Compartilhar

COMPARAÇÃO ENTRE HERNIOTOMIAS INGUINAIS COM E SEM INCISÃO DA APONEUROSE DO MÚSCULO OBLÍQUO EXTERNO: UM ENSAIO CLÍNICO RANDOMIZADO

COMPARAÇÃO ENTRE HERNIOTOMIAS INGUINAIS COM E SEM INCISÃO DA APONEUROSE DO MÚSCULO OBLÍQUO EXTERNO: UM ENSAIO CLÍNICO RANDOMIZADO

Autores:

Shahnam ASKARPOUR,
Mehran PEYVASTEH,
Shaghayegh SHERAFATMAND

ARTIGO ORIGINAL

ABCD. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva (São Paulo)

Print version ISSN 0102-6720On-line version ISSN 2317-6326

ABCD, arq. bras. cir. dig. vol.30 no.3 São Paulo July/Sept. 2017

https://doi.org/10.1590/0102-6720201700030006

RESUMO

Racional:

Herniotomia inguinal é a operação mais comum realizada por cirurgiões pediátricos.

Objetivo:

Comparar os resultados e complicações entre dois métodos convencionais de herniotomia inguinal pediátrica, com e sem incisão de aponeurose oblíqua externa, em termos de recorrência de hérnia e outras complicações.

Métodos:

Este estudo cego foi realizado em 800 pacientes com hérnia inguinal indireta. Os critérios de inclusão foram crianças com hérnia inguinal. O primeiro grupo foi submetido à herniotomia sem incisão de aponeurose oblíqua externa e o segundo grupo herniotomia com ela. Foram avaliadas recorrência da hérnia e outras complicações, incluindo lesão do nervo ileoinguinal, hematoma, atrofia testicular, hidrocele, orquite isquêmica e ascensão testicular.

Resultados:

A recorrência e outras complicações com ou sem incisão da aponeurose oblíqua externa não apresentaram diferença significativa, com exceção feita à hidrocele significativamente diferenciada entre os dois grupos, maior no grupo com incisão.

Conclusão:

A herniotomia sem incisão da aponeurose do oblíquo externo pode ser escolha adequada e melhor do que a herniotomia com incisão dela. As crianças com herniotomia inguinal podem ser beneficiadas sem incisão da aponeurose, em vez do método tradicional mais intervencionista.

DESCRITORES Hérnia inguinal; Canal inguinal; Hérnia

ABSTRACT

Background:

Inguinal herniotomy is the most common surgery performed by pediatric surgeons.

Aim:

To compare the results and complications between two conventional methods of pediatric inguinal herniotomy with and without incising external oblique aponeurosis in terms of recurrence of hernia and other complications.

Methods:

This one blinded clinical trial study was conducted on 800 patients with indirect inguinal hernia. Inclusion criterion was children with inguinal hernia. The first group underwent herniotomy without incising external oblique aponeurosis and second group herniotomy with incising external oblique aponeurosis. Recurrence of hernia and other complications including ileoinguinal nerve damage, hematoma, testicular atrophy, hydrocele, ischemic orchitis, and testicular ascent were evaluated.

Results:

Recurrence and other complications with or without incising external oblique aponeurosis had no significant difference, exception made to hydrocele significantly differed between the two groups, higher in the incision group.

Conclusion:

Herniotomy without incising oblique aponeurosis can be appropriate choice and better than herniotomy with incising oblique aponeurosis. Children with inguinal herniotomy can be benefit without incising oblique aponeurosis, instead of more interventional traditional method.

