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Citomegalovirus pós-transplante: o desafio ainda é a prevenção

Citomegalovirus pós-transplante: o desafio ainda é a prevenção

Autores:

José Otto Reusing Junior,
Elias David-Neto

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.39 no.4 São Paulo out./dez. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170064

Apesar de avanços recentes no diagnóstico e tratamento do citomegalovírus (CMV), ele continua a ser o principal agente de infecção viral após o transplante. No atual esquema imunossupressor padrão, que inclui tacrolimo e micofenolato, sem prevenção, a incidência de doença citomegálica varia de 17% a 67%,1,2 a depender do tipo de indução e perfil sorológico. Sua prevenção é, portanto, necessária, mas implica alto custo assistencial, seja através da profilaxia universal ou da terapia preemptiva.

Com satisfação, o trabalho de Felipe et al.3 nos mostra através da maior casuística brasileira (802 pacientes) já publicada, o impacto recente da infecção pelo citomegalovírus no transplante renal. A pequena proporção de receptores soronegativos (6%) comprova que, no Brasil, o foco do problema são os indivíduos de risco intermediário (soropositivos).

O estudo aponta que a ocorrência de infecção pelo CMV implicou mudança na imunossupressão em 63% dos indivíduos (vs. 31% no grupo sem CMV). Felizmente, a maioria dos casos de doença era leve e se apresentava como síndrome viral ou com sintomas gastrointestinais (possível doença invasiva). Nenhum óbito foi atribuído ao CMV. Sua infecção se associou a mais episódios subsequentes de rejeição e a pior função do enxerto um ano após o transplante. Embora não tenha sido encontrada diferença na sobrevida do enxerto, o tempo de seguimento de 12 meses foi provavelmente curto para excluir este efeito.

Além do receptor soronegativo, alguns fatores de risco citados na literatura4 também se associaram ao CMV nesta casuística: o uso de formulação com ácido micofenólico, globulina antitimócito (ATG), função renal reduzida e idade do receptor. De acordo com seus achados, função reduzida do enxerto tem aparecido como fator de risco para CMV em alguns estudos.2,4

Mas um dado merece destaque: a elevada incidência (17%) de doença pelo CMV, a maior parte precoce e ainda durante o período de monitoramento. Essa foi a mesma incidência de outro estudo brasileiro, o qual, entretanto, não implementou nenhuma estratégia preventiva.1 Não está claro se a baixa eficácia da estratégia de prevenção utilizada por Felipe et al.3 foi em parte devido a problemas logísticos, sensibilidade da antigenemia ou o ponto de corte para tratamento.1 Mas parece que a frequência quinzenal do exame laboratorial não foi suficiente para evitar doença pelo CMV em pacientes que receberam ATG. O Consenso Internacional atualizado recomenda que o monitoramento para terapia preemptiva seja semanal.5

O efeito protetor do inibidor da mTOR (mammalian target of rapamycin) contra o CMV e outras infecções virais é bem conhecido, como demonstrado pelo mesmo grupo.6 Mas ainda não foi provada se sua combinação com dose baixa de inibidor de calcineurina é segura o suficiente para se tornar o esquema imunossupressor inicial padrão no transplante renal.

No Brasil, a profilaxia com valganciclovir oral por 3 meses custa entre 1.880,00 a 7.515,00 dólares(a). Ou seja, 3,2-7,1 vezes mais que a abordagem preemptiva, dependendo da função renal e frequência do monitoramento. Devido ao alto custo da profilaxia universal, o caminho para reduzir o impacto do CMV envolve a prevenção direcionada. Uma estratégia direcionada deve ser custo-efetiva e expor menos pacientes à mielotoxicidade das drogas antivirais. Além das variáveis clínicas aqui demonstradas, a avaliação da imunidade celular CMV-específica deverá ter um papel nessa estratificação de risco.5

Mesmo num centro transplantador de alto volume e com logística e estrutura bem consolidadas, a prevenção contra o CMV ainda não está otimizada. Nos casos de imunossupressão de manutenção sem inibidor de mTOR, uma nova estratégia de estratificação de risco é necessária. Esperamos que, no futuro, um escore preditivo com estas e outras variáveis seja desenvolvido e testado para orientar a prevenção em subgrupos de maior risco.

REFERÊNCIAS

1 David-Neto E, Triboni AH, Paula FJ, Vilas Boas LS, Machado CM, Agena F, et al. A Double-Blinded, Prospective Study to Define Antigenemia and Quantitative Real-Time Polymerase Chain Reaction Cutoffs to Start Preemptive Therapy in Low-Risk, Seropositive, Renal Transplanted Recipients. Transplantation. 2014. PMID: 24839894 DOI:
2 De Keyzer K, Van Laecke S, Peeters P, Vanholder R. Human cytomegalovirus and kidney transplantation: a clinician's update. American journal of kidney diseases: the official journal of the National Kidney Foundation. 2011;58(1):118-26. DOI:
3 Felipe C, Ferreira AN, Bessa A, et al. The current burden of cytomegalovirus infection in kidney transplant recipients receiving no pharmacological prophylaxis. J Bras Nefrol. 2017;39(4):413-423.
4 San Juan R, Aguado JM, Lumbreras C, Fortun J, Munoz P, Gavalda J, et al. Impact of current transplantation management on the development of cytomegalovirus disease after renal transplantation. Clin Infect Dis. 2008;47(7):875-82. DOI:
5 Kotton CN, Kumar D, Caliendo AM, Asberg A, Chou S, Danziger-Isakov L, et al. Updated international consensus guidelines on the management of cytomegalovirus in solid-organ transplantation. Transplantation. 2013;96(4):333-60. PMID: 23896556 DOI:
6 Tedesco-Silva H, Felipe C, Ferreira A, Cristelli M, Oliveira N, Sandes-Freitas T, et al. Reduced Incidence of Cytomegalovirus Infection in Kidney Transplant Recipients Receiving Everolimus and Reduced Tacrolimus Doses. Am J Transplant. 2015;15(10):2655-64. DOI: