versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.31 no.2 São Paulo 2019 Epub 18-Mar-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182018115
O professor é o profissional mais investigado na área de voz por ter um alto risco vocal(1,2). Essa maior suscetibilidade a desenvolver distúrbios de voz pode ser atribuída às características do seu trabalho, comportamentos vocais inadequados e predisposição individual(1,3).
Revisão de literatura que analisou estudos de todo o mundo apontou que, enquanto na população em geral a ocorrência de distúrbios de voz é de 6% a 15%, em professores os valores aumentam para 20% a 50%, podendo chegar a 80%(3). No Brasil, estudo que comparou professores e não professores apontou ocorrência de 11,6% de distúrbios de voz em professores e 7,5% em não professores. A mesma investigação relatou que 63% dos professores apresentaram problemas vocais em algum momento da vida, enquanto na população em geral essa ocorrência foi de 35,8%(4).
Os sintomas mais frequentes nesses profissionais são: rouquidão, fadiga vocal, voz fraca, falha na voz, dor ou desconforto ao falar, garganta seca, pigarro, tosse persistente, dificuldade de projetar a voz(5). Professores brasileiros apresentam, em média, 3,7 sintomas vocais, enquanto não professores apresentam média de 1,7 sintomas(4). Estudos também indicam uma elevada frequência de sintomas de desconforto no trato vocal em professores(6,7). Geralmente, tais sintomas são manifestações do abuso vocal ou uso intensivo da voz, que podem contribuir para o aparecimento de uma alteração vocal(5,8), além de comprometer o desempenho nas atividades profissionais (9).
De uma forma geral, muitos professores falam em forte intensidade, com esforço, por longos períodos, em ambiente ruidoso, com número excessivo de alunos por sala, instalações inapropriadas em sala de aula e pó de giz(3,5,8,10). O fato de não disporem de condições de trabalho adequadas para o uso da voz, associadas aos comportamentos vocais inadequados e aos aspectos biológicos individuais, os expõem a diversos fatores de risco à saúde vocal (11,12).
Tal questão se mostra também relevante quando se observam os diferentes níveis de ensino. Professores de diferentes níveis de ensino apresentam diferenças quanto ao tempo de permanência com a mesma turma, tempo de intervalo, número de alunos por sala, tipo de atividades vocais realizadas, nível de competição sonora e ruído ambiental. Apesar de haver consenso de que os professores de diferentes níveis de ensino apresentam particularidades quanto ao uso da voz e da comunicação (13-16), não foram encontrados estudos que tenham comparado os quatro níveis de ensino em professores brasileiros e analisado se há uma maior ocorrência de alteração vocal em um determinado nível de ensino.
Sendo assim, é importante conhecer melhor os sinais e sintomas vocais e os desconfortos no trato vocal dos professores brasileiros de diferentes níveis de ensino, a fim de fornecer evidências científicas para que o fonoaudiólogo possa direcionar, de forma mais específica e apropriada, as suas orientações.
Diante disso, o objetivo do presente estudo foi analisar e comparar a ocorrência de sinais e sintomas de voz e de desconforto no trato vocal em docentes de diferentes níveis de ensino.
O presente estudo teve delineamento transversal, observacional e quantitativo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob parecer número 2247819. Todos os participantes foram informados quanto aos objetivos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Para selecionar os participantes, foram estabelecidos critérios de inclusão e exclusão. Os critérios de inclusão foram: docentes de ambos os gêneros que atuam diretamente em sala de aula, do Ensino Infantil ao Ensino Médio, da cidade do Rio de Janeiro, que assinaram o TCLE. Foram excluídos docentes que lecionavam para mais de um nível de ensino concomitantemente. Para aplicar os critérios de seleção, os participantes responderam um questionário de caraterização pessoal e do trabalho. O questionário de identificação pessoal e do trabalho continha as seguintes informações: nome, idade, data de nascimento, gênero, tempo de magistério, nível de ensino que leciona e carga horária. Alguns dados do questionário foram utilizados para caracterizar a amostra incluída.
O recrutamento e o processo de coleta dos participantes foram realizados pessoalmente em escolas públicas e particulares da cidade do Rio de Janeiro.
