versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.39 no.2 São Paulo abr./jun. 2017
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170024
O hiperparatireoidismo secundário (HPTS) é um dos principais distúrbios endócrinos da doença renal crônica (DRC). O HPTS está associado a anomalias ósseas e cardiovasculares, bem como a elevada mortalidade. Apesar dos progressos na terapia farmacológica, o HPTS ainda evolui em um número considerável de pacientes para autonomia, quando a paratireoidectomia se torna o único tratamento possível.1 No Brasil, cerca de 10% dos pacientes em terapia renal substitutiva apresentam HPTS grave, o que significa que em torno de onze mil indivíduos podem precisar de paratireoidectomia.2 Há três técnicas para tal cirurgia: paratireoidectomia subtotal; paratireoidectomia total; e paratireoidectomia total com autoimplante. Ainda não há consenso sobre qual abordagem é mais eficaz. Contudo, a paratireoidectomia total com autoimplante é atualmente o procedimento mais comumente realizado.3
A persistência e a recorrência de HPTS são importantes desvantagens da paratireoidectomia que cirurgiões e nefrologistas podem ter que enfrentar. Vários estudos avaliaram a utilidade de biomarcadores selecionados na predição de tais complicações. Em um estudo recente em que foi medido o PTH intraoperatório por ensaio imunométrico rápido, uma redução de pelo menos 80% nos níveis de PTH dez minutos após a cirurgia foi identificada como um bom preditor de sucesso da paratireoidectomia.4 O custo e a baixa disponibilidade do ensaio têm impossibilitado seu uso na prática clínica de rotina. A medição de PTH pelos ensaios tradicionais, como a quimioluminescência, é amplamente acessível e apresenta custo relativamente baixo. Portanto, utilizar tal teste para avaliar a eficácia da paratireoidectomia pode ser uma estratégia razoável.
Na presente edição do Jornal Brasileiro de Nefrologia, Nascimento Junior et al.5 avaliaram, numa coorte de 51 pacientes com doença renal terminal submetidos a paratireoidectomia total com autoimplante, se a medição do PTH nos primeiros dias após a cirurgia poderia ter utilidade na predição de sucesso cirúrgico e, consequentemente, do risco de persistência ou recorrência da doença.
Os autores observaram que quedas de 95% nos níveis de PTH estiveram associados a altas taxas de resolução do HPTS. Na verdade, não foi detectada persistência ou recorrência nos pacientes que atingiram o nível de corte de PTH após seguimento de 60 meses. Contrariamente, reduções nos níveis de PTH Inferiores a 80% foram associadas a persistência do HPTS mesmo nos pacientes que evoluíram com hipocalcemia pós-operatória, achado sugestivo de fome óssea e marcador indireto de sucesso cirúrgico.
O presente estudo é de grande relevância não apenas para os cirurgiões, mas também para os nefrologistas que, na maioria das instituições, são os responsáveis pelo seguimento destes pacientes. Por um lado, do ponto de vista do cirurgião, a persistência do HPTS pode ser entendida como um fracasso terapêutico, para o qual a reintervenção cirúrgica precoce, antes do desenvolvimento de fibrose tecidual, é desejável. Por outro lado, do ponto de vista do nefrologista, a persistência não necessariamente significa que uma nova cirurgia seja imprescindível ou que o tratamento clínico não seja possível. Mesmo quando glândulas paratireoides autônomas não são totalmente removidas, melhoras clínicas e metabólicas ocorrem, tais como níveis séricos mais baixos de cálcio e fosfato. Neste cenário, o HPTS persistente pode ser tratado farmacologicamente.
Outra complicação comumente vista após a paratireoidectomia, o hipoparatireoidismo pós-operatório (caracterizado por níveis de PTH persistentemente baixos), deve ser igualmente evitada. Os pacientes com hipoparatireoidismo pós-operatório são mais predispostos a desenvolver doença óssea de baixo remanejamento, fraturas ósseas e calcificação vascular. Assim, a avaliação do sucesso da paratireoidectomia deve ser fundamentada não somente na persistência ou recorrência do HPTS, como também no desenvolvimento de hipoparatireoidismo pós-operatório. Ambas as complicações deveriam ter sido consideradas pelos autores de modo a determinar o melhor nível de corte para o PTH pós-operatório. Tal escolha teria fortalecido seus achados. Uma questão que pode ser discutida a partir do estudo é se o controle adequado do HPTS persistente foi concretizado. Este ponto merece maiores investigações, uma vez que pode auxiliar os nefrologistas a melhor compreender como os pacientes devem ser manejados após a paratireoidectomia no longo prazo.
Algo que o estudo demonstra e que merece destaque é que não atingir a redução proposta de 95% do PTH nos primeiros dias após a paratireoidectomia deve chamar a atenção dos nefrologistas para a possibilidade de reintrodução precoce do tratamento farmacológico para HPTS de forma a barrar a progressão da doença e a necessidade de uma nova intervenção cirúrgica.
O HPTS é um antigo desafio para os nefrologistas. Uma abordagem multidisciplinar, que inclua paratireoidectomia para casos graves, faz-se normalmente necessária para o controle adequado da doença. Estudos clínicos com características interdisciplinares, tais como o de Nascimento Junior, devem ser estimulados. Certamente eles têm maior probabilidade de proporcionar novos conhecimentos e estratégias para a comunidade médica aprimorar sua prática e, por conseguinte, os tratamentos dispensados aos pacientes.