Compartilhar

Comparação entre as avaliações clínica e videofluoroscópica da deglutição em crianças com suspeita de disfagia

Comparação entre as avaliações clínica e videofluoroscópica da deglutição em crianças com suspeita de disfagia

Autores:

Lenice de Fatima da Silva-Munhoz,
Karina Elena Bernardis Bühler,
Suelly Cecilia Olivan Limongi

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.27 no.2 São Paulo mar./abr. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20152014149

INTRODUÇÃO

Crianças com suspeita médica de disfagia são encaminhadas para avaliação da deglutição, a qual é realizada clinicamente e, se necessário, complementa-se com avaliação objetiva, como a videofluoroscopia da deglutição (VFD).

A VFD é o método padrão-ouro de avaliação objetiva da deglutição, pois, dentre outras vantagens, detecta de forma acurada as alterações da fase faríngea( 1 ), sendo esse o seu principal objetivo na avaliação de crianças( 2 ). No entanto, esse método apresenta algumas desvantagens como a exposição à radiação, tempo limitado de exame, o que não simula uma refeição real, e a necessidade de cooperação do paciente, a qual também interfere nos resultados( 1 - 3 ).

Em alguns casos, a VFD pode não ser necessária ou não estar disponível para os profissionais no serviço, os quais precisam definir suas condutas baseados apenas na avaliação clínica( 4 ), na qual a fase faríngea da deglutição não pode ser avaliada objetivamente e a presença de aspiração silente pode não ser identificada. Por outro lado, as alterações podem ser inferidas por meio de sinais e sintomas clínicos (SSC) sugestivos de alteração na fase faríngea da deglutição como tosse, engasgo, cianose, voz molhada, alteração na ausculta cervical, entre outros( 5 - 7 ).

Alguns estudos comparam a avaliação clínica com a VFD em crianças com paralisia cerebral e mostram que a avaliação clínica pode, em alguns momentos, não ser capaz de detectar alterações na fase faríngea nessa população(8,9) devido à baixa acurácia( 9 ). Já em outro estudo, das dez crianças que apresentaram SSC sugestivos de aspiração laríngea, oito foram identificadas na VFD( 7 ).

Em crianças com alterações neurológicas, um estudo verificou correlação significativa entre a ausculta cervical e a excursão do hioide e laringe e a presença de aspiração laríngea com as consistências líquida e pastosa( 10 ).

Um estudo com crianças com problemas na alimentação mostrou que a avaliação clínica pode detectar penetração e aspiração de líquidos, porém apresentou baixa acurácia com sólidos( 4 ).

Ao comparar os SSC sugestivos de alterações na fase faríngea com os achados da VFD, estudos mostraram que a tosse foi o principal indicador de penetração com líquidos(4) e a voz molhada, a respiração ruidosa( 11 ) e a tosse foram bons indicadores clínicos de aspiração laríngea com líquidos( 4 , 11 , 12 ). Porém, nenhum sinal clínico foi significativamente associado com aspiração, penetração ou resíduo pós-deglutição com pastoso( 11 ).

São poucos os estudos que avaliam a acurácia da avaliação clínica comparada à VFD na população infantil. Um estudo, ao verificar a sensibilidade da avaliação clínica para identificar aspiração, observou 92% de sensibilidade para líquidos e 33% para sólidos( 4 ). Já outro estudo observou sensibilidade de 91,6% para a avaliação clínica na detecção de alterações na fase faríngea( 13 ).

Em crianças com paralisia cerebral, estudos mostram que a acurácia da avaliação clínica no diagnóstico da disfagia é baixa e semelhante para as consistências pastosa (52,2%) e líquida (53,4%)( 9 ). Além disso, a sensibilidade da avaliação clínica (80%) é maior do que a especificidade (47%) para detectar penetração ou aspiração( 14 ).

Alguns estudos verificam a sensibilidade e a especificidade dos SSC associados à alterações na fase faríngea constatadas na VFD e mostram os seguintes resultados: sensibilidade de 62% e especificidade de 72% para alteração na ausculta cervical na constatação de penetração ou aspiração( 15 ), sensibilidade de 67% e especificidade de 53% para tosse, sensibilidade de 67% e especificidade de 92% para voz molhada, e sensibilidade de 33% e especificidade de 83% para respiração ruidosa na constatação de aspiração com líquido fino( 11 ).

