versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.6 São Paulo nov./dez. 2019 Epub 13-Dez-2019
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.04.008
Cistos ósseos aneurismáticos (COA) são lesões raras, não neoplásicas, descritas pela primeira vez por Lichtenstein em 1945. Essas lesões ósseas císticas são frequentemente preenchidas por sangue e destroem a arquitetura do osso e o tecido circundante acometido.1,2 Embora as características histopatológicas e radiológicas de COA sejam bem definidas, a patogenia ainda não foi claramente investigada. O mais provável é que um distúrbio da circulação sanguínea local possa causar COA.3
Em geral, as metáfises dos ossos longos e da coluna vertebral são acometidas por COA. Apenas cerca de 2% dos COA ocorrem na região da cabeça e do pescoço, acometem principalmente a mandíbula.1,3,4
Outras lesões ósseas benignas, como fibroma não ossificante, granuloma de células gigantes, displasia fibrosa e fibromixoma, podem ser associadas a esses pseudocistos.4 Embora a cirurgia radical seja a terapia padrão ouro para os COA, isso não pode ser alcançado em todos os casos, devido à ocorrência de tumores extensos em estruturas anatômicas difíceis.2 Além disso, em lesões benignas, a mutilação cirúrgica, particularmente em pacientes jovens, deve ser evitada.
Devido à raridade dos COA em seios paranasais e o papel emergente da cirurgia endoscópica sinusal endonasal (CES) nas últimas décadas, relatamos uma extensa lesão tratada com CES.
Menina de 12 anos foi encaminhada ao nosso departamento devido a uma obstrução nasal persistente e epistaxe ocasional.
A endoscopia nasal mostrou um tumor cístico como uma massa (fig. 1) que obstruía a cavidade nasal direita. Além disso, observou-se um desvio de septo para o lado esquerdo, com obliteração total da cavidade nasal esquerda. Os exames clínicos gerais e as análises de sangue de rotina revelaram condição normal de saúde da paciente. Não havia história de traumatismo e nenhuma deficiência evidente do movimento ocular, visão, reação pupilar ou proptose foi observada.
A imagem por ressonância magnética (RM) e a tomografia computadorizada (TC) apropriada para navegação assistida por computador foram feitas, evidenciaram uma expansão volumosa (6,6 × 5,1 × 5 cm) na cavidade nasal, que atingia a base do crânio (fig. 2). A parede orbital direita, bem como o canal da artéria carótida interna, apareceu comprimida. Na RM, a lesão apresentava múltiplos cistos com material líquido. A biópsia endoscópica transnasal e a excisão subsequente com controle de navegação assistida por computador foram feitas, após ser descartado nasoangiofibroma juvenil por meio de angiografia.
Figura 2 RM de crânio. Imagem ponderada em T1 axial (esquerda) e imagem ponderada em T1 sagital (direita): lesão iso a hiperintensa extensa do terço médio da face com níveis multiloculares conspícuos de líquidos, reforçou septações e componentes sólidos. O tumor afetou a parede medial, lateral e ventral do seio maxilar direito. Contralateral a ele, destruiu a parede medial do seio maxilar esquerdo. Foram observadas erosões do palato ósseo direito e de grandes partes do septo dorsal e a concha nasal inferior em ambos os lados. A expansão dorsal conduz ao clivo, que foi parcialmente destruído, e à destruição do processo pterigoide à direita. Investigações radiológicas, além disso, revelaram destruição parcial da parede medial da artéria carotídea interna e destruição parcial do assoalho orbital e lâmina papirácea direita.
Os exames pré-operatórios revelaram que a ressecção radical do tumor não seria conseguida; assim, removeu-se o máximo de volume da lesão por endoscopia, com mínima perda de sangue. O exame histológico revelou um cisto ósseo aneurismático (fig. 3).
Figura 3 Exame histopatológico: cisto ósseo aneurismático. A microscopia mostrou vários espaços císticos cheios de sangue separados por septos. Foram observados fibroblastos, células inflamatórias crônicas, células gigantes e osteoide sem atipias celulares. Na sinopse com resultados radiológicos e exames de sangue de tumores de células gigantes, granuloma de células gigantes e um tumor de células gigantes em associação a hiperparatireoidismo poderiam ser descartados.
