versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.23 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201500030059
This study aimed to analyze the cervical cancer screening in Minas Gerais, Brazil, regarding the number of tests performed annually and its coverage. We used data from the Cervical Cancer Information System (SISCOLO). Screenings performed between 2000 and 2010 were analyzed regards time sequence for women who lived in the state, aged 25-59 and users of the Unified Health System (SUS). We performed comparisons against target goals agreed for the Viva Mulher Program in the macroregions. The overall coverage was lower than the one set by Viva Mulher Program (63.8%) and also lower than the estimated by the population criteria (66.4%). In 2000, macroregions that showed the highest coverage for the two goals were: Northern Triangle, South and Central Triangle. In 2010, there were changes regarding the position occupied by the macroregions and coverage improvements. As for SUS targets, the Northern, Jequitinhonha and South macro-regions had the highest coverage. The differences between the two targets evaluated in this study highlight the importance of the criteria chosen for setting goals.
Keywords: screening; cervical cancer; prevention; coverage
O câncer do colo do útero (CCU) é o terceiro tipo de câncer mais comum entre as mulheres, com aproximadamente 530 mil novos casos por ano no mundo, e o responsável pelo óbito de 270 mil mulheres por ano1. No Brasil, em 2014, foram estimados 15.590 novos casos2. Trata-se de uma doença rara em mulheres com até 30 anos e sua incidência aumenta progressivamente até ter seu pico na faixa de 40 a 50 anos. A mortalidade aumenta, de modo progressivo, a partir da quarta e quinta década de vida, com expressivas diferenças regionais no país. A incidência de CCU é aproximadamente o dobro em países em desenvolvimento, comparativamente aos países desenvolvidos, e trata-se de uma doença relacionada ao baixo nível socioeconômico da população1,3,4.
Por ser uma neoplasia causada pelo Papilomavírus humano (HPV), a realização do exame de Papanicolau, também conhecido como exame citopatológico do colo do útero, exame colpocitopatológico ou oncocitológico, tem sido reconhecida mundialmente como uma estratégia segura e eficiente para a detecção precoce do CCU na população feminina. A efetividade da detecção precoce de lesões precursoras por meio do exame de Papanicolau, associada ao tratamento em seus estádios iniciais, tem resultado em redução de até 90,0% nas taxas de incidência de câncer cervical invasor, quando o rastreamento apresenta boa cobertura e é realizado dentro dos padrões de qualidade5. O Ministério da Saúde recomenda o rastreamento do CCU a partir dos 25 anos de idade para as mulheres sexualmente ativas. O intervalo deve ser de três anos entre os exames, quando ocorrem dois exames negativos com intervalo anual. A recomendação atual preconiza a continuidade dos exames até os 64 anos de idade, devendo ser interrompidos quando há pelo menos dois exames negativos nos últimos cinco anos6. A idade mínima para interrupção do rastreamento em recomendações anteriores (antes de 2011) era de 59 anos7.
Em 1995, como parte de um compromisso assumido pelo Brasil na Conferência Mundial sobre a Saúde da Mulher, o Ministério da Saúde elaborou um projeto-piloto de rastreamento do CCU no país denominado “Viva Mulher: Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero”8-10. Em 1997, o Programa foi implementado em seis localidades e, no ano seguinte, foi ampliado para todo o território nacional. Também, em 1998, foi criado o Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO), com o objetivo de monitorar e de gerenciar as ações do Programa, promovendo a análise dos dados coletados nos postos de saúde e nos laboratórios integrados ao Sistema Único de Saúde (SUS). A partir de então, as estratégias de prevenção e de controle do CCU passaram por períodos de reavaliação e de reafirmação – o mais recente foi no ano de 2011, com o lançamento do Programa de Fortalecimento da Rede de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Câncer do Colo do Útero e de Mama6. Metas quanto ao número de exames a serem realizados foram pactuadas11. Diante da magnitude do CCU e da importância de sua prevenção por rastreamento12, é relevante quantificar as informações sobre a sua prevenção para a elaboração de políticas públicas. Para tanto, o número de exames preventivos deve ser observado à luz das metas pactuadas e preconizadas pelo SUS. Essas mesmas metas devem ser observadas e consideradas a partir de informações populacionais para que o dimensionamento seja o mais adequado possível, segundo as mudanças demográficas na população-alvo.
