versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.111 no.6 São Paulo dez. 2018 Epub 21-Set-2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180167
Remodelamento cardíaco é uma resposta específica ao tempo e modalidade de treinamento. Nós hipotetizamos que atletas de treinamento de força de alta intensidade, por longo tempo, mostram dano à estrutura cardíaca e/ou vascular.
Comparar as características cardíacas (estrutura e funcionalidade) e função vascular (dilatação fluxo-mediada, FMD e resistência vascular periférica, PVR) em powerlifters e corredores.
Nós avaliamos 40 atletas de alto-desempenho (powerlifters [PG], n = 16; corredores [RG], n = 24). Mensuramos estrutura e funcionalidade cardíaca (ecocardiografia), pressão arterial (SBP/DBP), FMD, PVR, força máxima (agachamento, supino e levantamento terra) e consumo máximo de oxigênio (ergoespirometria). Foi utilizado teste T de Student e correlação linear de Pearson (p < 0,05).
PG mostrou maior SBP/DBP (p < 0,001), espessura de septo interventricular (p < 0,001), parede posterior (p < 0,001) e massa do VE (p < 0,001); após ajuste pela superfície corporal (BSA), não houve diferença na massa do VE. O volume do VE, onda E, onda e’, e a razão E/e’ foram similares entre os grupos. O volume do AE (p = 0,016), mesmo ajustado pela BSA (p < 0,001) foi menor no PG. A função sistólica (volume sistólico final e fração de ejeção) e FMD foram similares nos grupos. Contudo, foi observada maior PVR no PG (p = 0,014). Houve uma correlação direta entre as alterações cardíacas e a carga total levantada no PG.
As adaptações cardiovasculares são dependentes da modalidade e os valores encontrados na estrutura do coração não são acompanhados por prejuízo na funcionalidade. Entretanto, um leve aumento na pressão arterial pode estar associado com maior PVR e não com a função endotelial.
Palavras-chave: Hipertrofia Ventricular; Exercício; Técnicas de Exercício e Movimento Pressão Arterial; Treinamento de Resistência; Corrida/fisiologia
Cardiac remodeling is a specific response to exercise training and time exposure. We hypothesized that athletes engaging for long periods in high-intensity strength training show heart and/or vascular damage.
To compare cardiac characteristics (structure and function) and vascular function (flow-mediated dilation [FMD] and peripheral vascular resistance [PVR]) in powerlifters and long-distance runners.
We evaluated 40 high-performance athletes (powerlifters [PG], n = 16; runners [RG], n = 24) and assessed heart structure and function (echocardiography), systolic and diastolic blood pressure (SBP/DBP), FMD, PVR, maximum force (squat, bench press, and deadlift), and maximal oxygen uptake (spirometry). A Student’s t Test for independent samples and Pearson’s linear correlation were used (p < 0.05).
PG showed higher SBP/DBP (p < 0.001); greater interventricular septum thickness (p < 0.001), posterior wall thickness (p < 0.001) and LV mass (p < 0.001). After adjusting LV mass by body surface area (BSA), no difference was observed. As for diastolic function, LV diastolic volume, wave E, wave e’, and E/e’ ratio were similar for both groups. However, LA volume (p = 0.016) and BSA-adjusted LA volume were lower in PG (p < 0.001). Systolic function (end-systolic volume and ejection fraction), and FMD were similar in both groups. However, higher PVR in PG was observed (p = 0.014). We found a correlation between the main cardiovascular changes and total weight lifted in PG.
Cardiovascular adaptations are dependent on training modality and the borderline structural cardiac changes are not accompanied by impaired function in powerlifters. However, a mild increase in blood pressure seems to be related to PVR rather than endothelial function.
Keywords: Hypertrohy,Ventricular; Exercise; Exercise MovementTechniques; Blood Pressure; Resistance Training; Running/physiology
O treinamento físico induz adaptações cardiovasculares secundárias a alterações na pressão arterial, assim como outras alterações hemodinâmicas e metabólicas em resposta ao esforço físico. Tais mudanças adaptivas podem induzir o ventrículo esquerdo (VE) a hipertrofia a longo prazo.1 Alguns autores defendem que mudanças fisiológicas e anatômicas limítrofes ocorrem como parte de um processo adaptivo de treinamento de alto-desempenho e tem motivado o debate quando a suas implicações.2 Eles defendem que a sobrecarga de volume geralmente aumenta a capacidade de bombeamento do VE, produzindo hipertrofia excêntrica enquanto, em contraste, a sobrecarga de pressão reduz o tamanho da cavidade ventricular, produzindo hipertrofia concêntrica. Sobretudo, a resistência vascular periférica (PVR) é um fator importante da sobrecarga cardíaca, ao modular especificamente a pós-carga do VE. Além disso, o endotélio é fundamental para a vasodilatação por produzir óxido nítrico (NO), que é vasodilatador e tem um efeito direto sobre a PVR. Assim, é importante destacar que após o exercício há um estímulo na produção de NO e fosforilação de eNOS, que contribui diretamente para a redução de PVR.3,4
Exercícios aeróbicos aumentam o estresse de cisalhamento, o que conduz a uma liberação aumentada e síntese de NO e vasodilatação aumentada.5 A sobrecarga de pressão do VE é reduzida ao longo do tempo.6 Entretanto, treinamentos de resistência de alta intensidade como levantamento de peso e powerlifting envolvem um número de contrações de velocidade muito baixa que produzem compressão mecânica transitória de vasos de resistência, aumentando a PVR e a sobrecarga de pressão do VE durante o exercício.7 Foi postulado que aumento crônico na pós-carga induz a adição paralela de novos sarcômeros no miocárdio, conduzindo à hipertrofia ventricular concêntrica.8 Ainda assim, este modo de hipertrofia ventricular não foi demonstrado em atletas de treinamento de força,9 sendo, assim, uma descoberta inconsistente.
