versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.5 Rio de Janeiro maio 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015215.03912016
A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa de elevada magnitude e importância no mundo. Foi declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1993 como uma doença de emergência mundial, consistindo na maior causa de morte por doenças infecciosas em adultos1.
O Brasil faz parte dos 22 países prioritários no controle da tuberculose para a OMS. Estes países correspondem juntos a 80% dos casos mundiais. Ocupa a 16ª posição dentre esses países com maior número absoluto de casos novos em 2014. A prevalência da TB neste ano era de 33,5/100.000 hab e o coeficiente de mortalidade (CM) foi de 2,3 óbitos/100.000 hab. Apesar desta posição, há uma tendência de redução média anual de 2,3% na incidência e de 0,5 óbitos/100.000 hab entre os anos de 2005 a 20141.
No mesmo ano de 2014, o “Coeficiente de incidência” no estado do Rio de Janeiro foi 60,9/100.000 hab, correspondendo a quase duas vezes a média nacional. A proporção de cura de tuberculose de pulmonares bacilíferos no estado foi de 68% contra 72,5% de média nacional, abaixo do preconizado pela OMS de 85%2.
A doença tem relação direta com a miséria e a exclusão social, portanto as pessoas mais vulneráveis socialmente têm maior chance de desenvolvimento e proliferação desta doença. Em 2013 foi publicada uma revisão sistemática correlacionando a tuberculose com fatores socioeconômicos3. Os estudos utilizaram os setores censitários como nível de agregação dos dados, encontrando associação com: a) domicílios com mais de cinco moradores, b) analfabetismo, c) proporção de população com mais de 65 anos, d) proporção de pessoas com baixa renda, e) proporção de pessoas acima de 15 anos com baixa escolaridade, f) proporção de imigrantes, g) domicílios com mais de um morador por cômodo, h) números de casos de retratamento por setor censitário e i) número de famílias com mais de um caso por setor censitário.
Os fatores socioeconômicos interferem também no acesso aos serviços de saúde, levando as pessoas mais vulneráveis a terem mais dificuldade no acesso4, o que por sua vez contribui para o retardo do diagnóstico e tratamento da TB, aumentando as possibilidades de abandono do tratamento, um dos principais obstáculos para o controle desta doença4.
A atenção primária à saúde (APS) tem papel fundamental na cura da tuberculose por ser o primeiro nível de acesso de um sistema de saúde, apresentando alguns princípios básicos de organização como a longitudinalidade, integralidade da atenção e a coordenação do cuidado dentro do próprio sistema de saúde5. Portanto, a APS possibilita maior acesso e adesão ao tratamento da TB, além do alcance a populações mais vulneráveis2.
Os países que adotaram a APS como ordenadora do sistema de saúde demonstraram impacto com evidências de melhora nos indicadores além de menores investimentos quando comparados com aqueles que não apresentam uma APS estruturada6,7.
O Município do Rio de Janeiro (MRJ) apresentava a pior cobertura de Saúde da Família dentre as capitais brasileiras, com aproximadamente 7%. A partir de 2009 teve início à reforma da APS com a ampliação da cobertura para quase 40% em 2012 e 48,2% em 20158.
Atualmente há dois modelos assistenciais de APS do MRJ: (1) Saúde da Família, com oferta mais abrangente de serviços de saúde; baseada nos princípios da APS (acesso, longitudinalidade, coordenação do cuidado, e integralidade)5; com médicos e enfermeiros generalistas e com responsabilidade sanitária definida territorialmente, e (2) Atenção Básica Tradicional, com a presença de especialistas focais (pediatras, ginecologistas, clínicos, dentre outros).
Considerando a tuberculose uma doença fortemente relacionada a fatores socioeconômicos bem como ao acesso aos serviços de saúde, faz-se necessário avaliar a relação da expansão de cobertura de APS na cura de TB no município.
O objetivo deste artigo é comparar a proporção de cura por tuberculose segundo a cobertura e o tempo de implantação de saúde da família e fatores socioeconômicos e demográficos no município do Rio de Janeiro a partir dos casos novos notificados no ano de 2012.
