versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.13 no.2 São Paulo abr./jun. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082015RW3032
A meningomielocele (MMC) é um dos tipos mais comuns de defeito aberto do tubo neural, levando à exposição da medula ao ambiente externo. Trata-se de uma malformação de alta incidência em todo o mundo, acometendo cerca de 1,9 a cada 10.000 nascidos vivos no Brasil(1) e entre 0,5 e 1,0 em cada 10.000 nos Estados Unidos.(2)
Indivíduos afetados pela doença podem apresentar graus variados de défice motor, incontinência fecal e urinária, além de alterações do sistema nervoso central decorrentes da herniação dos elementos da fossa posterior para o canal medular. Esse complexo de malformações do sistema nervoso central, conhecida como malformação de Arnold-Chiari do tipo 2 pode levar a uma dilatação progressiva dos ventrículos cerebrais, tornando necessária uma derivação ventrículo-peritoneal (DVP) para tratamento da hidrocefalia.
A DVP é realizada implantando-se um sistema valvar permanente, que pode levar a complicações que afetariam secundariamente o desenvolvimento neuropsicomotor, tais como infecção, mal funcionamento e obstrução.
Até pouco tempo atrás, o tratamento da doença só era possível após o nascimento, consistindo na correção cirúrgica do defeito na coluna com sutura por planos. Esse fechamento acaba levando ao ancoramento da medula ao sítio cirúrgico e, com o crescimento da criança, podem surgir alterações neurológicas associadas ao estiramento da medula e das raízes nervosas. O conjunto de sintomas clínicos associados a esse ancoramento é denominado síndrome de medula presa (tethered cord syndrome) e ocorre em 20 a 30% dos indivíduos acometidos, podendo levar a um retrocesso no desenvolvimento neuropsicomotormotor e sendo necessária, por vezes, uma nova abordagem cirúrgica para soltar a medula.
Estima-se que aproximadamente 70% dos casos de MMC podem ser prevenidos pelo aumento dos níveis disponíveis de ácido fólico no período pré-concepcional até a sétima semana de gestação, quando o fechamento do tubo neural termina. Com esse objetivo, alguns alimentos foram “fortificados” nos Estados Unidos; a partir de 2004, no Brasil, o ácido fólico foi adicionado às farinhas, com o objetivo de atingir uma suplementação periconcepcional. No entanto, tal fortificação teve um impacto inferior ao esperado, da ordem de 40% na redução da incidência do defeito. Por esse motivo, desde outubro de 2012, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia iniciou uma campanha para suplementação de ácido fólico no período pré-concepcional para todas as mulheres em idade fértil. A dose diária recomendada é de 400 microgramas administrada por comprimidos via oral e deve ser iniciada pelo menos 3 meses antes da concepção.(3,4)
Até pouco tempo, o tratamento pós-natal da MMC era a única alternativa disponível, porém seus resultados foram considerados pouco animadores. Há alguns anos, evidências clínicas e estudos em modelo animal sugeriram que a correção do defeito, antes do nascimento, poderia favorecer o desenvolvimento neurológico e, com este objetivo, surgiu a cirurgia fetal. No entanto, a cirurgia antenatal apresenta riscos para a saúde materna, que inexistem na cirurgia neonatal. Desse modo, apenas em 2011, ela passou a ser universalmente aceita, quando foi publicado um estudo clínico prospectivo e randomizado, comparando a correção antenatal com a pós-natal, o qual demonstrou uma melhora significativa do prognóstico no grupo tratado antes do nascimento.
Este importante estudo utilizou a via a céu aberto para cirurgia fetal, fato que se associa a riscos maternos mais elevados, quando comparados a técnicas minimamente invasivas de cirurgia fetal endoscópica (fetoscopia). Apesar de as primeiras tentativas de correção antenatal do defeito em humanos terem sido realizadas pela via endoscópica,(5) o fracasso na utilização dessa via, por dificuldades técnicas, levou ao seu abandono, e a correção a céu-aberto passou a ser largamente utilizada. Nosso objetivo foi revisar a literatura sobre a correção antenatal da MMC, com ênfase no estudo de técnicas minimamente invasivas, através de fetoscopia, para estabelecer o estado atual da sua utilização e suas perspectivas.
