
Um dos mais respeitados estudos em cirurgia bariátrica, o Swedish Obese Subjects (SOS),37 envolveu 4047 pacientes acompanhados prospectivamente por mais de uma década. Além da perda de peso evidentemente maior e mais duradoura no grupo cirúrgico (25% de perda após 10 anos de DGJYR) em comparação ao controle (ganho de 1,6%), outros parâmetros como glicemia e insulina, hipertrigliceridemia, aumento de circunferência abdominal, hipertensão arterial e redução do HDL, que fazem parte dos critérios para o diagnóstico de síndrome metabólica, também tiveram melhora e diminuição de incidência após a cirurgia metabólica. Além disso, após dois anos de seguimento, nenhum paciente do grupo cirúrgico desenvolveu diabetes, contra 5% no grupo controle. Este efeito preventivo permaneceu após 10 anos, sendo que o risco de desenvolver diabetes foi três vezes menor no grupo cirúrgico.
Em 2004, Buchwald et al., em uma metanálise,27 analisaram 22.094 pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, confirmando os resultados do SOS, encontrando 76,8% de remissão do diabetes e remissão ou melhora em 86,0%, melhora da dislipidemia em 70% dos pacientes ou mais, hipertensão resolvida em 61,7% dos pacientes e resolvida ou melhorada em 78,5%, além de resolução da apneia obstrutiva do sono em 85,7% dos pacientes. Outros estudos confirmaram a melhora da dislipidemia com diminuição do LDL por volta de 28%.38
Recentemente, mais um relato do SOS demonstrou que as operações bariátricas, mais particularmente a DGJYR é eficaz na prevenção do DM2.39 Em obesos sem DM2 no início do estudo longitudinal e prospectivo, a incidência do DM2 foi de 6,8 casos após o tratamento cirúrgico, comparado com 28,4 casos a cada 1000 indivíduos do grupo controle. Muito interessante se notar a menor influência do IMC na redução de risco do DM2. Não foram os IMCs mais altos, mas sim aqueles com taxas de glicemia em jejum ou insulina sérica altas que tiveram a maior redução de risco de desenvolvimento do DM2.
É também realizada pelo acesso videolaparoscópico e consiste na ressecção longitudinal da grande curvatura do estômago, começando de 3 a 4 cm acima do piloro até a junção gastroesofágica.
A GV foi descrita para ser o primeiro tempo de uma DGJYR ou "switch duodenal" em superobesos ou em pacientes clinicamente graves, porém, uma boa parte desses pacientes tinham importante melhora das comorbidades e perda ponderal razoável, evitando-se o segundo tempo de conversão da GV em uma DGJYR ou outro procedimento.40
Algumas revisões sistemáticas e metanálises mostraram, pelo menos em curto prazo, 70 a 80% de remissão do DM2 após a GV.41,42 A GV é um procedimento que parece ser tecnicamente mais simples que as outras intervenções metabólicas, porém, exige do cirurgião bom conhecimento anatômico e refinamento técnico para sua perfeita realização. Não é um procedimento "mais simples". Existe razoável controvérsia sobre seu mecanismo de ação, sendo que diversos trabalhos demonstram mecanismos neuroendócrinos de controle metabólico,43,44enquanto outros sustentam a melhora do DM2 quase que exclusivamente pela perda ponderal.45
Leonetti et al.,46 em 2012, compararam o controle metabólico entre a GV e tratamento clínico, com 80% de remissão do DM2 (HbA1c < 7, sem medicação) no grupo cirúrgico contra 1,7% no grupo clínico.
Lee et al.47 já mostraram resultados mais modestos em 12 meses de acompanhamento após GV em DM2, com 50% de remissão. Esse mesmo grupo chinês, comparando a DGJYR e a GV em diabéticos obesos mórbidos, demonstrou que na mesma perda ponderal, a DGJYR é estatisticamente superior em termos de controle do DM2 quando comparada com a GV, implicando em uma ação além da perda ponderal nas operações que desviam o alimento pelo tubo digestivo (DGJYR).