O cálculo do tamanho da amostra foi baseado em um estudo-piloto. Considerou-se como estimativa da variabilidade do método o maior desvio padrão obtido para as variáveis dos protocolos de autoavaliação, que foi de 3,53 para o sintoma bolo na garganta na Escala de Desconforto do Trato vocal. Adotando-se o nível de significância de 5% e poder do teste de 80% para se detectar uma diferença mínima entre os grupos igual a um desvio padrão, o tamanho necessário calculado da amostra foi de 17 participantes em cada grupo a ser estudado.
Participaram do processo de seleção 167 docentes, dos quais 55 foram excluídos por atuarem em mais de um nível de ensino concomitantemente. Após essa etapa, foram selecionados para participar do presente estudo 112 docentes que atuavam em diferentes escolas do Rio de Janeiro, 87 do gênero feminino e 25 do gênero masculino, com média de idade de 41,39 ± 12,36 anos. Os docentes foram divididos em quatro grupos ou níveis de ensino: 38 do Ensino Infantil (EI), 28 do Ensino Fundamental I (EF-I), 18 do Ensino Fundamental II (EF-II) e 28 do Ensino Médio (EM).
A coleta de dados foi realizada por meio dos seguintes procedimentos: autoavaliação vocal, preenchimento da Lista de Sinais e Sintomas Vocais – LSSV(4,17) e da Escala de Desconforto do Trato Vocal – EDTV(7,18).
Os docentes autoavaliaram suas vozes de acordo com as seguintes opções: excelente, muito boa, boa, razoável ou ruim. Os conceitos foram analisados em uma escala de Likert de cinco graus, em que excelente equivalia a um, e ruim, a cinco.
A Lista de Sinais e Sintomas Vocais (LSSV) é composta por 14 sinais e sintomas de voz (4,17). Os sintomas avaliados foram: rouquidão, sua voz fica cansada ou muda depois do uso por um curto tempo, problemas para cantar ou falar baixo, dificuldade para projetar sua voz, dificuldade para cantar agudo, desconforto ao falar, voz monótona, esforço para falar, garganta seca, dor na garganta, pigarro, gosto ácido ou amargo na boca, dificuldade para engolir e instabilidade ou tremor na voz. Os profissionais foram orientados a identificar a ocorrência dos sintomas e, no caso de o sintoma estar presente, se estava relacionado à atividade ocupacional desempenhada.
Já na versão traduzida para o português da Escala de Desconforto do Trato Vocal (EDTV), cada professor deveria indicar a frequência de ocorrência das sensações e sintomas apresentados, dentre os oito possíveis (7,18). Dessa forma, eles deveriam marcar em uma escala de Likert de sete pontos (de zero a seis, ou de nunca a sempre, dependendo da sua frequência) a frequência das sensações e sintomas: queimação, aperto, secura, garganta dolorida, coceira, garganta sensível, garganta irritada e bolo na garganta. Optou-se por utilizar apenas a frequência dos sintomas, pois, segundo Behlau et al.(19), ela se correlaciona com a intensidade, o que viabiliza a investigação de apenas um aspecto.
Os dados foram tabulados e analisados utilizando-se o software Statistica 17.0. Considerou-se um nível de significância de 5% (p<0,05) para todas as análises.
A variável idade é quantitativa. A normalidade foi testada por meio do teste Shapiro Wilk e sua distribuição foi não normal. Dessa forma, a comparação dessa variável em função dos níveis de ensino (grupos independentes) foi realizada com o Teste Kruskal-Wallis.
As variáveis autoavaliação vocal e EDTV são qualitativas ordinais. Para comparar essas variáveis em função dos níveis de ensino (grupos independentes), utilizou-se o Teste Kruskal-Wallis.
As variáveis gênero e LSSV são qualitativas nominais. Para associar essas variáveis com os níveis de ensino (grupos independentes), utilizou-se o Teste Qui-quadrado de Pearson.
A Tabela 1 mostra que professores do ensino médio tiveram mediana de idade significativamente maior que os demais níveis de ensino (p=0,047).
Tabela 1 Análise e comparação da idade dos docentes, em função do nível de ensino
Nível de ensino | N | Média | DP | Q1 | Mediana | Q3 | p-valor |
---|---|---|---|---|---|---|---|
EI | 38 | 39,05 | 12,61 | 28 | 39,5 | 49 | 0,047 * |
EF-I | 28 | 39,32 | 10,78 | 30 | 40 | 49,5 | |
EF-II | 18 | 40,44 | 11,36 | 31 | 38,5 | 46 | |
EM | 28 | 47,25 | 12,85 | 34,5 | 50 | 58 |
*p<0,05 – Teste de Kruskal-Wallis.
