versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.32 no.2 São Paulo 2020 Epub 03-Fev-2020
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192018259
O envelhecimento populacional é hoje um fenômeno universal, característico tanto dos países desenvolvidos como, de modo crescente, dos países em desenvolvimento. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –IBGE, o número de idosos no Brasil cresceu 18% em 5 anos, ultrapassando 30 milhões em 2017(1). A importância de estudar essa população vem crescendo ao longo dos anos com vistas ao desenvolvimento de métodos para promover a longevidade com qualidade de vida.
A perda auditiva acomete frequentemente a população idosa, uma vez que no processo de envelhecimento ocorre um declínio de funções fisiológicas e sensoriais. A presbiacusia, perda auditiva decorrente do envelhecimento, é caracterizada por um declínio da função auditiva, com o aumento dos limiares de audibilidade(2). A dificuldade de compreensão de fala em ambientes ruidosos ou desafiadores é a principal queixa auditiva referida por idosos, independentemente da sensibilidade auditiva(3).
Como não há tratamento clinico ou cirúrgico que restaure a audição normal do paciente com perda auditiva neurossensorial, é indicada a reabilitação fonoaudiológica por meio da adaptação de próteses auditivas.
A função cognitiva também é afetada com o envelhecimento. Alguns estudos verificaram a relação entre a perda auditiva e o declínio cognitivo em idosos, comprovando que a perda auditiva está associada ao risco de desenvolver demência, em função de sua gravidade na população idosa(4). Verifica-se desta forma, uma relação entre o grau de déficit auditivo e o risco de demência(5).
Assim como a presbiacusia, a demência é habitualmente de natureza crônica e progressiva. A demência afeta várias funções corticais, entre elas a memória, compreensão, cálculo, capacidade de aprendizagem, linguagem e julgamento. O número estimado de indivíduos com demência era de 35,6 milhões em 2010, prevendo-se que duplique a cada vinte anos(6). Com o objetivo de identificar os quadros de demência, foram propostos diferentes instrumentos de triagem cognitiva como o Mini Exame do Estado Mental (MEEM)(7), o CASI-S: Cognitive Abilities Screening Instrument – Short Form(8), o Montreal Cognitive Assessment (MoCA)(9), entre outros. Recentemente, Apolinario et al.(10) realizaram um estudo no qual demonstraram que uma combinação de subtestes que avaliam orientação, recordação de palavra e fluência verbal constitui um instrumento eficiente para o rastreio de demência e aceitável para o rastreio de qualquer comprometimento cognitivo. Propuseram, neste estudo, uma ferramenta de triagem de fácil administração, denominada Triagem Cognitiva de 10 pontos (CS-10) com potenciais vantagens quando comparada com testes mais longos, como o Mini Exame do Estado Mental(10).
É também importante destacar que a audição exerce influência significativa na qualidade de vida, uma vez que o afastamento do meio familiar e social decorrente da perda auditiva pode originar ou agravar quadros de isolamento social ou depressão.
Para avaliar os benefícios e as dificuldades que a amplificação sonora proporciona aos usuários de próteses auditivas, podem ser utilizados questionários de autoavaliação. Estes são aplicados para determinar as necessidades auditivas do paciente a fim de elaborar o plano de intervenção e, após a intervenção, a fim de avaliar a efetividade da reabilitação.
O presente estudo tem como finalidade verificar se há relação entre os resultados da Triagem cognitiva de 10 pontos – 10-CS(10), o esforço necessário para o indivíduo escutar e o benefício que o uso de próteses auditivas proporciona para a vida deste. Desta forma, enriquece-se o modo de avaliar precisamente pacientes geriátricos nos quesitos de cognição, audição e bem-estar social.
Este estudo tem como objetivo verificar os efeitos da cognição no benefício obtido com o uso de próteses auditivas e na qualidade de vida de idosos com perda auditiva decorrente do envelhecimento.
Trata-se de um estudo prospectivo, transversal com amostra de conveniência.
O presente estudo foi realizado no Núcleo Integrado de Assistência, Pesquisa e Ensino em Audição (NIAPEA), do departamento de Fonoaudiologia, da Escola Paulista de Medicina, da UNIFESP.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Projeto CEP/UNIFESP n: 1369/2016). Os pacientes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com todas as informações necessárias sobre o estudo. Além disso, também receberam os telefones de contato do CEP-UNIFESP e dos pesquisadores envolvidos no estudo para esclarecer quaisquer dúvidas.