Dado o corpo de prova limitado que oferece suporte a essas adaptações cardiovasculares, bem como àquelas relativas à função endotelial e à PVR em atletas de força, o objetivo deste estudo foi o de comparar as mudanças cardíacas estruturais e funcionais em powerlifters e corredores de longa distância. Em segundo lugar, comparamos a vasodilatação dependente do endotélio e a PVR nesses atletas. Nossa hipótese é a de que atletas empenhados em treinamento de força de alta-intensidade por longos períodos de tempo apresentam mudanças na estrutura cardíaca associada a uma redução na função cardíaca, quando comparados a corredores de longa distância. Além disso, exposição de longo prazo a treinamento de força de alta-intensidade pode levar a redução da função endotelial causada por sobrecarga de pressão.
A amostra conveniente para o estudo compreendeu 40 indivíduos, do sexo masculino, com idades entre 18 e 40 anos de idade. Selecionamos atletas de powerlifting (grupo dos powerlifters [PG], n = 16) e de corrida de longa-distância (acima de 10 km) (grupo dos corredores [RG], n = 24). Os atletas eram elegíveis se estivessem competindo por, pelo menos, 3 anos. Indivíduos com qualquer problema médico nos 6 meses precedentes; os que não competiram nos 6 meses precedentes; os que utilizaram substâncias ilícitas (doping) nos 12 meses anteriores; ou os que se recusaram a assinar um termo de consentimento foram excluídos.
A amostra do estudo foi recrutada através de um convite aberto feito em locais de treino (academias e centros esportivos) e selecionada após a aplicação do critério de inclusão. Os participantes foram avaliados conforme a seguir: na primeira visita, foram submetidos a avaliação de pressão arterial, avaliação de ecocardiograma, dilatação mediada por fluxo da artéria braquial, avaliações de resistência vascular periférica. Além disso, responderam a um questionário abrangente com perguntas sobre o treinamento, incluindo tempo de experiência com treinamento; linha do tempo de desempenho; quaisquer prêmios; rotina atual de treinamento (volume, intensidade e duração das sessões de treino semanais, frequência de participação em competições, tempos de repouso, etc.) entre outras. No dia seguinte, foram submetidos a um teste de carga máxima; e, na última visita (48 horas depois), foram submetidos a um teste de consumo máximo de oxigênio. Todas as avaliações foram realizadas dentro do mesmo período de tempo (entre 8 e 11 da manhã).
As medições de pressão arterial foram feitas utilizando um monitor semi-automático de pressão cardíaca (OMROM 705CP), com o participante sentado com ambos os pés no chão, após um repouso de 10 minutos o manguito foi colocado e ajustado à circunferência do braço. Em uma sala absolutamente sossegada, as medições de pressão arterial foram realizadas em duplicata, e o valor mais alto dentre essas leituras foi utilizado no estudo.
Os exames ecocardiográficos transtorácicos foram realizados por um especialista em ecocardiografia (G.B.G.). Foi utilizado um aparelho de ultrassom (EnVisor CHD, Philips, Bothell, WA, USA) equipado com uma sonda transdutora de setor (2-4 MHz) para obter imagens longitudinais, transversais, bi-dimensionais de 2 e 4 câmaras e de módulo M. Técnicas de onda contínua, onda pulsada e Doppler em cores foram usadas para examinar tecidos e paredes ventriculares. Todas as imagens foram armazenadas e enviadas a um segundo especialista em ecocardiografia (D.P.K.) para uma avaliação cega das imagens. A área da superfície corporal (BSA) foi calculada usando o método Du Bois.10
Utilizamos um aparelho de ultrassom Doppler bi-dimensional de alta-resolução (EnVisor CHD, Philips, Bothell, WA, USA) equipado com sonda transdutora vascular linear de alta frequência (7-12 MHz) e software de monitoramento e imagem ecocardiográfica. Foram feitas medições mediadas por fluxo (FMD) com os participantes em posição supina, e um manguito de pressão de ajuste adequado foi disposto no braço 5 cm acima da fossa cubital.11 Foram avaliados os diâmetros longitudinais da linha de base da artéria braquial. Após isso, o manguito oclusão foi inflado até 50 mmHg acima da pressão arterial sistólica (SBP) por cinco minutos e, em seguida, desinflado. Os diâmetros da artéria braquial foram medidos por 60 segundos, após a deflação do manguito. Todas as análises foram realizadas offline e as medições braquiais foram realizadas ao fim da diástole (no pico da onda-R no eletrocardiograma). As respostas de medições mediadas por fluxo (FMD) foram expressas como percentual de mudança do diâmetro da linha de base da artéria braquial.
A resistência vascular periférica (PVR) foi calculada a partir da pressão arterial média (MBP) e do fluxo arterial da linha de base obtidos no teste FMD (PVR = MBP/fluxo arterial da linha de base em mmHg/cm.s-1).
A carga máxima foi avaliada no teste máximo de uma repetição (1-RM) para os exercícios de agachamento, supino e levantamento terra, que são especificamente feitos em competições, e através da soma total desses três exercícios (carga total). Os corredores de longa distância compareceram a uma sessão de familiarização dentro das 48 horas do teste, quando foi apresentada a ordem de exercícios de força e desempenho adequado. Para o 1-RM, os participantes realizaram o número máximo de repetições com a carga proposta, até um máximo de 10 repetições. As cargas do exercício foram aumentadas de acordo com Lombardi (1989) até ao ponto em que os participantes pudessem realizar apenas uma repetição com um máximo de 3 tentativas para atingir a carga máxima.