Legenda: N = Número; DP = Desvio padrão; Q1 = Primeiro quartil; Q3 = Terceiro quartil; EM = Ensino médio; EF-II = Ensino Fundamental II; EF-I = Ensino Fundamental I; EI = Educação Infantil
Observa-se na Tabela 2 que houve frequência significativamente maior de professores do gênero masculino no ensino médio que nos demais níveis de ensino (p<0,001).
Tabela 2 Análise e associação do gênero dos docentes, em função do nível de ensino
Nível de ensino | Gênero | p-valor | |||
---|---|---|---|---|---|
Masculino | Feminino | ||||
N | % | N | % | ||
EI | 0 | 0 | 38 | 100 | <0,001 * |
EF-I | 2 | 7,14 | 26 | 92,86 | |
EF-II | 6 | 33,33 | 12 | 66,67 | |
EM | 17 | 60,71 | 11 | 39,29 |
*p<0,05 – Teste Qui-quadrado de Pearson.
Legenda: N = Número; % = Porcentagem; EM = Ensino Médio; EF-II = Ensino Fundamental II; EF-I = Ensino Fundamental I; EI = Educação Infantil
A Tabela 3 mostra que não houve diferença na autoavaliação vocal, em função do nível de ensino dos professores. Para os quatro níveis de ensino, a mediana indicou uma autoavaliação de voz boa (mediana=3).
Tabela 3 Análise e comparação da autoavaliação vocal de docentes, em função do nível de ensino
Nível de ensino | Autoavaliação vocal | p-valor | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
N | Média | DP | Q1 | Mediana | Q3 | ||
EI | 38 | 3,05 | 0,96 | 2 | 3 | 3 | 0,904 |
EF-I | 28 | 2,86 | 0,65 | 3 | 3 | 3 | |
EF-II | 18 | 2,94 | 0,94 | 2 | 3 | 3 | |
EM | 28 | 3 | 0,94 | 2,5 | 3 | 4 |
p<0,05 – Teste de Kruskal-Wallis.
Legenda: N = Número; DP = Desvio padrão; Q1 = Primeiro Quartil; Q3 = Terceiro quartil; EM = Ensino Médio; EF-II = Ensino Fundamental II; EF-I = Ensino Fundamental I; EI = Educação Infantil
Visualiza-se na Tabela 4 que não houve diferença na frequência de desconforto do trato vocal, em função do nível de ensino dos docentes para nenhum dos desconfortos, bem como para o total. Os desconfortos mais frequentes foram de secura (EI=2,89; EF-I=2,54; EF-II=2,17; EM=2,18) e garganta irritada (EI=1,76; EF-I=2,04; EF-II=1,50; EM=1,68) para todos os níveis de ensino, garganta dolorida para EI (média=1,71) e EF-II (média=1,56), garganta sensível para EI (média 1,55), EF-I (média 1,54) e EF-II (média=1,56).
Tabela 4 Análise e comparação da frequência do desconforto do trato vocal de docentes, em função do nível de ensino
Nível de ensino | EDTV | p-valor | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
N | Média | DP | Q1 | Mediana | Q3 | ||
Queimação | |||||||
EI | 38 | 1,05 | 1,16 | 0 | 2 | 2 | 0,888 |