Foram avaliados 17 idosos com perda auditiva neurossensorial bilateral de grau moderado adquirida, sem experiência anterior com o uso de próteses auditivas, sendo oito (47,1%) do sexo masculino e nove (52,9%) do feminino, média etária amostral de 77 (±6,57) anos. Estes idosos aguardavam a dispensação das próteses auditivas no serviço de Saúde Auditiva do Hospital São Paulo. Para a composição da amostra, os seguintes critérios de elegibilidade foram estabelecidos:
Ter idade igual ou superior a 60 anos, considerado idoso para os países em desenvolvimento pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
Apresentar perda auditiva neurossensorial simétrica de grau moderado adquirida (média dos limiares nas frequências de 500,1000, 2000 e 4000 Hz, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, 2014)
Serem candidatos ao uso de próteses auditivas
Não terem feito uso de amplificação sonora anteriormente ao início da pesquisa
Não apresentarem comprometimentos cognitivos e/ou psiquiátricos evidentes.
Os idosos selecionados foram distribuídos em dois grupos, segundo o status cognitivo:
Grupo 1 - sete idosos com perda auditiva neurossensorial adquirida com resultado normal na triagem cognitiva de 10 pontos (CS-10).
Grupo 2 - dez idosos com perda auditiva neurossensorial adquirida com resultado sugestivo de alteração cognitiva na triagem de 10 pontos (10-CS).
Todos os participantes da pesquisa foram submetidos à anamnese do referido serviço que contempla dados de identificação e variáveis demográficas. Aplicou-se o Critério de Classificação Econômica Brasil – ABEP. O Critério Brasil, modo de classificar economicamente a população brasileira, é um estimador padronizado da capacidade de consumo dos domicílios brasileiros. É uma ferramenta que permite a comparação entre estudos realizados em diferentes regiões do país, por diferentes empresas e em diferentes momentos.
O Critério de Classificação Econômica Brasil 2014 é baseado em posse de bens e acesso a serviços, atrelando a cada item uma quantidade de pontos cuja base para o estudo é a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A pesquisadora realizou as perguntas ao participante em uma sala silenciosa e este as respondeu verbalmente. A partir das respostas dadas pelo paciente, a pesquisadora calculou a quantidade de bens, de acordo com o valor estipulado para cada item pelo ABEP, em seguida, foi possível classificar as classes de acordo com a tabela 1.
Tabela 1 Classificação do nível socioeconômico segundo o critério ABEP
CLASSE | PONTOS | RENDA MÉDIA (R$) |
---|---|---|
A1 | 42-46 | 9.733 |
A2 | 35-41 | 6.564 |
B1 | 29-34 | 3.479 |
B2 | 23-28 | 2.013 |
C1 | 18-22 | 1.195 |
C2 | 14-17 | 726 |
D | 8-13 | 485 |
E | 0-7 | 277 |
Legenda: ABEP – Associação Brasileira de Empresas e Pesquisa – Critério de Classificação Econômica Brasil
O protocolo elaborado para a presente pesquisa foi aplicado antes do processo de adaptação das próteses auditivas e após três meses de uso efetivo delas. Definiu-se o tempo de três meses a fim de considerar o período de aclimatização e além do tempo de estimulação acústica por meio do uso das próteses auditivas necessário para efetivar o possível aproveitamento da plasticidade neuronal que ocorre também em idosos. Foi considerado uso efetivo a utilização de pelo menos 8 horas diárias – conforme o registro de dados das próteses auditivas.
O processo de adaptação das próteses auditivas foi realizado como recomendado pela portaria de Saúde Auditiva e o ajuste dos dispositivos foi verificado por meio de mensuração In Situ realizada com o equipamento da marca Audioscan modelo Verifit 1. As medidas com microfone sonda foram obtidas com o estímulo de fala International Speech Test Signal – ISTS(11) a 65 dBNPS, cujo alvo de ganho acústico foi definido pelo método prescritivo NAL N/L 2. Buscou-se que a fala amplificada estivesse situada entre os valores alvo ± 4dB. Obteve-se, a partir desta mensuração, o Índice de Inteligibilidade de fala (Speech Inteligibility Index – SII). Procurou-se atingir o SII maior ou igual a 50 para que forneça audibilidade suficiente para demonstrar benefício significante em várias medidas de avaliação de resultados(12). O nível máximo de saída (MPO) foi avaliado utilizando-se uma varredura de tom puro (tone burst) a 85 dB NPS segundo os valores definidos por Pascoe(13).
