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Comparação dos Escores HEART, TIMI e GRACE para Predição de Eventos Cardiovasculares Adversos Maiores na Era de Troponina I de Alta Sensibilidade

Comparação dos Escores HEART, TIMI e GRACE para Predição de Eventos Cardiovasculares Adversos Maiores na Era de Troponina I de Alta Sensibilidade

Autores:

Gabriel Porto Soares

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.5 São Paulo maio 2020 Epub 01-Jun-2020

https://doi.org/10.36660/abc.20200314

As doenças do aparelho circulatório predominam como primeira causa de óbitos no mundo; entre as doenças cardiovasculares, as doenças isquêmicas do coração são o primeiro grupo de causas. A doença cardíaca isquêmica (DIC) é a principal causa global de morte, correspondendo a mais de 9 milhões de mortes em 2016, de acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS).1 A mortalidade por DIC nos países ocidentais diminuiu drasticamente ao longo das últimas décadas, com maior foco na prevenção primária e melhor diagnóstico e tratamento de DIC. No entanto, os países em desenvolvimento apresentam novos desafios para a saúde pública2 – tal cenário se reproduz na América Latina. No presente estudo,3 realizado na Colômbia, a taxa de mortalidade por DIC era de 150 óbitos por 100 mil habitantes no ano de 2015, representando a principal causa de óbitos naquele país.4

Desenvolver escores capazes de prever morte diante das doenças responsáveis pela maior parcela dos óbitos no mundo sempre permeou os objetivos dos cardiologistas. A pergunta “Qual a probabilidade deste paciente com quadro agudo de DIC morrer?” é feita, conscientemente ou não, todas as vezes diante da possibilidade diagnóstica de infarto agudo do miocárdio (IAM) com ou sem elevação do segmento ST ou de um quadro de angina instável.

A busca de variáveis capazes de predizer mortes ou desfechos desfavoráveis – atribuindo ao conjunto destas variáveis modelos matemáticos de probabilidade a curto ou médio prazo – levou ao desenvolvimento de escores, com mais organização e confiabilidade no início dos anos 2000. Iniciou-se com o TIMI (Thrombolysis In Myocardial Infarction Risk Score), para prognóstico e decisão terapêutica nos pacientes com angina instável e IAM sem elevação do segmento ST.5 Em seguida, o escore GRACE (Global Registry of Acute Coronary Events), como preditor de mortalidade hospitalar nos pacientes com síndromes coronarianas agudas. O terceiro escore utilizado nessa comparação foi desenvolvido na Holanda em 2007, e é composto por cinco variáveis, formando o mnemônico HEART (history, ECG, AGE, risk factors e troponina).

A seguir, na Tabela 1, são comparadas as variáveis e as previsões dos três tipos de escores. Chama a atenção o fato de três variáveis serem comuns entre eles: idade, alteração eletrocardiográfica e a presença de positividade em marcadores de necrose miocárdica, especialmente a troponina I. Isso demonstra que essas três variáveis são indicadores independentes de mortalidade e desfechos desfavoráveis em qualquer tipo de síndrome coronariana aguda. O escore GRACE não leva em consideração a presença de fatores de risco ou dados de história clínica, mas, entre os três, é o que contém maior quantidade de variáveis hemodinâmicas: pressão sistólica, frequência cardíaca e classificação de Killip. Uma variável do escore TIMI deve ficar incompleta em grande parte dos casos, pois avalia a presença de uma estenose coronariana prévia; portanto, há necessidade de estudo coronariográfico anterior. O TIMI é o único que também considera qualquer uso de terapêutica antiagregante prévia. No escore GRACE, pode faltar a variável creatinina na avaliação inicial na sala de emergência, pois irá depender do tempo de realização deste exame.

Tabela 1 – Comparação das variáveis e previsões de desfechos dos escores TIMI, GRACE e HEART 

Escores de Risco

TIMI GRACE HEART
Idade Idade Idade
Desvio ST Desvio ST ECG: desvio ST – distúrbio inespecífico, repolarização ou BRE – normal
Marcadores + Marcadores + Troponina 3×, 1 a 3×, normal
Fatores de risco < 3 ou > 3 FR > 3 ou aterosclerose, 1 ou 2 FR, sem FR
Angina em 24 horas História clínica
Frequência cardíaca
Pressão arterial sistólica
Killip
Estenose coronária > 50%
Ácido acetilsalicílico: 7 dias
Creatinina
Parada cardíaca

Previsão de Desfechos

TIMI GRACE HEART

Previsão para 14 dias: morte, reinfarto, revascularização de urgência Previsão de mortalidade na internação e para 1 ano Previsão para 6 semanas de morte, revascularização cirúrgica ou percutânea e IAM

ECG: eletrocardiograma; BRE: bloqueio de ramo esquerdo; FR: fator de risco; IAM: infarto agudo do miocárdio.

