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Comparação da TCMD e da USIV em escala de cinza na Análise Quantitativa da Luz Coronária em Segmentos com ou sem Placas Ateroscleróticas

Comparação da TCMD e da USIV em escala de cinza na Análise Quantitativa da Luz Coronária em Segmentos com ou sem Placas Ateroscleróticas

Autores:

João L. A. A. Falcão,
Breno A. A. Falcão,
Swaminatha V Gurudevan,
Carlos M. Campos,
Expedito R. Silva,
Roberto Kalil-Filho,
Carlos E. Rochitte,
Afonso A. Shiozaki,
Otavio R. Coelho-Filho,
Pedro A. Lemos

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782X

Arq. Bras. Cardiol. vol.104 no.4 São Paulo abr. 2015 Epub 27-Jan-2015

https://doi.org/10.5935/abc.20140211

RESUMO

Fundamento:

A comparação do rigor diagnóstico da TCMD e da USIV foi pouco descrita, estando restrita principalmente a estudos que avaliaram segmentos com placas ateroscleróticas já documentadas.

Objetivos:

Este estudo objetiva avaliar o desempenho diagnóstico da tomografia computadorizada com 64 colunas de detectores (tomografia computadorizada multidetector- TCMD) e da ultrassonografia intravascular (USIV) em escala de cinza na verificação das dimensões da luz coronária, em um contexto mais amplo, incluindo também segmentos coronários sadios e com patologia leve.

Métodos:

A TCMD foi realizada em todos os pacientes antes da realização da USIV, com um intervalo < 72 horas entre os dois exames. Imagens de USIV foram obtidas de pelo menos uma coronária, independente da presença de estenose luminal durante a angiografia. Um total de 21 pacientes foram incluídos, com imagens de 70 vasos (comprimento total 114,6 ± 38.3 mm por paciente). Placas coronárias foram diagnosticada em segmentos com carga de placas > 40%.

Resultados:

Uma alta correlação entre as medidas de TCMD e USIV para área luminar média, área luminar mínima e diâmetro luminar mínimo foi encontrada no nível de paciente, vaso e segmento (p-valor < 0,01 para todas as correlações). A TCMD, no entanto, tendeu a subestimar o tamanho luminar com uma dispersão de diferenças relativamente ampla. A comparação entre as medidas da luz por TCMD e USIV não foi substancialmente afetada pela presença ou ausência de placa subjacente. Além disso, a TCMD mostrou boa precisão geral na detecção de parâmetros associados a lesões limitantes de fluxo.

Conclusão:

Em uma análise compreensiva e multi-focal da luz coronária, demonstramos bom desempenho diagnóstico da TCMD, quando comparada a USIV, independente da presença de placas ateroscleróticas adjacentes.

Palavras-Chave: Doença da Artéria Coronariana; Placa Aterosclerótica / diagnóstico; Tomografia Computadorizada Multidetectores / utilização; Ultrassonografia / utilização

ABSTRACT

Background:

The diagnostic accuracy of 64-slice MDCT in comparison with IVUS has been poorly described and is mainly restricted to reports analyzing segments with documented atherosclerotic plaques.

Objectives:

We compared 64-slice multidetector computed tomography (MDCT) with gray scale intravascular ultrasound (IVUS) for the evaluation of coronary lumen dimensions in the context of a comprehensive analysis, including segments with absent or mild disease.

Methods:

The 64-slice MDCT was performed within 72 h before the IVUS imaging, which was obtained for at least one coronary, regardless of the presence of luminal stenosis at angiography. A total of 21 patients were included, with 70 imaged vessels (total length 114.6 ± 38.3 mm per patient). A coronary plaque was diagnosed in segments with plaque burden > 40%.

Results:

At patient, vessel, and segment levels, average lumen area, minimal lumen area, and minimal lumen diameter were highly correlated between IVUS and 64-slice MDCT (p < 0.01). However, 64-slice MDCT tended to underestimate the lumen size with a relatively wide dispersion of the differences. The comparison between 64-slice MDCT and IVUS lumen measurements was not substantially affected by the presence or absence of an underlying plaque. In addition, 64-slice MDCT showed good global accuracy for the detection of IVUS parameters associated with flow-limiting lesions.

Conclusions:

In a comprehensive, multi-territory, and whole-artery analysis, the assessment of coronary lumen by 64-slice MDCT compared with coronary IVUS showed a good overall diagnostic ability, regardless of the presence or absence of underlying atherosclerotic plaques.

