versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.86 no.1 São Paulo jan./fev. 2020 Epub 30-Mar-2020
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.04.010
Cistos epidermoides e dermoides constituem lesões benignas comuns que envolvem a pele. Eles são classificados como cisto epidermoide quando o revestimento contém apenas epitélio escamoso, “verdadeiros cistos dermoides quando anexos da pele (como folículos pilosos, glândulas sebáceas e glândulas sudoríparas) estão presentes e cistos teratoides quando os tecidos de todas as três camadas germinativas (como cartilagem, osso, músculo e epitélio respiratório ou gastrintestinal) estão presentes.1
Essas lesões podem ocorrer em qualquer parte do corpo. Os cistos dermoide e epidermoide de cabeça e pescoço são responsáveis por 7% de todos os cistos epidermoides e dermoides.2 A região suprasternal é um local incomum de apresentação para cisto epidermoide, com o primeiro caso documentado na Turquia2 em 2008 e, recentemente, seis na Índia.1 Relatamos um caso de cisto epidermoide na região suprasternal, apresentado como uma grande massa associada a odinofagia e perda de peso.
Um menino de 13 anos, clinicamente sem morbidades prévias, apresentou-se com queixa de inchaço na região suprasternal por mais de quatro anos. O inchaço aumentou de tamanho no último mês antes da sua apresentação. A história clínica pregressa revelou quadro de infecção do trato respiratório superior que agravou a condição. A criança tinha um histórico de dor ao engolir havia um mês, assim como perda de peso de cerca de 2 a 3 kg no mesmo período. Não havia história de rouquidão, falta de ar ou obstrução nasal. Sem história de traumatismos ou procedimentos cirúrgicos anteriores. A história familiar era negativa para condição semelhante.
O exame do pescoço revelou uma massa de 2,5 × 2,5 cm na região suprasternal. A massa era firme, não sensível, sem alterações da pele sobrejacente - mudança de cor ou ulceração. A margem inferior da massa era difícil de palpar. Nenhum movimento da massa podia ser desencadeado com a deglutição ou protusão da língua. Nenhum outro inchaço no pescoço ou linfadenopatia observados. O exame sistêmico apresentou-se normal.
Exames laboratoriais de rotina, como hemograma completo, função hepática e renal, estavam normais.
A tomografia computadorizada do pescoço mostrou uma massa cística na região suprasternal, não aderente às estruturas profundas, localizada na linha média, no lado anterior do pescoço abaixo da glândula tireoide, e media 23 × 14 × 20 mm. Era muito bem definida e com conteúdo líquido, mostrava realce da parede no exame com contraste (fig. 1).
Figura 1 A, TC de pescoço sagital mostra o cisto (seta azul) na área supraesternal; B, TC axial com contraste do pescoço mostra o cisto e sua relação com a estrutura circundante.
O cisto foi removido por excisão cirúrgica sob anestesia geral. Uma incisão transversal foi feita 2 cm acima do esterno, com dissecção em torno da cápsula da massa (fig. 2). O acesso à margem inferior foi conseguido por hiperextensão do pescoço e retração para cima da massa. A massa foi ressecada em bloco com a cápsula intacta, media 2,5 × 2,5 cm e pesava 4,4 g (fig. 3).
O exame histopatológico revelou um cisto na derme revestido por epitélio escamoso estratificado com queratinização. Não havia estruturas anexas (folículos pilosos ou glândulas écrinas) presentes na parede do cisto. O epitélio continha camada de células granulares. A queratina consistia em flocos eosinofílicos lamelares. Não foram identificadas células. Esse aspecto mostrou-se compatível com cisto epidermoide (fig. 4).
Figura 4 A, Vista microscópica do cisto epidermoide. Parede do cisto revestida por epitélio escamoso estratificado queratinizado e com flocos de queratina (coloração de hematoxilina e eosina, aumento 100 ×); B, Vista microscópica do cisto epidermoide. Parede do cisto revestida por epitélio escamoso estratificado queratinizado (coloração de hematoxilina e eosina, aumento 400 ×).
A criança foi acompanhada por um ano, sem recidiva.
Massa cervical em crianças é uma lesão comum. No entanto, um cisto epidermoide supraesternal é muito raro. Cistos epidermoides e dermoides podem ser congênitos ou adquiridos, mesmo que a apresentação ou a histologia seja semelhante.3 Cistos congênitos são lesões disembrionárias que surgem a partir de elementos ectodérmicos aprisionados durante a fusão do primeiro e segundo arcos branquiais.3 Cistos adquiridos derivam de inclusão traumática ou iatrogênica de células epiteliais ou da oclusão de um ducto da glândula sebácea. Os cistos dermoides de cabeça e pescoço são considerados cistos de inclusão congênitos.3
Com exceção de muito poucos casos (doença de Bowen, doença de Paget e carcinoma espinocelular), eles geralmente são lesões benignas.2
Os cistos epidermoides subcutâneos são geralmente muito pequenos e comumente diagnosticados clinicamente, sem imagem. Raramente, crescem o suficiente para exigir avaliação adicional. Cistos epidermoides grandes ou médios podem estar em locais incomuns, perto de órgãos específicos que simulam tumores originários daquele tecido, como no nosso caso.4
A história natural dos cistos epidermoides é de crescimento lento e progressivo; eles permanecem assintomáticos, a menos que aumentem de tamanho. O rápido crescimento do cisto pode indicar tanto processos infecciosos como presença de lesão maligna.5 O carcinoma espinocelular decorrente de cisto epidermoide, embora raro, foi relatado em dez casos.6
A perda de peso observada em nosso caso não foi relacionada com um processo neoplásico, tal como comprovado por exame histopatológico. Acreditamos que tenha resultado de má alimentação, devido à deglutição dolorosa causada por esse grande cisto.
O diagnóstico diferencial de massa cervical anterior em crianças inclui cisto do ducto tireoglosso, massa tireoidea, higroma cístico, cisto broncogênico cervical e massa tímica ectópica.7
A excisão cirúrgica de cisto epidermoide é o tratamento de escolha.8 Em geral, como no nosso caso, ela é feita no centro cirúrgico e sob anestesia geral. No entanto, demonstrou-se que o manejo cirúrgico em consultório com anestesia local é bem-sucedido em casos de cisto epidermoide pequeno em diferentes posições anatômicas.9 Além disso, o uso de laser de dióxido de carbono foi relatada no tratamento de diversos pequenos cistos epidermoides.10
O cisto epidermoide que envolve a região suprasternal é uma condição extremamente rara. Assim, eles podem ser erroneamente diagnosticados como neoplasia maligna, especialmente quando se apresentam com outros sintomas e sinais, como perda de peso recente. O cisto epidermoide deve ser incluído no diagnóstico diferencial da lesão cística do pescoço, especialmente na faixa etária jovem.