versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.5 São Paulo maio 2019 Epub 06-Jun-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190082
"Todo o conhecimento humano é falível e, portanto, incerto. O que ocorre é que devemos fazer a nítida diferenciação entre verdade e certeza ... Essa é a missão da atividade científica. Assim, podemos dizer: nosso objetivo como cientistas é a verdade objetiva; a verdade maior, a verdade mais interessante, a verdade mais inteligível. Não podemos visar a certeza de maneira racional".
Karl Popper
Parabenizamos Dippe et al.,1 pelo seu trabalho, que abordou o papel da cintilografia miocárdica no diagnóstico da isquemia miocárdica em pacientes obesos.1 Apesar das limitações, o índice de massa corporal (IMC) foi o instrumento antropométrico mais utilizado para avaliar o estado nutricional em adultos.2 Estudos epidemiológicos identificaram IMC elevado como fator de risco para um conjunto crescente de doenças crônicas, incluindo doenças cardiovasculares e diabetes mellitus. Os colaboradores do estudo Global Burden of Disease (GBD) na área de obesidade descobriram que o excesso de peso corporal foi responsável por cerca de 4 milhões de mortes em 2015. Quase 70% dessas mortes ocorreram devido a doenças cardiovasculares e mais de 60% delas ocorreram em pessoas obesas (IMC ≥ 30 Kg/m2).3 O uso de um banco de dados de pacientes consecutivos fornece uma amostra de pacientes obesos do cenário real e retrata a prática clínica atual em que o cardiologista enfrenta grandes desafios diagnósticos em pacientes obesos. Todos os métodos diagnósticos apresentam desafios significativos em pacientes obesos, como a limitação da janela acústica no ecocardiograma, maior incidência de atenuação de fótons na tomografia computadorizada e cintilografia miocárdica e limitações de diâmetro à ressonância cardíaca. As técnicas que envolvem menos radiação são mais difíceis de se usar em pacientes mais pesados.4 A constatação de que dados clínicos como a presença de diabetes mellitus, idade avançada e sintomas típicos de angina demonstra a necessidade de avaliação clínica criteriosa para a adequada solicitação de exames de avaliação isquêmica em pacientes com suspeita de doença arterial coronariana, principalmente em obesos. Outro achado importante de seu estudo foi a ausência de associação entre a obesidade isolada, principalmente no grupo com IMC maior que 40, e a presença de isquemia. Um aspecto técnico que não ficou claro no artigo é se os autores usaram a aquisição na posição prono quando havia dúvidas sobre a presença de atenuação de mama e também a técnica usada para quantificar a isquemia visual ou automática.
Em um editorial sobre esse artigo, Hueb5 aponta os múltiplos mecanismos envolvidos na fisiopatologia da isquemia miocárdica, incluindo os mecanismos microvasculares que determinam a isquemia em pacientes com artérias coronárias epicárdicas sem obstrução. Os métodos funcionais são importantes na identificação de anormalidades isquêmicas microvasculares, que têm valor diagnóstico e prognóstico, principalmente em pacientes diabéticos e em pacientes com múltiplos fatores de risco. A imagem funcional é superior à imagem anatômica em pacientes com doença microvascular devido ao seu foco em diferentes níveis da cascata isquêmica, incluindo alterações de motilidade parietal (ecocardiografia e ressonância magnética cardíaca SOB estresse), anormalidades de perfusão relativa (ressonância magnética cardíaca sob estresse e tomografia computadorizada por emissão de fóton único), e alterações na perfusão miocárdica regional absoluta (TEP).6 A criação da cultura imageológica centrada no paciente, que prioriza a segurança e do paciente a eficácia, requer o entendimento das melhores técnicas de diagnóstico para cada necessidade clínica.7
Karl Popper afirmou que a ciência é composta por verdades transitórias. O papel dos cientistas é provar a falseabilidade de seus achados e outros na busca de uma verdade mais inteligível. Na ausência de evidências contrárias, evidências atuais apontam que o tratamento invasivo em pacientes com área de isquemia miocárdica maior que 10% está associado a melhor prognóstico em comparação com o tratamento clínico isolado. Os resultados do estudo ISCHEMIA a ser publicado em um futuro próximo devem fornecer evidências científicas adicionais sobre se uma estratégia de manejo invasivo melhora os desfechos clínicos quando adicionada à terapia medicamentosa ótima em pacientes com isquemia moderada ou importante.8