HEADINGS Hernia, inguinal; Inguinal canal; Hernia

INTRODUÇÃO

O reparo da hérnia inguinal em crianças é o procedimento cirúrgico pediátrico mais comum e o principal6. Requer fechar o processo vaginal aberto, ou seja, herniotomia. Este tipo de hérnia em uma criança é considerado de indicação cirúrgica. A hernioplastia em adultos requer a reconstrução do canal inguinal e, por essa razão, é diferente da hernioplastia pediátrica. A hérnia inguinal nos homens é mais comum do que nas mulheres e, nos homens, ocorre mais frequentemente no lado direito do que no esquerdo. Em bebês devido à hérnia inguinal ter anel apertado, há alto risco de encarceração4. Os estádios eletivos de reparo da hérnia inguinal pediátrica são diferentes entre os cirurgiões. Mas todos acreditam que o ponto principal é baseado na compreensão precisa da anatomia, manipulação menor de vas deferens e vasos durante a dissecção do saco e fechá-lo no ponto mais alto7. A maioria dos cirurgiões pediátricos incisa a aponeurose oblíqua externa e, especificando o anel interno, libertam o cordão. Outro grupo usa outro método, chamado Michelle. Esta técnica é sem incisão da aponeurose oblíqua externa, e o saco herniário é fechado no anel externo, fora do canal5. Sabe-se que a principal causa de recidiva da hérnia é o fechamento inadequado do saco na região superior. De acordo com a literatura, a incisão da aponeurose oblíqua externa é mais recomendada. Outros estudos dizem que em crianças menores de dois anos o canal inguinal é muito curto para ter separados os anéis interno e externo. Recomenda-se que todas as operações possam ser realizadas sem incisão da aponeurose oblíqua externa e distal ao anel não aberto8.

Devido à alta incidência de hérnia inguinal pediátrica, diferentes técnicas cirúrgicas e ausência da indicação de um procedimento geral entre cirurgiões pediátricos, o objetivo deste estudo foi comparar os resultados e complicações entre dois métodos convencionais de herniotomia inguinal pediátrica, com e sem incisão de aponeurose oblíqua externa, em termos de recorrência e outras complicações.

MÉTODOS

Este estudo foi registrado no Registro Iraniano de Ensaios Clínicos IRCT ID: IRCT2016041727446N1. É ensaio clínico cego, com 800 crianças com hérnia inguinal indireta candidatas à herniotomia nos hospitais Imam Khomeini e Hospital Infantil Abuzar, no Irã, avaliadas de 2014 a 2015. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Ahvaz Jundishapur University of Medical Sciences (Ref. IR.AJUMS.REC.1394.478) e todos os pais dos pacientes assinaram formulário de consentimento.

O critério de inclusão foi de crianças com hérnia inguinal. Excluíram-se pacientes com hidrocele, testículo não descendente, doença subjacente, hérnia de deslizamento e hérnia de encarceramento.

Eles foram divididos em dois grupos de 400. O primeiro foi submetido à herniotomia sem incisão de aponeurose oblíqua externa e o segundo à herniotomia da aponeurose oblíqua externa e do canal, com fechamento do saco no anel interno.

Foi estudo cego, enquanto os pacientes não estavam conscientes do tipo de operação. Cegar o cirurgião não foi possível devido ao tipo de estudo. As variáveis ​​demográficas e clínicas estudadas incluíram idade (meses), gênero, recidiva da hérnia, lesão do nervo ileoinguinal (observação do cirurgião durante a operação, como corte, trauma ou esmagamento), hematoma, seroma (acúmulo de sangue localizado ou hematomas difusos na área), ascensão testicular com testículos tocados no canal inguinal), hidrocele (acúmulo de líquido escrotal e aumento do escroto sem alteração de cor), atrofia testicular (testículos de tamanho diferente e menor que outro pelo exame e ultrassom) e orquite isquêmica (testículo doloroso, rígido e grande). As complicações foram consideradas como hematoma, seroma, hidrocele, ascensão testicular, atrofia testicular, orquite isquêmica confirmada por ultrassom após o diagnóstico do cirurgião.