Key words: Coronary Artery Disease, Plaque, Atherosclerotic / diagnosis; Multidetector Computed Tomography / utilization; Ultrasonography / utilization

Resumo Condensado

Um total de 21 pacientes (70 artérias; comprimento total de 114,6 ± 38.3 mm por paciente) foram submetidos a TCMD ou USIV. Uma alta correlação entre as medidas de TCMD e USIV para área luminar média, área luminar mínima e diâmetro luminar mínimo foi encontrada no nível de paciente, vaso e segmento (p-valor < 0,01 para todas as correlações). A comparação entre a TCMD e a USIV não foi afetada substancialmente pela ausência ou presença de placas ateroscleróticas (definida pela carga de placas > 40% pela USIV). Além disso, a TCMD mostrou bom desempenho geral na detecção de parâmetros associados a lesões limitantes de fluxo.

Lista de Abreviações

ATC Angiografia por tomografia computadorizada

LEE Lâmina elástica externa

TCMD Tomografia computadorizada multidetector

UH Unidade Hounsfield

USIV Ultrassonografia intravascular

Introdução

A tomografia computadorizada com 64 colunas de detectores (tomografia computadorizada multidetector‑ TCMD) é um método seguro e não-invasivo para detecção de estenose da luz coronária. Entretanto, a maioria dos estudos de validação do método compararam a TCMD com a angiografia por cateterismo, conhecida por suas limitações1,2. A ultrassonografia intravascular (USIV) é atualmente considerada o padrão de referência para avaliação das dimensões da luz coronária. Dados morfológicos provenientes da USIV mostram melhor correlação com as medidas de fluxo coronário e detecção de isquemia, quando comparados com a angiografia quantitativa3. Além disso, a USIV representa um valioso parâmetro prognóstico para pacientes impedidos de realizar angioplastia coronária4.

Estudos anteriores compararam a TCMD com a USIV, indicando boa correlação entre estes dois métodos5,6. Uma meta-análise recente concluiu que, quando comparada com a USIV, a angiografia por tomografia computadorizada (ATC) é altamente precisa em estimar a área luminar, porcentagem de área de estenose, volume da placa, área da placa e detecção da placa7. Entretanto, a maioria dos estudos tenderam a analisar “regiões de interesse” específicas dentro da árvore coronária, restringindo a avaliação a segmentos coronários com placas ateroscleróticas5-7. É importante notar que tal abordagem não traduz o modo pelo qual a TCMD é interpretada na clínica. Na prática, imagens de TCMD são geralmente analisadas seguindo um esquema de segmento total, sem o auxílio de um mapa coronariano para a análise de regiões de interesse específicas.

É importante avaliar a performance diagnóstica da TCMD de uma maneira compreensiva, incluindo tanto segmentos coronários com aterosclerose quanto segmentos sadios. O presente estudo, portanto, tem como objetivo comparar a TCMD e a USIV em uma análise quantitativa das dimensões da luz coronária, seguida de uma estratégia analítica para artéria total.

Métodos

Desenho De Protocolo e População de Estudo

Este estudo incluiu pacientes com doença arterial coronariana conhecida, encaminhados para realização de implante de stent coronário seletivo. O exame com USIV foi realizado no momento do procedimento percutâneo, antes de qualquer intervenção terapêutica. Pelo menos uma artéria não tratada anteriormente via angiografia ou cirurgia foi examinada pela USIV. Porém, os técnicos foram instruídos para adquirir imagens de USIV dos três territórios coronarianos. A TCMD foi realizada 72 horas anteriormente a USIV. O protocolo de estudo foi aprovado pelo comitê de ética local e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi obtido de cada paciente.