Todos os idosos que cumpriam os critérios para a inclusão no estudo e aceitaram participar voluntariamente do estudo foram submetidos aos seguintes procedimentos:
1. Triagem Cognitiva de 10 pontos (CS-10) é um instrumento de triagem breve para detectar deficiências cognitivas, desenvolvido por Apolinário et al.(10). Avalia a orientação temporal de três itens (data, mês, ano), fluência de categoria (nomeação de animais em 1 minuto) e recordação de três palavras (Carro, Vaso e Tijolo).
A cada questão correta, atribuiu-se o valor de um ponto, sendo que a pontuação para nomeação de animais é de forma escalonada até quatro pontos, a saber:
0 – 5: 0 ponto 6 – 8: 1 ponto 9 – 11: 2 pontos
12 – 14: 3 pontos >=15: 4 pontos
O valor máximo do teste é de 10 pontos.
O teste é ajustado para nível de escolaridade:
Nenhuma educação formal (adicionar 2 pontos - para um máximo de 10);
1-3 anos de educação (adicionar 1 ponto - para um máximo de 10).
Os pontos de corte são:
0 a 5 pontos: Provável deterioração cognitiva;
6 a 7 pontos: Possível deterioração cognitiva;
>= 8 pontos: Exame Normal.
2. Questionário de qualidade de vida - SF36 - O questionário SF-36 (Medical Outcomex Study 36 – Item Short Form Health Survey – SF 36) foi desenvolvido por Ware e Sherbourne(14), traduzido e validado para a língua portuguesa por Ciconelli(15). O SF-36 (Medical Outcomes Study 36 – Item Short-Form Health Survey) é um instrumento de avaliação de qualidade de vida, de fácil administração e compreensão. É um questionário multidimensional que avalia tanto aspectos positivos da saúde quanto negativos. É formado por 36 itens que englobam oito domínios: capacidade funcional (10 itens), aspectos físicos (4 itens), dor (2 itens), estado geral da saúde (5 itens), vitalidade (4 itens), aspectos sociais (2 itens), aspectos emocionais (3 itens), saúde mental (5 itens) e uma questão de avaliação comparativa entre as condições de saúde atual e as de um ano atrás.
Os escores variam de zero a 100, sendo zero o pior resultado e 100 o melhor. Esta pontuação é realizada por domínio.
3. Questionário Hearing Handicap for the Elderly - HHIE: Elaborado por Ventry e Weinstein(16) e traduzido e adaptado para o português por Wieselberg(17). É composto por 25 perguntas - os pacientes devem escolher uma das três alternativas possíveis em cada questão: sim, às vezes ou não. À resposta sim são atribuídos 4 pontos, à às vezes dois e à não zero ponto. Quanto maior a pontuação maior a restrição autopercebida. Tem como objetivo identificar as restrições impostas pela perda auditiva. Este estudo foi aplicado na forma de entrevista.
4. Escala de Depressão Geriátrica – EDG Criada por Yesavage et al.(18). A EDG-15 (versão reduzida) foi traduzida e adaptada para o português para aplicação no Brasil por Stoppe Junior et al.(19). A EDG-15 dá maior ênfase aos aspectos emocionais e cognitivos do que aos aspectos somáticos da depressão. Identifica pacientes com indício de depressão e ideação suicida. A escala é composta por 15 questões, na qual a resposta do paciente poderá ser “sim” ou “não”.
A cada questão atribuiu-se o valor de um ponto. Os pontos de corte são(20):
Normal ou sem sintomas depressivos (N) – inferior a 5 pontos;
Sintomas depressivos leves (L) – entre 5 e 10 pontos;
Sintomas depressivos graves (G) – acima de 10 pontos.