Como esperado, a RM pós-operatória apresentou um tumor residual na área do clivus e do osso etmoidal (fig. 4); no entanto, a menina estava livre de sintomas e sem sinais endoscópicos de progressão dois anos após a cirurgia, com desfecho estético ideal graças à abordagem endonasal.
Figura 4 RM de crânio 18 meses após a cirurgia primária. Imagem axial ponderada em T1 (esquerda) e imagem sagital ponderada em T1 (direita): massa do tumor foi reduzida significativamente após a primeira intervenção. Um tumor residual mínimo que acomete o clivo e o osso etmoidal pode ser observado, mas as lesões não causam quaisquer sintomas clínicos.
Os COA são lesões císticas benignas que destroem e expandem o osso acometido.1,2,4 O aspecto radiológico semelhante a aneurismas vasculares direciona ao nome “cisto ósseo aneurismático”.2 Lesões primárias e secundárias podem ser diferenciadas: os COA primários não têm história de trauma ou outros tumores associados, enquanto 33% das lesões ocorrem secundárias a outros tumores, como tumor de células gigantes ou condroblastoma.2,5 Devido ao histórico clínico sem intercorrências de nossa paciente jovem, a lesão pôde ser definida como COA “primário”. Nenhuma diferença na distribuição da doença entre os sexos é descrita.5 Tipicamente, os COA ocorrem no tórax, na pelve e na metáfise de osso longo e apenas 2% das doenças ocorrem na região da cabeça e do pescoço. Além disso, a maioria dos casos na região da cabeça e pescoço ocorre na mandíbula.2 Após revisão da literatura, encontramos 24 casos que acometiam os seios paranasais, mas nenhum foi tão extenso como no presente caso (tabela 1).
Tabela 1 Informações sobre casos de COA dos seios paranasais publicados anteriormente
Autor | Ano | Idade | Localização | Sintomas | Tratamento | Abordagem | Ressecção | Acompanhamento | Recorrência |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Kimmelman et al. | 1982 | 10 | Seio esfenoidal | Perda visual | Ressecção | Combinado | R0 | 6 anos | Não |
Yee et al. | 1977 | 10 | Seio esfenoidal e etmoidal | Perda visual | Ressecção | Externo | R+ | 1 ano | |
Som et al. | 1991 | 16 | Seio esfenoidal e etmoidal | Anosmia, cefaleia | Ressecção | Indefinido | Indefinido | Indefinido | Indefinido |
Saito et al. | 1998 | 11 | Seio esfenoidal | Obstrução nasal | Ressecção | Indefinido | Indefinido | 3 anos | Indefinido |
de Minteguiga et al. | 2001 | 14 | Seio esfenoidal e etmoidal | Cefaleia | Embolização e ressecção | Interno | R0 | 3 anos | Não |
Cansiz et al. | 2002 | 17 | Seio esfenoidal | Cefaleia | Ressecção | Externo | R0 | 3 anos | Indefinido |
Gan et al. | 2001 | 28 | Seio esfenoidal | Cefaleia, diplopia | Ressecção | Interno | R+ | 3 anos | |
Hunter et al. | 1990 | 7 | Seio esfenoidal e órbita | Edema periorbital | Ressecção | Externo | R0 | 1 ano | Não |
Chartrand-Lefebvre et al. | 1996 | 4 | Seio esfenoidal | Ptose, estrabismo | Embolização, ressecção e escleroterapia (2 estágio intervenção) | Externo | R0 | 2 anos | |
Tamini et al. | 2005 | 14 | Seio esfenoidal, órbita e base do crânio | Cefaleia, perda visual | Ressecção | Externo | R0 | Indefinido | Não |
Gan et al. | 2007 | 5 | Seio esfenoidal, órbita e temporal fossa | Diplopia | Ressecção | Indefinido | Indefinido | 3 anos | Indefinido |
Cocukta et al. | 2009 | 9 | Seio esfenoidal, seio etmoidal e órbita | Obstrução nasal, cefaleia | Ressecção | Externo | R0 | 2 anos | Não |
