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Como escolher os alvos terapêuticos para melhorar a perfusão tecidual no choque séptico

Como escolher os alvos terapêuticos para melhorar a perfusão tecidual no choque séptico

Autores:

Murillo Santucci Cesar de Assuncao,
Thiago Domingos Corrêa,
Bruno de Arruda Bravim,
Eliézer Silva

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.13 no.3 São Paulo jul./set. 2015 Epub 21-Ago-2015

http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082015RW3148

INTRODUÇÃO

A sepse caracteriza-se pelo padrão heterogêneo de fluxo sanguíneo na microcirculação, pela hipoperfusão tecidual e pela incapacidade das células extraírem e utilizarem adequadamente o oxigênio, o que compromete o metabolismo aeróbio celular.(1-3) O desequilíbrio entre a oferta de oxigênio (DO2) e a demanda metabólica celular é o que caracteriza o estado de choque.(4)

A sepse, associada a sinais de disfunção de um ou mais órgãos, recebe a denominação de “sepse grave”. O choque séptico é definido pela necessidade de vasopressor para manutenção da pressão de perfusão após reposição volêmica adequada.(5)

A sepse compromete o sistema cardiovascular por diversos mecanismos, que frequentemente resultam em alterações da perfusão tecidual. A hipoperfusão tecidual contribui para o desenvolvimento de disfunção celular, a qual pode progredir para disfunção de múltiplos órgãos e óbito.(6) O objetivo principal da terapêutica nos estados de choque é o restabelecimento da DO2 aos tecidos, para adequar a demanda de oxigênio tecidual. Assim, intervenções rápidas e precoces, com o objetivo de reverter a hipoperfusão tecidual, têm sido associadas à redução da mortalidade em pacientes sépticos.(5)

O objetivo desta revisão da literatura é discutir os principais parâmetros hemodinâmicos e laboratoriais que norteiam a abordagem do paciente com choque séptico à beira do leito.

PARÂMETROS CLÍNICOS E MACRO-HEMODINÂMICOS

É sabido que os parâmetros clínicos e macro-hemodinâmicos apresentam baixa correlação com o estado da perfusão tecidual. Em 1996, Rady et al. demonstraram a presença de hipoperfusão tecidual oculta pela presença de hiperlactatemia ou redução da saturação venosa central de oxigênio (SvcO2).(3) Pacientes graves foram submetidos à ressuscitação inicial com fluidos, seguida da estabilização dos parâmetros clínicos. Aproximadamente 86% dos pacientes avaliados apresentavam hiperlactatemia ou SvcO2 <65% após a estabilização do parâmetros clínicos.(3) Isso foi caracterizado como hipoperfusão tecidual oculta ou choque crítico.(7)

Tais achados evidenciam que os parâmetros clínicos não devem ser utilizados isoladamente como meta terapêutica na ressuscitação de pacientes graves. O estudo de Rady et al.(3)precedeu o Early Goal-Directed Therapy, o qual demonstrou que um grupo de intervenções realizadas precocemente envolvendo infusão de fluidos, uso de vasopressores, inotrópicos e de transfusão de hemácias, tendo como meta a SvcO2≥70%, reduziu a mortalidade em pacientes com sepse grave e choque séptico.(8)

Os resultados deste estudo são considerados a maior evidência disponível de que a otimização da perfusão tecidual deve ser realizada precocemente e adicionada como uma meta no tratamento dessa população de pacientes graves.(8) Todavia, tal benefício não foi observado em dois grandes estudos publicados recentemente.(9,10) Os resultados negativos obtidos nestes dois estudos podem ser, ao menos parcialmente, justificados pelo fato de os pacientes incluídos terem recebido infusão de fluidos precocemente, antes da randomização.(9,10) O estudo de Rivers et al. foi o grande divisor de águas na abordagem de pacientes graves, sendo sua principal mensagem a importância da abordagem precoce dos pacientes graves.(8) Após este estudo e com a disseminação da informação sobre a necessidade do reconhecimento e tratamento precoces dos pacientes com sepse grave ou choque séptico, torna-se difícil comparar uma conduta que mudou a abordagem terapêutica. Além disso, considera-se, na atualidade, antiético o atraso no reconhecimento e tratamento desta população de pacientes graves.

