versão impressa ISSN 0021-7557
J. Pediatr. (Rio J.) vol.90 no.1 Porto Alegre jan./ev. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2013.03.024
A prevalência de alergia alimentar vem aumentando nas últimas décadas, principalmente na população pediátrica.1 , 2 Os alimentos mais frequentemente relacionados à alergia alimentar são: o leite de vaca, o ovo, a soja, o amendoim, as nozes, os frutos do mar e o kiwi.2 Nos lactentes, a alergia à proteína do leite de vaca (APLV) é a mais frequente e geralmente tem início no primeiro semestre de vida.
No Brasil não está determinada a prevalência de alergia alimentar e quais são os alérgicos alimentares mais importantes. Estudo realizado nas cinco regiões geográficas do país avaliou a sensibilização de crianças com atopia, revelando que os alimentos mais sensibilizantes foram o peixe, o ovo, o leite de vaca, o trigo, o amendoim, a soja e o milho.3 Dentre os lactentes, o alimento que ocasionou sensibilização com maior frequência foi o leite de vaca.3 Vale ressaltar que a presença de sensibilização não significa que o indivíduo apresente, efetivamente, alergia alimentar.
Com base em informações de outros países, a alergia à proteína do leite de vaca é o tipo mais comum de alergia alimentar na infância.4 Atinge cerca de 3% das crianças,5 sendo a prevalência maior no primeiro ano de vida. Estudo epidemiológico realizado em consultórios de gastroenterologia pediátrica de várias regiões do Brasil revelou que, entre 9.478 consultas, 7,3% tiveram como motivo suspeita ou diagnóstico de alergia alimentar, sendo os seguintes alimentos suspeitos: 77% leite de vaca, 8,7% soja, 2,7% ovo e 11,6% outros alimentos. A análise de casos novos e em acompanhamento permitiu que se estimasse a incidência de 2,2% e a prevalência de 5,4% de pacientes com diagnóstico confirmado ou com suspeita de APLV.6
A APLV deve ser considerada uma entidade clínica importante, tendo em vista que os lactentes apresentam elevada velocidade de crescimento e desenvolvimento, ressaltando-se que tanto a alergia ao leite de vaca como a utilização de dietas substitutivas inadequadas podem comprometer o pleno crescimento e desenvolvimento nessa importante fase da vida.6 , 7
A colite eosinofílica ou alérgica tem sido descrita como uma entidade comum,5 , 8 porém sua prevalência exata é desconhecida.4 Walker-Smith, um dos pioneiros no estudo da alergia alimentar gastrintestinal, destaca que, na última década, a APLV vem ocorrendo com manifestações diferentes da observada na década de 1970 e 1980, quando ocorria predominância dos quadros de enteropatia induzida pela proteína da dieta em lactentes com infecções por Eschericia coli enteropatogênica.9 Neste contexto, no estudo epidemiológico realizado no Brasil,6 constatou-se que 20,6% dos lactentes com diagnóstico ou suspeita de APLV apresentavam sangramento nas fezes, o que pode ser decorrente da colite eosinofílica ou alérgica.
A colite eosinofílica é considerada uma das formas de apresentação das doenças eosinofílicas gastrintestinais primárias. Neste grupo de doenças incluem-se, também, a esofagite eosinofílica, a gastrite eosinofílica e a gastroenteropatia eosinofílica. No diagnóstico diferencial das doenças eosinofílicas deve-se pesquisar causas que possam ocasionar infiltração eosinofílica secundária, como certas parasitoses intestinais (Enterobius vermicularis, Strongyloides stercoralis e Trichuris trichiura) e drogas (carbamazepina, rifampicina, ouro, aniti-inflantórios não hormonais, tacrolimus).10 , 11 Destaca-se, também, que o quadro clínico depende da predominância da infiltração eosinofílica nas diferentes camadas do intestino, ou seja, mucosa, muscular e serosa. Em todas as idades observa-se elevada associação com atopia, no entanto, nos lactentes, o vínculo com alergia alimentar é mais frequentemente estabelecido. Por outro lado, nos adultos, a participação de outros mecanismos, além da reação adversa aos alimentos, faz com que o tratamento inclua, com frequência, medicamentos, e não apenas dieta de exclusão. Assim, o termo colite alérgica pode ser usado como uma segunda alternativa para denominar colite eosinofílica de forma mais apropriada no lactente.10 , 11
Assim, considerando o aumento no número de lactentes com sangramento nas fezes associado com APLV e a inexistência de artigos com grandes casuísticas, foi realizada a presente revisão da literatura dos artigos indexados desde 1966 até fevereiro de 2013, com foco no quadro clínico e evolutivo de lactentes com colite eosinofílica ou alérgica.