Trata-se de um estudo seccional, realizado no Município do Rio de Janeiro (MRJ), correlacionando a cura de tuberculose com a cobertura de saúde da família e variáveis socioeconômicas e demográficas, tendo como unidade de análise os indivíduos de casos novos notificados de tuberculose. Parte das variáveis explicativas socioeconômicas tiveram como nível de agregação os setores censitários. O município está situado na região sudeste do país, nas coordenadas geográficas 22°44’45.59” a 23°04’58.34” de latitude sul e 43°05’48.89” a 43°47’43.79” de longitude oeste; apresenta uma área de 1.199,82 km2, densidade demográfica de 5.265,82 hab/km2 e uma população exclusivamente urbana estimada em 2015 em 6.476.631 habitantes9. Está dividido em 161 bairros, 34 regiões administrativas e 10 distritos sanitários de saúde (áreas de planejamento). O MRJ apresenta grandes contrastes econômico e social, com aproximadamente 22% da população residindo em aglomerados subnormais9.
A população do estudo são os casos novos de tuberculose residentes no MRJ notificados no ano de 2012, totalizando 5.794 registros únicos.
Para a identificação da cobertura de saúde da família utilizou-se a técnica de georreferenciamento a partir do endereço de residência, atribuindo-se uma posição geográfica para cada registro (latitude e longitude). Com isso foi possível identificar através de consulta espacial os polígonos de cobertura de saúde da família ao qual o ponto estava inserido. Os mapas de cobertura foram elaborados pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de janeiro e correspondem à cobertura existente no ano de 2012. Para realizar o georreferenciamento dos endereços, os casos de pessoas institucionalizadas (356 casos) e de população de rua (67 casos) foram excluídas dessa etapa do estudo uma vez que essas pessoas não podem ser classificadas como pertencentes à responsabilidade da equipe nem tampouco como sem cobertura de saúde da família. Isso se fez necessário diante da impossibilidade de se caracterizar a cobertura de atenção primária para estes casos. Esse georreferenciamento dos endereços se deu utilizando a ferramenta “Geocode” disponibilizada pelo Google Maps através de uma Application Programming Interface (API) gratuita. Este processo utilizou a base de logradouros e localidades da Google. Pode-se avaliar a exatidão a partir de uma nota que varia de 0 a 10, (0-não encontrado, 1-nível do país, 2-do estado, 3-subregião, 4-cidade, 5-CEP, 6-logradouro, 7-intersecção entre logradouros, 8-endereço, 9-nome do prédio ou comércio, 10-precisão máxima). Foram consideradas perdas aqueles endereços com resultado inferior a “5”. Os registros com resultado entre “8” e “10” foram considerados com precisão aceitável. Os demais registros foram revisados manualmente.
O software para construção dos mapas de cobertura de saúde da família e consulta espacial dos dados foi o ArcGIS, versão 9.3 (Esri, Redlands, CA, EUA) em projeção Latlong/WGS84, disponibilizado na extensão shapefile. Em 1.064 dos 5.272 registros georreferenciados (20,18%) não foi possível determinar as coordenadas geográficas com precisão, caracterizando perdas da amostra georrefenciada.
A variável de tempo de implantação das equipes de saúde da família foi obtida a partir dos dados do Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Ministério da Saúde (SCNES). Para fins de classificação de cobertura de saúde da família, todos os registros localizados em polígonos de áreas cobertas com saúde da família, cujo diagnóstico se deu a partir de 3 meses de implantação da equipe, foram considerados com cobertura e todos os demais casos, sem cobertura de saúde da família. Utilizou-se como ponto de corte 3 meses porque é o tempo mínimo razoável para que uma nova equipe de saúde da família realize todo cadastramento de pessoas residentes em seu território de responsabilidade sanitária e faça um diagnóstico de saúde inicial.
Os indicadores epidemiológicos e alguns socioeconômicos, como idade, sexo, raça/cor e escolaridade, foram extraídos a partir do registro do SINAN, representando cada indivíduo. Já os demais dados socioeconômicos foram obtidos a partir dos polígonos dos setores censitários do IBGE do ano de 20109 e representam as médias dos resultados dos residentes no mesmo setor censitário. Nesse caso, os valores foram repetidos para cada indivíduo no mesmo setor censitário.
A variável de desfecho considerada no presente estudo foi o encerramento por cura (sim/não), obtido a partir do banco do SINAN e as variáveis de exposição forama Cobertura–cobertura de saúde da família (sim/não) e Meses_Diag – tempo de implantação das equipes até o diagnóstico da TB, controlando pelas demais variáveis, mesmo que não tenham sido significativas, mas sejam reconhecidamente importantes.