Tanto o estudo ProCESS como o ARISE (Australasian Resuscitation in Sepsis Evaluation) tiveram como critério de inclusão a necessidade de infusão de fluidos e início da administração de antibióticos de amplo espectro.(9,10) Essas medidas, que enfatizam a importância da precocidade do tratamento, certamente contribuíram para a observação de mortalidade semelhante entre diversos grupos estudados.(9,10) A precocidade em iniciar o tratamento é o que difere estes dois estudos do estudo de Rivers et al.(8-10)

Diversos parâmetros e marcadores de fluxo sanguíneo e de perfusão tecidual sistêmica estão disponíveis à beira do leito, como a saturação venosa mista de oxigênio (SvO2), o clareamento de lactato, a DO2 e o consumo de oxigênio (VO2). A interpretação desses marcadores se faz necessária para a adequação da ressuscitação e o restabelecimento da perfusão tecidual.

PARÂMETROS DE OXIGENAÇÃO

A SvO2 reflete o total de sangue oxigenado que retorna para o coração direito pela drenagem de sangue no átrio direito, pela veia cava superior, veia cava inferior, seio coronário e rede de Tebesius.(11) A SvO2 é mensurada em amostra de sangue coletada da artéria pulmonar. O sangue venoso oriundo de várias partes do organismo começa a se homogeneizar no átrio direito e, à medida que progride em direção aos pulmões, torna-se cada vez mais homogêneo. Ao chegar na artéria pulmonar, o sangue venoso de todas as partes do organismo encontra-se totalmente “misturado”, ou seja, homogeneizado por completo, recebendo, assim, a denominação de “sangue venoso misto”.(11) A SvcO2, por sua vez, corresponde à saturação de oxigênio pela hemoglobina do sangue, que se encontra na desembocadura da veia cava superior no átrio. A SvcO2 reflete a quantidade de oxigênio que retorna ao coração direito oriunda dos membros superiores, do pescoço e da cabeça.(11)

Em indivíduos sadios, a SvcO2 apresenta valor médio de 77%, com variação entre 66 a 84%, enquanto a SvO2 apresenta valor médio de 78%, com variação entre 73 a 85%. Assim, em situações de normalidade, a SvcO2 apresenta valores inferiores em relação aos da SvO2.(11) No entanto, devido ao maior VO2 na circulação esplâncnica, órgãos intra-abdominais e membros inferiores, nos estados de choque ocorre uma inversão dessa tendência, e a SvcO2 passa a apresentar valores superiores aos da SvO2.(11)

Assumindo que a saturação arterial de oxigênio encontra-se constante, a SvO2 apresenta relação direta com o débito cardíaco (Figura 1). Além do débito cardíaco (fluxo sistêmico), a SvO2 apresenta relação inversa com a taxa de extração de oxigênio (TEO2) (Figura 1). A TEO2, por sua vez, representa a quantidade de oxigênio que as células conseguem extrair a partir de uma determinada quantidade de oxigênio que lhes é ofertada e representa a relação entre o VO2 e a DO2.(4)

Figura 1 Relações entre oferta, consumo e taxa de extração de oxigênio, saturação venosa mista de oxigênio, lactato arterial e gradiente de pressão parcial de gás carbônico da mucosa gástrica 

A DO2 está relacionada ao fluxo sanguíneo e à quantidade de oxigênio que se encontra ligada à hemoglobina e dissolvida no plasma, sendo definida como a quantidade de oxigênio que chega às células para a atender a demanda metabólica do organismo. A quantidade de oxigênio que as células consomem se relaciona com a capacidade de extração celular de oxigênio. Dessa forma, o VO2 é definido pela quantidade de oxigênio utilizada pelas células para a produção de energia para suprir a demanda metabólica.(4)

Fisiologicamente, todas as vezes em que houver redução da DO2, haverá um aumento da extração tecidual de oxigênio para manter o VO2 estável (Figura 1). Nessa situação, é esperado que a SvO2 diminua, visto que ela representa o total de sangue oxigenado que retorna da circulação sistêmica para o coração direito e reflete o balanço entre o VO2 e a DO2. Porém quando reduções da DO2 forem acompanhadas paralelamente pela diminuição do VO2, inicia-se mecanismo de anaerobiose para atender à demanda metabólica do organismo. Nesse cenário, o aumento da extração de oxigênio não é capaz de suprir e nem de manter as necessidades metabólicas dependentes de oxigênio. Quando esse processo se inicia, a DO2 é chamada de DO2 crítica e se estabelece a dependência VO2/DO2 (Figura 1).(4)