Com base no exposto acima, evidencia-se a importância da realização de mais estudos que comparem a avaliação clínica com a VFD e verifiquem a acurácia da avaliação clínica na detecção de alterações na fase faríngea na população infantil. Assim, os objetivos deste estudo foram:

(1) Verificar a acurácia da avaliação clínica fonoaudiológica da deglutição (ACFD) comparada à VFD na detecção de penetração laríngea isolada e aspiração laríngea em crianças com suspeita de disfagia;

(2) Identificar os SSC associados à presença de penetração laríngea isolada e aspiração laríngea;

(3) Determinar a sensibilidade e a especificidade dos SSC identificados.

MÉTODOS

Esta pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa das instituições que abrigaram este estudo sob números 213/11 e 1118/11. Tratou-se de análise retrospectiva de dados de ACFD e VFD realizadas no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2013 em crianças de 1 mês a 7 anos e 11 meses de idade, procedentes da enfermaria de pediatria, da unidade de terapia intensiva pediátrica, do berçário e do ambulatório de Fonoaudiologia da instituição.

Participantes

Quanto à seleção dos sujeitos, foram incluídas as crianças de 1 mês a 7 anos e 11 meses de idade com suspeita médica de disfagia submetidas à ACFD e VFD. Foram adotados os seguintes critérios de exclusão: crianças que não possuíam protocolo de ACFD; que não realizaram a fase oral e/ou faríngea da deglutição na VFD; que foram avaliadas na ACFD com consistências diferentes da VFD impossibilitando a comparação.

Foram levantados em prontuários os seguintes dados: data de nascimento, idade gestacional ao nascimento, gênero, intercorrências peri e pós-natais e os diagnósticos médicos atuais.

Procedimentos

Para a ACFD foi utilizado o Protocolo de Avaliação Clínica da Disfagia Pediátrica (PAD-PED)( 16 ), o qual foi desenvolvido com base na literatura referente à avaliação clínica da disfagia, considerando-se as particularidades da dinâmica da deglutição infantil. Essa avaliação foi realizada pela fonoaudióloga do serviço, que possui especialização e experiência na área da disfagia infantil. Neste estudo, foram considerados apenas os itens referentes aos SSC sugestivos de alterações na fase faríngea das consistências avaliadas: alteração na ausculta cervical, alteração na qualidade vocal, alteração nos sinais vitais (alteração na frequência cardíaca, alteração na frequência respiratória e dessaturação de oxigênio), tosse, engasgo, cianose, palidez e desconforto respiratório.

Para alteração na ausculta cervical, quando foram observados ruídos respiratórios após a deglutição( 17 ), foram considerados os itens: alterada de base com piora após a oferta; alterada durante a oferta; e alterada após a oferta.

Do mesmo modo, para alteração na qualidade vocal, quando houve presença de voz molhada, caracterizada por um som borbulhante que indica a presença de secreções ou alimentos no vestíbulo laríngeo( 18 ), foram considerados os itens: alterada após a oferta com clareamento espontâneo; e alterada após a oferta sem clareamento espontâneo.

Para tosse, foram considerados os itens: tosse eficaz e tosse ineficaz ou tardia.

Para o registro de alteração nos sinais vitais, foram seguidos os seguintes parâmetros:

  • Alteração na frequência cardíaca: ocorrência de queda ou aumento da frequência cardíaca durante a deglutição, tendo como base os valores de 80 a 160 batimentos por minuto (bpm) para a faixa etária de 0 a 2 anos e entre 70 e 120 bpm para a faixa etária de 2 a 7 anos e 11 meses, considerados adequados( 19 );

  • Alteração na frequência respiratória: ocorrência de queda ou aumento da frequência respiratória durante a deglutição, tendo como base os valores de 30 a 40 respirações por minuto (rpm) para crianças menores do que 1 ano de idade e entre 20 e 30 rpm para a faixa etária de 1 a 7 anos e 11 meses, considerados adequados( 19 );

  • Dessaturação de oxigênio: ocorrência de redução maior do que 5% do índice basal após a deglutição( 16 , 20 ).