O foco principal do resultado deste estudo foi avaliar a taxa de recorrência da hérnia em cada um dos dois procedimentos cirúrgicos. Recidivas um ano após foram avaliadas. Os resultados secundários incluíram a comparação com outras complicações da herniotomia um ano após a operação nos dois grupos.

Análise estatística

Foi realizada usando o software SPSS Statistics for Windows, Versão 22.0 (Chicago: SPSS Inc, Chicago, Illinois, EUA). O teste Qui-Quadrado foi utilizado para comparar as variáveis ​​nominais. Odds-ratio para avaliar complicações com ou sem incisão de aponeurose oblíqua externa. p<0,05 foi considerado significativo.

RESULTADOS

Foram analisadas 800 crianças com hérnia inguinal. Quatrocentas foram submetidas à herniotomia sem incisão de aponeurose oblíqua externa e 400 com. As taxas de incidência de complicações após um ano da herniotomia com base em faixas etárias são mostradas na Tabela 1. A maioria dos grupos que necessitaram de herniotomia era de três meses a dois anos de idade, e no total menos de cinco anos de idade.

TABELA 1 Características do estudo e as taxas de complicações um ano após a operação com base nos grupos etários 

Variáveis Idade Evento / Total (Prevalência) p
Menos que três meses Três meses a dois anos Três a cinco anos Seis a doze anos
Tipo de operação Com incisão de aponeurose oblíqua externa 86/400 (% 21.5) 186/400 (% 46.5) 98/400 (% 24.5) 30/400(% 7.5) 0.97
Sem incisão de aponeurose oblíqua externa 90/400 (% 22.5) 180/400 (% 45.0) 100/400 (% 25.0) 30/400 (% 7.5)
Recorrência da hérnia 0/176 (% 0) (% 1.1) 4/366 4/198 (% 2) 0/60 (% 0) 0.267
Hematoma cirúrgico 5/176 (% 2.8) (% 2.5) 9/366 3/198 (% 1.5) 1/60 (% 1.7) 0.86
Danos nos nervos inguinais 4/176 (% 2.3) 6/366 (% 1.6) 1/198 (% 0.5) 0/60 (% 0) 0.44
Danos das vísceras abdominais (apêndice) 2/176 (% 1.1) 0/366 (% 0) 0/198 (% 0) 0/60 (% 0) 0.124
Hidrocele pós-operatória 14/144 (% 9.7) 30/290 (% 10.3) (% 13.8) 24/174 8/46 (% 17.4) 0.356
Testículos ascendentes 3/144 (% 2.1) 3/290 (% 1) 1/174 (% 0.6) 0/46 (% 0) 0.64
Atrofia testicular 3/176 (% 1.7) 3/366 (% 0.8%) 1/198 (% 0.5%) (% 0) 0/60 0.52
Orquite isquêmica 2/144 (% 1.4) 4/290 (% 1.4) 0/174 (% 0) 0/ (% 0) 0.449
Dano ao vas deferens 2/144 (% 1.4) 2/290 (% 0.7) 0/174 (% 0) 0/46 0) 0.456

As taxas de incidência de complicações após um ano, com base no tipo de operação, são apresentadas na Tabela 2. Em relação aos diferentes grupos - sem e com incisão de aponeurose oblíqua externa - os resultados foram, respectivamente: a) recidiva da hérnia, n=4 (1%) vs. n=4 (1%); b) hematoma, n=5 (1,3%) vs. n=13 (3,3%); c) lesão nervosa, n=2 (0,5%) vs. n=9 (2,3%); d) dano das vísceras abdominais, n=0 (0%) vs. n=2 (0,5%, p=0,499 não significativo); e) hidrocele, n=24 (7,4%) vs. n=52 (15,9%); f) alteração do tamanho testicular, n=1 (0,3%) vs. n=6 (1,8%); g) orquite isquêmica, n=2 (0,6%) vs. n=4 (1,2%); h) dano do canal deferente, n=2 (0,6%) vs. n=2 (0,6%).