Aquisição de Imagens e Análise da Ultrassonografia Intravascular

O exame da USIV foi realizado após a administração de nitrato intra-coronariano, utilizando um catéter 20 MHz electronic multi-array 2.9F (Eagle Eye®, Volcano Corporation Inc., São Diego, CA, EUA) conectado ao painel de controle (InVision Gold®, Volcano Corporation Inc., São Diego, CA, EUA). A aquisição de imagens foi efetuada com o auxílio do pullback automático em velocidade constante de 0.5 mm/s (R-100® pullback device, Volcano Corporation Inc., São Diego, Ca, EUA). A análise foi realizada por técnicos que desconheciam as outras características dos pacientes, usando software específico (pcVH 2.2 ®; Volcano Corporation Inc., São Diego, CA, EUA) para a medida das dimensões dos vasos. Os limites da luz e da lâmina elástica externa (LEE) foram traçados de maneira semi-automática para obtenção de medidas de área. A área total de placa mais área média foi calculada como área da LEE menos a área da luz. A carga de placas foi calculada como a área de placa mais área média dividida pela área da LEE e multiplicada por 100. Uma placa coronária foi diagnosticada nos segmentos onde a carga de placas foi < 40%. Um segmento coronário foi considerado livre de aterosclerose ou como tendo doença leve quando a carga de placas foi ≤ 40%.

Tomografia Computadorizada Multidetector

Pacientes com uma taxa cardíaca maior que 65 bpm receberam até 15 mg de metoprolol intravenoso (se não contra-indicado) antes da aquisição de imagens por TCMD. Nitrato sublingual foi administrado a todos os pacientes antes da aquisição de imagens8. As imagens foram feitas utilizando tomografia computadorizada com 64 colunas de detectores (Aquillion 64TM, Toshiba Medical Systems, Japão) e os protocolos de aquisição foram realizados como descrito anteriormente9. A aquisição de imagens para a determinação do escore de cálcio foi realizada após varredura inicial, através de aquisição prospectiva, sincronizada pelo ECG (colimação: 4 x 3mm). O atraso de ativação para o gating prospectivo foi ajustado à taxa cardíaca para se obter imagens durante o período de descanso das artérias coronárias. Foram incluídos somente pacientes com escore de cálcio < 600. Após a varredura para cálcio, o protocolo de angiografia coronária foi realizado utilizando-se detector de colimação e tempo mínimo de rotação do gantry de 400 ms. Os parâmetros do tomógrafo foram ajustados de acordo com o sexo e idade do paciente9. Após injeção de contraste (Iopamidol, 370 mg iodo/ml, Bracco), a tomografia coronária foi iniciada quando o limiar de 180 unidades Hounsfield (UH) foi obtido na aorta descendente.

A análise quantitativa da coronária foi realizada com painel de controle apropriado (Vitrea2, v3.9 equipado com sonda para vaso coronário e o software SURE Plaque; todos da Vital Images Inc, Plymouth, MN, EUA). Todas as análises foram realizadas por um técnico que desconhecia as características clínicas e da USIV, seguindo protocolo pré-estabelecido. Primeiramente, a atenuação luminar média foi medida na aorta descendente (em nível do óstio coronário) e usada como parâmetro para definir o limiar de detecção das bordas da luz coronária. A seguir, os limites da luz e dos vasos foram reconstruídos semi-automaticamente para a medida de suas áreas (Figura 1), o que permitiu o cálculo da placa mais área média (área do vaso menos área da luz) e a porcentagem de carga de placas (placa mais área média dividido por área do vaso e multiplicado por 100).

Figura 1 Representação esquemática da análise quantitativa coronariana por TCMD (acima) e USIV (abaixo). As imagens superiores mostram a reconstrução longitudinal dos vasos. As imagens inferiores mostram cortes de artérias, sinalizando as bordas externa do vaso e interna da luz arterial. 

Registro de Imagens da TCMD e da USIV e Análise de Segmentos

As imagens da TCMD e da USIV foram pareadas usando pontos de referência comuns (ex., junção óstio-aorta, ramos laterais, etc.) como referências anatômicas axiais. Os pontos de referência visíveis ao longo do vaso em questão foram demarcados nas imagens de ambas TCMD e USIV e os segmentos de vasos foram analisados cuidadosamente para pareamento das imagens (Figura 1). A coronária principal esquerda foi considerada como um vaso separado para análise. Medidas repetidas de 27 segmentos foram realizadas pelos mesmos técnicos selecionados aleatoriamente e os coeficientes de correlação foram utilizados para determinar a variabilidade intra-observador e inter-observador.