Fikri et al. | 2013 | 12 | Seio etmoidal | Não definido | Embolização e ressecção | Indefinido | Indefinido | Indefinido | Indefinido |
Nadkarni et al. | 2001 | 19 | Seio esfenoidal e etmoidal e órbita | Obstrução nasal, perda visual, epistaxe, anosmia | Ressecção | Externo | R0 | 1 ano | Não |
Yee et al. | 1977 | 10 | Seio esfenoidal e etmoidal e órbita | Perda visual | Ressecção | Externo | R1 | 1 ano | |
Goyal et al. | 2012 | 14 | Seio esfenoidal e etmoidal | Obstrução nasal, edema da bochecha | Ressecção | Externo | R1 | 3 meses | |
Terkawi et al. | 2005 | 7 | Seio esfenoidal, seio etmoidal e órbita | Obstrução nasal, perda visual, proptose | Ressecção | Combinado | R1 | 5 meses | 1 |
Hnenny et al. | 2015 | 28 | Seio esfenoidal, seio maxilar, seio etmoidal, órbita e base do crânio | Ptose, diplopia | Ressecção + embolização | Externo | R0 | 3 meses | Não |
Hashemi et al. | 2015 | 5 | Seio esfenoidal | Ptose | Ressecção | Endoscópico | R1 | 6 meses | |
Tang et al. | 2009 | 17 | Seio maxilar | Edema da bochecha, obstrução nasal | Ressecção + embolização | Externo | R0 | 4 anos | Não |
Bozbuga et al. | 2009 | 9 | Seio esfenoidal, órbita e base do crânio | Obstrução nasal, cefaleia | Ressecção + embolização | Externo | R0 | 22 meses | Não |
Janjua et al. | 2014 | 30 | Seio etmoidal | Cefaleia, diplopia | Sem cirurgia | Sem intervenção | 4 anos | ||
Verma et al. | 2013 | 8 | Seio maxilar | Dente molar extópico | Ressecção | Interno | R0 | 1 ano | Não |
Salmasi et al. | 2011 | 16 | Seio esfenoidal | Perda visual | Ressecção | Interno | R0 | 6 meses | Não |
Sinha et al. | 2010 | 13 | Osso etmoidal e órbita | Perda visual | Ressecção | Indefinido | Indefinido | Indefinido | Indefinido |
Os sintomas são principalmente descritos como cefaleia, ptose, rinorreia, estrabismo, exoftalmia, inchaço, perda de visão e obstrução nasal.1,2 A menina em nosso relato sofria de obstrução nasal e epistaxe recorrente apenas, apesar da extensão maciça e localização da lesão. Como a paciente foi inicialmente encaminhada ao otorrinolaringologista com suspeita de adenoides hipertróficas, este caso mostra mais uma vez que a endoscopia endonasal é um exame essencial para excluir outras causas menos comuns de obstrução nasal.
A idade de diagnóstico de COA dos seios paranasais em casos anteriores foi principalmente abaixo dos 20 anos, mas também foram relatados casos de pacientes consideravelmente mais velhos.2 Nossa paciente de 12 anos estava na faixa etária típica no momento do diagnóstico primário.
Após o exame clínico, as investigações radiológicas devem ser feitas para auxiliar o diagnóstico. Na TC, essas lesões mostram uma aparência multicística típica, com arquitetura óssea e margens bem delimitadas. Os cistos são frequentemente preenchidos com coágulos de sangue. Em imagem ponderada em T2, os COA apresentam componentes intracísticos de sinais aumentados heterogêneos com níveis líquidos e septação periférica que aparece isodensa, com realce acentuado.6,7 Como mostrado nas figuras 1 e 2, a imagem de nossa paciente mostrou sinais característicos de COA. Embora o achado radiológico nessas lesões seja bem definido e a RM e a TC sejam características, não são específicas para o diagnóstico.1 A investigação histopatológica é essencial para a confirmação diagnóstica. A angiotomografia deve ser feita antes da biópsia, a fim de descartar tumores altamente vascularizados (p.ex., angiofibroma) para evitar complicações, como sangramento intenso.