O consumo máximo de oxigênio (VO2 de pico ou VO2máx.) foi avaliado através do teste de exercício cardiopulmonar em esteira, com coleção dos gases da respiração (modelo VO2000, Inbramed, Porto Alegre, Brasil). Os powerlifters compareceram a uma sessão de familiarização dentro das 48 horas do teste, quando foram apresentados os procedimentos do teste (protocolo Bruce e colocação de máscara para coleção de gases). O maior valor, de VO2 de pico ou VO2máx., foi registrado ao término do teste como VO2máx.
Realizamos o teste Shapiro-Wilk para testar a normalidade dos dados e a homogeneidade da variação foi testada através do teste de Levene. Todos os resultados estão descritos como média ± SD e intervalo de confiança. Realizamos o teste T de Student para amostras independentes para verificar diferenças entre grupos, e calculamos os coeficientes de correlação linear de Pearson (α = 0,05 para todos os testes). Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando o SPSS Statistics (versão 21 para Windows).
Os participantes tinham idade e peso semelhantes (Tabela 1). Entretanto, todas as medidas antropométricas para o PG eram maiores, quando comparadas às do RG de longa distância. Por sua vez, a Tabela 2 mostra as cargas para os exercícios de agachamento, supino e levantamento terra e a carga total (a soma total desses três exercícios). Para todos os tipos de exercícios as cargas de peso foram maiores no PG do que no RG, conforme esperado. A carga total foi ~133% maior no PG do que no RG. As diferenças permaneceram inalteradas quando as cargas foram ajustadas à massa corpórea.
Tabela 1 Características gerais dos participantes do estudo
PG (n = 16) Média ± SD (95% CI) |
RG (n = 24) Média ± SD (95% CI) |
valor-p | |
---|---|---|---|
Idade (anos) | 29,9 ± 4,4 (27,5–32,2) Mín. 20 e Máx. 36 |
28,7 ± 5,7 (26,3–31,1) Mín. 18 e Máx. 40 |
0,490 |
Massa corporal (kg) | 99,2 ± 21,5 (87,6–110,7) Mín. 75 e Máx. 135 |
71,7 ± 9,2 (67,7–75,6) Mín. 58 e Máx. 84 |
< 0,001 |
Altura (cm) | 176 ± 0,8 (172–181) Mín. 164 e Máx. 195 |
175 ± 0,8 (172–179) Mín. 161 e Máx. 193 |
0,736 |
Circunferência do peito (cm) | 113,2 ± 13,4 (106–120,4) Mín. 94.5 e Máx. 144 |
86,9 ± 8,6 (83,2–90,5) Mín. 61 e Máx. 100 |
< 0,001 |
Circunferência da cintura (cm) | 95,1 ± 12,9 (88,2–102) Mín. 78 e Máx. 117 |
78,6 ± 5,7 (76,2–81,1) Mín. 69 e Máx. 92 |
< 0,001 |
Duração do treinamento (anos) | 5,12 ± 2,0 (4,0–6,2) Mín. 3 e Máx. 10 |
7,8 ± 2,6 (6,7–8,9) Mín. 3 e Máx. 10 |
0,001 |
Duração semanal do treinamento (dias) | 3,9 ± 1,0 (3,3–4,4) Mín. 3 e Máx. 5 |
5,4 ± 1,0 (4,9–5,8) Mín. 3 e Máx. 7 |
< 0,001 |
Duração diária do treinamento (min/dia) | 69,3 ± 14,4 (61,7–77,0) Mín. 60 e Máx. 90 |
98,7 ± 28,6 (86,6–110,8) Mín. 60 e Máx. 120 |
0,001 |
PG: grupo dos powerlifters; RG: grupo dos corredores de longa-distância. O número semanal de sessões de treinamento e o tempo médio por sessão correspondem à duração media nos últimos 3 meses. As diferenças entre as médias foram avaliadas usando o teste t de Student para amostras independentes.
Tabela 2 Resultados do teste de carga máxima em valores absolutos e ajustados à massa corporal
PG (n = 16) Média ± SD (95% CI) |
RG (n = 24) Média ± SD (95% CI) |
valor-p | ||
---|---|---|---|---|
Agachamento (kg) | 212,2 ± 46,4 (187,4–236,9) Mín. 140 e Máx. 302 |
98,9 ± 27,1 (87,4–110,6) Mín. 56 e Máx. 160 |
< 0,001 | |
Agachamento/massa corporal | 2,16 ± 0,27 (2,01–2,30) Mín. 1,6 e Máx. 2,6 |
1,37 ± 0,30 (1,24–1,50) Mín. 1,0 e Máx. 2,3 |
< 0,001 | |
Supino (kg) | 145,5 ± 32,9 (127,9–163,1) Mín. 110 e Máx. 220 |
59,0 ± 16,5 (52,0–66,0) Mín. 40 e Máx. 94 |
< 0,001 | |
Supino/massa corporal | 1,49 ± 0,26 (1,35–1,62) Mín. 1,1 e Máx. 2,1 |
0,81 ± 0,17 (0,74–0,89) Mín. 0,6 e Máx. 1,2 |
< 0,001 | |
Levantamento terra (kg) | 239,0 ± 66,5 (203,6–274,5) Mín. 150 e Máx. 370 |
102,4 ± 27,8 (90,6–114,2) Mín. 53 e Máx. 140 |
< 0,001 | |
Levantamento terra/massa corporal | 2,43 ± 0,49 (2,16–2,69) Mín. 1,5 e Máx. 3,1 |
1,45 ± 0,41 (1,28–1,63) Mín. 0,6 e Máx. 2,0 |
< 0,001 | |
Carga total (kg) | 596,8 ± 137,4 (532,6–670,1) Mín. 413 e Máx. 890 |
260,4 ± 43,8 (241,9–278,9) Mín. 191 e Máx. 341 |
< 0,001 | |
Carga total/massa corporal | 6,07 ± 0,89 (5,59–6,55) Mín. 4,4 e Máx. 7,4 |
3,64 ± 0,48 (3,44–3,85) Mín. 2,6 e Máx. 4,6 |
< 0,001 |
PG: grupo dos powerlifters; RG: grupo dos corredores de longa-distância. Diferenças entre as médias foram avaliadas usando o teste t de Student para amostras independentes.