Análise Estatística

Considerando-se o caráter exploratório do estudo, não foram realizadas medidas de cálculo amostral. Entretanto, o tamanho da amostra com 20 pacientes foi suficiente para demonstrar uma correlação significativa de qualquer parâmetro selecionado com um coeficiente de Pearson de 0,65, com um alfa de 0,05 e poder de 0,9. A análise estatística foi conduzida com o software SPSS 21 (IBM Corp. 2012. IBM SPSS Statistics para Windows, Versão 21.0. Armonk, NY: IBM Corp.). Variáveis categóricas foram apresentadas como porcentagens e variáveis contínuas como média e desvio padrão. Variáveis contínuas foram analisadas pelo teste de correlação de Pearson. O método proposto por Bland e Altman10,11 foi utilizado para avaliar as diferenças entre as medidas de TCMD e IVUS para área luminar média, área luminar mínima, diâmetro luminar mínimo. No método de Bland e Altman, a média entre duas medidas (TCMD e USIV) foi plotada contra a diferença entre elas (TCMD menos IVUS), com os limites de 95% de concordância sendo calculados para avaliar as medidas de concordância. Um valor p < 0,05 foi considerado significativo para todas as comparações.

Resultados

Este estudo analisou imagens de 21 pacientes, com um total de 70 vasos (3,3 artérias por paciente), resultando em um comprimento final total de 114,6 ± 38.3 mm por paciente (entre 39.5 - 181.0 mm por paciente) (Tabela 1). Todos os pacientes apresentaram doença arterial coronariana com indicação para intervenção coronária percutânea. A maioria dos pacientes era do sexo masculino (71%) e com alta prevalência de diabetes mellitus (48%) e hipertensão (71%) (Tabela 1). A média de idade dos pacientes foi de 56 anos.

Tabela 1 Características dos pacientes (n=21) 

Idade, anos 56,6 ± 9,5
Sexo masculino 71,4
Peso, kg 69,2 ± 9,9
Altura, cm 161,2 ± 7,3
Diabetes 47,6
Hipertensão 71,4
Infarto do miocárdio prévio 38,1
Doença Arterial 38,1
Doença coronariana estável 52,3
Comprimento total de artérias analisado, mm 114,6 ± 38,3
Imagens de artérias (n = 70)  
    Tronco da coronária esquerda 24,3
    Descendente anterior 25,7
    Ramo diagonal 1,4
    Circunflexa esquerda 22,9
    Marginal Obtusa 1,4
    Coronária direita 24,3

Valores estão representados como média ± desvio padrão ou porcentagem

Todas as tomografias mostraram boa qualidade diagnóstica e foram analisados todos os segmentos de vasos > 2 mm (ou seja, 100% dos segmentos obtidos). Um total de 72 placas foram identificadas por USIV (carga de placas > 40%). O restante dos 95 segmentos coronários mostraram ausência de placas ou doença aterosclerótica leve (carga de placas < 40%).

A TCMD e a USIV se mostraram métodos com boa correlação quanto às medidas de área luminar média e área luminar mínima, em diferentes níveis de análise: nível do paciente e nível do vaso (coeficiente de correlação‑ paciente: 0,75 e 0,78; vaso 0,91 e 0,93, p-valor < 0.01 para todas as comparações) (Tabela 2). Uma correlação moderada entre a TCMD e as USIV foi encontrada para o diâmetro luminar mínimo, em nível de paciente (coeficiente de correlação: 0,64, p = 0,002- Tabela 2) e correlação semelhante foi encontrada para segmentos com carga de placas < ou > 40%, em nível de segmentos (Tabela 2). Entretanto, a diferença absoluta média foi maior quando os segmentos coronários não apresentavam placas ateroscleróticas (Tabela 2 e Figura 3). Destacamos uma tendência da TCMD em subestimar a área da luz com um ampla dispersão das diferenças, em todos os níveis de análise (Tabela 2 e Figura 2). Os coeficientes de correlação para medidas repetidas dos traçados da luz foram de 0,90 e 0,91 para USIV e TCMD, respectivamente.

Tabela 2 Parâmetros quantitativos da luz coronária obtidos por USIV e TCMD, analisados por paciente, artéria e segmento 