5. Escala Visual Analógica de Esforço de Escuta: A escala visual analógica foi desenvolvida para avaliar dor(21). Neste estudo, porém, foi utilizada para avaliar o esforço de escuta. Foi apresentada ao paciente a figura de uma linha de 10 cm (nāo milimetrada), na qual a extremidade esquerda (zero) corresponde a nenhum esforço para escutar e a extremidade direita (10), esforço total. O paciente foi orientado a sinalizar com um risco vertical o local da escala que representava o esforço necessário para conseguir escutar.
Após a aplicação dos instrumentos do protocolo de pesquisa, os idosos receberam as próteses auditivas dispensadas pelo SUS. Depois de três meses de uso efetivo da amplificação, o protocolo foi reaplicado com a inclusão do questionário QI-AASI:
6. Questionário Internacional - Aparelho de Amplificação Sonora Individual (QI- AASI): O questionário IOI-HA (International Outcome Inventory- Hearing Aids) foi proposto por Cox et al.(22) e foi traduzido para o português em 2002 como Questionário Internacional de Avaliação de Aparelhos de Amplificação Sonora Individual (QI – AASI). Quantifica o desempenho que o paciente usuário de próteses auditivas consegue obter com amplificação. É composto por sete questões que avaliam sete domínios: 1. Uso; 2. Benefício; 3. Limitação de atividades; 4. Satisfação; 5. Restrição de participação residual; 6. Impacto em outros; e 7. Qualidade de vida. As questões foram elaboradas com cinco possibilidades de respostas, sendo graduadas da esquerda para a direita, de forma que a primeira opção se refere a um pior desempenho, à qual é atribuído um ponto; a última opção indica um melhor desempenho, recebendo cinco pontos. O questionário é dividido em Fator 1 (soma das questões 1, 2, 4 e 7) e refere-se à interação do indivíduo com sua prótese auditiva e Fator 2 (soma das questões 3, 5 e 6), que diz respeito à interação do indivíduo com outras pessoas no seu ambiente. Esses domínios são avaliados com os indivíduos utilizando as próteses auditivas.
Foram realizadas as análises descritivas e os dados foram analisados com modelos lineares generalizados – GLM. Para verificar a homogeneidade dos grupos quanto às variáveis de estudo aplicou-se o teste de Levene e a suposição de normalidade foi avaliada pelo teste Shapiro-Wilk. Adotou-se o nível de significância de 5%.
Os idosos participantes foram distribuídos em dois grupos segundo o status cognitivo, na etapa de avaliação, com base nos resultados da triagem 10-CS: Grupo de idosos sem alteração cognitiva (G1) com sete sujeitos, sendo três (42,9%) do sexo masculino e quatro (57,1%) do feminino; e grupo de idosos com possível/provável deterioração cognitiva (G2) com dez sujeitos, sendo cinco (50%) do sexo masculino e cinco (50%) do feminino.
A amostra foi caracterizada quanto à idade, escolaridade, questionário socioeconômico ABEP, grau da perda auditiva, Índice Percentual de Reconhecimento de Fala (IPRF) da melhor orelha, Índice de Inteligibilidade de Fala (SII) sem e com prótese auditiva da orelha com melhor audibilidade.
A caracterização da amostra e o estudo comparativo entre os dois grupos são apresentados na tabela 2. Pode-se observar que os idosos do grupo G2 apresentaram idade média significantemente maior (80,7 anos) do que os do grupo G1 (71,7 anos) (F=13,949; Eta-squared=0,482; p=0,002).
Tabela 2 Caracterização da amostra quanto às variáveis idade, sexo, escolaridade, IPRF, SII com e sem Próteses Auditivas
G1 (N) | G2 (A) | |
---|---|---|
Indivíduos | 7 | 10 |
Idade *p=0,002 | 71,7 | 80,7 |
Masculino | 42,9% | 50% |
Feminino | 57,1% | 50% |
Escolaridade p=0,129 | 11,4 | 6,8 |
IPRF da melhor orelha p=0,095 | 72,6% | 58,8% |
SII S/ AASI p=0,724 | 32,4% | 30,5% |
SII C/ AASI p=0,731 | 57,7% | 56,1% |
Legenda: G1 - grupo sem alterações cognitivas; G2 - grupo com alteração cognitiva
*p - estatisticamente significante; p - não significante
O estudo da escolaridade média dos dois grupos não demonstrou diferença significante (F=2,588; Eta-squared=0,147; p=0,129). Os idosos do grupo G1 apresentaram escolaridade média de 11,4 anos e os do grupo G2 de 6,8 anos.