A Tabela 3 mostra os parâmetros hemodinâmicos e cardiopulmonares. Os powerlifters tiveram uma pressão sistólica de repouso SBP (~10%) e pressão diastólica de repouso DBP (~12%) mais altas; as diferenças absolutas entre os dois grupos foram de 13,6 mmHg e 10,1 mmHg, respectivamente. A frequência cardíaca em repouso foi maior no PG quando comparada ao RG (~19%, Δ15,7 bpm). A VO2máx. foi muito maior no RG que no PG (~65%): o valor mais alto de VO2max entre os powerlifters foi mais baixo do que o menor valor de VO2max entre os corredores.
Tabela 3 Parâmetros hemodinâmicos e cardiopulmonares
PG (n = 16) Média ± SD (95% CI) |
RG (n = 24) Média ± SD (95% CI) |
valor-p | |
---|---|---|---|
SBP em repouso (mmHg) | 130,0 ± 8,2 (124,5–134,0) Mín. 120 e Máx. 140 |
116,4 ± 8,6 (112,8–120,1) Mín. 110 e Máx. 140 |
< 0,001 |
DBP em repouso (mmHg) | 82,1 ± 6,9 (78,1–68,1) Mín. 70 e Máx. 95 |
72,0 ± 6,5 (69,3–74,8) Mín. 60 e Máx. 80 |
< 0,001 |
Frequência cardíaca em repouso (bpm) | 80,4 ± 7,5 (76,0–84,8) Mín. 69 e Máx. 94 |
64,7 ± 10,3 (60,3–69,1) Mín. 45 e Máx. 90 |
< 0,001 |
Frequência cardíaca máxima (bpm) | 180,2 ± 13,7‡ (173,2–188,2) Mín. 158 e Máx. 209 |
184,3 ± 14,7‡ (178,1–190,5) Mín. 167 e Máx. 224 |
0,403 |
VO2 máx (mL.kg-1.min-1) | 33,9 ± 7,5 (29,6–38,9) Mín. 24 e Máx. 43 |
56,0 ± 7,3 (52,7–62,1) Mín. 45 e Máx. 74 |
< 0,001 |
VCO2 máx (mL.kg-1.min-1) | 36,6 ± 9,3 (31,2–42,0) Mín. 24 e Máx. 57 |
58,0 ± 7,5 (55,2–61,6) Mín. 45 e Máx. 87 |
0,028 |
Ventilação pulmonar (L.min-1) | 103,5 ± 17,6 (93,3–113,7) Mín. 76 e Máx. 136 |
112,4 ± 14,9 (106,1–118,7) Mín. 85 e Máx. 157 |
0,106 |
SBP: pressão arterial sistólica; DBP: pressão arterial diastólica; PG: grupo dos powerlifters; RG: grupo dos corredores de longa-distância; VO2: consumo de oxigênio; VCO2: produção de dióxido de carbono. As diferenças entre as médias foram avaliadas pelo teste t de Student para amostras independentes.
‡p < 0,05 versus o valor da linha de base dentro do mesmo grupo.
A Tabela 4 mostra os resultados ecocardiográficos. No tocante às adaptações cardiovasculares, o diâmetro da aorta, o diâmetro do átrio esquerdo (AE), o diâmetro do ventrículo direito, o diâmetro sistólico do VE e o diâmetro diastólico do VE foram semelhantes em ambos os grupos. Entretanto, o PG mostrou maior espessura do septo interventricular (Δ2,4 mm) e maior espessura da parede posterior (Δ1,2 mm). Eles também mostraram uma maior massa de VE (Δ46,5 g), mas essa diferença desaparecia após se ajustar a BSA. Quanto à função diastólica, o volume diastólico do VE, a onda E transmitral, a onda e', e a razão E/e' foram semelhantes em ambos os grupos. Entretanto, foram encontrados um volume do AE (~22%) e um volume do AE ajustado à BSA (~40%) no PG, quando comparados ao RG, mas estavam todos dentro das variações normais. Apesar de o PG mostrar algum grau de remodelamento anatômico e parâmetros de função diastólica diferentes, comparados ao RG, a função sistólica refletida no volume sistólico do VE, a fração de ejeção e a fração de ejeção calculada pela regra de Simpson foram semelhantes em ambos os grupos. Dentre os 40 participantes, 9 (22,5%) apresentaram hipertrofia ventricular fisiológica em resposta ao exercício; 10 (todos powerlifters) apresentaram espessura do septo interventricular maior que 11 mm. Dos 27 participantes com massa de VE maior que 225 g e massa de VE ajustada pela BSA maior que 115 g/m2, 13 (82%) eram do PG e 14 (63%) eram do RG.