  USIV TCMD Diferença Coeficiente de correlação Valor de p
Nível do paciente (n = 21)          
Área luminar média, mm2 8,6 ± 2,1 7,8 ± 2,3 -0,7 ± 1,6 0,75 < 0,001
Área luminar mínima, mm2 3,3 ± 1,3 1,8 ± 1,9 -1,5 ± 1,2 0,78 < 0,001
Diâmetro luminar mínimo, mm 1,8 ± 0,3 1,0 ± 0,6 -0,8 ± 0,5 0,64 0,002
Nível do vaso (n = 70)          
Área luminar média, mm2 10,1 ± 5,3 9,1 ± 4,8 -1,0 ± 2,2 0,91 < 0,001
Área luminar mínima, mm2 6,9 ± 5,3 5,3 ± 4,9 -1,5 ± 1,9 0,93 < 0,001
Diâmetro luminar mínimo, mm 2,5 ± 0,9 1,9 ± 1,0 -0,6 ± 0,5 0,87 < 0,001
Nível de segmento (n = 167)          
Segmentos com USIV-CP ≤ 40% (n = 95)          
Área luminar média, mm2 10,2 ± 5,2 9,1 ± 4,5 -1,1 ± 2,3 0,89 < 0,001
Área luminar mínima, mm2 8,1 ± 4,6 6,8 ± 4,1 -1,4 ± 2,3 0,87 < 0,001
Diâmetro luminar mínimo, mm 2,8 ± 0,8 2,4 ± 0,8 -0,5 ± 0,5 0,78 < 0,001
Segmentos com USIV-CP > 40% (n = 72)          
Área luminar média, mm2 7,1 ± 2,9 7,0 ± 3,3 -0,1 ± 1,8 0,84 < 0,001
Área luminar mínima, mm2 5,1 ± 2,8 4,3 ± 3,3 -0,9 ± 1,9 0,82 < 0,001
Diâmetro luminar mínimo, mm 2,2 ± 0,5 1,7 ± 0,8 -0,5 ± 0,5 0,76 < 0,001

Valores representam a média ± desvio padrão

USIV: ultrassonografia intravascular; TCMD: tomografia computadoriza multidetector ; CP: carga de placas

Figura 2 Gráficos de Bland-Altman para medidas de TCMD e USIV no nível de paciente e vaso. Área luminar média (A), área luminar mínima (B), diâmetro luminar mínimo (C) por paciente (esquerda) e vaso (direita). As linhas contínuas representam a diferença média entre as medidas e as linhas tracejadas representam o intervalo de confiança de 95% para as diferenças entre as medidas. 

Figura 3 Gráficos de Bland-Altman para medidas de TCMD e USIV no nível de segmento. Área luminar média (A), área luminar mínima (B), diâmetro luminar mínimo (C) para segmentos sem placas significantes (carga de placas pela USIV < 40%- esquerda) e para segmentos com placas ateroscleróticas (carga de placas pela USIV > 40%- direita). As linhas contínuas representam a diferença média entre as medidas e as linhas tracejadas representam o intervalo de confiança de 95% para as diferenças entre as medidas. 

A Tabela 3 mostra a performance diagnóstica da TCMD na detecção de áreas da luz < 4.0 mm2 e diâmetro da luz < 1.8 mm (quando medidos por USIV). Estes valores limite foram previamente identificados como marcadores de lesões coronárias restritivas de fluxo3. Interessantemente, a precisão de detecção dos valores limites não foi significantemente afetada pela presença ou ausência de placas ateroscleróticas (Tabela 3).

Tabela 3 Sensibilidade, especificidade, valor preditivo negativo, valor preditivo positivo e precisão preditiva global* da TCMD na detecção da área luminar < 4.0 mm2 e do diâmetro luminar < 1.8 mm (valores determinados pela USIV

  Área Luminar < 4.0 mm2 Diâmetro luminar < 1.8 mm
Análise por paciente (n = 21)    
Prevalência 86% 67%
Sensibilidade 100% 100%
Especificidade 33% 29%
Valor preditivo negativo 100% 100%
Valor preditivo positivo 90% 73%
Precisão preditiva global 0.82 0.74
Análise por vaso (n = 70)    
Prevalência 44% 24%
Sensibilidade 90% 94%
Especificidade 69% 27%
Valor preditivo negativo 70% 97%
Valor preditivo positivo 70% 41%
Precisão preditiva global 0.90 0.90
Análise por segmento (n = 167)    
Segmentos com USIV-CP ≤ 40% (n = 95)    
Prevalência 14% 6%
Sensibilidade 93% 100%
Especificidade 83% 77%
Valor preditivo negativo 99% 100%
Valor preditivo positivo 48% 22%
Precisão preditiva global 0.92 0.89
Segmentos com USIV-CP > 40% (n = 72)    
Prevalência 49% 21%
Sensibilidade 83% 93%
Especificidade 69% 49%
Valor preditivo negativo 81% 97%
Valor preditivo positivo 73% 33%
Precisão preditiva global 0.87 0.89

USIV: ultrassonografia intravascular; TCMD: tomografia computadoriza multidetector; CP: carga de placas

*Precisão preditiva global foi calculada como a área sob a curva de características de operação do receptor (C-index)

Parâmetros da USIV previamente associados com lesões limitantes de fluxo.(3)

Discussão

A principal função clínica da TCMD tem sido a avaliação de obstruções da luz coronária. Este estudo mostra uma excelente correlação entre a TCMD e a USIV na análise da luz coronária, incluindo boa capacidade diagnóstica da TCMD em quantificar as dimensões da luz coronária, independente da presença ou ausência de placas ateroscleróticas adjacentes.