Assim, os objetivos deste estudo foram descrever a série temporal de informações sobre os exames de Papanicolau realizados pelo SUS em Minas Gerais, localizado na região Sudeste do Brasil, entre 2000 e 201013. Apesar da queda da mortalidade por CCU nesse Estado, a cobertura do rastreamento foi ressaltada como insatisfatória13. Minas Gerais, além de ter o maior número de municípios do país, possui ainda grande heterogeneidade socioeconômica entre suas macrorregiões. Essas constatações tornam propícia a observação de uma série temporal no período após a implementação do SISCOLO em Minas Gerais, o que torna possível analisar quando houve intensificação das iniciativas voltadas para o CCU, principalmente no que tange à sua prevenção.
Trata-se de estudo ecológico de série temporal que avaliou informações epidemiológicas sobre a realização do exame de Papanicolau em Minas Gerais no período 2000 a 2010. Os dados de população utilizados provieram do sistema informatizado SISCOLO10, especificamente desenvolvido pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, em parceria com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), e voltado para a estruturação do Programa Viva Mulher11, que coleta e processa informações sobre identificação de pacientes e laudos de exames cito e histopatológicos, fornecendo dados para o monitoramento externo da qualidade dos exames. Os dados foram extraídos diretamente do sítio do DATASUS.
Foram utilizadas informações sobre as mulheres residentes no Estado de Minas Gerais, com idade de 25 a 59 anos14, e estimativas do número de usuárias do SUS. Para tal, foi necessário subtrair das informações de cada município o número de mulheres beneficiárias de planos privados de saúde (saúde suplementar)15. O cálculo realizado foi referente ao mês de junho de cada ano estudado, fazendo a subtração a partir do total de mulheres de cada município. Obteve-se, assim, a estimativa do número de mulheres atendidas pelo SUS em cada ano. A premissa básica foi que o exame citopatológico deveria ser realizado uma vez ao ano, em mulheres de 25 a 59 anos de idade7,16, ou que já tivessem tido atividade sexual mesmo antes dessa faixa etária, e depois de dois exames anuais consecutivos negativos, a cada três anos, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde17. Assim, para este trabalho, definiu-se que o número de mulheres atendidas deveria ser no mínimo igual a um terço da população de usuárias do SUS (não beneficiária de saúde suplementar) – definido como o parâmetro mínimo do quantitativo de exames. Além disso, para comparação, obtivemos as metas pactuadas para o Programa Viva Mulher de cada município, por meio de dados disponíveis no SISCOLO, as quais foram definidas de acordo com a população-alvo para o rastreamento (25 a 59 anos), com base na população anual de mulheres estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para 2009, a meta SUS (para todo o Estado) equivaleu a 20,0% da população-alvo; para 2010, o indicador equivaleu a 21,0%; para os demais anos, sabe-se que não superou 30,0%, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde18, mas não se tem o conhecimento exatamente do fator utilizado na multiplicação.
Os dados quantitativos foram recebidos em planilhas do Microsoft Excel 2010. As frequências absolutas e os valores calculados quanto às coberturas foram representados por tabelas e gráficos. Após conversão dos dados em formato compatível com pacote estatístico STATA, versão 13.119, analisaram-se os dados com este último programa.
Foram obtidos, de cada um dos 11 anos estudados – 2000 a 2010 –, os números de exames realizados para as 13 macrorregiões de Minas Gerais e para o total do Estado. Obtiveram-se duas metas para o número de exames ano a ano para cada macrorregião: meta proposta pelo SUS para cada macrorregião (número de exames anuais programados pelo SUS, chamado aqui de meta SUS); meta estimada neste trabalho, considerando-se a população feminina de 25 a 59 anos, residente em cada macrorregião (denominada de meta populacional). De posse dessas informações, estimaram-se as coberturas dessas duas metas. A divisão do número de exames realizados pelo número de exames necessários pela meta SUS vezes 100 resultou na cobertura em relação à meta SUS. Da mesma forma, a cobertura em relação à meta populacional foi obtida pela divisão do número de exames efetivamente realizados pelo número de exames necessários pela meta populacional vezes 100.
