versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.2 São Paulo abr./jun. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1388
A mão é um órgão complexo com diversas finalidades. Como órgão preênsil, é capaz tanto de imprimir força, como de segurar e manipular objetos delicados; como órgão tátil, relaciona o organismo com o meio ambiente; possui ainda grande importância na comunicação verbal(1–2).
A força de preensão é um dos elementos básicos e importantes na pesquisa das capacidades manipulativas, de força e de movimento da mão, visto que é essencial para a realização das atividades de vida diária (AVDs), sendo utilizada em 45% de todas as AVD's realizadas durante o dia, com exceção das atividades locomotoras(3–4).
A avaliação da força muscular tem sido objeto de estudo em diferentes áreas do conhecimento. Pode se constatar, por meio da literatura, que diferentes métodos subjetivos como o teste muscular manual e objetivos como o dinamômetro portátil e isocinético têm sido utilizados para mensurar essa valência física(5–6).
A utilização frequente do Teste de Força Muscular Manual é em grande parte atribuída à facilidade com que a técnica é executada em um período de tempo curto e com nenhum custo específico da instrumentação. Entretanto, a exatidão e a sensibilidade deste método são relativamente pobres.
O esfigmomanômetro modificado (EM) é um instrumento alternativo que atualmente é utilizado para avaliação da força muscular. Um EM é feito quando um convencional é adaptado, removendo o velcro exterior, dobrando o manguito em três partes e colocando dentro de um saco inelástico(6–9).
Apesar de não ser muito difundido na prática clínica, o método de avaliação por meio do EM parece ser uma opção relevante e confiável para se estimar a força de grupos musculares. Trata-se de um aparelho de fácil manuseio que pode ser encontrado em qualquer farmácia ou casa especializada em aparelhos ambulatoriais, além disso, apresenta baixo custo. No entanto, para se obter bons resultados, é necessária a calibração do EM antes de cada aferição.
O presente trabalho teve como objetivo avaliar a reprodutibilidade do esfigmomanômetro modificado para a mensuração da força muscular dos músculos flexores dos dedos por meio de sua comparação com o dinamômetro manual (DM).
Participaram do experimento 40 voluntários saudáveis, na faixa etária entre 20 e 55 anos, de ambos os sexos, que concordaram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, e que passaram pelos critérios de inclusão e de exclusão.
Os critérios de inclusão foram não apresentar doenças ou disfunções ortopédicas e músculo-esqueléticas, ou que não tenham sido submetidos a cirurgias de membros superiores; não apresentar doenças reumáticas ou neurológicas; não apresentar quadros álgicos de membros superiores que limitassem a execução do teste, além de não apresentarem limitação de amplitude de movimento de membros superiores. Foram excluídos do estudo voluntários que contemplassem algum critério descrito acima.
A pesquisa foi realizada no Laboratório de Mecanoterapia do Centro Universitário São Camilo, São Paulo.
Para o experimento, foi utilizado um esfigmomanômetro aneróide, da marca Solidor® (Figura 1), que foi modificado para o teste e calibrado antes de cada aferição, um dinamômetro portátil da marca Sammnons Preston® (Figura 2), uma mesa e duas cadeiras estáveis sem braços posicionadas uma de cada lado da mesa para a mensuração de ambas as mãos.
Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, os voluntários foram submetidos a um teste de força muscular dos músculos flexores superficiais e profundos dos dedos, flexor longo do polegar, flexor curto do polegar e flexor do dedo mínimo, por meio de dinamometria manual e EM por um avaliador cego treinado para a aplicação dos testes.
Os voluntários foram posicionados na cadeira com braço fletido a 90º sobre a mesa onde a mão permanecia para fora da mesma; o quadril e os joelhos permaneciam flexionados a aproximadamente 90º de angulação.
O teste foi realizado de acordo com o teste de força muscular dos músculos citados acima, descrito por Kendall(5), onde o voluntário permanece sentado para realização do teste e realiza a contração em movimento de preensão (fechamento palmar) de forma que todo o comprimento dos dedos acople o EM e/ou o dinamômetro portátil.
Os aparelhos eram zerados antes de cada mensuração, colocados na mão do voluntário e ao comando (simples e preciso) do avaliador, o voluntário realizava o fechamento palmar, e então o valor obtido no aparelho era anotado. Em seguida, o mesmo procedimento era realizado na outra mão e, após o intervalo de três minutos, recomeçava o teste com o aparelho seguinte. O teste foi feito três vezes com cada instrumento e a média entre eles foi utilizada no estudo.
A escolha do aparelho para o início do teste foi aleatória, assim como a escolha da mão. Alguns voluntários começaram pelo esfigmomanômetro modificado e outros pelo dinamômetro manual. Se o primeiro voluntário realizou o primeiro teste com o EM, o segundo voluntário realizou com o DM, mantendo-se essa ordem até o final dos testes.
Após a coleta, os dados foram armazenados em arquivos de computador para posterior análise estatística, por meio do software Graph Pad, versão 5.0 demo.
Os valores obtidos durante a realização dos testes estão representados na Tabela 1. Os resultados dos testes com o DM e o EM estão representados graficamente (Figura 3).
Figura 3 Distribuição dos valores obtidos após a realização dos testes de EM e DM para os lados direito e esquerdo.