Foi realizada pesquisa na base de dados Medline de todas as indexações com as palavras "colitis or proctocolitis and eosinophilic" e "colitis or proctocolitis and allergic", entre 1966 e fevereiro de 2013. Foram consideradas as publicações nos seguintes idiomas: inglês, português e espanhol. Todos os tipos de artigos foram incluídos desde que apresentassem informações clínicas de lactentes com colite ou proctocolite eosinofílica ou alérgica.
Os resumos foram analisados, de forma independente, pelos dois autores que selecionaram artigos que possuíssem casuísticas ou descrição de casos de lactentes (menores de 24 meses) com quadro de eliminação de sangue em fezes diarreicas ou não, atribuídos a colite ou proctocolite alérgica ou eosinofílica.
Para os artigos com resumos insuficientes para se definir a inclusão ou exclusão, optou-se por avaliar o texto completo. Frente à ocorrência de discordâncias entre os pesquisadores quanto à inclusão de um determinado artigo, as informações eram reavaliadas em conjunto até que se obtivesse uma decisão final.
Em relação aos artigos selecionados, foram avaliados os seguintes dados: sexo e idade dos lactentes, quadro clínico e dieta no momento do diagnóstico, exames realizados, tratamento prescrito e realização de teste de desencadeamento.
Foram identificados 770 artigos na busca inicial, dos quais 32 foram selecionados segundo os critérios de inclusão pré-definidos. Neste conjunto de artigos, foi descrito o total de 314 lactentes.11 - 42
Conforme os dados apresentados na tabela 1, dos 314 lactentes, a maioria era do sexo masculino, e com idade inferior a seis meses. Fezes diarreicas foram descritas em 28,3% dos pacientes.
Tabela 1 Dados demográficos e clínicos da colite eosinofílica ou alérgica segundo revisão de artigos publicados
Número/número | Informações obtidas | ||
---|---|---|---|
de informações disponíveis | nas referências | ||
nos artigos | |||
Sexo | Masculino | 153/248 (61,6%) | 11,13,15-16,18-42 |
Feminino | 95/248 (38,4%) | ||
Idade início do sangramento | < 6 meses | 247/314 (78,6%) | 11-42 |
= 6 meses | 67/314 (21,4%) | ||
Tipo de alimentação | Leite materno | 153/312 (49%) | 12-42 |
Fórmula infantil | 138/312 (44,2%) | ||
ou leite de vaca | |||
integral | |||
Fórmula de soja | 21/312 (6,8%) | ||
Fezes diarreicas | Sim | 89/314 (28,3%) | 11-42 |
Não | 225/314 (71,7%) |
Em relação à dieta no momento do diagnóstico, 153 lactentes (49%) eram alimentados com aleitamento natural exclusivo, e os demais recebiam proteína do leite de vaca (44,2%), exceto 21 lactentes (6,8%), que recebiam fórmula de soja.
Com relação aos exames subsidiários, eosinofilia foi encontrada em 43,8% (115/263) dos lactentes (tabela 2). Sensibilização ao leite de vaca foi avaliada pelo teste cutâneo de leitura imediata ("prick test") em 98 pacientes, sendo positivo em 10 (10,2%) deles. IgE específica contra proteínas do leite de vaca foi pesquisada em 91 pacientes, sendo positiva em 13 (14,3%).
Tabela 2 Exames subsidiários utilizados para diagnóstico de colite eosinofílica ou alérgica segundo revisão da literatura
Número/número | Informações obtidas | ||
---|---|---|---|
de informações disponíveis | nas referências | ||
nos artigos | |||
Eosinofilia | Presente | 115/ 263 (43,8%) | 12-23,25-27, |
30-31,33-39,41 | |||
Ausente | 148/ 263 (56,2%) | ||
Teste cutâneo de leitura | Positivo | 10/98 (10,2%) | 14,16,23,30,33,36,39,42 |
imediata (“prick test”) | Negativo | 88/98 (89,8%) | |
IgE específica | Positivo | 13/ 91 (14,3%) | 14-15,17,19-20,23,31,33, |
Negativo | 78/91 (85,7%) | 37,38-40,41 | |
Colonoscopia ou | Sim | 225/314 (71,6%) | 11-42 |
Retossigmoidoscopia | Não | 89/314 (28,4%) | |
Biópsia – infiltração eosinófilos | Sim | 236/264 (89,3%) | 11-35, 37-41 |
Não | 28/264 (10,7%) | ||
Teste de desencadeamento | 12-14,16-17,19,26-27, | ||
33-34,38,42 | |||
Após 2-3 meses de dieta | Positivo | 34/47 (72,4%) | |
de eliminação | Negativo | 13/47 (27,6%) | |
Após 1 ano de idade | Positivo | 10/47 (21,2%) | |
Negativo | 37/47 (78,8%) |
Dos 314 pacientes, 225 (71,6%) realizaram colonoscopia ou retossigmoidoscopia, que mostraram áreas de friabilidade e lesões erosivas da mucosa. Além destes pacientes, 39 realizaram biópsia retal sem procedimento endoscópico. Assim, foram realizadas biópsias em 264 pacientes, mostrando infiltração por eosinófilos (entre cinco e 25 por campo de grande aumento) em 236 (89,3%) pacientes. Outros achados histopatológicos foram: focos de eritema; infiltrado inflamatório crônico, com áreas de atividade (linfócitos, plasmócitos, eosinófilos); sinais de degeneração; e regeneração de células epiteliais.