Este é um estudo de revisão narrativo e descritivo. Foram pesquisados os artigos publicados na base de dados do PubMed e na biblioteca Cochrane em um período de 10 anos (junho de 2003 a junho de 2013). A pesquisa foi realizada em junho de 2013. O descritor utilizado foi “myelomeningocele”, tendo sido pesquisadas as seguintes palavras-chave e suas combinações: “myelomeningocele”, “prenatal”, “fetal repair”, “fetal surgery”, “in utero surgery”, “in utero repair“ e “intrauterine repair“. Foram incluídos somente artigos em língua inglesa ou portuguesa. Os estudos encontrados foram divididos em quatro categorias básicas: estudos experimentais, estudos em humanos, estudos relacionados ao Management of Myelomeningocele Study (MOMS) e estudos sobre os aspectos ético-legais.
Foram selecionados para revisão os estudos realizados em humanos utilizando as técnicas endoscópica e a céu aberto após o estudo MOMS, incluindo este último. Artigos citados pelos artigos selecionados, mas anteriores a 2003, foram adicionados quando muito relevantes do ponto de vista histórico.
Foram excluídos estudos experimentais realizados em outros modelos animais que não ovinos, pois eles eram o modelo mais semelhante e mais largamente utilizado antes de se iniciarem ensaios clínicos para o teste de novas técnicas em cirúrgica fetal. Também foram excluídos estudos que abordavam os apenas aspectos éticos-legais e os estudos de revisão e opinião (apenas artigos originais foram incluídos). Excluímos também estudos em humanos realizados antes do estudo MOMS, pois suas principais limitações e questionamentos foram respondidos por este estudo, que é o que tem o maior nível de evidência científica até o momento.
Os resultados obtidos usaram as seguintes combinações: myelomeningocele prenatal repair (43), myelomeningocele fetal repair (74), myelomeningocele fetal surgery (172), myelomeningocele fetal (233), myelomeningocele in-utero surgery (44), myelomeningocele in-utero repair (29), myelomeningocele intrauterine repair (23). Os 78 artigos primariamente selecionados foram organizados em um diagrama concêntrico (Figura 1) representando as categorias gerais em setores proporcionais. Notou-se predomínio de artigos abordando estudos em humanos anteriores ao estudo MOMS (aproximadamente 57,6%), seguido de estudos experimentais (37,2%) e de artigos sobre aspectos ético-legais (2,6%).
Figura 1 Diagrama concêntrico dos 78 artigos primariamente selecionados. Observa-se o predomínio de estudos em humanos não randomizados (aproximadamente 58,6%) e de estudo experimentais (36%), com poucos artigos relacionados à discussão legal e ao estudo randomizado Management of Myelomeningocele Study. Destacam-se os artigos relacionados à abordagem endoscópica
Após a aplicação dos critérios de exclusão, foram selecionados 27 estudos, sendo 16 experimentais e 11 em seres humanos.
Em 1999, foi realizada a primeira tentativa de correção da MMC em fetos humanos por Bruner et al.,(5) que utilizaram uma técnica endoscópica para a correção pré-natal do defeito. No entanto, devido à alta taxa de complicações, como prematuridade e alta mortalidade fetal (50%), a técnica endoscópica foi abandonada por esse grupo, sendo substituída pela correção a céu aberto.
Na técnica a céu aberto, o útero materno é exposto por meio de laparotomia, sendo realizada a abertura do miométrio e das membranas amnióticas até a exposição direta do feto. A técnica neurocirúrgica clássica é utilizada para a correção do defeito (fechamento em três planos de sutura: dura-máter, aponeurose e pele). No entanto, os riscos maternos associados a esse procedimento são consideráveis e novas alternativas minimamente invasivas foram pesquisadas utilizando o modelo animal.
Com o objetivo de um reparo minimamente invasivo, várias técnicas foram desenvolvidas para simplificar a correção do defeito propriamente dito. Diferentes materiais foram estudados com o objetivo de criar uma interface para “cobrir” o defeito, protegendo a medula da exposição ao líquido amniótico.