A Figura 1 apresenta as macrorregiões de Minas Gerias definidas pelo Plano de Regionalização do SUS (PDR/SUS) (Figura 1). Os gráficos (Figura 2) indicam a tendência temporal anual entre o período de 2000 e 2010 do número de exames realizados, tanto da meta populacional quanto da meta SUS, para cada uma das macrorregiões.
O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com parecer n. 510.095, de 14 de janeiro de 2014, e CAAE n. 17983113.6.0000.5149. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido não foi necessário por serem dados secundários.
No ano 2000, o Estado de Minas Gerais teve 1.193.472 exames de Papanicolau programados para a meta SUS e 1.241.572 para a meta populacional. Contudo, o número de exames efetivamente realizados foi de 792.331, indicando cobertura inferior tanto em relação à meta SUS (63,8%) quanto à meta populacional (66,4%) (Tabela 1).
Macrorregiões | Número de exames realizados (Efetivo) Coluna 1 |
Número mínimo de exames necessários (meta populacional) Coluna 2 |
Meta proposta (número de exames programados - meta SUS) Coluna 3 |
Cobertura em relação à meta populacional (Coluna1)×(100)/(Coluna 2) |
Cobertura em relação à meta SUS (Coluna1)×(100)/(Coluna 3) |
---|---|---|---|---|---|
Sul | 91.580 | 173.336 | 157.812 | 52,8 | 58,0 |
Centro-Sul | 22.707 | 47.363 | 45.936 | 47,9 | 49,4 |
Centro | 299.299 | 353.002 | 372.216 | 84,8** | 80,4** |
Jequitinhonha | 5.429 | 25.549 | 18.276 | 21,2 | 29,7 |
Oeste | 42.143 | 78.720 | 69.408 | 53,5 | 60,7 |
Leste do Norte | 38.511 | 97.392 | 90.348 | 39,5 | 42,6 |
Sudeste | 71.893 | 98.772 | 96.936 | 72,8* | 74,2* |
Norte de Minas | 49.358 | 100.103 | 96.456 | 49,3 | 51,2 |
Noroeste | 15.953 | 44.292 | 37.320 | 36,0 | 42,7 |
Leste do Sul | 20.670 | 46.154 | 41.640 | 44,8 | 49,6 |
Nordeste | 23.566 | 57.604 | 58.320 | 40,9 | 40,4 |
Triângulo do Sul | 35.250 | 46.144 | 39.000 | 76,4* | 90,4*** |
Triângulo do Norte | 65.972 | 73.141 | 69.804 | 90,2*** | 94,5*** |
TOTAL | 792.331 | 1.241.572 | 1.193.472 | 63,8 | 66,4 |
Fonte: Ministério da Saúde/Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)20; Instituto Nacional do Câncer (INCA)/Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO)14; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10
*Cobertura acima de 70,0%
**Cobertura acima de 80,0%
***Cobertura acima de 90,0%
As macrorregiões que apresentaram maior cobertura em 2000 em relação à meta SUS foram: Triângulo do Norte, Triângulo do Sul e Centro. No entanto, quando o critério de comparação foi a meta populacional, a macrorregião Centro apresentou maior cobertura que a Triângulo do Sul. As piores coberturas foram observadas em Jequitinhonha, Nordeste e Leste do Norte (meta SUS) e Jequitinhonha, Noroeste e Leste do Norte (meta populacional).
Em 2010, as metas SUS e populacional foram iguais a 1.495.182 e 1.398.922, respectivamente, com 1.334.940 exames realizados e coberturas iguais a 89,3% pela meta SUS e a 95,4% pela meta populacional (Tabela 2). Observou-se, assim, melhoria da cobertura quando comparada à de 2000. No ano de 2010, a posição ocupada pelas macrorregiões mudou comparativamente ao ano de 2000. Quanto à meta SUS, as macrorregiões Nordeste, Jequitinhonha e Sul apresentaram as maiores coberturas. Contudo, na meta populacional, Jequitinhonha teve a pior menor cobertura.