No exame histológico, deve se descartar uma lesão maligna. Potenciais lesões precursoras subjacentes, como, por exemplo, osteoblastoma, condroblastoma, tumores de células gigantes etc., devem ser definidas ou descartadas; aparências histológicas do COA no crânio são as mesmas dos ossos longos. Pseudocistos preenchidos com sangue, cercados por tecido fibroso no qual as células gigantes são comumente encontradas, são típicos para essas lesões ósseas. Eles são definidos como pseudocistos devido à camada epitelial ausente na superfície das formações císticas.1,4,7,8
Assim como em nosso caso, o diagnóstico definitivo de COA só pode ser obtido na sinopse de entrevistas, exame clínico, imagens e exame histopatológico.
O padrão ouro de tratamento para COA é a ressecção total da lesão, quando possível.2,4,5
A embolização arterial adjuvante para evitar sangramento intraoperatório é relatada em estudos prévios (tabela 1). No presente caso, apenas perda de sangue mínima ocorreu durante a cirurgia; assim, de forma geral não recomendaríamos a embolização arterial pré-operatória. Outras opções de tratamento (p.ex., a enucleação ou curetagem do tumor) podem ser aplicadas em lesão extensa, não ressecável, mas geralmente não são usadas em doenças dos seios paranasais e altas taxas de recorrência, de 26 a 60%, são relatadas na literatura.5,9 Geralmente, a radioterapia não é usada para o tratamento de COA, mas pode ser parte do esquema terapêutico em tumores irressecáveis e recorrentes.5 Além disso, escleroterapia e a criocirurgia podem ser uma opção em tumores irressecáveis e recorrentes, embora, mais uma vez, a experiência da sua aplicação no COA seja muito limitada.7,10
Para a ressecção do tumor, diferentes abordagens cirúrgicas, de acordo com o tamanho da lesão e a localização, podem ser usadas.11 As lesões podem ser ressecadas com abordagens externas, como rinotomia lateral ou CES. Devido ao tamanho e à localização do COA, nenhuma ressecção total do tumor foi possível neste caso; portanto, decidimos usar a cirurgia endoscópica mínima invasiva para redução do volume do tumor, a fim de alcançar uma melhoria dos sintomas para o paciente com resultado estético ideal.
A abordagem endoscópica é menos invasiva, leva a uma recuperação mais rápida dos pacientes e a um resultado estético melhor no pós-operatório, particularmente importante em pacientes jovens. As principais partes do tumor foram ressecadas por via endoscópica. Ocorreu mínima perda de sangue durante a cirurgia; de forma que habitualmente não recomendaríamos a embolização arterial pré-operatória.
Dois anos após a cirurgia, nossa paciente estava totalmente livre de sintomas. Na endoscopia nasal não foi observada progressão do tumor, embora a RM ainda mostre um tumor residual mínimo na área do clivo e do osso etmoidal. Devido aos bons resultados neste caso, damos preferência à cirurgia endoscópica endonasal em relação a outros procedimentos cirúrgicos descritos para redução do volume do tumor, como enucleação, criocirurgia ou curetagens.5,9 Em nossa opinião, o acompanhamento pós-operatório deve incluir RM anual, para que seja observado o tamanho do tumor e avaliada a necessidade de revisão cirúrgica, que neste caso não foi necessária, até dois anos após a CES.
Embora os COA raramente acometam os seios nasais e/ou a base do crânio, eles devem ser considerados como diagnóstico diferencial de lesões ósseas do crânio. Com exames clínico, histológico e radiológico, os COA podem ser diagnosticados com segurança. A cirurgia endoscópica minimamente invasiva pode ser usada para redução do volume do tumor, como tratamento sintomático em lesões radicalmente não ressecáveis.