A VFD foi realizada com intervalo de, no máximo, 48 horas após a ACFD. Os exames foram realizados pelo médico radiologista juntamente com a fonoaudióloga do serviço com a utilização do equipamento Phillips DuoDiagnostic, campo colimado na área de interesse, com parâmetros de exposição definidos automaticamente através de câmara de ionização, onde se consegue a melhor imagem fluoroscópica com a menor dose de radiação. Para a gravação da VFD, os lactentes foram posicionados em decúbito elevado com faixa compressora, possibilitando a retenção de forma segura, e as crianças maiores foram posicionadas sentadas e em visão lateral, ficando o mais próximo possível do tampo da mesa e do intensificador, evitando, dessa forma, distorções da imagem fluoroscópica.

As consistências avaliadas foram misturadas ao contraste de sulfato de bário e ofertadas com o utensílio de uso habitual da criança (mamadeira com bico comum ou ortodôntico, copo ou colher). O foco da imagem fluoroscópica foi delimitado na região anterior pelos lábios, na região superior pela cavidade nasal, na região posterior pela coluna cervical e na região inferior pela bifurcação da via aérea e esôfago cervical.

Na VFD, foram consideradas as alterações na fase faríngea que impactam na segurança da alimentação via oral, especificamente:

• penetração laríngea isolada: entrada de alimento no vestíbulo laríngeo, mas sem ultrapassar o nível das pregas vocais( 21 ), observada na ausência de aspiração em qualquer deglutição de uma dada consistência( 11 ). Ocorre devido ao atraso no início da deglutição faríngea, diminuição na contração faríngea ou diminuição no fechamento laríngeo( 2 , 18 , 22 ) e é considerada fator de risco para aspiração( 6 , 11 , 23 );

• aspiração laríngea: passagem do alimento abaixo do nível das pregas vocais atingindo a traqueia(2,18,21) devido ao atraso no início da deglutição faríngea, diminuição na contração faríngea ou diminuição no fechamento laríngeo, podendo ocorrer antes, durante ou após a deglutição( 2 , 18 , 22 ).

A avaliação da acurácia e associação entre a ACFD e os achados videofluoroscópicos foram realizadas tanto no geral quanto de acordo com a consistência alimentar avaliada. A associação entre os SSC e os achados videofluoroscópicos foi realizada de acordo com a consistência alimentar avaliada.

Análise estatística

A precisão de um exame diagnóstico é avaliada comparando os seus resultados com os de um exame padrão-ouro e verificando sua capacidade de acerto. Neste estudo, a verificação da acurácia da ACFD, utilizando a VFD como padrão -ouro, foi expressa pelos cálculos da sensibilidade (fração dos verdadeiros positivos entre aqueles que possuem a alteração), especificidade (fração dos verdadeiros negativos entre aqueles que não possuem a alteração), valor preditivo positivo (proporção dos verdadeiros positivos entre todos que apresentaram o sinal clínico) e valor preditivo negativo (proporção dos verdadeiros negativos entre todos aqueles que não apresentaram o sinal clínico).

Além dessas proporções, para verificar a associação entre a ACFD, os SSC e os achados videofluoroscópicos foram utilizados o teste exato de Fisher e o teste do χ2. Foi adotado o nível de significância de 0,05.

RESULTADOS

No período de 24 meses (janeiro de 2011 a dezembro de 2013), 85 crianças realizaram VFD, das quais 30 foram excluídas, pois não correspondiam aos critérios adotados neste estudo, resultando no total de 55 sujeitos (30 do gênero masculino e 25 do gênero feminino). A faixa etária dos sujeitos variou entre 1 e 81 meses, com média de 14 meses.

Os diagnósticos médicos foram divididos em problemas neurológicos; cardíacos e respiratórios; e outros (Quadro 1).

Quadro 1. Caracterização dos sujeitos com relação aos diagnósticos médicos 

Nas avaliações, 14 crianças (25%) faziam uso de via alternativa de alimentação (2 com gastrostomia, 2 com sonda orogástrica, 10 com sonda nasogástrica ou nasoenteral). Nenhuma criança fazia uso de traqueostomia. As crianças foram avaliadas na ACFD e na VFD com as consistências alimentares apropriadas para a faixa etária e de acordo com a conduta fonoaudiológica. Assim, das 55 crianças, 45 foram avaliadas com líquido fino, 21 com líquido engrossado e 18 com pastoso homogêneo.