As seguintes variáveis demográficas e socioeconômicas foram adicionadas para controle:
a) Idade, b) Sexo, c) Raça/Cor (Branca/não branca), d) Escolaridade, e) Favela – Residência em favela (sim/não), f) Renda – proporção de responsáveis com renda média mensal menor ou igual a 2 salários3, g) Banheiro – média de banheiros por domicílio, h) Adensa – média de moradores por domicílio, i) Envelhe – taxa de envelhecimento.
A análise descritiva dos dados foi realizada com o programa SPSS 20.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos)10, através de regressão logística bivariada (análise bruta) e posteriormente aplicou-se o modelo de regressão logística múltiplo, sendo uma variável de saída categórica dicotômica (variável dependente) e múltiplas variáveis explicativas (independentes) a partir do referencial teórico de associação de TB com variáveis socioeconômicas11,12. Tomou-se o encerramento por cura como variável dependente (y) e como variáveis explicativas foram utilizadas: Cobertura, Meses_Diag, Sexo, Raça/Cor, Escola, Favela, Renda, Banheiro, Adensa, Envelhe. O método de seleção de variáveis utilizado foi o Backward com verificação da significância da razão de verossimilhança. Para análise dos resíduos foi selecionada a forma padronizada (standarized) com intervalo de confiança para a razão de chances. A significância das variáveis foi avaliada com base no teste de Wald e o efeito medido pela Razão de Chances. O ajuste do modelo foi avaliado pelo teste de Hosmer-Lemeshow.
Para ilustrar a distribuição espacial da TB, foi utilizada a técnica de análise da densidade de pontos, definida como kernel density estimation, que consiste em gerar uma superfície de densidade de pontos, dentro de uma região de influência, ponderados pela distância de cada um à localização de interesse, para a identificação visual de “áreas quentes” no mapa. Foi utilizado raio de 2.000 m e superfície de alisamento de 20 metros através do programa ArcGIS, versão 9.3 (Esri, Redlands, CA, EUA)11 em projeção Latlong/WGS84. Para tanto, foi utilizada a razão de kernel, que consistiu em atribuir arbitrariamente todos os pontos georreferenciados no centroide do setor censitário correspondente, dividindo-se o número de casos notificados pela população de cada.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, atendendo às recomendações constantes da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
Foram identificados 5.794 casos novos de tuberculose de residentes do Município do Rio de Janeiro, resultando uma taxa de incidência de 90,67 casos/100.000 habitantes no ano de 2012. Destes, 5.436 casos novos foram encerrados (93,82%). O percentual de cura foi de 70,42% (3.828 casos novos) do total de casos encerrados. No mesmo período houve 369 casos de óbito por tuberculose resultando em um coeficiente médio anual de mortalidade específica de 5,77 casos por 100.000 habitantes, sugerindo taxa de letalidade de 5,04% dos casos encerrados. Se considerarmos apenas os casos encerrados notificados por unidades de atenção primária (4.272 casos novos), o percentual de cura aumenta para 74,58%. Do total de encerramentos por cura, esta se deu em 83,23% em unidades notificantes de atenção primária.
Dentre todos os casos novos de residentes no MRJ notificados em 2012, a notificação se deu em 73,73% em unidades de atenção primária e apenas em 159 casos (2,74%) em unidades prisionais e em 49 casos (0,85%) em unidades privadas. Praticamente todos os casos notificados a partir de unidades de atenção primária foram encerrados (98,95%), porém em 69,18% dos casos nas unidades prisionais (110 casos) e em 13,41% dos casos nas unidades hospitalares (172 casos) encontravam-se sem encerramento (Tabela 1). As unidades que não as de atenção primária concentram 87,53% (316 casos) de todos os 361 casos sem situação de encerramento.
Tabela 1 Casos novos de tuberculose notificados segundo a situação de encerramento e o tipo de unidade notificante. Rio de Janeiro (RJ), Brasil, 2012.
Fonte: Banco municipal do SINAN (DATASUS/MS). Atualizado 10/01/2016.
Do total de 4.208 casos georreferenciados, 2.639 (62,7%) estavam cobertos por saúde da família. Porém, a distribuição desses casos não se dá de forma uniforme no município, havendo maior concentração nas regiões com piores indicadores de desenvolvimento social.
Para evidenciar essa heterogeneidade na distribuição, foi realizada a razão da densidade dos casos pela população de cada setor censitário por meio da estimativa Kernel (Figura 1) onde é possível observar que as áreas “quentes” se apresentam concentradas nas regiões central do MRJ e zona norte (Complexo do Alemão, Acari), seguido da zona sul (Rocinha) e zona oeste do mapa (Comunidade Santa Maria).