Dentre esses materiais, muitos deles substitutos de dura-máter, destaca-se o uso da película de celulose biossintética (Biofill®, Fibrocel, Paraná, Brasil; e Bionext®, Bionext, Paraná, Brasil) aplicada em estudos experimentais nacionais.(6) A celulose estimulou a formação de uma camada de fibroblastos envolvendo a película, em continuidade anatômica com a duramáter, ou seja, estimulou o feto a produzir uma neodura-máter. Esse material evitou a aderência entre a medula e a cicatriz, apresentando uma vantagem, ainda que teórica, de evitar a síndrome da medula presa. Essa nova técnica foi subsequentemente aplicada com sucesso, por via endoscópica, na correção em fetos de ovino.(7)
Posteriormente, essa técnica simplificada foi comparada com a correção neurocirúrgica do defeito em três planos - a mesma utilizada no estudo MOMS. O estudo demonstrou que a nova técnica era mais rápida, tendo maior capacidade preservar a citoarquitetura medular, associando-se o fato de a celulose induzir à formação de uma neodura-máter, o que não foi demonstrado no grupo em que se utilizou a técnica clássica.(8) Apesar de ainda não se conhecerem os efeitos dessa nova técnica a longo prazo, ela tem o potencial de evitar os danos neurológicos causados pela técnica de correção neurocirúrgica, propriamente dita, demonstrados de forma inédita nesse estudo.(9)
Outros autores estudaram outros materiais como interface. Kohl et al.(10) testaram películas de politetrafluoretileno não absorvível e de colágeno; enquanto Yoshizawa et al.(11) utilizaram uma matriz dérmica (AlloDerm®, Estados Unidos) e uma película sintética (GORE-TEX®, Estados Unidos), as quais se mostraram tão efetivas quanto a técnica neurocirúrgica clássica na preservação neurológica em modelo ovino. Fauza et al.(12) associaram à correção cirúrgica a injeção de células-tronco neurais mostrando melhor evolução no grupo em que essas células foram utilizadas.
Eggink et al.(13) testaram matrizes de colágeno, demonstrando que os fetos de ovelha submetidos à correção apresentaram lesões neurológicas mínimas, com a vantagem dessa matriz poder ser moldada de acordo com a necessidade cirúrgica.
Von Koch et al.(14) testaram um substituto de duramáter (Duragen®, Estados Unidos) suturado à pele ou fixado com cola biológica (BioGlue®, Estados Unidos), demonstrando melhor prognóstico nos fetos tratados, sem concluir claramente sobre as diferenças dos materiais testados. Fontecha et al.(15) utilizaram, com sucesso, uma interface (Silastic®, Espanha) fixada com gel bioadesivo (Coseal®, Estados Unidos). Essa mesma combinação foi posteriormente testada utilizando uma técnica endoscópica para sua aplicação,(16) demonstrando ser eficiente tanto na proteção da medular, quanto evitando herniação cerebelar. Na sequência, estes autores aprimoraram a técnica utilizando um único acesso para a correção endoscópica, em ovino.(17)
Recentemente, Saadai et al.(18) testaram nanofibras scaffolds biodegradáveis para cobrir o defeito em ovelhas, teorizando que a estrutura estimularia o remodelamento tecidual neuronal, podendo restaurar sua função. Os autores observaram boa integração com tecidos adjacentes e sugeriram que a adição de fatores de crescimento pudesse acelerar a regeneração e, possivelmente, atingir melhores resultados. O quadro 1 sintetiza os principais artigos com suas técnicas cirúrgicas e materiais.
Quadro 1 Artigos publicados entre 2003 e 2013 sobre técnica de correção de defeitos semelhantes à meningomielocele em feto de ovino
N | Autores | Ano de publicação | Título | Método de correção | Interface utilizada | Número de casos |
---|---|---|---|---|---|---|
1 | Herrera et al.(8) | 2012 | Comparison between two surgicaltechniques for prenatal correction ofmeningomyelocele in sheep | Correção clássica neurocirúrgica Bordas da pele aproximadas e suturadas sobre a interface | NU Bionext® Integra® | 3 |
3 | ||||||
2 | Kohl et al.(10) | 2003 | Percutaneous fetoscopic patchcoverage of experimental lumbosacralfull-thickness skin lesions in sheep | Bordas da pele aproximadas e suturadas sobre a interface | PTFE não absorvível Collagen | 5 |
5 | ||||||
3 | Yoshizawa etal.(11) | 2004 | Fetal surgery for repair ofmyelomeningocele allows normaldevelopment of anal sphincter musclesin sheep | Correção clássica neurocirúrgica Cobertura com a interface, sem sutura | NU AlloDerm® or GORE-TEX® | 4 |
4 | ||||||
4 | Fauza et al.(12) | 2008 | Neural stem cell delivery to the spinalcord in an ovine model of fetal surgeryfor spina bifida | Cobertura com a interface suturada à pele Cobertura com a interface suturada à pele adicionando-se célula-tronco neural | AlloDerm® | 7 |
9 | ||||||
5 | Eggink et al.(13) | 2005 | In utero repair of an experimentalneural tube defect in a chronic sheepmodel using biomatrices | Cobertura com a interface suturada à pele Apenas sutura de pele Cobertura com a interface suturada à pele | Collagen UMC Biomatrix® NU SIS Biomatrix® | 4 |
3 | ||||||
5 | ||||||
6 | von Koch et al.(14) | 2005 | Myelomeningocele: characterization of a surgically induced sheep model and its central nervous system similarities and differences to the human disease | Aplicação direta de BioGlue®BioGlue® + interface com pontos nos cantos Correção clássica neurocirúrgica | NU DuraGen®NU | 2 |
1 | ||||||
1 | ||||||
7 | Fontecha et al.(15) | 2009 | Inert patch with bioadhesive for gentlefetal surgery of myelomeningocele in a sheep mode | Cobertura com interface fechada por bioadesivo | Silastic® Silastic® + Marlex Mesh® | 8 |
6 | ||||||
8 | Fontecha et al.(16) | 2011 | Fetoscopic coverage of experimentalmyelomeningocele in sheep using apatch with surgical sealant | Cobertura com interface fechada por bioadesivo | Silastic® | 9 |
9 | Saadai et al.(18) | 2011 | Prenatal repair of myelomeningocelewith aligned nanofibrous scaffolds-apilot study in sheep | Bordas da pele aproximadas e suturadas sobre a interface | Scaffolds | 2 |
PTFE: politetrafluoretileno; NU: não utilizado; UMC: matriz biodegradável; SIS: submucosa de intestino delgado.