No geral, 80% das crianças apresentaram SSC sugestivos de alterações na fase faríngea na ACFD, sendo alteração na ausculta cervical (49%), tosse (35%), engasgo (35%), dessaturação de oxigênio (33%) e desconforto respiratório (27%) os SSC mais frequentes.

Na VFD, 15 crianças apresentaram penetração laríngea isolada com líquido fino (33%) e 3 com líquido engrossado (14%). Nenhuma criança apresentou penetração laríngea isolada com pastoso homogêneo. A aspiração laríngea foi constatada em 15 crianças com líquido fino (33%) e em 5 com líquido engrossado (24%). Das aspirações laríngeas, 80% foram silentes com líquido fino e 100% com líquido engrossado. Apenas uma criança apresentou aspiração laríngea com pastoso homogêneo, porém, não apresentou SSC na ACFD com essa consistência.

Ao verificar a acurácia da ACFD, essa apresentou, no geral, sensibilidade de 86%, com intervalo de confiança de 95% (IC95%) 78-94, e especificidade de 32% (IC95% 15-47), além de valor preditivo positivo maior do que o negativo (Tabela 1). Para penetração laríngea isolada, a ACFD apresentou sensibilidade de 88% (IC95% 69-98) (Tabela 2). Para aspiração laríngea, a ACFD apresentou sensibilidade de 86% (IC95% 70-96) (Tabela 3). No entanto, os valores da especificidade e os valores preditivos positivos da ACFD foram baixos para ambas as alterações (Tabelas 2 e 3). Além disso, não houve associação significativa entre a ACFD e os achados da VFD, tanto no geral (Tabela 1) quanto por alteração (Tabelas 2 e 3).

Tabela 1. Acurácia da avaliação clínica fonoaudiológica da deglutição para detectar penetração laríngea isolada e/ou aspiração laríngea 

Alteração na ACFD Alteração na VFD
Presente Ausente Total Valor de p
n % n % n %
Presente 31 56 13 24 44 80 0,119
Ausente 5 9 6 11 11 20
Total 36 65 19 35 55 100

Teste do χ2 (valor de p≤0,05); sensibilidade 86% (IC95% 78-94); especificidade 32% (IC95% 15-47); valor preditivo positivo 71% (IC95% 63-77); valor preditivo negativo 55% (IC95% 26-80) Legenda: ACFD = avaliação clínica fonoaudiológica da deglutição; VFD = videofluoroscopia da deglutição

Tabela 2. Acurácia da avaliação clínica fonoaudiológica da deglutição para detectar penetração laríngea isolada 

Alteração na ACFD VFD – penetração laríngea isolada
Presente Ausente Total Valor de p
n % n % n %
Presente 15 27 29 53 44 80 0,525
Ausente 2 4 9 16 11 20
Total 17 31 38 69 55 100

Teste exato de Fisher (valor de p≤0,05); sensibilidade 88% (IC95% 69-98); especificidade 24% (IC95% 15-28); valor preditivo positivo 34% (IC95% 27-38); valor preditivo negativo 82% (IC95% 52-97) Legenda: ACFD = avaliação clínica fonoaudiológica da deglutição; VFD = videofluoroscopia da deglutição

Tabela 3. Acurácia da avaliação clínica fonoaudiológica da deglutição para detectar aspiração laríngea 

Alteração na ACFD VFD – aspiração laríngea
Presente Ausente Total Valor de p
n % n % n %
Presente 18 33 26 47 44 80 0,639
Ausente 3 5 8 15 11 20
Total 21 38 34 62 55 100

Teste exato de Fisher (valor de p≤0,05); sensibilidade 86% (IC95% 70-96); especificidade 24% (IC95% 14-30); valor preditivo positivo 41% (IC95% 33-46); valor preditivo negativo 73% (IC95% 42-92) Legenda: ACFD = avaliação clínica fonoaudiológica da deglutição; VFD = videofluoroscopia da deglutição

Ao verificar a associação entre os SSC e as alterações na fase faríngea, o engasgo foi o único SSC associado à penetração laríngea isolada com líquido fino (p=0,044) (Tabela 4). Não houve associação significativa entre os SSC e aspiração laríngea (Tabela 5).