Os três escores foram construídos para previsão de morte em diferentes intervalos – 14 dias no TIMI; hospitalar e em 1 ano no GRACE; em 6 semanas para o HEART. Vale ressaltar que no estudo comparativo de Torralba et al.,3 o intervalo para avaliação dos desfechos foi de 30 dias. Outro ponto a ser criticado é que, no escore GRACE, o desfecho previsto é morte e, em tal estudo, foram analisados os desfechos morte, IAM, revascularização cirúrgica ou percutânea para os três escores, provavelmente reduzindo a sensibilidade do escore GRACE, pois foram analisados desfechos não previstos no modelo matemático preditivo do escore. Vários autores já realizaram comparações entres diferentes escores preditores para doença coronariana aguda, demonstrando desempenho superior do escore HEART8-10 em comparação aos outros escores.

O escore HEART é de mais fácil obtenção das variáveis, pois estas são objetivas e presentes no momento do atendimento inicial do paciente; a atribuição de pontuação de 0 a 2 para cada uma das variáveis é mais simples e dispensa uso de calculadoras ou aplicativos para sua obtenção. Tais fatos certamente contribuem para o melhor desempenho na alta sensibilidade de prever eventos cardíacos maiores quando comparados ao TIMI e ao GRACE. Ainda devemos considerar que o desempenho dos três escores foi bem satisfatório para prever eventos, pois até mesmo o GRACE, que demonstrou ser o menos sensível, foi o que apresentou melhor especificidade quando comparado aos outros dois.

Todos os escores apresentam seu papel quando bem realizados, bem aplicados e bem interpretados – lembrando que são valores matemáticos capazes de fazer previsões extrapoladas para grupos populacionais, e não substituem a avaliação individualizada de cada paciente com síndrome coronariana aguda.

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization. (WHO). Global Health Estimates 2016: Disease burden by Cause, Age, Sex, by Country and by Region, 2000-2016. Geneva;2018.
2. Nowbar AN, Gitto M, Howard JP, Howard JP, Francis DP, Al-Lamee R, et al. Mortality From Ischemic Heart DiseaseAnalysis of Data From the World Health Organization and Coronary Artery Disease Risk Factors From NCD Risk Factor Collaboration. Circ Cardiovasc Qual Out. 2019;12(6):e005375.
3. Torralba F, Navarro A, de La Hoz JC, Ortiz C, Botero A, Alarcon F, et al. Heart,TIMI, GRACE scores for prediction of 30 day major adverse cardiovascular events in the era of high-sensitivity troponin. Arq Bras Cardiol. 2020; 114(5):795-802.
4. Arroyo-Quiroz C, Barrientos-Gutierrez T, O’Flaherty M, Guzzma-castillo M, Palacios-Mejia E, Osório-Saldarriaga E, et al. Coronary heart disease mortality is decreasing in Argentina, and Colombia, but keeps increasing in Mexico: a time trend study. BMC Public Health. 2020; 20:162
5. Antman EM, Cohen M, Bernink PJ, Horacek KT, Papuches G, Mccabe CH, et al. The TIMI risk score for unstable angina/non-ST elevation MI: A method for prognostication and therapeutic decision making. JAMA. 2000; 284(7):835-42.
6. Granger CB, Goldberg RJ, Dabbous O, Pieper KS, Eagle KA, Cannon CP, et al. Global Registry of Acute Coronary Events Investigators Predictors of hospital mortality in the global registry of acute coronary events. Arch Intern Med. 2003; 163(19):2345-53.
7. Six AJ, Backus BE, Kelder JC. Chest pain in the emergency room: value of the HEART score. Neth Heart J. 2008;16(6):759-64.
8. Sakamoto JT, Liu N, Koh ZX, Koh ZX, Fung NX, Heldeweg ML et al. Comparing HEART, TIMI, and GRACE scores for prediction of 30-day major adverse cardiac events in high acuity chest pain patients in the emergency department. Int J Cardiol. 2016 15 Oct; 221:759-64.
9. Aarts GWA, Camaro C, Van Geuns RJ, Cramer E, van Kimme RRJ. Acute rule-out of non-ST-segment elevation acute coronary syndrome in the (pre)hospital setting by HEART score assessment and a single point-of-care troponin: rationale and design of the ARTICA randomised trial. BMJ Open. 2020;10(2):034403.
10. Shin YS. Risk stratification of patients with chest pain or anginal equivalents in the emergency department. Intern Emerg Med. 2020;15(2):319-6.