O IPRF médio da melhor orelha foi de 72,6% no G1 e de 58,8% no G2. O SII médio da melhor orelha foi na condição sem prótese auditiva de 32,4% no G1 e de 30,5% no G2 e com prótese auditiva de 57,7% no G1 e de 56,1% no G2. Não houve diferença significante entre o SII obtido nos dois grupos nas duas condições.
O nível socioeconômico dos participantes foi classificado segundo o critério ABEP. A classe econômica C2 é a que possui maior número de participantes, com oito (47,1%) idosos, e as classificações A e B1 não foram representadas nesta pesquisa, o que demonstra que os dois grupos foram compostos por idosos de baixo nível socioeconômico.
O estudo dos escores obtidos na aplicação do HHIE, que avalia a restrição de participação imposta pela deficiência auditiva, por meio do teste GLM de medidas repetidas mostrou que não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos G1 e G2 (F<0,0001; Eta-squared<0,0001; p>0,9999). Verificou-se diferença significante entre as etapas de avaliação e reavaliação no grupo G1 (F=22,079; Eta-squared=0,595; p<0,0001) e no grupo G2 (F=30,147; Eta-squared=0,668; p<0,0001). Pode-se observar que os idosos dos dois grupos apresentaram menor percepção de restrição em atividades de vida diária, após três meses de uso das próteses auditivas. No G1, os escores foram de 62% para 11,4% e, no G2, de 62% para 12%.
A análise dos resultados do esforço de escuta, não revelou diferença estatisticamente significante entre os grupos G1 e G2 (F=0,254; Eta-squared=0,017; p=0,622). Houve diferença significante entre os resultados obtidos nas duas etapas de avaliação no grupo G1 (F=24,265; Eta-squared=0,618; p<0,0001) e no grupo G2 (F=55,905; Eta-squared=0,788; p<0,0001), o que demonstra redução significante do esforço de escuta após três meses de uso de amplificação no G1 (7,8 para 2,6) e no G2 (8,1 para 1,4). A comparação entre os escores do HHIE e EVA obtidos na avaliação e reavaliação são apresentados na tabela 3.
Tabela 3 Comparação entre os escores do HHIE e EVA obtidos na Avaliação e Reavaliação e entre os grupos G1 e G2
G1 (N) | G2 (A) | |||
---|---|---|---|---|
AV. | RE. | AV. | RE. | |
HHIE | 62,6 | 11,4 *p<0,0001 | 62 | 12 *p<0,0001 |
EVA de Esforço de Escuta | 7,8 | 2,6 *p<0,0001 | 8,1 | 1,4 *p<0,0001 |
Legenda: AV - avaliação; RE - reavaliação; G1 - grupo sem alterações cognitivas; G2 - grupo com alteração cognitiva
*p- estatisticamente significante
Os escores do Questionário QI-AASI foram analisados segundo fator 1, fator 2 e escore global e, nos dois grupos, os valores foram de 17, 14 e 31 pontos, respectivamente. Não houve diferença significante entre os valores obtidos no Fator 1, Fator 2 e Valor Total do QI-AASI entre os dois grupos. Todos os valores foram considerados satisfatórios e são apresentados na tabela 4.
Tabela 4 Escores médios do teste QI-AASI segundo Fator 1, Fator 2 e Total
G1 (N) | G2 (A) | |
---|---|---|
Fator 1 p=0,825 | 17,4 | 17,7 |
Fator 2 p=0,732 | 14,3 | 14 |
Total p=0,994 | 31,7 | 31,7 |
Legenda: G1- grupo sem alterações cognitivas; G2- grupo com alteração cognitiva; p - não significante
O estudo dos aspectos não auditivos, triagem cognitiva, sintomas depressivos e qualidade de vida, é apresentado na tabela 5.