Tabela 4. Associação entre sinais e sintomas clínicos e presença de penetração laríngea isolada na videofluoroscopia da deglutição 

Avaliação clínica VFD – penetração laríngea Isolada
Líquido fino (n=45) Líquido engrossado (n=21)
Sim Não Valor de p Sim Não Valor de p
n % n % n % n %
Sinais clínicos Geral Sim 13 87 24 80 0,699 1 33 12 67 0,531
Não 2 13 6 20 2 67 6 33
AAC Sim 5 33 15 50 0,289a 0 0 10 56 0,214
Não 10 67 15 50 3 100 8 44
AQV Sim 1 7 3 10 1,000 0 0 1 6 1,000
Não 14 93 27 90 3 100 17 94
AFR Sim 2 13 1 3 0,254 0 0 1 6 1,000
Não 13 87 29 97 3 100 17 94
AFC Sim 0 0 1 3 1,000 0 0 1 6 1,000
Não 15 100 29 97 3 100 17 94
DSpO2 Sim 3 20 6 20 1,000 1 33 6 33 1,000
Não 12 80 24 80 2 67 12 67
Tosse Sim 3 20 11 37 0,321 0 0 5 28 0,549
Não 12 80 19 63 3 100 13 72
Engasgo Sim 8 53 7 23 0,044*a 0 0 5 28 0,549
Não 7 47 23 77 3 100 13 72
Cianose Sim 1 7 2 7 1,000 0 0 1 6 1,000
Não 14 93 28 93 3 100 17 94
DR Sim 3 20 9 30 0,722 1 33 5 28 1,000
Não 12 80 21 70 2 67 13 72
Total 15 100 30 100 3 100 18 100

aTeste do χ2; *estatisticamente significante (valor de p≤0,05) - Teste exato de Fisher Legenda:VFD = videofluoroscopia da deglutição;AAC = alteração na ausculta cervical;AQV = alteração na qualidade vocal;AFR = alteração na frequência respiratória; AFC = alteração na frequência cardiaca; DSpO2 = dessaturação de oxigênio; DR = desconforto respiratório

Tabela 5. Associação entre sinais e sintomas clínicos e presença de aspiração laríngea na videofluoroscopia da deglutição 

Avaliação clínica VFD – aspiração laríngea
Líquido fino (n=45) Líquido engrossado (n=21)
Sim Não Valor de p Sim Não Valor de p
n % n % n % n %
Sinais clínicos Geral Sim 14 93 23 77 0,236 4 80 9 56 0,607
Não 1 7 7 23 1 20 7 44
AAC Sim 9 60 11 37 0,138a 3 60 7 44 0,635
Não 6 40 19 63 2 40 9 56
AQV Sim 2 13 2 7 0,591 0 0 1 6 1,000
Não 13 87 28 93 5 100 15 94
AFR Sim 1 7 2 7 1,000 0 0 1 6 1,000
Não 14 93 28 93 5 100 15 94
AFC Sim 1 7 0 0 0,333 0 0 1 6 1,000
Não 14 93 30 100 5 100 15 94
DSpO2 Sim 5 33 6 20 0,464 3 60 4 25 0,280
Não 10 67 24 80 2 40 12 75
Tosse Sim 7 47 7 23 0,172 2 40 3 19 0,553
Não 8 53 23 77 3 60 13 81
Engasgo Sim 4 27 11 37 0,738 2 40 3 19 0,553
Não 11 73 19 63 3 60 13 81
Cianose Sim 2 13 1 3 0,254 0 0 1 6 1,000
Não 13 87 29 97 5 100 15 94
DR Sim 4 27 8 27 1,000 1 20 5 31 1,000
Não 11 73 22 73 4 80 11 69
TOTAL 15 100 30 100 5 100 16 100

Teste exato de Fisher (valor de pv0,05); ateste do χ2. Legenda: VFD = videofluoroscopia da deglutição; AAC = alteração na ausculta cervical; AQV = alteração na qualidade vocal; AFR = alteração na frequência respiratória; AFC = alteração na frequência cardiaca; DSpO2 = dessaturação de oxigênio; DR = desconforto respiratório

Na detecção de penetração laríngea isolada com líquido fino, o engasgo apresentou sensibilidade de 53% (IC95% 31-73), especificidade de 77% (IC95% 65-87), valor preditivo positivo de 53% (IC95% 31-73) e valor preditivo negativo de 77% (IC95% 65-87).