Tabela 4 Parâmetros ecocardiográficos
PG (n = 16) Média ± SD (95% CI) |
RG (n = 24) Média ± SD (95% CI) |
valor-p | |
---|---|---|---|
Estruturas anatômicas | |||
Diâmetro da Aorta (mm) | 31,3 ± 3 (29,7–32,9) Mín. 25 e Máx. 36 |
32,0 ± 2,7 (30,8–33,2) Mín. 29 e Máx. 38 |
0,410 |
Diâmetro do LA (mm) | 36,0 ± 2,5 (34,6–37,3) Mín. 30 e Máx. 39 |
35,6 ± 2 (34,7–36,5) Mín. 32 e Máx. 39 |
0,632 |
Diâmetro do RV (mm) | 20,3 ± 1,2 (19,6–20,9) Mín. 18 e Máx. 22 |
20,5 ± 2 (19,6–21,4) Mín. 16 e Máx. 25 |
0,689 |
Diâmetro sistólico final do LV(mm) | 30,7 ± 3,9 (28,6–32,8) Mín. 23 e Máx. 37 |
30,2 ± 2,9 (28,9–31,5) Mín. 25 e Máx. 36 |
0,671 |
Diâmetro diastólico final do LV (mm) | 53,4 ± 3,3 (51,5–55,3) Mín. 45 e Máx. 60 |
53,7 ± 3,3 (52,2–55,2) Mín. 45 e Máx. 57 |
0,770 |
Espessura do septo interventricular (mm) | 12,0 ± 1,0 (10,6–12,3) Mín. 10 e Máx. 14 |
9,6 ± 0,4 (9,4–9,9) Mín. 9 e Máx. 10 |
< 0,001 |
Espessura da parede ventricular posterior (mm) | 10,4 ± 0,9 (9,9–10,9) Mín. 9 e Máx. 12 |
9,1 ± 0,5 (8,9–9,4) Mín. 8 e Máx. 10 |
< 0,001 |
Massa do LV (g) | 282,2 ± 73,4 (243–321,4) Mín. 150 e Máx. 406 |
235,7 ± 26,0 (224,2–247,3) Mín. 179 e Máx. 276 |
< 0,001 |
Massa do LV/BSA (g/m2) | 135,6 ± 24,9 (136,1–133,6) Mín. 90 e Máx. 173 |
127,8 ± 16,9 (120,3–135,4) Mín. 104 e Máx. 166 |
0,262 |
Função diastólica | |||
Volume diastólico final (mL) | 145,0 ± 18,9 (134,9–155,1) Mín. 92 e Máx. 173 |
138,1 ± 17,2 (130,5–145,8) Mín. 92 e Máx. 160 |
0,251 |
Velocidade da onda-E transmitral | 0,83 ± 0,15 (0,75–0,90) Mín. 0,6 e Máx. 1,1 |
0,91 ± 0,15 (0,84–0,97) Mín. 0,6 e Máx. 1,3 |
0,124 |
Onda e’ | 0,15 ± 0,03 (0,13–0,17) Mín. 0,1 e Máx. 0,2 |
0,17 ± 0,34 (0,15–0,19) Mín. 0,1 e Máx. 0,2 |
0,062 |
Razão E/e’ | 5,69 ± 1,05 (5,12–6,24) Mín. 4,1 e Máx. 8,0 |
5,56 ± 1,76 (4,78–6,34) Mín. 3,0 e Máx. 11,8 |
0,808 |
Velocidade da onda-A transmitral | 0,35 ± 0,03 (0,33–0,37) Mín. 0,3 e Máx. 0,4 |
0,38 ± 0,04 (0,36–0,40) Mín. 0,3 e Máx. 0,5 |
0,047 |
Volume do LA (mL) | 35,7 ± 8,5 (31,2–40,2) Mín. 22 e Máx. 53 |
43,6 ± 10,2 (39,1–48,2) Mín. 32 e Máx. 76 |
0,016 |
Volume do LA/BSA (mL/m2) | 16,7 ± 4,1 (14,5–18,8) Mín. 11 e Máx. 27 |
23,4 ± 4,6 (21,4–25,5) Mín. 16 e Máx. 37 |
< 0,001 |
Função sistólica | |||
Volume sistólico final (mL) | 38,0 ± 11,2 (31,9–44) Mín. 18 e Máx. 58 |
34,8 ± 9,3 (30,6–38,9) Mín. 22 e Máx. 54 |
0,348 |
Fração de ejeção (%) | 73,0 ± 4,5 (70,5–75,4) Mín. 67 e Máx. 80 |
74,3 ± 4,6 (72,3–76,3) Mín. 65 e Máx. 86 |
0,383 |
Fração de ejeção pela regra de Simpson (%) | 71,6 ± 4,8 (69,1–74,2) Mín. 62 e Máx. 79 |
72,7 ± 5,9 (70,1–75,4) Mín. 61 e Máx. 81 |
0,568 |
PG: grupo dos powerlifters; RG: grupo dos corredores de longa-distância; LA: átrio esquerdo; RV: ventrículo direito; LV: ventrículo esquerdo; BSA: superfície corporal. As diferenças entre as médias foram avaliadas usando o teste t de Student para amostras independentes.
A Figura 1 mostra percentuais de dilatação fluxo-mediada (FMD %) e medidas de resistência vascular periférica (PVR). Interessantemente, os valores de FMD foram semelhantes em ambos os grupos ([PG] 14,7±2,3 contra [RG] 15,9 ± 2,5%). Entretanto, o PG teve valores de PVR maiores, quando comparados aos de RG ([PG] 12,6±5,3 contra [RG] 8.2 ± 3,8 mmHg/cm.s-1, Δ35%)
Figura 1 Medidas de dilatação fluxo-mediada e resistência vascular periférica. PG: grupo dos powerlifters, RG: grupo dos corredores de longa-distância. As diferenças foram avaliadas por teste t de Student para amostras independentes
As correlações entre parâmetros de treinamento e variáveis ecocardiográficas e cardiopulmonares no PG são mostrados na Tabela 5. Houve uma correlação direta entre espessura do septo interventricular e carga de peso no levantamento terra, no agachamento e na carga total. Interessantemente, não foi encontrada nenhuma correlação com o tempo de exposição, quer dizer, com a duração, em anos, de treinamento de força entre powerlifters. Os níveis de SBP foram diretamente correlacionados com a intensidade de treino; e a DBP mostrou uma correlação mais forte com a duração do treinamento de força. Para corredores, a espessura do septo interventricular e a frequência cardíaca em repouso foram inversamente correlacionadas com o VO2máx. e a duração do treinamento de força (Tabela 6).
