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Comentários sobre a introdução do artigo "Panorama dos processos bioquímicos e genéticos presentes no mesotelioma maligno"

Comentários sobre a introdução do artigo "Panorama dos processos bioquímicos e genéticos presentes no mesotelioma maligno"

Autores:

Eduardo Algranti

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713

J. bras. pneumol. vol.40 no.5 São Paulo set./out. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132014000500017

Ao Editor:

Li com interesse o artigo de Assis e Isoldi intitulado "Panorama dos processos bioquímicos e genéticos presentes no mesotelioma maligno". ( 1 ) O texto traz uma revisão dos mecanismos na tumorigênese do mesotelioma maligno (MM), embasado numa ampla revisão bibliográfica, que inclui trabalhos originais dos próprios autores. O tema é relevante uma vez que há indicações de um aumento paulatino da incidência do MM no Brasil, particularmente na região Sudeste,( 2 ) mesmo com os fortes indícios de subnotificação e subregistro. É um câncer de péssimo prognóstico, evitável, uma vez que, na esmagadora maioria dos casos, tem uma causa ocupacional ou ambiental.

Embora o objeto do texto esteja definido no título da revisão, os autores fazem uma introdução de duas páginas envolvendo questões gerais sobre o MM, motivo dos comentários da presente carta.

O primeiro comentário refere-se ao vírus símio 40 (SV40). No resumo da referida publicação,(1) os autores afirmam que "o desenvolvimento do MM é fortemente correlacionado com a exposição ao amianto e erionita, assim como ao vírus símio 40". Ao final do sexto parágrafo da introdução, o comentário é repetido com outra redação acompanhada de quatro referências bibliográficas.

Nos anos 60 do último século, alguns lotes de vacinas antipólio foram contaminados pelo SV40. Desde então, houve interesse no estudo das repercussões da inoculação acidental do SV40 em populações que receberam os lotes contaminados. Há mais de 20 anos levantou-se a hipótese de participação do SV40 na gênese do MM pelo seu potencial de causar mesoteliomas em animais de laboratório.( 3 ) Posteriormente, seguiram-se estudos que demonstraram a participação do SV40 em uma proporção importante de casos de MM.( 4 , 5 ) Entretanto, estudos epidemiológicos em populações expostas a vacinas contaminadas não demonstraram um aumento na incidência de câncer, incluindo-se o MM.( 6 ) Dois estudos, envolvendo múltiplas técnicas de detecção viral de SV40 em tecidos de MM e de rins normais, evitando-se reações cruzadas com outros poliomavírus, não demonstraram a presença do SV40 nas amostras analisadas.( 7 , 8 ) Em contrapartida, utilizando-se um método de ELISA indireto, demonstrou-se uma maior prevalência de anticorpos séricos contra o SV40 em pacientes portadores de MM.( 9 )

Recentemente, a International Agency for Research on Cancer (IARC) publicou uma ampla revisão sobre a carcinogenicidade dos poliomavírus, concluindo que as evidências do SV40 em humanos são inadequadas, sendo classificado como carcinógeno do Grupo 3,( 10 ) o que significa que o SV40 não é classificável como cancerígeno para humanos. Naquele texto,( 10 ) discutem-se as razões de resultados discordantes em estudos publicados. Frente às evidências disponíveis, afirmar-se que o MM é fortemente correlacionado com o SV40 é incorreto e, o que é ainda pior, da forma como está no texto, induz o leitor a equiparar o SV40 ao potencial indutor do asbesto.

O segundo comentário refere-se à menção dos autores sobre "um grande debate mundial" na participação do amianto do tipo crisotila na gênese do MM. Os autores prosseguem, afirmando que "há relatos de que o amianto crisotila não é capaz de causar MM em humanos", sem fornecerem qualquer referência que sustente tal assertiva. O consenso não é esse! A crisotila é considerada como cancerígena do Grupo 1 para o mesotélio pelo IARC.( 11 ) O que se admite é que o potencial cancerígeno da crisotila para o mesotélio é inferior aos do tipo anfibólio em uma ordem de grandeza.( 12 )

Os autores são especialistas no ponto focal do artigo. Prova disso são as referências de trabalhos produzidos pelo grupo. O texto sobre genes e vias bioquímicas é uma excelente revisão do tema; porém, a introdução tropeça ao utilizar afirmativas mal sustentadas ou incorretas sobre as relativas relações de força dos agentes indutores do MM e sobre as relações de causalidade da doença, fartamente discutidas e disponíveis na literatura científica, o que compromete a publicação ao introduzir conceitos recorrentemente errôneos ao leitor.