DISCUSSÃO

Evidencia-se a importância da realização de pesquisas que comparem a avaliação clínica com a VFD e verifiquem a acurácia da ACFD na detecção de alterações na fase faríngea com o propósito de contribuir com mais evidências científicas para a Fonoaudiologia na área da disfagia infantil, visto que são poucos os estudos que comparam essas avaliações e verificam a acurácia da avaliação clínica na população pediátrica.

Além disso, a identificação de SSC associados às alterações na fase faríngea é primordial para aumentar a acurácia da avaliação clínica na detecção dessas alterações, pois em muitos casos o profissional precisa definir suas condutas baseado apenas nessa avaliação e para o delineamento de planejamento terapêutico adequado é essencial um diagnóstico acurado.

É importante salientar que os sujeitos desta pesquisa formaram um grupo de crianças heterogêneo, apresentando diferentes problemas de saúde concomitantemente, com maior prevalência de problemas respiratórios, neurológicos e histórico de prematuridade. A utilização de grupos de sujeitos heterogêneos também foi observada em outros estudos sobre avaliação clínica e VFD na população pediátrica( 4 , 13 , 24 ).

Neste estudo, a ACFD apresentou, no geral, sensibilidade de 86% e especificidade de 32%, o que corrobora achados de outros estudos que relatam sensibilidade de 80 a 92% e especificidade de 25 a 47% para a avaliação clínica na detecção de alterações na fase faríngea( 13 , 14 ). Além disso, foi constatado valor preditivo positivo maior do que o negativo, o que difere de outros estudos que mostram valores semelhantes para ambos( 14 ) ou o contrário( 13 ). Esses achados mostraram que a ACFD detectou adequadamente 86% das crianças com alterações na fase faríngea. No entanto, a alta proporção de falso-positivos - crianças que apresentaram SSC, mas não possuíam alteração - diminuiu a especificidade da avaliação.

Na ACFD, para penetração laríngea isolada e aspiração laríngea foram observadas no presente estudo sensibilidades de 88 e 86%, respectivamente. De forma semelhante, outro estudo mostrou sensibilidade de 80% para penetração e de 92% para aspiração com líquidos( 4 ). Ao analisar a acurácia da ACFD por tipo de alteração na fase faríngea, os valores da especificidade e os valores preditivos positivos foram baixos, o que corrobora o mesmo estudo( 4 ). Isso pode ter sido devido à alta proporção de falso-positivos observada nas variáveis analisadas.

No presente estudo, no geral, não houve associação entre a ACFD e os achados da VFD, de forma semelhante a outros estudos( 9 , 13 ). O mesmo ocorreu ao considerar as consistências alimentares separadamente. Diferentemente, outro estudo mostrou associação significativa entre a avaliação clínica e a penetração e aspiração com líquidos( 4 ).

A alteração na ausculta cervical, a tosse, a dessaturação de oxigênio e o desconforto respiratório foram SSC frequentes na população estudada. A alta prevalência de problemas respiratórios observada nos sujeitos deste estudo (93%) pode ter influenciado a avaliação desses sinais, o que pode explicar a alta proporção de falso-positivos observada e a consequente falta de associação entre as variáveis analisadas.

Com relação à identificação dos SSC associados às alterações na fase faríngea, o engasgo foi o único SSC associado à penetração laríngea isolada com líquido fino na presente pesquisa. Além disso, o engasgo apresentou a especificidade maior do que a sensibilidade e o valor preditivo negativo maior do que o positivo para detectar essa alteração. Outros estudos também mostraram a mesma diferença de valores ao avaliar a acurácia de outros SSC para detectar alterações na fase faríngea( 11 , 15 ).