Figura 1 Razão de Kernel dos casos novos de tuberculose. Município do Rio de Janeiro (RJ), Brasil, 2012.Fonte: Dados Cartográficos: IPP
Dos casos georreferenciados (N = 4.208), a mediana de idade foi de 36 anos, tendo o caso mais novo a idade de menos de 1 ano e a maior 102 anos. A maioria dos casos ocorreu no sexo masculino (n = 2.651; 63,0%), de raça/cor branca (n = 1.708; 43,4%) e ensino fundamental (n = 1.628; 57,1%).
Foi encontrada associação na análise bivariada entre a cobertura de saúde da família e as variáveis idade, sexo, raça/cor, escolaridade e residência em favela. Quem mora em favela tem 3,65 (IC95% 3,04-4,39) vezes mais chance de ter cobertura de saúde da família quando comparadas às pessoas que não residem em favela (p < 0,001). Já quem é considerado analfabeto tem 2,23 (IC95% 1,61-3,07) vezes mais chance de ser coberto por saúde da família quando comparadas com as pessoas com ensino superior (p < 0,001). Pessoas da raça/cor branca têm 0,57 (0,50-0,65) vezes a chance de cobertura de saúde da família (p < 0,001) quando comparada com pessoas não brancas.
A cobertura de saúde da família esteve associada ainda com tratamento supervisionado OR 2,28 (IC95% 1,96-2,54) e com busca de contactante OR 1,38 (IC95% 1,21-1,57).
Ainda na análise bivariada, encontrou-se associação entre a cura por tuberculose e as variáveis sexo, raça/cor, escolaridade, residência em favela, renda baixa, média de banheiros, adensamento e taxa de envelhecimento (Tabela 2). Pessoas do sexo feminino têm 1,40 (IC95% 1,21-1,62) vezes a chance de cura de tuberculose quando comparadas com pessoas do sexo masculino (p < 0,001). Pessoas da raça/cor branca têm 0,75 (IC95% 0,65-0,87) vezes a chance de cura quando comparadas com as pessoas não brancas (p < 0,001) e as pessoas com nível superior têm 2,10 (IC95% 1,43-3,08) vezes mais chance de cura quando comparadas com pessoas analfabetas (p < 0,001).
Tabela 2 Análise bruta de casos novos (N = 4.208) encerrados como cura de tuberculose e variáveis socioeconômicas e assistenciais. Município do Rio de Janeiro (RJ), Brasil, 2012.
Fonte: Banco municipal do SINAN (DATASUS/MS). Atualizado 10/01/2016. Abreviações: n, tamanho amostral; OR, odds ratio não ajustado; IC, intervalo de confiança; p-valor, nível de significância. a categoria de referência. b significância estatística p < 0,05.
As variáveis socioeconômicas, que na análise bruta tiveram associação com a cura de tuberculose, bem como a variável cobertura de saúde da família e o tempo de implantação destas equipes, foram utilizadas para o modelo de regressão logística binária, tendo a variável cura por tuberculose como variável dicotômica (Sim/não) dependente (y) e as demais como preditoras (x) introduzidas no mesmo bloco. A estatística qui-quadrado dos resíduos foi de 55,02 com p =< 0,001.
Na análise multivariada (Tabela 3), a cura de tuberculose esteve associada com as variáveis sexo e residir em favela. Pessoas do sexo feminino tiveram 1,33 (IC95% 1,04-1,69) vezes a chance de cura quando comparadas com pessoas do sexo masculino. Já as pessoas que residem em favela tiveram 1,82 (IC95% 1,36-2,43) vezes mais chance de cura quando comparadas com pessoas que não vivem em favelas. Não houve associação estatisticamente significativa com o tempo de implantação das equipes de saúde da família e nem tampouco com a cobertura de saúde da família.
Tabela 3 Resultado do modelo explicativo: regressão logística (Backward/Likelihood Ratio) (N = 4.208). Município do Rio de Janeiro (RJ), Brasil, 2012.
Fonte: Banco municipal do SINAN (DATASUS/MS) e IBGE, 2010. Atualizado 10/01/2016. Abreviações: Wald, estatística de wald; GL, graus de liberdade; p-valor, nível de significância. a significância estatística p < 0,05.
O VIF não mostrou evidências de multicolinearidade para o modelo ajustado.