Apesar da dependência VO2/DO2 não estar frequentemente associada a estados de alto metabolismo como na sepse, ela pode ainda estar presente ao final da ressuscitação guiada pela ScvO2.(4,12) A otimização do fluxo sanguíneo sistêmico guiado pela SvcO2 durante as seis horas iniciais de ressuscitação de pacientes com sepse grave ou choque séptico reduziu a mortalidade dessa população de pacientes quando comparada ao grupo controle.(8) Todavia, a SvcO2representa um marcador sistêmico de adequação do fluxo sanguíneo, e valores de SvcO2≥70% não significam que o fluxo sanguíneo regional, em cada órgão e tecido, está otimizado por completo.(8) Para ter a certeza de que a ressuscitação inicial atingiu seu objetivo, deve-se descartar a presença de défice de oxigênio, o qual é caracterizado pelo aumento do VO2 em consequência da otimização ou do aumento do fluxo sanguíneo.(4)

O que deve ser sempre questionado durante a ressuscitação é se o fluxo sanguíneo obtido é compatível com a demanda metabólica de oxigênio. Por isso, tem-se sido sugerido como método para avaliar a existência de défice de oxigênio um teste, em que se aumentam o débito cardíaco e, consequentemente, fluxo de oxigênio tecidual. A ausência de alteração da SvO2 após aumento do débito cardíaco sugere aumento do VO2, significando que existe ainda um défice de oxigênio e, portanto, que a ressuscitação ainda não atingiu o objetivo principal.(13-17)

Atingir o ajuste da relação DO2/VO é o racional para a correção da hipoperfusão. A avaliação da relação entre a TEO2 e o índice cardíaco permite otimizar o VO2.(4) Objetivando adequar a DO2 ao VO2, podem ser necessários valores elevados de DO2. Essa alta DO2para um alto VO2 não é sinônimo de terapia supranormal. Na terapia supranormal, valores elevados de DO2 preestabelecidos são objetivados, independentemente da relação DO2/VO2.(14-16)

Na fase aguda do choque séptico, a dependência DO2/VO2 pode ser identificada e corrigida.(12) A adequação da relação DO2/VO2 é, desta forma, o endpoint mais importante da ressuscitação. Ao se realizarem incrementos do débito cardíaco, que proporcionam aumento do VO2, pode-se inferir que áreas que não estavam sendo perfundidas de forma adequada passaram a ser e que ocorreu um aumento do VO2, isto é, um recrutamento da microcirculação (Figura 2). A adequação do índice cardíaco à demanda metabólica, associada à normalização dos parâmetros de perfusão sistêmicos, como a SvO2 ou o lactato, permitem concluir que a ressuscitação foi concluída com êxito.

Figura 2 Comportamento da saturação venosa mista de oxigênio, de acordo com a oferta e o consumo de oxigênio 

Baseando-se nos três pilares que apresentam maior impacto no débito cardíaco, ou seja, a pré-carga, a contratilidade e a pós-carga, pode-se iniciar a otimização de fluxo sanguíneo pela avaliação da responsividade à infusão de fluidos. O benefício da infusão de fluidos ocorre quando o paciente encontra-se na parte ascendente da curva de Frank-Starling, isto é, o paciente ainda apresenta pré-carga recrutável. Caso o paciente se encontre no platô da curva de Frank-Starling, ou seja, não responder a infusão de fluidos, é possível utilizar agentes inotrópicos, como a dobutamina, com dose inicial de 2,5mcg/kg/min, e avaliar o ganho de fluxo pelo aumento do índice cardíaco, sempre associado a análise da TEO2, para inferir no comportamento do VO2. Assim, independente da estratégia adotada, o aumento do fluxo sanguíneo com a manutenção dos valores de SvO2, traduzidos pelo aumento da TEO2, implicaria no aumento do VO2 (Figuras 1 e 2).

A análise integrada de vários parâmetros hemodinâmicos parece ser a mais adequada e útil no tratamento de pacientes com choque, em comparação a utilização isolada de apenas uma das variáveis.