EF-I | 28 | 1,14 | 1,53 | 0 | 0 | 2 | |
EF-II | 18 | 1,22 | 1,26 | 0 | 0 | 2 | |
EM | 28 | 0,96 | 1,2 | 0 | 0 | 2 | |
Aperto | |||||||
EI | 38 | 0,66 | 1,07 | 0 | 0 | 2 | 0,857 |
EF-I | 28 | 0,79 | 1,4 | 0 | 0 | 1 | |
EF-II | 18 | 0,78 | 1,17 | 0 | 1 | 3 | |
EM | 28 | 0,61 | 1,13 | 0 | 0 | 1 | |
Secura | |||||||
EI | 38 | 2,89 | 1,56 | 1 | 2 | 4 | 0,297 |
EF-I | 28 | 2,54 | 1,73 | 1 | 2 | 4 | |
EF-II | 18 | 2,17 | 1,34 | 1 | 2 | 3 | |
EM | 28 | 2,18 | 1,59 | 1 | 2 | 3 | |
Garganta dolorida | |||||||
EI | 38 | 1,71 | 1,47 | 0 | 2 | 3 | 0,827 |
EF-I | 28 | 1,46 | 1,62 | 0 | 1 | 2 | |
EF-II | 18 | 1,56 | 1,54 | 0 | 1 | 2 | |
EM | 28 | 1,46 | 1,53 | 0 | 1 | 3 | |
Coceira | |||||||
EI | 38 | 1,08 | 1,32 | 0 | 1 | 2 | 0,339 |
EF-I | 28 | 1,36 | 1,47 | 0 | 1 | 2 | |
EF-II | 18 | 1,39 | 1,42 | 0 | 1 | 2 | |
EM | 28 | 0,89 | 1,34 | 0 | 0 | 2 | |
Garganta sensível | |||||||
EI | 38 | 1,55 | 1,67 | 0 | 0 | 3 | 0,922 |
EF-I | 28 | 1,54 | 1,86 | 0 | 1 | 2 | |
EF-II | 18 | 1,56 | 1,79 | 0 | 1 | 2 | |
EM | 28 | 1,21 | 1,42 | 0 | 1 | 2 | |
Garganta irritada | |||||||
EI | 38 | 1,76 | 1,53 | 0 | 2 | 2 | 0,758 |
EF-I | 28 | 2,04 | 2,05 | 0 | 2 | 3,5 | |
EF-II | 18 | 1,5 | 1,65 | 0 | 1 | 2 | |
EM | 28 | 1,68 | 1,74 | 0 | 1 | 3 | |
Bolo na garganta | |||||||
EI | 38 | 0,78 | 1,4 | 0 | 0 | 2 | 0,293 |
EF-I | 28 | 1,29 | 1,78 | 0 | 0 | 2,5 | |
EF-II | 18 | 0,59 | 1 | 0 | 0 | 1 | |
EM | 28 | 0,41 | 0,84 | 0 | 0 | 1 | |
Total | 0,730 | ||||||
EI | 38 | 10,72 | 7,98 | 5,00 | 8,50 | 15,00 | |
EF-I | 28 | 9,39 | 7,22 | 2,50 | 8,00 | 15,50 | |
EF-II | 18 | 12,14 | 10,96 | 2,50 | 10,50 | 18,00 | |
EM | 28 | 11,45 | 7,85 | 4,00 | 11,50 | 16,00 |
p<0,05 – Teste de Kruskal-Wallis.
Legenda: N = Número; DP = Desvio padrão; Q1 = Primeiro quartil; Q3 = Terceiro quartil; EM = Ensino Médio; EF-II = Ensino fundamental II; EF-I = Ensino fundamental I; EI = Educação Infantil; EDTV = Escala de Desconforto do Trato Vocal.
A Tabela 5 mostra que não houve diferença na frequência de sinais e sintomas vocais de professores de diferentes níveis de ensino. Dentre os sintomas presentes que foram relacionados à atividade laboral, o de garganta seca foi mais frequente em todos os níveis de ensino (EM=50,00%; EF-II=44,44%; EI=46,43%; EF-I=42,11%), além de alta frequência de professores que relacionaram à presença do sintoma de rouquidão (EI=31,58%; EF-I=35,71%; EF-II=27,78%; EM=46,43%) e mudança ou cansaço vocal após curto período de tempo (EI=36,84%; EF-I=32,14%; EF-II=33,33%; EM=28,57%) com a atividade laboral.