Em 2011, os resultados do estudo randomizado e prospectivo MOMS foram publicados.(7) Nesse estudo, foram analisados efeitos primários, como morte fetal ou neonatal, ou necessidade de DVP até 12 meses, e efeitos secundários, como, complicações cirúrgicas e gestacionais, morbidade e mortalidade neonatal, componentes de malformação de Arnold-Chiari tipo 2, necessidade de colocação de DVP, locomoção, desenvolvimento psicomotor, e grau de concordância funcional entre nível da lesão e nível de funcionalidade. Os critérios de inclusão do estudo foram lesão entre T1 e S1; evidência de herniação cerebelar; idade gestacional entre 19 e 25,9 semanas no momento da randomização; cariótipo normal; residente nos Estados Unidos; e idade materna de 18 anos ou mais.
O estudo concluiu que o grupo submetido à cirurgia pré-natal apresentou melhores resultados, como aumento de duas vezes da probabilidade de deambulação, apesar da prematuridade (13% dos nascidos pós-cirurgia fetal nasceram antes de 30 semanas). Os efeitos positivos, segundo os autores, estiveram relacionados com o momento da cirurgia, evitando a progressão da lesão e permitindo um desenvolvimento nervoso mais próximo da normalidade. Além disso, a correção proporcionou redução da herniação cerebelar, melhorando o fluxo do líquido cefalorraquidiano e resultando em menor de necessidade de DVP para 40% no grupo pré-natal contra 80% no grupo de correção pós-natal (Figura 2). No entanto, a técnica a céu aberto resultou em elevada morbidade materna, apresentando altas taxas de trabalho de parto prematuro, necessidade de transfusão sanguínea materna no parto, descolamento prematuro de placenta, edema agudo de pulmão materno após a cirurgia fetal por efeito dos tocolíticos necessários, deiscência ou afinamento da parede uterina em quase 25% dos casos. A presença da cicatriz uterina fora do segmento também tornou necessário que todos os partos fossem cesáreas.
Figura 2 Efeitos secundários estudos MOMSGráfico elaborado a partir dos dados do estudo Management of Myelomeningocele Study(7) mostra redução expressiva de casos com malformação de Arnold-Chiari II bem como menores taxas de derivação ventrículo-peritoneal em crianças submetidas à correção fetal da meningomielocele (64 e 40%, respectivamente), quando comparadas à cirurgia pós-natal (96 e 82%, respectivamente). Esse mesmo grupo apresentou o dobro de chance de deambular (42%), em comparação aos neonatos corrigidos após o nascimento (21%). Em contraste, observou-se maior prematuridade no grupo de cirurgia fetal.
Os autores ressaltam a importância da realização da cirurgia em centros adequadamente equipados e por uma equipe treinada, para que os resultados sejam semelhantes. Segundo os próprios autores deste estudo, é importante notar que nem todos os pacientes foram beneficiados pela cirurgia fetal e somente um seguimento a longo prazo dessas crianças pode estabelecer se os resultados positivos são duradouros.