CLEARANCE DE LACTATO

O lactato é um marcador de perfusão tecidual sistêmico e encontra-se elevado nos casos de hipoperfusão tecidual. A demora na normalização do lactato em pacientes graves é um marcador de prognóstico desfavorável. Nesse contexto, a duração da hiperlactatemia é mais importante que o valor inicial do lactato.(18) Todavia, na sepse, existem outros fatores, além da hipoperfusão sistêmica, que podem contribuir com a hiperlactatemia, como a disfunção da enzima piruvato desidrogenase, a disfunção mitocondrial e a presença de disfunção hepática e renal.(19)

O clareamento ou clearance de lactato é representado pela porcentagem da redução dos níveis de lactato após o início da ressuscitação. O clareamento de lactato ≥10% foi associado a melhor prognóstico em pacientes graves, com redução da mortalidade entre pacientes com sepse grave e choque séptico.(20)

O clearence de lactato representa um parâmetro a ser monitorado durante a otimização da perfusão tecidual sistêmica.(20-22) As diretrizes da Surviving Sepsis Campaignrecomendam o acompanhamento do clearance de lactato e sua normalização o mais precoce possível, durante a fase de ressuscitação inicial (Figura 3).(5)

Figura 3 Algoritmo de ressuscitação protocolado guiado por metas para pacientes com choque séptico 

O clearance de lactato pode ser utilizado como substituto da monitoração da SvcO2, para otimização do fluxo sanguíneo sistêmico durante a fase inicial de ressuscitação de pacientes com sepse grave e choque séptico.(23) O emprego de um protocolo agressivo de ressuscitação, com o objetivo de clarear o lactato em pelo menos 20%, a cada 2 horas, reduziu significativamente o tempo de internação no hospital, na unidade de terapia intensiva (UTI) e a mortalidade hospitalar.(24) No entanto, ainda não existem evidências de que a normalização do lactato apresente benefícios adicionais quando comparada com a ressuscitação guiada apenas pela pressão venosa central (PVC), pressão arterial média (PAM), diurese e SvcO2.

Todavia, a normalização dos níveis de lactato não pode ser definida comoendpoint de ressuscitação da microcirculação. O lactato medido corresponde a diluição da produção global de lactato por todos os órgãos. Isso significa que pode existir hipoperfusão tecidual regional, ainda que os níveis plasmáticos de lactato estejam normalizados.

PARÂMETROS MICRO-HEMODINÂMICOS

Fluxo sanguíneo regional

Na sepse, as variáveis de perfusão regional são alteradas precocemente em relação às variáveis sistêmicas e, após a ressuscitação, as variáveis regionais podem ser as últimas a se normalizarem.(25,26)Estas variáveis são o pH da mucosa gástrica e o gradiente entre a pressão parcial de gás carbônico da mucosa gástrica (Gap CO2) e a pressão arterial parcial de gás carbônico (PCO2 gap).

A tonometria gástrica ou a capnometria sublingual podem ser utilizadas para detectar precocemente a hipoperfusão tecidual. O aumento do CO2gap pode refletir fluxo sanguíneo anormal na mucosa gástrica. Dessa forma, a monitoração pela tonometria gástrica poderia ajudar na identificação e na correção das anormalidades circulatórias regionais.

Entretanto, nenhum estudo conseguiu confirmar o benefício do emprego dessas técnicas como guia terapêutico, principalmente em pacientes sépticos, sendo que, atualmente, a tonometria gástrica é uma técnica utilizada apenas em modelos experimentais de choque.(27)

Disfunção da microcirculação: um novo campo a ser explorado

Em condições normais, somente 30% dos capilares são perfundidos. Dessa forma é possível imaginar que, mesmo em condições normais, a microcirculação não apresenta oxigenação homogênea. Para conseguir uma oxigenação homogênea, os tecidos necessitam recrutar capilares, o que normalmente ocorre em condições de estresse metabólico.(28)

A disfunção da microcirculação na sepse grave e no choque séptico é caracterizada pela presença de anormalidades no fluxo sanguíneo, podendo coexistir áreas com fluxo sanguíneo elevado e perfusão tecidual normal e áreas com perfusão alterada. A presença de capilares hipoperfundidos pode comprometer a oxigenação tecidual e contribuir para o desenvolvimento da disfunção e da falência de múltiplos órgãos. Postula-se atualmente que a reversão destes distúrbios microcirculatórios possa ser um alvo terapêutico a ser almejado durante a ressuscitação da sepse, o que propiciaria a reversão das áreas de hipóxia decorrente da hipoperfusão tecidual desencadeada pelo grande número de shunts. Assim, a disfunção da microcirculação passou a ser uma preocupação no tratamento de pacientes sépticos e sua reversão tem se tornado um alvo terapêutico na ressuscitação do choque séptico.