Ambas são operações que privilegiam a má absorção e têm pequena restrição. A derivação biliopancreática à Scopinaro, faz 1 secção transversal no estômago, e foi descrita com 1 canal comum de absorção de 50 cm. Já o "switchduodenal" é composto de uma gastrectomia vertical ampla e com um canal comum de absorção de 100 centímetros, visando atenuar a intensidade da má absorção quando comparado com o Scopinaro.
Os resultados em relação à resolução do DM2 após as derivações biliopancreáticas, seja ela à Scopinaro ou "switch duodenal", são expressivos, variando de 85 a 96%.48,49 Parece realmente ser uma boa opção para o controle metabólico, mas sua larga adoção esbarra no fato de serem descritas complicações nutricionais graves a médio e longo prazo, o que facilita a utilização de outras técnicas como a DGJYR, que tem bons resultados, porém com menor risco no pós-operatório.50
A seção a seguir apresenta um resumo dos dados clínicos emergentes desde 2011, examinando o efeito da cirurgia bariátrica sobre as complicações microvasculares do DM2. Os dados foram conseguidos após revisão sistemática com a ferramenta PubMed, utilizando os termos: derivação gastrojejunal em Y de Roux, gastrectomia vertical, derivação bileopancreática (DBP) com ou sem duodenal switch, gastrectomia vertical, cirurgia bariátrica, cirurgia metabólica, complicações microvasculares do diabetes, retinopatia, nefropatia, neuropatia. Classificadores: ensaio clínico, estudo observacional, estudo comparativo, estudo randomizado controlado, ensaio clínico fase I, ensaio clínico fase II, ensaio clínico Fase III. Foram encontrados 16 estudos cujos resultados estão resumidos abaixo.
Tabela 1 Estudos prospectivos. Cirurgia bariátrica/metabólica e desfechos microvasculares
Autor | Número de pacientes e seguimento | Procedimentos | Desfechos microvasculares |
---|---|---|---|
laconelli et al.51 | 50 em 2 anos | DBP* x Controle | microalbuminúria reduzida no grupo cirúrgico |
Amor et al.52 | 96 em 2 anos | DGJYR**/GV*** | Diminuição da RAC# |
Fenske et al.53 | 30 em 1 ano | BGA ¶/DGJYR** | Melhora de marcadores inflamatórios |
*Derivação biliopancreática;
**Derivação gastrojejunal em Y de Roux;
***Gastrectomia vertical;
#Razão microalbuminúria/creatininúria;
¶Banda gástrica ajustável.
O estudo prospectivo mais convincente publicado até a data da redação desta revisão, sobre o efeito da cirurgia bariátrica versus tratamento médico convencional nos resultados microvasculares, é um estudo não randomizado, caso-controle por Iaconelli et al.,51 ao examinar os efeitos da DBP sobre a excreção urinária de albumina e taxa de filtração glomerular em 50 pacientes com obesidade e DM2 recém-diagnosticados. Associado aos achados em relação à doença macrovascular, aumento de creatinina sérica foi verificado em 39,3% em indivíduos do grupo clínico contra 9% nos submetidos ao tratamento cirúrgico e o delta na TFG foi -45,7 ± 18,8 no grupo clínico contra 13,6 ± 24,5% no segundo, refletindo a preservação da TFG no grupo cirúrgico. Enquanto 14,3% dos pacientes do grupo controle (contra 31,8% dos pacientes com DBP) tinham microalbuminúria no início, aos 2 anos de seguimento, a situação inverteu-se com o grupo clínico, aumentando a incidência de microalbuminúria para 28,6% e no grupo da cirurgia bariátrica/metabólica a incidência diminuiu para 9,1%. Depois de 10 anos, todos os indivíduos no grupo DBP não tinham microalbuminúria, ao passo que no grupo controle, a nefropatia uniformemente piorou.