Para a maioria dos pacientes, foi retirada a proteína do leite de vaca da dieta da mãe e/ou do lactente, com desaparecimento do sangramento intestinal.
Teste de desencadeamento com proteína do leite de vaca foi citado em 12 dos 32 artigos. Este foi realizado em 66 pacientes. Dentre eles, 47 testes foram realizados de dois a três meses após o diagnóstico e início da dieta de exclusão, sendo positivo em 34 (72,4%) pacientes, enquanto que os outros 47 testes de desencadeamento foram realizados após um ano de idade, sendo positivo em apenas 10 (21,2%) pacientes.
Colite eosinofílica ou alérgica é uma manifestação frequente da alergia ao leite de vaca no lactente, ocorre predominantemente no sexo masculino e, geralmente, tem início no primeiro semestre de vida. Segundo a literatura, cerca da metade dos casos ocorre na vigência de aleitamento natural exclusivo. O tratamento consiste na exclusão das proteínas do leite de vaca da dieta da mãe lactante ou do lactente.
A primeira descrição da colite eosinofílica foi feita por Kaijser, em 1937.43 Proctocolite alérgica foi descrita por Rubin, em 1940, e, subsequentemente, por Grybosky, na década de 1960. Apresentam-se como alterações inflamatórias do cólon e reto secundárias a reações imunológicas desencadeadas por ingestão de proteínas alimentares.44
Sua prevalência exata é desconhecida. Arvola et al., em 2006, avaliaram a causa do sangramento retal em 40 lactentes e encontraram relação com alergia a proteína do leite de vaca, por meio do teste de desencadeamento, em 18% dos casos.33 Este resultado difere do conjunto analisado em nosso levantamento bibliográfico, que mostrou que a maioria dos pacientes apresentou recuperação quando foi realizada dieta de eliminação do leite de vaca e derivados (tabela 2). Entretanto, é importante destacar que apenas em uma pequena porcentagem dos artigos analisados foi realizado o teste de desencadeamento para confirmação do diagnóstico de alergia ao leite de vaca. Segundo os dados compilados neste artigo, 72,4% dos testes de desencadeamento foram positivos quando realizados até 2-3 meses do início da dieta de exclusão.
A colite eosinofílica pode ocorrer desde o período neonatal. Em nosso levantamento, foram encontrados seis relatos de colite eosinofílica na primeira semana de vida.13 , 25 , 31 , 35 , 39 , 41
A principal manifestação clínica do quadro é a presença de sangue nas fezes, associado ou não a fezes diarreicas.44 , 45 Em geral, o lactente não apresenta perda de peso, comprometimento do estado geral ou alterações à palpação do abdome.5 , 43 Em todas as descrições compiladas no presente artigo, a manifestação clínica de sangue nas fezes foi relatada em todos os pacientes, enquanto diarreia foi relatada em apenas 28,3% dos casos.