Tabela 5 Valores médios e estudo comparativo entre os escores obtidos na Avaliação e Reavaliação para o CS-10, EDG e SF-36 dos grupos G1 e G2
G1 (N) | G2 (A) | |||
---|---|---|---|---|
AV | RE | AV | RE | |
CS-10 *p<0,0001 | 8,4 | 9 p=0,228 | 5,5 | 7,5 *p<0,0001 |
EDG p=0,848 | 5,1 | 4,1 p=0,495 | 5,9 | 3,8 p=0,100 |
Capacidade funcional | 60 | 75,7 | 47 | 65 *p=0,020 |
Lim. aspectos físicos | 39,3 | 78,6 | 27,5 | 50 *p=0,005 |
Dor | 54,7 | 67,3 | 40,5 | 52,8 |
Estado geral de saúde | 69,6 | 80 | 56,4 | 74,7 *p=0,018 |
Vitalidade | 62,8 | 72,8 | 43,5 | 61 *p=0,034 |
Aspectos sociais | 75 | 91,1 | 53,7 | 77,5 *p=0,046 |
Lim. aspectos emocionais | 61,9 | 80,9 | 49,9 | 80 |
Saúde Mental | 78,8 | 85,7 | 72,8 | 80,4 |
Legenda: G1 - grupo sem alterações cognitivas; G2 - grupo com alteração cognitiva; AV - avaliação; RE - reavaliação
*p - estatisticamente significante; p - não significante
A triagem cognitiva 10-CS foi o instrumento utilizado para compor os dois grupos. Assim sendo, o grupo G1 apresentou resultados significativamente melhores do que o G2 na etapa de avaliação (F=33,918; Eta-squared=0,693; p<0,0001). Verificou-se, na reavaliação, que houve melhora significante nos resultados obtidos pelos idosos do grupo G2 após três meses de uso das próteses auditivas (F=27,632; Eta-squared=0,648; p<0,0001).
O estudo dos resultados da Escala de Depressão Geriátrica revelou que não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos (F=0,038; Eta-squared=0,003; p=0,848) e nem entre as etapas de avaliação e reavaliação no grupo G1 (F=0,968; Eta-squared=0,032; p=0,495) e no grupo G2 (F=3,078; Eta-squared=0,170; p=0,100). Os dois grupos apresentaram melhores escores na etapa de reavaliação, uma vez que o valor médio calculado na avaliação caracterizava sintomas depressivos e o mesmo não ocorreu na reavaliação no G1 (5,1 para 4,1) e no G2 (5,9 para 3,8).
No Questionário de Qualidade de Vida – SF36, observou-se diferença estatisticamente significante entre as etapas de avaliação e reavaliação do questionário para os domínios Capacidade Funcional (F=6,730; Eta-squared=0,310; p=0,020), Limitação dos Aspectos Físicos (F=10,899; Eta-squared=0,421; p=0,005), Estado Geral de Saúde (F=6,997; Eta-squared=0,318; p=0,018), Vitalidade (F=5,423; Eta-squared=0,266; p=0,034) e Aspectos Sociais (F=4,737; Eta-squared=0,240; p=0,046). Não houve diferença significante entre os grupos em todos os domínios (p>0,384). Em todos os domínios, os resultados obtidos na reavaliação foram maiores do que na avaliação inicial (melhor qualidade de vida).
Os resultados obtidos na caracterização da amostra condizem com os achados na literatura, pois demonstram que as alterações cognitivas são mais frequentes na população feminina, entre indivíduos com baixa escolaridade, baixa condição econômica e idade avançada(23).
O estudo da variável idade dos dois grupos, demonstrou que o grupo G1 é composto por idosos com idade média de 71,7 anos, significantemente menor do que a idade média do grupo G2 de 80,7 anos. Sabe-se que idosos de maior faixa etária apresentam maior prevalência de perda auditiva e demência(24). Tal achado, portanto, está compatível com os dados da literatura, uma vez que o grupo 2 é o grupo composto por idosos com resultados sugestivos de alteração cognitiva.
O estudo do Índice Percentual de Reconhecimento de Fala (IPRF) revelou que não houve diferença estatisticamente significante entre as médias obtidas na melhor orelha no G1 (72,6) e G2 (58,8). Observou-se, no entanto, melhor reconhecimento de fala no grupo sem alteração cognitiva. Esse achado concorda com os pesquisados na literatura especializada sobre o tema. Estudos indicam que alterações no reconhecimento da fala aumentam a chance de alterações no desempenho cognitivo(25). Em relação ao Índice de Inteligibilidade de Fala, pode-se observar que ambos os grupos apresentaram melhora do SII da ordem de 20% na medida realizada com amplificação. Ambos os grupos atingiram de 50% a 55% de SII, o que é considerado satisfatório(12).