Amor et al.52 realizaram um estudo prospectivo observacional, em 96 pacientes com DM2 submetidos RYGB ou GV com o objetivo de descrever o impacto da cirurgia e a perda de peso sobre a excreção urinária de albumina. A razão albuminúria/creatininúria (RAC) no início do estudo foi de 85,7 ± 171 mg/g com RAC > 30 mg/g (microalbuminúria) presentes em 45,7% dos participantes. Aos 12 meses, a RAC foi significativamente menor (42,2 ± 142,8 mg/g) e o percentual de participantes com um RAC > 30 mg/g caiu 41,5%.
Fenske et al.,53 em um estudo longitudinal prospectivo, avaliaram mudanças no peso corporal, pressão arterial, citocinas séricas e urinárias no pré-operatório em 12 meses em 30 pacientes obesos mórbidos submetidos à banda gástrica ajustável (BGA) (n = 13), DGJYR (n = 10) e GV (n = 11). Com relação aos indicadores de doença microvascular renal, as reduções significativas no peso corporal e hipertensão em 12 meses foram acompanhadas de redução da proteína C reativa e redução dos níveis urinários e séricos do fator inibitório de macrófagos, monócitos quimiotáxico proteína-1 e de quimiocinas 18. Em nove pacientes, níveis séricos basais de cistatina C sérica > 0,8 mg/l, que pode indicar comprometimento da função renal, melhoras significativas foram observadas após 12 meses.
Tabela 2 Estudos retrospectivos. Cirurgia bariátrica/metabólica e desfechos microvasculares
Autor | Número de pacientes e seguimento | Procedimentos | Desfechos microvasculares |
---|---|---|---|
Johnson et al.54 | 2580 em 15 anos | Diversos não descritos | Diminuição da retinopatia e doença renal |
Miras et al.55 | 84 em 2 anos | DGJYR/GV/BGA | Diminuição da RAC# e estabilização da retinopatia |
Varadhan et al.56 | 23 em 3 anos | Diversos. Não descritos | Variáveis resultados de regressão, estabilização e piora da retinopatia |
Brethauer et al.51 | 215 em 5 anos | DGJYR**/GV***/BGA¶ | Diminuição da RAC#; Estabilização da retinopatia e regressão ou estabilização da nefropatia |
Heneghan et al.58 | 52 em 66 meses | Diversos, predominando a DGJYR*** | Regressão significativa da nefropatia |
Carlsson et al.59 | 1498 cirúrgicosx1610 controles com 15 anos de acompanhamento | Diversos | Diminuição da microalbuminúria no braço cirúrgico |
Stephenson et al.60 | 23 em 3 anos | BGA¶ | Diminuição da microalbuminúria |
Jose et al.61 | 25 em 4 anos | DBP* | Melhora da função renal |
Thomas et al.62 | 40 em 1 ano | Não descreve | Estabilização ou regressão da retinopatia |
*Derivação biliopancreática;
**Derivação gastrojejunal em Y de Roux;
***Gastrectomia vertical;
#Razão microalbuminúria/creatininúria;
¶Banda gástrica ajustável.
Em um grande estudo retrospectivo em pacientes com obesidade DM2 que de 1996 a 2009, Johnson et al.54 compararam resultados de desfechos microvasculares em 2580 pacientes submetidos à cirurgia bariátrica e 13.371 controles não operados que tinham os mesmos critérios de inclusão. Resultados dos desfechos microvasculares foram definidos como um novo diagnóstico de amaurose em pelo menos um olho, intervenções sobre retina, amputação não traumática ou criação de um acesso permanente para hemodiálise. A cirurgia foi associada a uma redução significante de eventos microvasculares (HR ajustado de 0,22, 95% CI 0,09-0,49).