Tabela 5 Coeficientes da correlação linear de Pearson entre os parâmetros de treinamento e as variáveis ecocardiográficas / cardiopulmonares (PG = 16)
Carga total (kg) | Duração do treinamento de força (anos) |
Duração semanal do treinamento (dias) |
Duração diária do treinamento (min/dia) |
|
---|---|---|---|---|
Espessura do septo interventricular (mm) | 0,733† | 0,411 | 0,286 | 0,212 |
Espessura da parede ventricular posterior (mm) | 0,680† | 0,365 | 0,274 | 0,225 |
Massa do LV (g) | 0,689† | 0,407 | 0,213 | 0,248 |
Frequência cardíaca em repouso (bpm) | 0,706† | 0,505 | –0,149 | 0,201 |
Linha de base da SBP (mmHg) | 0,029 | 0,377 | 0,258 | 0,453 |
Linha de base da DBP (mmHg) | 0,490 | 0,762† | 0,581* | 0,151 |
VO2 máx. (mL.kg-1.min-1) | –0,459 | –0,093 | 0,048 | 0,135 |
VCO2 máx. (mL.kg-1.min-1) | –0,623* | –0,133 | –0,051 | –0,022 |
PG: grupo dos powerlifters; 1-RM: teste máximo de uma repetição; LV: ventrículo esquerdo, SBP: pressão arterial sistólica; DBP: pressão arterial diastólica; VO2: consumo de oxigênio; VCO2: produção de dióxido de carbono. Nível de significância
†p < 0,001 e
*p < 0,05.
Tabela 6 Coeficientes da correlação linear de Pearson entre os parâmetros de treinamento e variáveis ecocardiográficas (PG = 24)
VO2 máx. (mL.kg-1.min-1) |
VCO2 máx. (mL.kg-1.min-1) |
Ventilação pulmonar (L.min-1) |
Duração do treinamento de força (anos) |
Duração semanal do treinamento (dias) |
Duração diária do treinamento (min/dia) |
|
---|---|---|---|---|---|---|
Espessura do septo interventricular (mm) | –0,640* | 0,362 | 0,303 | –0,630* | 0,150 | 0,136 |
Espessura da parede ventricular posterior (mm) | 0,001 | –0,016 | 0,209 | 0,260 | –0,139 | 0,032 |
Massa do LV (g) | –0,140 | –0,137 | –0,015 | –0,110 | –0,248 | –0,100 |
Frequência cardíaca em repouso (bpm) | –0,650* | –0,550 | –0,414 | –0,659* | –0,163 | –0,244 |
Linha de base da SBP (mmHg) | 0,177 | 0,311 | 0,341 | –0,074 | –0,023 | –0,212 |
Linha de base da DBP (mmHg) | 0,183 | 0,279 | 0,258 | 0,701 | 0,254 | –0,101 |
RG: grupo dos corredores de longa-distância; LV: ventrículo esquerdo; SBP: pressão arterial sistólica; DBP: pressão arterial diastólica; VO2: consumo de oxigênio; VCO2: produção de dióxido de carbono. Nível de significância
*p < 0,05.
Finalmente as medições da dilatação fluxo-mediada (FMD) estavam diretamente proporcionais ao treinamento de intensidade (% 1-RM) no PG e a carga de peso ao agachamento (Tabela 7). Para o RG, não foi encontrada nenhuma correlação entre os valores de FMD com variáveis cardiopulmonares e frequência cardíaca em repouso. Além disso, os valores de FMD foram correlacionados com a duração do treinamento de powerlifting (em anos) e duração diária da sessão de treino. Entretanto, essa mesma correlação não foi vista entre corredores.12
Tabela 7 Coeficientes da correlação linear de Pearson entre os parâmetros de treinamento e as medidas da dilatação fluxo-mediada da artéria braquial
Agachamento (kg) |
Supino (kg) | Levantamento terra (kg) |
VO2 máx. (mL.kg-1.min-1) |
Frequência cardíaca em repouso (bpm) |
Duração do treinamento de força (anos) |
Duração semanal do treinamento (dias) |
Duração diária do treinamento (min/dia) |
|||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
PG | RG | PG | RG | PG | RG | PG | RG | PG | RG | PG | RG | PG | RG | PG | RG | |
FMD (%) | 0,710† | 0,351 | 0,242 | 0,165 | 0,654† | –0,383 | 0,073 | –0,349 | 0,489 | –0,107 | 0,688* | 0,165 | 0,491 | –0,123 | 0,770† | –0,079 |
PG: grupo dos powerlifters; RG: grupo dos corredores de longa-distância; FMD: dilatação fluxo-mediada. Nível de significância
†p < 0,001,
*p < 0,05.