Macrorregiões | Número de exames realizados (Efetivo) Coluna 1 |
Número mínimo de exames necessários (meta populacional) Coluna 2 |
Meta proposta (número de exames programados - meta SUS) Coluna 3 |
Cobertura em relação à meta populacional (Coluna1)×(100)/(Coluna 2) |
Cobertura em relação à meta SUS (Coluna1)×(100)/(Coluna 3) |
---|---|---|---|---|---|
Sul | 202.971 | 187.552 | 201.660 | 108,2*** | 100,7*** |
Centro-Sul | 48.083 | 55.011 | 58.812 | 87,4** | 81,8** |
Centro | 355.513 | 383.651 | 450.648 | 92,7*** | 78,9* |
Jequitinhonha | 21.303 | 30.316 | 19.764 | 70,3* | 107,8*** |
Oeste | 86.271 | 85.941 | 93.468 | 100,4*** | 92,3*** |
Leste do Norte | 102.976 | 112.386 | 114.372 | 91,6*** | 90,0*** |
Sudeste | 104.241 | 113.171 | 119.388 | 92,1*** | 87,3** |
Norte de Minas | 109.823 | 128.061 | 117.960 | 85,8** | 93,1*** |
Noroeste | 42.625 | 52.162 | 46.848 | 81,7** | 91,0*** |
Leste do Sul | 45.327 | 54.206 | 48.294 | 83,6** | 93,9*** |
Nordeste | 70.825 | 63.215 | 64.032 | 112,0*** | 110,6*** |
Triângulo do Sul | 51.689 | 50.985 | 60.180 | 101,4*** | 85,9** |
Triângulo do Norte | 93.293 | 82.265 | 99.756 | 113,4*** | 93,5*** |
TOTAL | 1.334.940 | 1.398.922 | 1.495.182 | 95,4*** | 89,3** |
Fonte: Ministério da Saúde/Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)20; Instituto Nacional do Câncer (INCA)/Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO)14; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10
*Cobertura acima de 70,0%
**Cobertura acima de 80,0%
***Cobertura acima de 90,0%
Em relação às tendências temporais, nota-se que todas as macrorregiões apresentaram aumento do número efetivo de exames realizados, observando-se um pico em 2002 (Figura 2). Chama atenção, na macrorregião Centro, o fato de que a meta mínima populacional esteve sempre abaixo da meta SUS, bem como do número de exames realizados, com exceção do ano de 2002. A macrorregião Triângulo do Norte apresentou número de exames realizados acima do estimado pela meta populacional na maior parte do período estudado. Contudo, essa macrorregião, a Triângulo do Sul e a Sudeste registraram grandes oscilações no número de exames realizados, principalmente até o ano de 2008. A macrorregião Nordeste teve meta populacional bastante semelhante à meta SUS até 2006, período em que o número de exames realizados permaneceu bem abaixo em ambas. Após 2006, o número efetivo de exames realizados passou a aumentar e se aproximou das metas, até que, no final do período, ultrapassou ambas. A macrorregião Norte também apresentou avanços no número de exames realizados a partir de 2006, quando se aproximou mais das metas. No caso da macrorregião Jequitinhonha, a máxima cobertura obtida foi em relação à meta SUS em 2010; somente após 2008 que o número de exames realizados passou a ser mais elevado que a meta SUS. Seis macrorregiões – Centro-Sul, Leste do Norte, Leste do Sul, Noroeste, Oeste e Sul – apresentaram padrões nítidos, com estimativas pelas metas populacionais mais elevadas que as metas SUS. Estas últimas, por sua vez, permaneceram mais elevadas que o quantitativo realizado na maior parte do período analisado.
Para o Estado como um todo, o número efetivo de exames ficou sempre aquém das metas, independentemente do critério, com exceção de 2002, quando o número realizado se aproximou da meta SUS, mas ficou abaixo da meta populacional.
De maneira geral, os resultados indicam que a meta populacional, comparativamente à meta proposta pelo SUS, por meio da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES-MG), é diferente em cada macrorregião. Também indicam que houve avanços inequívocos no sentido do aumento da população atendida. A intensificação da política de rastreamento, por intermédio do fortalecimento e da qualificação da rede de atenção básica, e a ampliação dos centros de referência em 20022 foram ações que podem ser inferidas com base no aumento da cobertura e no número de exames realizados. Naquele período, priorizaram-se as mulheres entre 35 e 49 anos e que jamais haviam sido submetidas ao exame ou que estavam há mais de três anos sem realizá-lo, alcançando mais de 3,8 milhões de mulheres.