Tabela 1 Distribuição das médias e desvios padrão dos valores obtidos após realização dos testes com DM e EM
Membros superiores | DM (mmHg) | EM (mmHg) |
---|---|---|
Direito | 500,82 ± 150,95 | 91,7 ± 23,19 |
Esquerdo | 477,04 ± 127,91 | 92,1 ± 20,02 |
DM: dinamometro manual; EM: esfigmomanômetro modificado.
A Tabela 2 mostra que, após a análise estatística pelo teste t de Student pareado, não foi observada diferença significativa entre os valores obtidos nos testes EM e DM em relação aos membros superiores esquerdo e direito (p > 0,05). Já no teste do coeficiente de correlação de Pearson, foram observadas correlações quando analisados os valores obtidos entre o teste EM versus o teste DM. (Figura 4).
Figura 4 Distribuição dos valores obtidos após teste de correlação de Pearson em relação à diferença entre os testes EM versus o teste DM para os lados direito (D) e esquerdo (E).
Tabela 2 Distribuição dos valores obtidos após análise estatística através dos testes t de Student pareado e coeficiente de correlação de Pearson
MSE versus MSD | EM versus DM | |||
---|---|---|---|---|
EM | DM | MSD versus MSD | MSE versus MSE | |
Correlação r | - | - | 0,91 | 0,86 |
Teste t de Student (p < 0,05) | 0,854 | 0,760 | - | - |
MSE: membro superior esquerdo; MSD: membro superior direito; DM: dinamômetro manual; EM: esfigmomanômetro modificado.
Sabe-se que o teste mais utilizado na prática clínica é o teste de força muscular manual por ser rápido e sem custo operacional, porém, a utilização do esfigmomanômetro é mais uma ferramenta de baixo custo e de fácil manipulação que pode ser inserida no contexto da reabilitação física.
Os dados estatísticos demonstraram uma boa correlação quando analisados os valores obtidos entre o teste com o esfigmomanômetro modificado versus o teste com o DM comparando-se o membro superior direito e o membro superior esquerdo.
A literatura atual ainda é escassa quanto à quantidade de estudos controlados e randomizados sobre a fidedignidade e eficiência do esfigmomanômetro modificado. No entanto, Helewa et al.(10) já afirmavam que a técnica de mensuração de força muscular através deste instrumento oferecia medidas quantitativas e objetivas mais sensíveis aos diferentes padrões de força; asseguravam ainda que o esfigmomanômetro modificado apresenta um bom nível de segurança, podendo ser aplicado em pelo menos 24 grupos musculares.
Delgado et al.(6) utilizaram o esfigmomanômetro modificado para avaliar a força dos músculos extensores e flexores da articulação do joelho em 31 militares de ambos os sexos. Os resultados apresentados mostram diferenças de força entre os grupos musculares anterior e posterior da articulação do joelho nos ângulos estudados (120º e 180º de extensão de joelho e 30º e 90º de flexão de joelho). Concluíram que a técnica de mensuração de força por meio do EM oferecia medidas quantitativas e objetivas, e ainda evidenciaram sua utilização como método prático e de baixo custo, podendo ser aplicado como parâmetro de comparação.
Utilizando o esfigmomanômetro modificado para avaliar a força isométrica dos extensores do cotovelo e extensores do quadril em 36 pacientes hospitalizados com idade entre 62 e 95 anos, Kaegi et al.(9) sugerem que esse instrumento é de fácil utilização e requer pouco tempo para aplicação, apresenta baixo custo e ainda tem adicionado o fator de ser prático, portátil, permitindo a avaliação dos voluntários em diferentes lugares (clínicas, hospitais e em casa), e com disponibilidade de compra no mercado.
Perossa et al.(11), em seu estudo com 80 voluntários, utilizaram o esfigmomanômetro modificado para mensurar a força muscular dos músculos extensores, flexores, adutores e abdutores do quadril e ainda extensores, flexores e rotadores externo e interno do ombro. Obtiveram como resultados um grau alto de confiabilidade para os músculos do quadril, sendo este uma variação de 0.94 a 0.97.
Muitas vezes, os indivíduos podem exceder o limite superior de 300 mmHg do EM, impossibilitando a avaliação. No entanto, Bohannon e Lusardi(12) e Bohannon(13) sugeriram que há relação curvilínea acima de 210 mmHg quando avaliaram a força muscular dos músculos flexores do cotovelo em 36 voluntários saudáveis, por meio do EM e dinamômetro do tipo hand-held. Concluíram que é preciso ter precauções quando requeridas medidas de força para voluntários mais fortes e que esse instrumento pode não ser a melhor escolha para obter medidas de força precisas.
Há, na literatura, evidências que apontam a importância de termos medidas de força que possam ser confiáveis para avaliar pacientes. Muitos métodos foram apresentados, mas acredita-se que se deve ter cuidado ao escolher um método de avaliação. O EM mostrou, no presente estudo, ser um bom método de avaliação de força muscular para os músculos flexores dos dedos, porém, não foi encontrado na literatura trabalho similar que usasse esse instrumento para aferir força de preensão.
O EM mostrou ser uma técnica reprodutível para medir força muscular dos músculos flexores dos dedos da mão dos sujeitos avaliados.
Sugere-se que seja testada a reprodutibilidade do EM em outros grupos musculares, visto que não há consenso na literatura sobre sua confiabilidade.