Nosso estudo descobriu que, comparados aos corredores de longa-distância, os powerlifters mostraram maiores espessura de septo interventricular, espessura de parede posterior e massa de VE. Entretanto, após ajustar à BSA, não foi observada nenhuma diferença quanto à massa do VE. A função cardíaca era semelhante em powerlifters e corredores. Juntos, esses parâmetros sugerem que pode ocorrer um remodelamento cardíaco específico, como resultado de treinamento, mas sem comprometimento de funções cardíacas. Uma descoberta importante de nosso estudo foi medidas semelhantes de FMD tanto powerlifters, quanto em corredores, apesar de a PVR ser maior em powerlifters.12 Apesar de nossas descobertas serem comparativas e derivarem de um projeto transversal, elas sugerem que o treinamento de força de alta-intensidade não necessariamente causa mudanças cardiovasculares danosas como se acreditava em geral.
Quanto aos parâmetros cardíacos (estrutura anatômica e função diastólica e sistólica), as avaliações ecocardiográficas mostraram um aumento na espessura do septo interventricular com pouca ou nenhuma redução de diâmetro do câmber e um pequeno aumento na espessura da parede posterior em powerlifters, comparativamente aos corredores. Tais mudanças podem ser causadas porque powerlifting envolve uma grande quantidade de contrações de baixa-velocidade utilizando cargas altas, próximas da máxima,13 nas sessões de treino diário, o que leva a sobrecarga de pressão do VE.
Quanto aos valores de corte, diversos estudos com atletas de alto-desempenho têm usado para determinar hipertrofia patológica os valores de corte de 12-13 mm para espessura de septo interventricular máxima e 55-60 mm para dimensão diastólica final, conforme descrito abaixo. Whyte (2004) examinou 306 atletas britânicos de elite do sexo masculino (judô, n = 22; esqui, n = 10; salto com vara, n = 10; caiaque, n = 11; remo, n = 17; ciclismo, n = 11; powerlifters, n = 29; triatlo, n = 51; pentatlo moderno, n = 22; corrida de média-distância, n = 45; rúgbi, n = 30; tênis, n = 33; natação, n = 19) e encontrou espessura de septo interventricular de > 13 mm em ~3,0% deles. Riding (2012) examinou 836 atletas (futebol, n = 586; basquete, n = 75; vôlei, n = 41 e handball, n = 35) e encontrou espessura de septo interventricular de > 12 mm e características típicas de hipertrofia ventricular esquerda concêntrica em ~2,0%. Pelliccia (1999) examinou 1.309 atletas italianos de elite envolvidos em disciplinas esportivas diversas (futebol, n = 119; ginástica olímpica, n = 87; remo, n = 80; tênis, n = 64; basquete, n = 62; atletismo, n = 59; esqui alpino, n = 59; tiro, n = 57; handball, n=56; ciclismo, n = 49; pólo aquático, n = 43; hóquei no gelo, n = 42; esqui nórdico, n = 41; canoagem, n = 39; rúgbi, n = 39; patinação, n = 36; esgrima, n=35; iatismo, n = 33; natação, n = 29; esportes equestres, n = 24; caratê, n = 24; vôlei, n = 21; bobsleigh, n = 17; boxe, n = 15; luta greco-romana, n = 14; judô, n = 13; luge, n = 13; hóquei de campo, n = 13; tênis de mesa, n = 11; pentatlo, n = 7; levantamento de peso, n = 7; golf, n = 6; beisebol, n = 5; triatlo, n = 3; corrida de motos, n = 3; fisiculturismo, n = 3; outras modalidades, n = 72) e encontrou espessura de septo interventricular de > 13 mm em 1,1% deles. Além disso, também descobriram que 45% e 14% dos atletas estudados possuíam uma dimensão diastólica final > 55 mm e > 60 mm, respectivamente. Assim, usando esses cortes, apesar de algumas mudanças anatômicas e cardíacas, nenhum dos participantes estudados apresentou dimensões cardíacas consistentes com hipertrofia patológica. Entretanto, é importante notar uma forte correlação entre as cargas de peso levantadas no agachamento e a carga total e dimensões cardíacas, incluindo espessura do septo, espessura da parede posterior e massa do VE. Novamente, uma explicação possível é que powerlifting envolve uma grande quantidade de contrações de baixa-velocidade utilizando cargas altas próximas da máxima, conduzindo a uma sobrecarga de pressão.9,17
Em relação à massa do VE, Gardin et al.18 relatou valores de 225 g e 115 g/m² ajustados pela BSA em indivíduos cronicamente expostos a sobrecarga de pressão. A massa do VE também foi medida em nosso estudo e encontramos valores de 282 g e 135 g/m2, entre powerlifters. Interessantemente, corredores também apresentaram alta massa de VE (236 g e 128 g/m2ajustados à BSA). Independentemente da modalidade de treino, houve remodelamento cardíaco em resposta ao treinamento físico em ambos os grupos. Embora ainda sejam controversas, as medições ecocardiográficas indexadas à BSA permitem comparar indivíduos com tamanho corporais diferentes. A superfície corporal (BSA) é afetada pela massa adiposa, e a massa adiposa não é correlacionada, nem prediz a massa do VE.19 Uma abordagem alternativa é ajustar os parâmetros ecocardiográficos à massa magra. Entretanto, não há medidas precisas amplamente disponíveis, e métodos substitutos, como a medição da espessura da dobra de pele, são relativamente imprecisos.20,21
A avaliação da função diastólica no estudo revelou valores consistentemente normais em corredores de longa-distância.22 Em contraste, foram encontrados um volume mais baixo de AE e medidas de velocidade de onda-A transmitral, em powerlifters, apesar de tais valores estarem dentro dos limites normais. A diferença de medida de volume de AE em ambos os grupos foi de ~22% e foi ainda mais pronunciada após os ajuste à BSA (~40%). D’Andrea et al.23 avaliaram o volume do AE e o volume do AE indexado pela BSA em 350 atletas de resistência e em 245 atletas de força.23 Para medidas indexadas pela BSA, tais autores definiram valores entre 29 e 33 mL/m2 como de leve aumento de AE e valores acima de 33 mL/m2 como de aumento moderado. Assim, todos os nossos resultados estavam abaixo dos valores de corte estabelecidos em D'Andrea et al.23. Quanto à função sistólica do VE avaliada através de estimativas de fração de ejeção e fração de ejeção calculada pela regra de Simpson, a avaliação ecocardiográfica apresentou valores dentro da escala normal em todos os casos.