A identificação da cobertura ideal não é tarefa fácil. O cadastro do Sistema de Informações de Atenção Básica (SIAB) é discordante da população anual estimada pelo IBGE e obtida no sítio do DATASUS17. Neste trabalho optou-se por efetuar uma estimativa populacional do número mínimo de exames, excluindo-se a população coberta por planos de saúde suplementar (meta populacional). Em seguida, comparou-se a meta populacional à meta anual de realização do exame preconizada pelo Ministério da Saúde (meta SUS). O resultado foi que, em qualquer uma das metas, a cobertura tem aumentado de forma sustentada. Entretanto, os dados evidenciam que uma das macrorregiões mais pobres do Estado, o Jequitinhonha, apresentou grande disparidade entre a meta populacional e a meta SUS. Comparativamente à meta populacional, os números de exames estiveram muito abaixo do esperado ao longo do período de estudo.
Ao analisar os fatores que levaram ao não alcance das metas em relação à cobertura do exame citopatológico, percebe-se que o problema é complexo e multifacetado. Um estudo que abordou o vínculo entre a população em três municípios do Vale do Jequitinhonha21 mostrou que os profissionais entrevistados enfatizaram o problema da rotatividade nas Equipes de Saúde da Família, o que interfere negativamente na dinâmica do trabalho e no vínculo construído com as famílias. Esse vínculo é uma ferramenta que possibilita a realização de atos terapêuticos22. Dessa forma, pode-se inferir que a rotatividade atuaria como um empecilho no alcance de um maior número de usuárias com exame citopatológico realizado. Outro problema seria a barreira da própria mulher em relação ao exame de Papanicolau. Infelizmente, muitas mulheres, devido ao baixo grau de escolaridade e por residirem em regiões de extrema pobreza, não têm informações adequadas a respeito do câncer cervical nem acerca da sua prevenção e detecção precoce23. Ademais, por ser um exame pélvico, muitas mulheres sentem vergonha de realizá-lo, fazem associação com a dor ou são coibidas por seus parceiros23. No entanto, nas sociedades contemporâneas, é considerável o papel das mulheres como pilares de sustento de suas famílias, o que pode levar à negligência nos cuidados com a própria saúde, fazendo com que essas mulheres não procurem os centros de saúde para a realização do exame24.
A dificuldade do acesso das usuárias ao SUS para a coleta do exame citopatológico25 também pode ser um dos motivos para o não cumprimento das metas de cobertura. Muitas mulheres têm dificuldade em agendar uma consulta com um profissional de saúde25. Além disso, a longa distância da unidade básica de saúde, os horários não flexíveis e a falta de estrutura do centro de saúde são alguns dos fatores que dificultam a cobertura do exame do Papanicolau em diferentes regiões26. A busca ativa, por meio de sensibilização das mulheres nas comunidades para realização do exame, e a demanda espontânea contribuem para o alcance das metas17. Outro aspecto que vai além da realização dos exames preventivos, mas que é de fundamental importância, diz respeito ao treinamento dos profissionais da atenção básica para diagnóstico precoce das lesões precursoras do CCU, o que pode favorecer muito o tratamento e aumentar a possibilidade de sucesso no combate a esse tipo de câncer.
O estudo da cobertura do exame do Papanicolau em Minas Gerais é essencial para a elaboração de estratégias de prevenção, bem como para a avaliação da efetividade das medidas já implementadas por meio do Programa Viva Mulher27,28. Esse conhecimento é fundamental para ajustes nas políticas de saúde, principalmente nas estratégias sub-regionais. As diferenças entre as metas avaliadas neste estudo sobre a cobertura de realização do exame de Papanicolau destacam a importância da escolha do critério para estabelecimento de metas para avaliação da cobertura. Sugere-se que novos estudos e políticas de saúde considerem critérios populacionais para avaliação das metas. Acredita-se que os resultados apresentados poderão auxiliar na identificação e correção de possíveis falhas do programa de prevenção do CCU, além de contribuir para a elaboração de novas estratégias e melhorias das ações preventivas e diagnósticas.