Alguns autores( 4 ) mostraram que a tosse foi o principal indicador de penetração e aspiração com líquido fino, porém, outro estudo( 11 ) questionou esse achado, pois os autores não definiram penetração laríngea e também ocorreu aspiração com a mesma consistência. Logo, a presença de tosse poderia estar relacionada somente à aspiração e não à penetração. Nesta pesquisa foi considerada a definição de penetração laríngea isolada de acordo com a literatura( 11 ) e, desta forma, a associação observada não foi relacionada a outras alterações na fase faríngea.

A literatura relata associação entre tosse, voz molhada e respiração ruidosa e aspiração com líquido fino( 4 , 11 ). Diferentemente, neste estudo a tosse e a alteração na qualidade vocal não foram associadas a nenhuma alteração na fase faríngea. Além disso, não houve associação entre os SSC e aspiração laríngea, o que pode ser devido à alta prevalência de aspiração silente constatada nos sujeitos deste estudo, evidenciada também pela alta proporção de falso-negativos observada nos SSC analisados.

Alguns estudos mostram relação significante entre a alteração na ausculta cervical e a penetração e aspiração laríngea em crianças com problemas neurológicos( 10 , 15 ). Neste estudo, apesar da alteração na ausculta cervical ter sido o sinal clínico mais frequente, não houve associação entre ela e as alterações na fase faríngea constatadas na VFD. Isso pode ser devido à alta quisa (93%), o que pode ter influenciado a avaliação desse sinal.

Esses achados mostraram que o conjunto de SSC avaliados tornou a ACFD sensível para detectar alterações na fase faríngea, não os SSC isoladamente. Porém, a alta proporção de falso-positivos e a alta prevalência de aspiração silente observadas evidenciam a importância relatada na literatura de complementar a ACFD com avaliação objetiva, como a VFD, com o propósito de identificar as alterações na deglutição adequadamente( 1 , 2 , 7 ).

As constatações deste estudo são importantes para a prática clínica fonoaudiológica, pois mostraram que a ACFD foi sensível para detectar alterações na fase faríngea. Além disso, destacaram a importância de observar a presença de engasgo com líquido fino na ACFD, pois foi relacionada à presença de penetração laríngea isolada. Contudo, a alta proporção de falso-positivos observada na ACFD e a alta prevalência de aspiração silente constatada na VFD enfatizaram a necessidade de complementar a ACFD com avaliação objetiva da deglutição, como a VFD, em crianças com suspeita de disfagia.

A despeito do presente estudo ter sido limitado por se tratar de análise retrospectiva, o uso do PAD-PED( 16 ), protocolo com definições e parâmetros definidos a partir da literatura, permitiu consistência na coleta dos dados da avaliação clínica. Para reforçar o cuidado com que foi realizado o estudo, pode-se apontar como viés na obtenção dos dados o fato das avaliações clínicas fonoaudiológica e videofluoroscópica terem sido realizadas pela mesma pesquisadora.

São necessários mais estudos prospectivos, com desenho metodológico rigoroso e um maior número de sujeitos que confirmem os resultados desta pesquisa. Dessa forma, haverá mais evidências científicas para a prática clínica fonoaudiológica na área da disfagia infantil.

CONCLUSÕES

A ACFD foi sensível para detectar penetração laríngea isolada e aspiração laríngea. Porém, a alta proporção de falso-positivos diminuiu a especificidade da avaliação.

O engasgo foi o único SSC associado à penetração laríngea isolada com líquido fino e apresentou especificidade maior do que sensibilidade para detectar essa alteração. Não houve associação entre os SSC e aspiração laríngea.

Evidencia-se a importância de complementar a ACFD com avaliação objetiva da deglutição, como a VFD, em crianças com suspeita de disfagia, devido à alta proporção de falso-positivos observada na ACFD e à alta prevalência de aspiração silente constatada na VFD nessa população. Além disso, o fonoaudiólogo deve estar atento à presença de engasgo na ACFD com líquido fino por causa da provável ocorrência de penetração laríngea isolada.