Após a publicação do MOMS, pelo menos dois centros na Europa passaram a oferecer a cirurgia fetal utilizando a via a céu aberto, sendo um na Suíça(19) e outro na Bélgica (L. Lewi, comunicação pessoal, em agosto de 2013). No Brasil, esta técnica já é aplicada desde 2002.(20) O Brasil atualmente é o segundo país no mundo com maior casuística na utilização da via a céu aberto para correção da MMC, de acordo com estudo por Leal da Cruz et al.(21)
A biblioteca Cochrane possui um protocolo em andamento, com o objetivo de se pronunciar sobre o tema, porém, até o momento, os resultados ainda não foram publicados.(22)
A correção endoscópica da MMC já foi estudada por dois grupos americanos independentes. Em 1998, Bruner et al.(5) publicaram os resultados da correção em quatro fetos humanos, mas somente dois fetos sobreviveram e ambos necessitaram de correção neurocirúrgica, imediatamente após o nascimento. Em 2003, Farmer et al.(23) descreveram a tentativa de correção em três casos humanos, e apenas um dos fetos sobreviveu. O terceiro caso dessa série foi convertido para uma correção neurocirúgica clássica, realizada a céu aberto. Vale lembrar que, após 1995, a segurança na utilização da via a céu aberto para correção fetal foi bastante questionada pelo risco de lesão neurológica associada à técnica per se. Bealer et al.(24) encontraram aproximadamente 20% de sequelas neurológicas em recém-nascidos submetidos à cirurgia fetal por doenças que não afetavam o desenvolvimento neurológico.
Somente em 2006, Kohl et al.(25) obtiveram sobrevida de todos os três fetos operados utilizando a via endoscópica. A dissecção do defeito não foi realizada, e a correção neurocirúrgica pós-natal foi necessária em todos os casos. Subsequentemente, a técnica de correção foi modificada, permitindo atingir uma correção definitiva, sem a necessidade de cirurgia após o nascimento.(26) Em sua mais recente casuística publicada, o sucesso na correção foi obtido em 16 de um total de 19 casos.(27) O seguimento pós-natal dos 13 fetos sobreviventes mostrou o mesmo benefício fetal encontrado no estudo MOMS, porém sem qualquer das morbidades maternas graves relatadas naquele estudo.(27)
No Brasil, Pedreira et al., realizaram até o momento quatro cirurgias fetais por via endoscópica para correção do defeito em fetos humanos,(28) cuja técnica está ilustrada na figura 3. Não ocorreu nenhuma morte perinatal e, nos casos operados com sucesso, a pele estava completamente fechada em dois deles e nenhuma correção adicional foi necessária após o parto. Esses dois casos também não necessitaram de DVP até a finalização da presente pesquisa. Isso mostra que esta nova técnica pode atingir a correção definitiva em apenas um tempo cirúrgico, não necessitando de correção em dois tempos.(9)
Figura 3 Ilustração da técnica endoscópica para correção da meningomielocele, desenvolvida por Pedreira et al.(28)
A abordagem brasileira difere da alemã por ser de aplicação técnica mais simples, pois apenas um plano de sutura contínua é utilizado e a celulose empregada facilita o reparo pelo próprio feto. Além de mais barata, essa técnica também tem o potencial de maior preservação neuronal, a nível medular, e pode potencialmente reduzir a ocorrência de medula presa, pela presença da própria celulose entre a medula e a cicatriz da pele. Esta experiência, ainda inicial, pode levar a uma mudança de paradigma na correção intrauterina desse defeito nos próximos anos.
Existem evidências sólidas de que a correção pré-natal da meningomielocele melhora o prognóstico neuropsicomotor após o nascimento, reduzindo a necessidade de derivação ventrículo-peritoneal, bem como a gravidade e a incidência de herniação cerebelar, dobrando a chance de deambulação entre os fetos operados intraútrero.
Historicamente, a via endoscópica foi a primeira a ser utilizada na correção pré-natal do defeito. No entanto, após o fracasso inicial das tentativas de correção endoscópica, ocorrido na virada do século 21, a via a céu aberto passou a ser largamente utilizada. Contudo, a alta morbidade materna associada a essa abordagem tem incentivado a retomada de uma abordagem minimamente invasiva. Após pesquisas em modelo animal, foram desenvolvidas técnicas alternativas e testadas novas interfaces, para permitir a correção por via endoscópica. Essas novas técnicas de correção usando a fetoscopia, atualmente se encontram em vários estágios de aplicação clínica. A primeira, desenvolvida em 2009, na Alemanha, encontrou os mesmos benefícios neonatais encontrados no estudo MOMS, associada a menor morbidade materna. Os resultados iniciais obtidos no estudo brasileiro parecem promissores. O aumento do numero de casos e o seguimento, a longo prazo, devem demonstrar a validade e os benefícios dessa nova técnica.