Tabela 5 Análise e associação dos sinais e sintomas vocais de docentes, em função do nível de ensino
LSSV | Não | Sim | Sim | p-valor | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Não relaciona com atividade laboral | Relaciona com atividade laboral | ||||||
N | % | N | % | N | % | ||
Rouquidão | |||||||
EI | 18 | 47,37 | 8 | 21,05 | 12 | 31,58 | 0,260 |
EF-I | 14 | 50 | 4 | 14,29 | 10 | 35,71 | |
EF-II | 11 | 61,11 | 2 | 11,11 | 5 | 27,78 | |
EM | 15 | 53,57 | 0 | 0 | 13 | 46,43 | |
Mudança ou cansaço vocal após curto tempo de uso | |||||||
EI | 19 | 50 | 5 | 13,16 | 14 | 36,84 | 0,535 |
EF-I | 16 | 57,14 | 3 | 10,71 | 9 | 32,14 | |
EF-II | 12 | 66,67 | 0 | 0 | 6 | 33,33 | |
EM | 19 | 67,86 | 1 | 3,57 | 8 | 28,57 | |
Problemas para cantar ou falar baixo | |||||||
EI | 24 | 63,16 | 7 | 18,42 | 7 | 18,42 | 0,378 |
EF-I | 14 | 51,85 | 7 | 25,93 | 6 | 22,22 | |
EF-II | 12 | 66,67 | 1 | 5,56 | 5 | 27,78 | |
EM | 21 | 75 | 2 | 7,14 | 5 | 17,86 | |
Dificuldade para projetar a voz | |||||||
EI | 26 | 68,42 | 3 | 7,89 | 9 | 23,68 | 0,499 |
EF-I | 22 | 78,57 | 4 | 14,29 | 2 | 7,14 | |
EF-II | 12 | 66,67 | 2 | 11,11 | 4 | 22,22 | |
EM | 16 | 57,14 | 5 | 17,86 | 7 | 25 | |
Dificuldade para cantar agudo | |||||||
EI | 15 | 40,54 | 13 | 35,14 | 9 | 24,32 | 0,859 |
EF-I | 12 | 44,44 | 12 | 44,44 | 3 | 11,11 | |
EF-II | 8 | 44,44 | 6 | 33,33 | 4 | 22,22 | |
EM | 12 | 42,86 | 12 | 42,86 | 4 | 14,29 | |
Desconforto ao falar | |||||||
EI | 27 | 72,97 | 2 | 5,41 | 8 | 21,62 | 0,899 |
EF-I | 20 | 71,43 | 2 | 7,14 | 6 | 21,43 | |
EF-II | 13 | 76,47 | 0 | 0 | 4 | 23,53 | |
EM | 23 | 82,14 | 1 | 3,57 | 4 | 14,29 | |
Voz monótona | |||||||
EI | 34 | 91,89 | 0 | 0 | 3 | 8,11 | 0,168 |
EF-I | 24 | 85,71 | 3 | 10,71 | 1 | 3,57 | |
EF-II | 17 | 94,44 | 1 | 5,56 | 0 | 0 | |
EM | 25 | 89,29 | 0 | 0 | 3 | 10,71 | |
Esforço para falar | |||||||
EI | 28 | 73,68 | 2 | 5,26 | 8 | 21,05 | 0,180 |
EF-I | 23 | 82,14 | 3 | 10,71 | 2 | 7,14 | |
EF-II | 11 | 61,11 | 1 | 5,56 | 6 | 33,33 | |
EM | 19 | 67,86 | 0 | 0 | 9 | 32,14 | |
Garganta seca | |||||||
EI | 10 | 26,32 | 12 | 31,58 | 16 | 42,11 | 0,255 |
EF-I | 9 | 32,14 | 6 | 21,43 | 13 | 46,43 | |
EF-II | 8 | 44,44 | 2 | 11,11 | 8 | 44,44 | |
EM | 12 | 42,86 | 2 | 7,14 | 14 | 50 | |
Dor na garganta | |||||||
EI | 25 | 65,79 | 6 | 15,79 | 7 | 18,42 | 0,674 |
EF-I | 18 | 66,67 | 3 | 11,11 | 6 | 22,22 | |
EF-II | 13 | 72,22 | 0 | 0 | 5 | 27,78 | |
EM | 18 | 64,29 | 2 | 7,14 | 8 | 28,57 | |
Pigarro | |||||||
EI | 23 | 60,53 | 9 | 23,68 | 6 | 15,79 | 0,347 |
EF-I | 12 | 42,86 | 6 | 21,43 | 10 | 35,71 | |
EF-II | 10 | 55,56 | 3 | 16,67 | 5 | 27,78 | |
EM | 18 | 64,29 | 2 | 7,14 | 8 | 28,57 | |
Gosto ácido e/ou amargo na boca | |||||||
EI | 33 | 86,84 | 5 | 13,16 | 0 | 0 | 0,151 |
EF-I | 20 | 71,43 | 3 | 10,71 | 5 | 17,86 | |
EF-II | 16 | 88,89 | 1 | 5,56 | 1 | 5,56 | |
EM | 24 | 85,71 | 1 | 3,57 | 3 | 10,71 | |
Dificuldade para engolir | |||||||
EI | 34 | 89,47 | 3 | 7,89 | 1 | 2,63 | 0,830 |
EF-I | 25 | 89,29 | 1 | 3,57 | 2 | 7,14 | |
EF-II | 17 | 94,44 | 1 | 5,56 | 0 | 0 | |
EM | 25 | 89,29 | 1 | 3,57 | 2 | 7,14 | |
Instabilidade ou tremor vocal | |||||||
EI | 30 | 78,95 | 4 | 10,53 | 4 | 10,53 | 0,556 |
EF-I | 21 | 75 | 1 | 3,57 | 6 | 21,43 | |
EF-II | 15 | 83,33 | 2 | 11,11 | 1 | 5,56 | |
EM | 24 | 85,71 | 1 | 3,57 | 3 | 10,71 |
p<0,05 – Teste Qui-quadrado de Pearson.