REFERÊNCIAS

1. Assis LV, Isoldi MC. Overview of the biochemical and genetic processes in malignant mesothelioma. J Bras Pneumol. 2014;40(4):429-42. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132014000400012
2. Pedra F, Tambellini AT, Pereira Bde B, da Costa AC, de Castro HA. Mesothelioma mortality in Brazil, 1980-2003. Int J Occup Environ Health. 2008;14(3):170-5. http://dx.doi.org/10.1179/oeh.2008.14.3.170
3. Cicala C, Pompetti F, Carbone M. SV40 induces mesotheliomas in hamsters. Am J Pathol. 1993;142(5):1524-33.
4. Jasani B, Jones CJ, Radu C, Wynford-Thomas D, Navabi H, Mason M, et al. Simian virus 40 detection in human mesothelioma: reliability and significance of the available molecular evidence. Front Biosci. 2001;6:E12-22. http://dx.doi.org/10.2741/Jasani
5. Gazdar AF, Carbone M. Molecular pathogenesis of malignant mesothelioma and its relationship to simian virus 40. Clin Lung Cancer. 2003;5(3):177-81. http://dx.doi.org/10.3816/CLC.2003.n.031
6. Rollison DE, Page WF, Crawford H, Gridley G, Wacholder S, Martin J, et al. Case-control study of cancer among US Army veterans exposed to simian virus 40-contaminated adenovirus vaccine. Am J Epidemiol. 2004;160(4):317-24. http://dx.doi.org/10.1093/aje/kwh212
7. Manfredi JJ, Dong J, Liu WJ, Resnick-Silverman L, Qiao R, Chahinian P, et al. Evidence against a role for SV40 in human mesothelioma. Cancer Res. 2005;65(7):2602-9. http://dx.doi.org/10.1158/0008-5472.CAN-04-2461
8. López-Rios F, Illei PB, Rusch V, Ladanyi M. Evidence against a role for SV40 infection in human mesotheliomas and high risk of false-positive PCR results owing to presence of SV40 sequences in common laboratory plasmids. Lancet. 2004;364(9440):1157-66. Erratum in: Lancet. 2005;366(9503):2086. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(04)17102-X
9. Mazzoni E, Corallini A, Cristaudo A, Taronna A, Tassi G, Manfrini M, et al. High prevalence of serum antibodies reacting with simian virus 40 capsid protein mimotopes in patients affected by malignant pleural mesothelioma. Proc Natl Acad Sci U S A. 2012;109(44):18066-71. http://dx.doi.org/10.1073/pnas.1213238109
10. IARC Working Group on the Evaluation of Carcinogenic Risks to Humans. Malaria and some polyomaviruses (SV40, BK, JC, and Merkel Cell Viruses) In: IARC Monographs on the evaluation of carcinogenic risks to humans. International Agency for Research on Cancer. World Health Organization. Vol. 104. Lyon, France: World Health Organization. 2013. p. 133-204.
11. IARC Working Group on the Evaluation of Carcinogenic Risks to Humans. Arsenic, metals, fibres, and dusts. In: IARC Monographs on the evaluation of carcinogenic risks to humans. International Agency for Research on Cancer. World Health Organization. Vol. 100C. Lyon, France: World Health Organization. 2012. p. 11-465.
12. Hodgson JT, Darnton A. The quantitative risks of mesothelioma and lung cancer in relation to asbestos exposure. Ann Occup Hyg. 2000;44(8):565-601. http://dx.doi.org/10.1093/annhyg/44.8.565