Print version ISSN 0102-6720
ABCD, arq. bras. cir. dig. vol.27 no.3 São Paulo July/Sept. 2014
https://doi.org/10.1590/S0102-67202014000300016
O cistadenoma retroperitoneal primário é tumor muito raro, descrito por Handfield-Jones em 1924 e observado quase exclusivamente em mulheres1. A sintomatologia é geralmente inespecífica, o que dificulta o seu diagnóstico diferencial com outras massas retroperitoneais e torna os exames de imagem e a conduta cirúrgica essenciais para o diagnóstico e tratamento2.
O presente estudo relata o caso de um cistoadenoma mucinoso retroperitoneal primário benigno.
Mulher de 51 anos referia dor abdominal há um ano, localizada no flanco direito e irradiando para a região lombar, com piora progressiva. Ao exame físico apresentava massa palpável em flanco direito, indolor. Realizou ultrassonografia que identificou uma volumosa lesão cística abdominal. A tomografia computadorizada (Figuras 1 e 2) revelou lesão cística retroperitoneal homogênea medindo 15x12,5x5,5 cm e deslocando medialmente o cólon ascendente, sugerindo o diagnóstico de linfangioma cístico. A paciente foi submetida à laparotomia exploradora (Figuras 3 e 4), que identificou volumosa lesão cística retroperitoneal a qual foi dissecada das estruturas adjacentes com facilidade, permitindo sua ressecção completa. O pâncreas e os ovários não apresentavam alterações nem contiguidade com a lesão. Não foram observadas intercorrências durante a evolução pós-operatória. O exame anatomopatológico da peça operatória revelou cistadenoma mucinoso retroperitoneal benigno (Figuras 5 e 6).
Figura 1 Tomografia computadorizada de abdome: imagem cística de paredes regulares, sem nódulos ou vegetações murais
Figura 2 Tomografia computadorizada do abdome: volumosa lesão cística retroperitoneal ocupando flanco e fossa ilíaca direita
Figura 3 Achado intraoperatório: volumosa lesão cística retroperitoneal deslocando medialmente o cólon ascendente
A maioria dos pacientes apresenta uma massa palpável assintomática ou acompanhada de dor abdominal leve que pode estar associada à queixas gastrointestinais inespecíficas2. O diagnóstico diferencial deve ser realizado com linfangioma cístico, teratoma cístico, neoplasias císticas do pâncreas e do ovário. A avaliação através de TC ou RM identifica lesão cística retroperitoneal, mas não define sua exata natureza3, de modo que a confirmação do diagnóstico só pode ser estabelecida após o exame histológico da peça operatória. Dessa forma, a conduta cirúrgica está indicada para avaliação adequada da topografia e ressecção da lesão.
Histologicamente, classifica-se o cistadenoma mucinoso retroperitoneal primário em três tipos: benigno, limítrofe e maligno4. Benigno, o mais comum, sem recidiva após a ressecção cirúrgica; limítrofe com focos de epitélio colunar proliferativo e pequeno potencial de malignidade; maligno, que pode ser recidivante e metastático5. Compartilha semelhanças histológicas com o cistadenoma mucinoso ovariano e pode localizar-se em qualquer lugar no retroperitônio, sem conexões com o ovário. A histogênese ainda permanece incompreendida; no entanto, existem duas principias hipóteses. Segundo a primeira, como há semelhança com o cistadenoma mucinoso ovariano, há a possibilidade de ele crescer a partir de um tecido ovariano ectópico6; no entanto, tecidos ovarianos foram achados na parede do cisto apenas em alguns casos7 e foram descritos casos em homens8. A segunda hipótese sugere que eles se originam a partir de uma invaginação de células mesoteliais multipotentes com subsequente metaplasia mucinosa das células mesoteliais de revestimento6.
A ressecção cirúrgica completa da lesão, além de permitir a adequada avaliação diagnóstica, também representa o melhor tratamento9.