Legenda: N = Número; % = Porcentagem; EM = Ensino Médio; EF-II = Ensino Fundamental II; EF-I = Ensino Fundamental I; EI = Educação Infantil; LSSV = Lista de Sinais e Sintomas Vocais
O professor é um profissional com alto risco vocal(1,2) devido às características do trabalho, aos comportamentos vocais inadequados e à predisposição individual(1,3). É consenso na literatura que eles apresentam elevada média de sintomas vocais(4) e elevada frequência de sintomas de desconforto no trato vocal(6,7). Considerando as diferenças laborais no uso da voz e da comunicação em função do nível de ensino em que o professor atua(13-16), o presente estudo buscou conhecer melhor os sintomas vocais e os desconfortos no trato vocal dos professores brasileiros de diferentes níveis de ensino.
Houve mediana de idade ( Tabela 1 ) e frequência ( Tabela 2 ) significativamente maiores de indivíduos do gênero masculino no ensino médio, em relação aos demais níveis de ensino. A literatura atribui a maior presença de homens no ensino médio à maior demanda de um educador com o papel de “mãe” nos anos iniciais de escolaridade(20). Outro fator que pode contribuir é a presença de diferentes áreas de conhecimento nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, o que contempla um arcabouço maior de áreas de formação em licenciatura e não somente a de pedagogia. Outras pesquisas que compararam diferentes níveis de ensino corroboram o achado de maior frequência de docentes do gênero masculino no ensino médio, em relação aos demais níveis(20).
Não foi encontrada diferença na autoavaliação vocal, em função do nível de ensino dos professores. Para os quatro níveis de ensino, a mediana indicou uma autoavaliação de voz boa ( Tabela 3 ). Outros autores que compararam diferentes níveis de ensino também não visualizaram diferenças na autoavaliação vocal e encontraram satisfação com a qualidade vocal(21). Apesar de não haver um padrão de normalidade para falantes do português brasileiro para esse procedimento, tais dados merecem destaque, uma vez que se trata de uma categoria profissional de alto risco para alterações vocais (1-4). Esses achados podem estar relacionados a uma perspectiva histórica que já é relatada há muitos anos pela Fonoaudiologia, na qual os professores tendem a considerar a alteração de voz como normal e inerente à profissão e apresentam tolerância para o uso de uma voz disfônica(21,22). Além disso, a literatura mostra que docentes têm pouca autopercepção e apresentam dificuldade para perceber uma alteração vocal(22) e autoavaliam a voz como favorável mesmo na presença de vozes alteradas e queixas de dificuldades ao falar(23). Tais fatores podem ser decorrentes da falta de acesso a informações sobre saúde vocal ou mesmo à dificuldade de aplicabilidade do conhecimento sobre saúde vocal na rotina diária profissional(21).
Na presente pesquisa, não houve diferença na frequência de desconforto do trato vocal ( Tabela 4 ) e nos sintomas vocais ( Tabela 5 ), em função do nível de ensino dos docentes. Tais resultados apontam que, apesar de a presença de desconforto no trato vocal ser frequente em professores (7,15), bem como do consenso de que eles apresentam mais sintomas vocais que a população em geral(4), não houve diferenças em função dos níveis de ensino.
Os desconfortos mais frequentes foram de secura e garganta irritada para todos os níveis de ensino, garganta dolorida para EI e EF-II e garganta sensível para EI, EF-I e EF-II ( Tabela 4 ). Porém, considerando os valores de corte para a frequência dos desconfortos de trato vocal(7), a média apenas dos sintomas de garganta dolorida e garganta sensível para todos os níveis de ensino e de secura para EF-I e EI estiveram acima do recomendado para vozes saudáveis(7). Apesar de não tão frequentes, a média dos sintomas de queimação e aperto para todos os níveis de ensino também esteve acima do esperado para vozes saudáveis(7).