Os resultados obtidos no questionário que avalia restrição de participação em atividades de vida diária - HHIE assemelham-se aos observados no estudo realizado por Picinini(26). Este estudo demonstrou o benefício obtido pelos idosos com o uso de próteses auditivas. Quanto menor a restrição de participação, maior benefício com o uso de próteses auditivas foi percebido pelos usuários. Além disso, em outro estudo, observou-se que o escore total do HHIE obtido no período pré e pós-intervenção demonstrou melhora significante, sendo compatível com autopercepção da restrição de participação moderada no período pré-adaptação e sem percepção de restrição de participação em atividades de vida diária após um ano de uso das próteses auditivas(27).
A escala visual analógica (EVA) foi utilizada para medir o esforço de escuta(28). Este estudo revelou que os dois grupos obtiveram melhora do esforço de escuta com o uso das próteses auditivas. Não foram encontrados na literatura estudos que tivessem aplicado a EVA para este fim. Foram encontrados, no entanto, estudos que utilizaram a pupilometria para avaliar o esforço de escuta(29) cujos resultados demonstraram que o esforço de escuta foi maior na relação sinal/ruído intermediária.
Em relação ao Questionário Internacional de aparelho de amplificação sonora individual (QI-AASI), ambos os fatores obtiveram pontuações altas, evidenciando bons resultados com a adaptação. No valor total do QI-AASI, os resultados obtidos evidenciaram escores totais com média de 31,7 em ambos os grupos, demonstrando uma avaliação positiva da experiência com o uso da prótese auditiva. Isso comprova que os idosos se beneficiaram com o uso da amplificação sonora.
O estudo dos resultados da triagem cognitiva CS-10, demonstrou que existe diferença estatisticamente significante entre os grupos (p<0,0001). Este achado é decorrente do critério definido para a formação dos grupos. No entanto, o que é interessante observar é que, após o uso da amplificação, alguns participantes do grupo com resultados sugestivos de alteração cognitiva apresentaram resultados compatíveis com a normalidade. Assim sendo, houve diferença significante entre as etapas de avaliação (5,5) e reavaliação (7,5) do grupo G2 (p<0,0001). O mesmo não ocorreu para o grupo G1 (p=0,228). Esse melhor resultado expressa que, entre outros fatores, o uso da amplificação pelo idoso pode auxiliar o indivíduo avaliado a realizar a tarefa com maior facilidade. Pode-se inferir também que esta intervenção pode retardar as alterações cognitivas relacionadas à percepção auditiva e atenção, possibilitando um envelhecimento com melhor qualidade de vida(30). Outro estudo demonstrou que o uso da amplificação, pelo idoso, pode atenuar o declínio cognitivo decorrente do envelhecimento(24).
Os resultados obtidos, a partir da aplicação do Questionário de qualidade de vida – SF36, demostraram que, após a adaptação das próteses auditivas, houve melhora significante na qualidade de vida dos idosos nos domínios capacidade funcional e estado geral de saúde. Observou-se, além disso, que, em todos os domínios do questionário SF-36, a média obtida na etapa de reavaliação foi superior à encontrada na avaliação inicial, assim como demostrado no estudo de Magalhães(27), sendo possível mensurar a melhora na qualidade de vida, sob o efeito da intervenção fonoaudiológica.
Os resultados da Escala de Depressão Geriátrica revelaram que os sintomas depressivos diminuíram nos dois grupos após o uso da amplificação. Estudo que investigou a relação entre EDG e o Questionário de Qualidade de vida – SF36 revelou que a reabilitação auditiva propicia a melhora da atenção, reverte o isolamento social, a dificuldade comunicativa e emocional provocada pela deficiência auditiva e contribui para melhoria da saúde funcional e da qualidade de vida do idoso(30).
Houve melhora da qualidade de vida após três meses de uso de amplificação. Não houve efeito da cognição no benefício obtido com o uso de próteses auditivas.