Vários alimentos foram associados ao desenvolvimento de colite eosinofílica, porém, a maioria dos casos está associada à proteína do leite de vaca.44 Cerca de 50% dos casos ocorre em crianças em vigência de aleitamento materno exclusivo.5 , 44 , 45 Kilshaw e Cant demonstraram que a β-lactoglobulina pode ser detectada na maioria das amostras de leite de mães que consomem leite de vaca.46 Em nossa revisão, 49% dos pacientes descritos encontravam-se na vigência de aleitamento materno exclusivo. A grande maioria dos artigos menciona que o processo é controlado quando as proteínas do leite de vaca são excluídas da dieta das lactantes. Principalmente nos últimos anos, vem sendo identificado um subgrupo de lactentes com colite eosinofílica na vigência de aleitamento natural exclusivo que não melhora com a exclusão das proteínas do leite de vaca da dieta de suas mães.37 , 39 , 47 Em nossa prática, atendemos pacientes com esta característica, no entanto, não existem dados disponíveis sobre a proporção de lactentes com colite eosinofílica na vigência de aleitamento natural exclusivo que não melhora com a exclusão do leite de vaca da dieta de suas mães.47 Estudo realizado na Hungria avaliou 34 lactentes em aleitamento natural exclusivo que apresentavam sangramento nas fezes por colite eosinofílica. Dos 34 pacientes, 10 persistiram com hematoquesia quando suas mães suspenderam da dieta as proteínas do leite de vaca e do ovo. Após confirmação diagnóstica por colonoscopia e biópsia, o leite materno foi suspenso e substituído por fórmula de aminoácidos. Todos os 10 pacientes melhoraram e não apresentaram recorrências durante o acompanhamento mínimo de 13 meses.37 Nesta circunstância, duas hipóteses podem ser levantadas: 1. Persistência de pequena quantidade de proteínas de leite de vaca na dieta materna apesar da recomendação da dieta de exclusão, considerando que é muito difícil que as lactantes realizem efetivamente a exclusão dessas proteínas de sua dieta; 2. Alergia a outros alimentos da dieta da mãe e que são veiculados pelo leite materno, suspeitando-se, assim, de colite eosinofílica por alergia alimentar múltipla. Neste contexto, um estudo preliminar realizado na Itália39 avaliou 14 lactentes com colite alérgica que não melhoraram com suas mães realizando dieta hipoalergênica (isenta de leite de vaca, soja e ovo). Realizaram teste cutâneo de puntura, dosagem de IgE específica e teste de contato ("patch test"). Todos os alimentos avaliados pelo teste cutâneo de puntura e IgE foram negativos. Por outro lado, o teste de contato foi positivo com o próprio leite materno em todos os casos, leite de vaca em 50%, soja em 28%, ovo em 21%, arroz em 14% e trigo em 7%. Assim, pode-se interpretar que outros alimentos não pesquisados e veiculados pelo leite materno também poderiam ocasionar o processo de colite eosinofílica. Os resultados deste artigo devem ser interpretados com muita cautela, considerando o pequeno número de pacientes e a falta de grupos de comparação constituídos por crianças com colite eosinofílica responsiva à dieta de exclusão realizada pela mãe, e outro por lactentes normais. The Academy of Brastfeeding Medicine tem como principal objetivo desenvolver protocolos para o tratamento de doenças que possam comprometer o sucesso do aleitamento natural. A proctocolite alérgica foi assunto de um desses protocolos. Para os casos que não melhoraram com a exclusão do leite de vaca da dieta da mãe, recomendam a exclusão de outros alimentos (soja, frutas cítricas, ovos, amendoim, trigo, milho, morango e chocolate). Destacam que tal dieta só pode ser feita com a supervisão de nutricionista experiente na área, para assegurar que a mãe não receba dieta que não atenda suas necessidades nutricionais básicas e para a lactação. Reconhecem que o lactente com colite eosinofílica que apresenta maior gravidade e que não respondem à dieta de exclusão realizada por suas mães devem ser alimentados, exclusivamente, com uma fórmula adequada para o tratamento de alergia ao leite de vaca.47 Em geral, quando o alérgeno é excluído da dieta da mãe, o sangramento desaparece em 72 a 96 horas, devendo-se aguardar no máximo 2 semanas.9 , 47
A hipótese diagnóstica de colite eosinofílica por alergia a proteína do leite de vaca deve ser estabelecida com base na anamnese e exame físico minuciosos.5 , 45 É importante a exclusão dos diagnósticos diferenciais de sangramento retal, como infecções, enterocolite necrotizante, invaginação intestinal e fissura anal.5 , 44
Até o momento não existem exames não invasivos que confirmem o diagnóstico. Pode ser encontrada eosinofilia em cerca de 50% dos pacientes com colite alérgica. No teste cutâneo de leitura imediata ("prick test") e a IgE específica contra leite de vaca podem surgir resultados negativos em lactentes, conforme compilado em nossa revisão. Por sua vez, o teste de contato ("'patch test") foi avaliado em poucos estudos e, por não haver padronização dos resultados, não é recomendado até o presente momento.9 , 45
A confirmação diagnóstica tem como base a resposta clínica favorável do paciente após o início da dieta de exclusão do alérgeno (leite de vaca) e recorrência do sangramento com a reintrodução (teste de desencadeamento) da proteína do leite de vaca.5 , 44 , 45 O teste de desencadeamento é considerado o método mais fidedigno para estabelecer o diagnóstico de alergia alimentar,9 e pode ser realizado de três maneiras: aberto, simples-cego e duplo-cego controlado por placebo.9 As duas modalidades mascaradas (cego) devem ser utilizadas quando as manifestações clínicas são subjetivas. No caso de lactentes, é tradicionalmente recomendado o teste de desencadeamento aberto.9 , 45 Vale destacar que em apenas 12 dos 32 artigos analisados nesta revisão procurou-se confirmar o diagnóstico com teste de desencadeamento. Por outro lado, 78,8% dos pacientes que realizaram este teste após os 12 meses de vida apresentaram resultado negativos, indicando o desenvolvimento de tolerância. Por outro lado, quando o teste de desencadeamento foi realizado após dois a três meses do início da dieta de exclusão, o diagnóstico foi confirmado em 72,4% dos pacientes. Assim, quando testado, o diagnóstico de alergia ao leite de vaca é confirmado precocemente na maioria dos pacientes, enquanto que após os 12 meses, em geral, observa-se o desenvolvimento de tolerância às proteínas do leite de vaca.