REFERÊNCIAS

Hiorns MP, Ryan MM. Current practice in paediatric videofluoroscopy. Pediatr Radiol. 2006;36(9):911-9.
Arvedson JC. Assessment of pediatric dysphagia and feeding disorders: clinical and instrumental approaches. Dev Disabil Res Rev. 2008;14(2):118-27.
Miller CK. Updates on pediatric feeding and swallowing problems. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2009;17(3):194-9.
DeMatteo C, Matovich D, Hjartarson A. Comparison of clinical and videofluoroscopic evaluation of children with feeding and swallowing difficulties. Dev Med Child Neurol. 2005;47(3):149-57.
Dusick A. Investigation and management of dysphagia. Semin Pediatr Neurol. 2003;10(4):255-64.
Lefton-Greif MA. Pediatric dysphagia. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19(4):837-51.
Silva AB, Piovesana AM, Barcelos IH, Capellini SA. Clinical and videofluoroscopic evaluation of swallowing in patients with spastic tetraparetic cerebral palsy and athetosic cerebral palsy. Rev Neurol. 2006;42(8):462-5. [Spanish].
Furkim AM, Behlau MS, Weckx LL. Clinical and videofluoroscopic evaluation of deglutition in children with tetraparetic spastic cerebral palsy. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3A):611-6. [Portuguese].
Araujo BCL. Acurácia do diagnostico clínico da disfagia em crianças com paralisia cerebral [dissertação ]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 2012.
Marrara JL, Duca AP, Dantas RO, Trawitzki LVV, Lima RAC, Pereira JC. Swallowing in children with neurologic disorders: clinical and videofluoroscopic evaluations. Pro Fono. 2008;20(4):231-6.
Weir K, McMahon S, Barry L, Masters IB, Chang AB. Clinical signs and symptoms of oropharyngeal aspiration and dysphagia in children. Eur Respir J. 2009;33(3):604-11.
Uhm KE, Yi SH, Chang HJ, Cheon HJ, Kwon JY. Videofluoroscopic swallowing study findings in full-term and preterm infants with dysphagia. Ann Rehabil Med. 2013;37(2):175-82.
Blanco OFS, Aristizábal DS, Pineda AM, Rodríguez MMM, Escobar PA, Ochoa WC, et al. Características clínicas y videofluoroscópicas de la disfagia orofaríngea em niños entre un mes y cinco años de vida. Iatreia. 2008;21(1):13-20.
Santos RRD, Sales AVMN, Cola PC, Jorge AG, Peres FM, Furkim AM, et al. Accuracy of clinical swallowing evaluation for oropharyngeal dysphagia in cerebral palsy. Rev CEFAC. 2014;16(1):197-201.
Furkim AM, Duarte ST, Sacco AFB, Sória FS. O uso da ausculta cervical na inferência de aspiração traqueal em crianças com paralisia cerebral. Rev CEFAC. 2009;11(4):624-9.
Almeida FCF, Bühler KEB, Limongi SCO. Protocolo de avaliação clínica da disfagia pediátrica (PAD-PED). Barueri: Pró-fono; 2014. 34 p.
Leslie P, Drinnan MJ, Finn S, Ford GA, Wilson JA. Reliability and validity of cervical auscultation: a controlled comparison using videofluoroscopy. Dysphagia. 2004;19(4): 231-40.
Arvedson JC, Brodsky L. Pediatric swallowing and feeding: assessment and management. 2ª ed. Australia: Singular; 2002.
Souto MB, Lima EC, Brigeiron MK. Reanimação cardiorespiratória pediátrica: uma abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed; 2008.
Fouzas S, Prifts KN, Anthracopoulos MB. Pulse oximetry in pediatric practice. Pediatrics. 2011;128(4):740-52.
Robbins J, Coyle J, Rosenbek J, Roecker E, Wood J. Differentiation of normal and abnormal airway protection during swallowing using the penetration-aspiration scale. Dysphagia. 1999;14(4):228-32.
Newman LA, Petersen M. Swallowing disorders in the pediatric population. In: Carrau RL, Murry T. Comprehensive management of swallowing disorders. San Diego: Plural Publishing; 2006. p. 347-62.
Friedman B, Frazier JB. Deep laryngeal penetration as a predictor of aspiration. Dysphagia. 2000;15(3):153-8.
Salinas-Valdebenito L, Núñez-Farias AC, Milagros A, Escobar-Henríquez RG. Clinical characterisation and course following therapeutic intervention for swallowing disorders in hospitalised paediatric patients. Rev Neurol. 2010;50(3):139-44.