Apesar da correlação significativa às medidas da USIV, identificamos uma tendência da TCMD em subestimar a área da luz e o diâmetro luminar mínimo, com uma margem de erro relativamente ampla. Em um estudo anterior, Cademartiri et al. mostraram que a atenuação radiológica da luz arterial afeta significativamente a medida da placa aterosclerótica12. Foi mostrado que quanto maior a atenuação luminar, maior a atenuação da placa. No entanto, a atenuação de cálcio e de gordura local não foram afetadas significantemente. A partir destes achados temos que uma ferramenta semi-automática, baseada na atenuação da luz arterial, para traçar as bordas da luz e das placas coronárias, poderia subestimar a área da luz de segmentos contendo placas e reduzir a especificidade da ATC em identificar segmentos com doença leve. No entanto, a TCMD mostrou uma boa precisão na detecção de áreas da luz < 4.0 mm2 e diâmetros luminar mínimos < 1.8 mm (baseados em USIV), parâmetros previamente demonstrados como marcadores de lesões coronárias limitantes de fluxo3. A TCMD mostrou excelente sensibilidade e valor preditivo negativo na identificação de pacientes ou vasos com as características descritas acima, às custas de baixa especificidade e valor preditivo positivo. Estes achados acentuam o papel principal da TCMD na triagem e exclusão, e não na identificação, de obstruções da luz coronária.

Nossos resultados foram obtidos a partir a avaliação de toda extensão arterial por TCMD. Nenhuma informação prévia a respeito do paciente ou indicação para focar em determinados segmentos foi fornecida ao técnico de imagens. É importante ressaltar que tal abordagem analítica segue o modo pelo qual a TCMD é interpretada na prática clínica. O fato de que o desempenho diagnóstico da TCMD na avaliação da luz arterial foi semelhante ao da USIV, independente da presença de placas ateroscleróticas, assegura o valor da TCMD como ferramenta clínica.

É importante notar que a avaliação de segmentos com doença coronária leve tem relevância clínica, visto seu potencial impacto sobre a progressão da doença e a ocorrência de eventos coronários agudos, bem como, devido a importância de se analisar segmentos além do ponto de maior estenose, quando se planeja uma estratégia terapêutica invasiva.

Limitações

Destacamos que o presente estudo trata-se de uma análise metodológica, com limitadas implicações imediatas para a prática clínica. A principal limitação deste deve-se ao reduzido tamanho da amostra de pacientes utilizado na análise. A população de pacientes analisada apresentou um perfil de alto-risco, limitando o poder de extrapolação dos resultados para outras situações clínicas. A exclusão de pacientes com escore de cálcio coronariano >600 pode ter superestimado a correlação entre USIV e ATC nas medidas de área da luz coronária. Um estudo anterior mostrou que a presença de calcificação estava independentemente correlacionada a imprecisão da ATC coronária em avaliar a área da luz coronária13. Várias medições foram realizadas em cada paciente, podendo assim afetar a independência dos dados. No entanto, tal limitação é uma desvantagem potencialmente encontrada em qualquer estudo com o objetivo de avaliar doença aterosclerótica coronariana por imagem.

Conclusão

Este estudo mostrou uma boa correlação entre os métodos de TCMD e de USIV na avaliação da luz arterial coronária. Tal correlação mostrou-se verdadeira tanto em segmentos com placas significantes quanto em segmentos sadios. Nossos dados sugerem que a TCMD pode ser utilizada na clínica para se definir a anatomia de artérias coronárias em pacientes com doença coronariana, melhorando assim a classificação do risco clínico e facilitando o cuidado clínico efetivo.

Fontes de financiamento: Pedro A. Lemos possui financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), São Paulo, Brasil e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil. João L. A. Falcão possui uma bolsa de Doutorado da FAPESP.

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