Muitos autores não utilizam o teste de desencadeamento para realizar o diagnóstico de alergia alimentar, motivo pelo qual há uma grande discrepância de prevalência e incidência de alergia alimentar relatadas. Em estudo de coorte que acompanhou 480 crianças desde o nascimento até três anos de idade, observou-se que 28% dos pais consideraram que sintomas apresentados por seus filhos poderiam ser decorrentes de alergia alimentar, principalmente no primeiro ano de vida. Por outro lado, quando foi realizado teste de desencadeamento, o diagnóstico foi confirmado em apenas 8% dos casos. Este resultado mostra a importância da realização do teste de desencadeamento no diagnóstico de alergia alimentar, evitando custos e manutenção de dieta de exclusão desnecessária.48 Adicionalmente, não pode ser descartada a possibilidade de desenvolvimento de tolerância no intervalo entre a hipótese diagnóstica e a realização do teste de desencadeamento. Neste contexto, deve ser destacada a Sociedade Europeia de Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição que, desde a década de 1990 até a presente data, considera apropriado para lactentes o teste de desencadeamento aberto, levando em consideração que, nesta faixa etária, o componente de sugestão induzido pelo teste praticamente é inexistente.9 , 49 Deve-se salientar que o teste de desencadeamento não deve ser realizado se existir risco de reação anafilática. Hoje em dia, é recomendado iniciar o teste em ambiente hospitalar.9 , 45
A complementação diagnóstica pode ser feita por exames invasivos, como a retossigmoidoscopia e a colonoscopia, sempre associadas à realização de biópsias locais. Os achados mais comuns são acometimento extenso da mucosa do reto e cólon com áreas de erosão entremeadas com mucosa normal. Pode ser observada, também, hiperplasia nodular linfoide. O estudo histológico característico de alergia alimentar revela sinais de inflamação e infiltrado eosinofílico na mucosa intestinal e na lâmina própria. Apesar de haver controvérsias, em geral, considera-se indicativo de infiltração eosinofílica a presença de mais de 20 eosinófilos por campo de grande aumento. A indicação destes procedimentos deve ser feita considerando as características clínicas de cada caso em particular.44 , 45
O tratamento da colite eosinofílica consiste na exclusão do alérgeno alimentar na dieta (proteína do leite de vaca), constituindo a "dieta de exclusão". No caso dos lactentes que fazem uso de fórmulas à base de leite de vaca, deve ser preconizada a substituição por fórmulas com proteínas extensamente hidrolisadas.9 Os pacientes que não tiverem boa resposta com estas devem receber fórmula de aminoácidos livres.9 Nos casos de aleitamento materno exclusivo, deve ser realizada a exclusão de leite de vaca e derivados da dieta da mãe e mantido o aleitamento materno.9 , 45
Em conclusão, alergia ao leite de vaca deve ser considerada a principal causa de colite eosinofílica. Os testes para avaliar sensibilização ao leite de vaca não contribuem no estabelecimento do diagnóstico. Apesar da heterogeneidade nos critérios diagnósticos, a infiltração da mucosa retal com eosinófilos é relatada na maioria das biópsias. Dieta de exclusão do leite de vaca da dieta da mãe ou do lactente é uma medida terapêutica eficaz. Teste de desencadeamento diagnóstico confirmou alergia ao leite de vaca na maioria dos pacientes, quando realizado poucas semanas após a recuperação proporcionada pela dieta de eliminação, enquanto que a tolerância ao leite de vaca foi caracterizada na maioria dos casos com colite eosinofílica a partir dos 12 meses de idade.