Miras et al.55 analisaram retrospectivamente 84 pacientes com DM2 que foram submetidos à cirurgia bariátrica num período de 12 a 18 meses. O estudo incluiu 59 DGJYR (70,2%), 19 GVs (22,6%), e 6 BGAs (7,1%). Foram analisados no pré-operatório e pós-operatório (12-18 meses) retinografias e 2 campos e razão albuminúria/creatininúria. Havia 67 pacientes com dados completos da retina em que 5 (7,5%) tiveram uma melhora das doenças da retina, 1 (1,5%) teve piora e 61 (91,0%) não mostraram nenhuma mudança. Um total de 28 pacientes que tinham retinopatia no pré-operatório. Cinco (17,8%) mostraram melhora, 1 (3,6%) apresentou piora e 22 (78,6%) não mostrou alteração após a cirurgia. A média de pontuação da retinopatia diminuiu significativamente em toda a coorte de 4,7 ± 0,6-3,3 ± 0,5. Num subgrupo de pacientes submetidos DGJYR que tinham albuminúria pré-operatória, uma redução significativa de 3,5 vezes no pós-operatório RAC foi documentada.
Em uma análise retrospectiva, Varadhan et al.56 examinaram o impacto da cirurgia bariátrica (DGJYR e GV) sobre a retinopatia diabética em 23 pacientes com mais de 3 anos de seguimento pós-operatório. Em dois pacientes (9%), nova retinopatia se desenvolveu enquanto outros 2 (9%) tiveram progressão da doença pré-existente. Em 13 pacientes (59%) não foi diagnosticada retinopatia, antes ou após a cirurgia, e em três pacientes (14%), a doença retiniana permaneceu estável. Em dois pacientes (9%), a retinopatia regrediu no período de seguimento pós-operatório.
Uma análise retrospectiva realizada por Brethauer et al.57 descreveu resultados de 5 anos de seguimento em uma série de pacientes com DM2 submetidos à cirurgia bariátrica (DGJYR n = 162, BGA n = 32 e GV n = 23) entre 2004 e 2007 e mostrou que a nefropatia diabética regrediu em 53% dos pacientes e estabilizou nos 47% restantes.
Heneghan et al.58 também identificaram 52 pacientes com obesidade e DM2 com 5 anos de acompanhamento após a cirurgia bariátrica que tinham monitoramento em série da RAC. A nefropatia estava presente em 37,6% dos pacientes no pré-operatório, com resolução em 58,3% dos pacientes acompanhados em uma média de acompanhamento de 66 meses. A taxa de incidência de microalbuminúria foi de 25%.
Carlsson et al.,59 num subestudo do SOS, analisaram as taxas de incidência de 15 anos de albuminúria. Isto incluiu 1498 pacientes que foram submetidos à intervenção cirúrgica bariátrica e 1610 controles com cuidados habituais sem albuminúria. Cirurgias incluíram a BGA (18%), gastroplastia vertical com bandagem (69%) e DGJYR (13%). A média de acompanhamento foi de 10 anos, com taxas de acompanhamento de 87, 74 e 52% em 2, 10 e 15 anos, respectivamente. Albuminúria apareceu em 246 participantes no grupo controle e 126 dos pacientes do grupo de cirurgia bariátrica (hazard ratio, 0,37; intervalo de confiança de 95%, 0,30-0,47).
Stephenson et al.60 estudaram retrospectivamente 23 pacientes para acessar os efeitos da BGA sobre a albuminúria em pacientes com obesidade, DMT2 e doença renal estabelecida durante um 3 anos de seguimento. Um total de 7 pacientes apresentaram macroalbuminuria no início do estudo, dos quais 2 revertidos à normoalbuminúria, 2 para microalbuminúria e 3 permaneceram macroalbuminúricos para 36 meses de seguimento. Dos 16 pacientes com microalbuminúria, no início do estudo, 9 reverteram para normoalbuminúria, enquanto 6 apresentaram microalbuminúria sustentada e um único paciente evoluiu com macroalbuminúria.
Jose et al.,61 em uma análise retrospectiva da função renal em 25 pacientes durante um seguimento médio de 4 anos pós-DBP, reportaram redução da creatinina sérica em 16,2 ± 19,6 nmol/l e estimativa de TFG (eTFG) melhorou de 10,6 ± 15,5 ml/min/m2.