As notificações em unidades de atenção primária representaram 73,73% (4.272 casos) de todos os casos novos notificados, evidenciando a atenção primária uma importante porta de entrada assistencial, mesmo tendo este uma cobertura populacional estimada de 39,84% em dezembro de 2012 no município8. Destes, 98,95% encontravam-se encerrados, enquanto que 69,18% de todos os casos novos notificados no sistema prisional estavam sem encerramento, o que representa um percentual muito elevado, tendo em vista que se trata de uma população vulnerável. Além disso, chama a atenção o baixíssimo número de casos notificados no sistema prisional (159 casos) e no sistema privado (49 casos) representando 2,74% e 0,85% de todos os casos, respectivamente.
Souza et al.4 relataram que em Salvador 41% dos casos foram notificados pela APS e em Recife 45%. Este alto índice (73,73%) no MRJ está em concordância com a política de descentralização das ações de tuberculose para a atenção primária promovida pela OMS e pelo Ministério da Saúde2. Ainda assim, o ideal é que todo paciente seja primeiro diagnosticado e acompanhado pela atenção primária.
A taxa de incidência de 90,67 e o coeficiente de mortalidade de 5,77/100.000 habitantes são considerados altos quando comparados com a prevalência brasileira de 33,5 e CM de 2,3/100.000 habitantes, respectivamente.
O percentual de cura de 70,42% é inferior ao valor encontrado em outros estudos realizados em outras cidades no país como o de Silva et al.13, que encontrou 90,9% dos casos encerrados como cura no Maranhão. Porém está melhor que no Ceará, onde Pinto et al.14 encontraram percentual de cura de 47,2%.
Muitos autores estudaram a correlação de tuberculose com indicadores socioeconômicos. Queiroga12 encontrou maior diferencial de taxas entre os estratos de regular e de pior condição de vida, no município de Campina Grande (PB) em que a taxa dos bairros de pior Índice de Condição de Vida (ICV) tem um acréscimo de 86% em relação à taxa de incidência do estrato de regular condição, porém os bairros de melhor ICV apresentam elevada incidência, possivelmente devido à subnotificação dos casos de tuberculose nos demais estratos de ICV.
Diante dos resultados apresentados neste estudo, é possível observar uma concentração maior de casos de tuberculose nas áreas cobertas por equipe de saúde da família (62,7% dos casos). Considerando que a tuberculose está diretamente relacionada com áreas mais vulneráveis, com piores indicadores socioeconômicos, supostamente a cobertura da estratégia de saúde da família se deu de forma desigual no território do município, contemplando prioritariamente as áreas com menor desenvolvimento social. Esta hipótese é reforçada quando analisamos a distribuição das famílias beneficiárias do bolsa-família e cartão-família carioca em que há uma concentração maior nas áreas cobertas pela saúde da família e uma superposição espacial com a distribuição da tuberculose. Quando analisamos estatisticamente é possível comprovar esta associação entre a cobertura de saúde da família e situação socioeconômica pior nos casos notificados de tuberculose no ano de 2012. Considerando que a tuberculose também está diretamente associada aos fatores socioeconômicos, estes possivelmente estão caracterizados como fatores de confusão na associação entre cobertura de saúde da família e cura de tuberculose.
Do total de casos novos em áreas com cobertura de saúde da família (2.639 casos), em 271 casos (10,26%) as equipes de saúde da família foram implantadas no máximo em 3 meses e 91% foram implantadas em até 5 anos da data de diagnóstico da tuberculose, evidenciando serem equipes muito recentes no MRJ. O tempo de implantação da equipe de saúde da família provavelmente influencia na assistência a pacientes com tuberculose, especialmente na identificação dos casos novos, início precoce do tratamento, identificação de contactantes e adesão ao tratamento supervisionado.
Houve uma forte expansão na atenção primária no município do Rio de Janeiro desde 2010, porém com base nos resultados encontrados dos casos novos notificados de tuberculose no ano de 2012 ainda não foi possível evidenciar melhores resultados de cura e de abandono quando comparadas com áreas não cobertas por saúde da família, apesar dessas áreas com cobertura apresentarem melhores resultados de encerramento dos casos e tratamento supervisionado de tuberculose. A cobertura de saúde da família se deu preferencialmente em áreas mais vulneráveis no MRJ, adicionalmente o pequeno tempo de implantação das equipes de saúde da família provavelmente contribuíram para que ainda não fosse possível detectar melhora significativa na cura da tuberculose.