Foram levantadas ainda duas hipóteses sobre a origem da disfunção da microcirculação no choque séptico. Primeiro, a alteração e a perda da autorregulação da microcirculação resultaria em perfusão heterogênea, o que promoveria áreas de hypoxia, resultando em aumento das áreas deshunt.(29) Segundo, a disfunção mitocondrial pode ser induzida pela sepse, que poderia alterar a capacidade mitocondrial de utilizar o oxigênio a despeito da adequada oxigenação tecidual (hipóxia citopática).(30)Todavia, a extensa lesão endotelial, a liberação de mediadores inflamatórios, a ativação da coagulação e as alterações no metabolismo celular do oxigênio podem contribuir para o desenvolvimento da disfunção da microcirculação em pacientes com choque séptico.(31)

O grau de disfunção da microcirculação é um preditor independente de sobrevida. Pacientes sépticos com graves alterações na microcirculação sublingual apresentam pior prognóstico em relação àqueles que não apresentam alterações significativas da microcirculação.(1,32)Em estudo observacional realizado durante as primeiras seis horas de ressuscitação de pacientes com sepse grave e choque séptico, o comprometimento dos índices de perfusão da microcirculação foram associados com redução da sobrevida.(33) Neste estudo, a melhora do fluxo sanguíneo na microcirculação foi associada a menor incidência de disfunção orgânica em 24 horas, sem que alterações significantes nos parâmetros hemodinâmicos sistêmicos fossem detectadas.(34) Desse modo, o recrutamento da microcirculação, com o objetivo de melhorar a oxigenação cellular, possui o potencial de minimizar a progressão da disfunção orgânica, ao satisfazer e adequar a oxigenação celular de acordo com a demanda metabólica.

Algumas drogas vasoativas podem otimizar a perfusão da microcirculação. A dobutamina melhora a perfusão capilar, independentemente das alterações dos parâmetros macro-hemodinâmicos. A redução dos níveis de lactato se correlaciona com a melhora da microcirculação, independentemente do índice cardíaco.(35)Entretanto o lactato não é um marcador de ressuscitação da microcirculação.

Uma outra maneira de promover o recrutamento de capilares é a utilização de agentes vasodilatadores. Na sepse, foi proposto que o emprego de vasodilatadores pode aumentar o fluxo sanguíneo na microcirculação, aumentando a perfusão em áreas de hipóxia.(36) No entanto, ainda existem controvérsias sobre a utilização de vasodilatadores para recrutamento da microcirculação. Os vasodilatadores (nitroglicerina e nitroprussiato de sódio) são agentes doadores de óxido nítrico, o que poderia contribuir com a disfunção celular da sepse. Enquanto Spronk et al. demonstraram melhora da perfusão da microcirculação sublingual com infusão de nitroglicerina,(37) Boerma et al. reportaram que o uso de nitroglicerina não melhorou a perfusão da microcirculação sublingual em comparação a administração de placebo.(38) Todavia, houve tendência ao aumento da mortalidade hospitalar no grupo de pacientes que recebeu nitroglicerina. Entretanto, este estudo não teve poder suficiente para confirmar a associação entra a administração de nitroglicerina e aumento da mortalidade. Outro achado interessante deste estudo foi que os pacientes que receberam nitroglicerina apresentaram menor número de disfunções orgânicas quando comparados com o grupo placebo.(38)

A ressuscitação e o recrutamento da microcirculação com administração de fluídos, dobutamina e vasodilatadores pode ser uma estratégia promissora. No entanto, a avaliação da microcirculação à beira leito continua limitada a protocolos de pesquisa, apesar de, nos últimos anos, novos equipamentos de avaliação da microcirculação terem sido desenvolvidos, facilitando o emprego dessa tecnologia a beira do leito.(39) Além do aprimoramento das técnicas disponíveis, ainda há necessidade de ensaios clínicos adequados para comprovar o real benefício dessa estratégia de ressuscitação.

CONCLUSÃO

A otimização precoce da oxigenação tecidual é mandatória na ressuscitação dos pacientes com sepse grave e choque séptico. A utilização de um protocolo de ressuscitação precoce guiado por metas, que inclua a saturação venosa central de oxigênio ou o clearance de lactato como parâmetros de adequação do fluxo sanguíneo e, consequentemente, da oferta de oxigênio a demanda metabólica, é altamente recomendada pelas diretrizes que norteiam a ressuscitação de pacientes com sepse grave e choque séptico.

Novas tecnologias para visualização direta da microcirculação, de fácil manuseio à beira do leito e custo-efetivas são ainda necessárias para maior utilização na prática clínica diária. Além disso, novos estudos, com objetivo de avaliar o impacto da otimização dos parâmetros macro-hemodinâmicos na microcirculação e no desfecho dos pacientes sépticos, ainda são necessários.

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