Hou et al.62 pesquisaram a TFG em 233 pacientes com mais de 12 meses após cirurgias bariátricas. A estratificação de pacientes no início do estudo em categorias de eTFG e doença renal crônica (DRC) foi realizada para definir 61 pacientes como tendo hiperfiltrantes (TFG 146,4 ± 17,1 ml/min/1,73 m2), 127 como tendo TFG normal (105,7 ± 9,6 ml/min/1,73 m2), 39 como fase DRC 2 (76,8 ± 16,7 mL/min/1,73 m2) e 6 como DRC fase 3 (49,5 ± 6,6 ml/min/1,73 m2).
As intervenções bariátricas diminuíram para 133,9 ± 25,7 mL/min/1,73 m2 no grupo de hiperfiltrantes, aumentou para 114,2 ± 22,2 mL/min/1,73 m2 no grupo normal, aumentou para 93,3 ± 20,4 mL/min/1,73 m2, na fase DRC 2 grupo e aumentou para 66,8 ± 19,3 mL/min/1,73 m2, na fase 3 grupo DRC.
Thomas et al. avaliaram em um estudo piloto retrospectivo a incidência e progressão da retinopatia diabética durante os 12 meses pós-cirurgia bariátrica em pacientes operados entre 1998 e 2012. Um grupo de 40 pacientes com resultados dos exames da retina no pré e pós-operatório foi identificado. Daqueles sem retinopatia antes da cirurgia (n = 26), apenas 4 apresentaram mínima progressão da doença após as cirurgias. Aqueles com doença mínima pré-operatória (n = 9) não mostraram progressão e mesmo 5 doentes apresentaram evidências de regressão. Um doente com retinopatia grave e dois com doença pré-proliferativa antes da cirurgia mostraram progressão.
Os dados acima são favoráveis a um papel para a cirurgia bariátrica e metabólica em reduzir os índices de doença renal em pacientes com DM2 e doença renal precoce. O mais notável e registrado com maior frequência é o potencial de cirurgia para induzir a remissão da albuminúria. Se isto é meramente uma consequência da capacidade de perda de peso por si só para apoiar a redução na proteinúria, não é claro. Metanálise dos dados de 522 pacientes em 13 ensaios que examinam várias modalidades de perda de peso indica que há uma redução de 1,1 mg na excreção de albumina para cada redução de 1 kg de massa corporal; no entanto, o impacto da cirurgia na função renal e evidência de inflamação renal é sugestiva dos efeitos de cirurgia sobre o rim ser multifatorial, além dos efeitos puramente dependente da perda de peso. Papéis renoprotetores das incretinas tal como GLP-1 estão descritos em estudos animais pré-clínicos e pode desempenhar uma perspectiva.
As sequelas pós-operatórias como insuficiência renal aguda e eventual hiperoxaluria em longo prazo podem influenciar negativamente rins previamente danificados, porém, não há dados claros nessa categoria de pacientes que avaliem a relação vantagem/desvantagem das intervenções bariátricas e metabólicas nessa condição de baixa reserva renal.
Embora os dados sobre a redução da incidência de retinopatia no pós-operatório são promissores, menos animadora é a evolução da doença que aparece após as cirurgias, que podem ser progressivamente intratáveis devido à fase de agressão microvascular não detectada no momento das intervenções cirúrgicas. A retinopatia pode ser seletivamente mais sensível a episódios de hipoglicemia reativa do que o rim após a cirurgia e mesmo tratamentos clínicos, e isso, em alguns casos, pode ser uma explicação para agravamento da doença. Além disso, pode haver menos margem para resolução de lesão na retina do que no rim devido a diferenças inerentes na capacidade de fibras nervosas da retina e renais para regeneração dos epitélios.
Há uma escassez de dados sobre a neuropatia diabética após a cirurgia bariátrica, e a discussão na literatura sobre neuropatia e cirurgia bariátrica se concentra mais sobre o potencial de deficiências de micronutrientes após a cirurgia para resultar em neuropatologia.
Enquanto uma base de evidência está surgindo sobre os benefícios da cirurgia bariátrica, em especial em relação ao rim, permanece a necessidade de futuros ensaios clínicos randomizados para comparar os benefícios relativos do tratamento clínico, cirúrgico e clínico associados e de complicações microvasculares em pacientes com obesidade e DM2.