Quanto aos sintomas vocais, os mais frequentes relacionados à atividade laboral foram garganta seca, rouquidão e mudança ou cansaço vocal após curto período de tempo ( Tabela 4 ). Não há na literatura um valor de normalidade estabelecido para falantes do português brasileiro para esse instrumento.
Os sintomas de garganta sensível e queimação relacionam-se à presença de alterações inflamatórias ou teciduais na laringe e hipofaringe(23). A sensação de queimação pode ser decorrente de problemas gástricos como refluxo faringolaríngeo(24), ou também decorrentes de uso vocal excessivo com forte intensidade (25).
Já os sintomas de garganta dolorida e de aperto têm relação com a tensão muscular excessiva na região da laringe e hipofaringe(26). Trata-se de sintomas comuns em indivíduos com distúrbios de voz(26) e em professores(25) devido à tensão muscular excessiva utilizada na atividade laboral. Tal tensão pode ser resultante de um ajuste vocal inadequado realizado pelos professores a fim de aumentar a intensidade de voz(25).
Pesquisa recente mostrou aumento na frequência dos sintomas de queimação, coceira, garganta sensível e garanta irritada após a aula. Tais sintomas foram atribuídos à presença de tensão muscular no trato vocal e ao maior risco para desenvolver distúrbios vocais, ambos decorrentes do abuso vocal e do aumento da intensidade vocal, com tensão excessiva no trato vocal, e manutenção desses ajustes após o uso profissional(25).
Garganta seca foi o sintoma relacionado à atividade laboral mais frequente em todos os níveis de ensino com a LSSV ( Tabela 5 ), além de apresentar alta frequência para todos os níveis de ensino com a EDTV, e encontrar-se acima do recomendado para vozes saudáveis para EF-I e EI ( Tabela 4 ). O sintoma de garganta seca é frequente em professores brasileiros e pode ocorrer devido ao ressecamento do trato vocal pela falta de hidratação ou hidratação insuficiente durante as aulas, à presença de poeira ou pó de giz, bem como ao aumento da intensidade vocal e do ruído em sala de aula(1,27,28). Esse sintoma também foi encontrado como um dos mais frequentes em docentes brasileiros por outros autores(29). Acredita-se que ter alta frequência, principalmente para EF-I e EI, possa ser decorrente do fato de que os professores desses níveis de ensino têm maior tempo de permanência com uma mesma turma, bem como menor intervalo. Assim, no decorrer do período de aula, caso o professor não realize a hidratação adequada, fique exposto à poeira e pó de giz e não tenha a resistência vocal necessária para a demanda, ele pode apresentar cansaço e realizar mais tensão compensatória para aumentar a intensidade vocal para que a voz possa alcançar todos os alunos. Tais dados corroboram a alta frequência do sintoma de mudança ou cansaço vocal após curto período de tempo, encontrado em todos os níveis de ensino ( Tabela 5 ).
Além disso, houve alta frequência do sintoma de rouquidão ( Tabela 5 ). O sintoma de rouquidão é um dos mais frequentes presentes em professores (1,30). A literatura atribui sua ocorrência à falta de hidratação vocal, ao uso vocal intenso e ao cansaço vocal decorrentes da atividade profissional (30). Porém, tal sintoma também é considerado um indicativo da presença de distúrbio de voz(1).
Considerando todas essas informações, o presente estudo apontou que os professores estudados não tiveram diferenças em função do nível de ensino. De modo geral, eles apresentaram desconfortos e sintomas relacionados principalmente ao uso vocal inadequado e excessivo e à presença de tensão muscular, bem como à atuação em ambiente com condições inadequadas como presença de poeira ou pó de giz e ruído competitivo.
A presente pesquisa apresentou limitações quanto ao grande número de docentes que aderiram à pesquisa, mas precisaram ser excluídos por atuarem em mais de um nível de ensino, e ao fato de não ter controlado os participantes que haviam realizado fonoterapia prévia.
Conclui-se que não houve diferença na autoavaliação vocal, na ocorrência de sinais e sintomas de voz e da frequência de desconforto no trato vocal entre docentes de diferentes níveis de ensino.