A associação de treino aeróbico com pressão arterial inferior em repouso está bem estabelecida.24,25 Mas um crescente conjunto de provas mostra que o treinamento de força pode ter um efeito semelhante sobre a pressão arterial,26 apesar de ainda não haver um consenso na literatura.27 Entretanto, já foi relatado que o treinamento de força de alta-intensidade afeta a pressão arterial de maneira negativa. Uma meta-análise mostrou que o treino de modalidades que basicamente consistam de treinamento de força (powerlifting, fisiculturismo, e levantamento de peso olímpico) é associado a um mais alto risco de pressão arterial alta com SBP média de 131,3 ± 5,3 mmHg e DBP média de 77,3 ± 1,4 mmHg.28 Tais valores são consistentes com os encontrados em nosso estudo (SBP 130,0 ± 8,2 e DBP 82,1 ± 6,9 mmHg).
As medições de dilatação fluxo-mediada (FMD) foram semelhantes em ambos: tanto em powerlifters, quanto em corredores. Essa é uma descoberta interessante dado que essas duas modalidades de treino possuem características biomecânicas e metabólicas diferentes. Treinamento físico tem se mostrado um meio eficaz para a melhoria da capacidade de vasodilatação dependente do endotélio.29 Entre os atletas de alto-desempenho, os corredores de longa distância com função cardíaca normal acima da média mostram menor rigidez arterial, menor stress oxidativo e capacidade de dilatação dependente do endotélio aumentada,30 se comparados com indivíduos sedentários da mesma idade.31 Tais dados sugerem que um desempenho cardíaco excelente em atletas pode ser associado à função vascular melhorada induzida por treinamento físico aeróbico.
É bem sabido que o exercício aeróbico melhora a função endotelial por produzir um estresse de cisalhamento aumentado nas paredes dos vasos durante o exercício.32 Ainda assim, tem sido sugerido que o treino de força pode aumentar o stress hemodinâmico devido à compressão mecânica dos vasos sanguíneos durante os movimentos ativos juntamente com a tensão vascular excessiva produzida durante exercícios de força.7 Assim, podemos especular que tal treinamento de força de alta-intensidade pode afetar agudamente a vasodilatação dependente do endotélio e levar a danos permanentes em longo prazo. A esse respeito, tem se demonstrado função vascular comprometida em atletas de força, embora ela pareça estar mais relacionada ao uso de agentes anabólicos, do que ser um efeito do treinamento.33,34
Heffernan et al. descobriram um aumento da hiperemia reativa do antebraço em jovens indivíduos saudáveis após um treinamento de força de 6 meses.35 A explicação mais provável para uma dilatação dependente do endotélio aumentada em treinamento de força é a hipótese da compressão mecânica das paredes dos vasos de resistência durante o exercício, seguida pela liberação de fluxo sanguíneo quando da cessação do exercício, levando ao aumento agudo de estresse de cisalhamento na parede do vaso.36 Apesar de as modalidades de treinamento envolverem estímulos diferentes (treinamento de corrida: aumento do fluxo de contínuo de sangue; treino de força: compressão intermitente dos músculos e restauração do fluxo sanguíneo), no fim, elas produzem os mesmos efeitos sobre o estresse de cisalhamento da parede do vaso.
É importante observar que, apesar dos níveis aumentados de pressão arterial e maiores espessura da parede posterior e massa de VE descobertos em nosso estudo entre powerlifters, eles não apresentaram comprometimento da função cardíaca ou endotelial, quando comparados aos corredores, e todos os parâmetros estavam acima da média. Assim, a pressão arterial alta encontrada em powerlifters parece estar relacionada ao aumento da PVR, mais do que a um comprometimento da função endotelial.
Os pontos fortes chave de nosso estudo são o uso de uma amostra homogênea (dentro de cada grupo) e que todas as imagens ecocardiográficas foram avaliadas por dois examinadores independentes, um dos quais através de exame cego. Entretanto, nossos dados devem ser interpretados com cautela devido a algumas limitações, incluindo o tamanho pequeno da amostra (devido aos desafios de recrutamento, considerando que o uso de esteróides anabolizantes é comum entre powerlifters e poucos atenderam aos critérios de inclusão), e o desafio de recrutar uma amostra de indivíduos saudáveis não-treinados; entretanto, todos os parâmetros avaliados foram comparados aos encontrados em outros estudos e/ou diretrizes atuais.
Nosso estudo mostrou que o remodelamento cardíaco parece depender das modalidades de treinamento e não das alterações estruturais, como a massa do VE indexada pela BSA, tanto em powerlifters quanto em corredores de longa-distância. As funções sistólica e diastólica estavam preservadas em ambas as modalidades. Os powerlifters mostraram uma maior pressão arterial de repouso, o que pode ser explicado pelo aumento na PVR. Entretanto, as medidas de FMD foram semelhantes em ambos os grupos estudados e estavam bem acima da média. Apesar de nossas descobertas serem comparativas em sua natureza, e derivarem de um projeto transversal, é possível especular que treinamento de força de alta-intensidade por um número significativo de anos (~5 anos ou mais) pode ser associado a mudanças estruturais cardíacas limítrofes, apesar de estas não serem acompanhadas por redução na função cardíaca.