Odds-ratio das complicações de cada técnica é apresentado na Tabela 3; hidrocele de 2,371 do grupo com incisão foi semelhante ao grupo sem (OR=2,371). Esta diferença foi estatisticamente significante (p=0,001).

TABELA 2 Taxas de incidência de complicações um ano após a operação com base no tipo de herniotomia (com e sem incisão da aponeurose oblíqua externa) 

Variáveis Tipo de operação Evento / Total (Prevalência) p
Com incisão da aponeurose oblíqua externa Sem incisão da aponeurose oblíqua externa
Recorrência de hérnia 4/400 (% 1) 4/400 (% 1) 1.000
Hematoma cirúrgico 13/400 (% 3.3) 5/400 (% 1.25) 0.056
Danos nos nervos inguinais 9/400 (% 2.25) 2/400 (% 0.5) 0.064
Danos das vísceras abdominais (apêndice) 2/400 (% 0.5) 0/400 (% 0) 0.490
Hidrocele pós-cirúrgica 52/328 (% 15.9) 24/326 (% 7.36) 0.001
Subida testicular 6/328 (% 18.3) 1/326 (% 0.3) 0.123
Atrofia testicular 1/400 (% 0.3) 6/400 (% 1.5) 0.058
Orquite isquêmica 4/328 (% 1.22/) 2/326 (% 0.61) 0.686
Dano ao vas deferens 2/328 (% 0.60) 6 (% 0.61) 1.000

TABELA 3 Odds-ratio de complicações após herniotomia entre os dois grupos, sem e com incisão da aponeurose oblíqua externa 

Odds-ratio Intervalo de confiança 95% p
Recorrência da hérnia 1 0.248 - 4.026 1.000
Hematoma cirúrgico 2.654 0.937 - 7.515 0.066
Danos nos nervos inguinais 4.581 0.983 - 21.335 0.053
Danos das vísceras abdominais (apêndice) 0 0 - 0 0.99
Hidrocele pós-operatória 2.371 1.423 - 3.95 0.001
Subida testicular 6.056 0.725 - 50.584 0.096
Atrofia testicular 0.165 0.02 - 1.373 0.096
Orquite isquêmica 2 0.364 - 10.99 0.425
Dano ao vas deferens 0.994 0.139 - 7.09 0.995

DISCUSSÃO

A hérnia inguinal é doença comum em crianças8. As taxas de complicações de reparação em crianças foram relatadas em menos de 2%5. Os fatores mais importantes na redução das complicações são o treinamento cirúrgico, experiência do cirurgião e também menor manipulação.

Incidência de hematoma e inchaço escrotal é comum quando saco inguinoescrotal é grande, e geralmente desaparece cerca de um mês após a operação. A atrofia testicular na reparação da hérnia ocorre cerca de 1% rotineiramente.

Em estudo anterior, a taxa de recidiva foi de 2,2%1; Hughes et al relataram que ela era de 2,7%2, muito semelhante a esta.

A diferença mais importante entre as duas técnicas neste estudo foi a incidência de hidrocele após a operação, sendo o grupo sem incisão com 15,9% vs. 7,36% com incisão.

CONCLUSÃO

A recorrência da hérnia e outras complicações pós-operatórias foram comparáveis ​​entre os dois grupos. Portanto, a herniotomia sem incisão da aponeurose oblíqua pode ser a escolha de substituição apropriada para a herniotomia com aponeurose incisiva oblíqua. As crianças com herniotomia inguinal podem ser beneficiadas com a herniotomia sem incisão da aponeurose oblíqua em vez do método tradicional mais intervencionista.

REFERÊNCIAS

1 Askarpour S, Peyvasteh M, Javaherizadeh H. Recurrence and complications of pediatric inguinal hernia repair over 5 years. Ann Pediatr Surg. 2013;9(2):58-60.
2 Hughes K, Horwood JF, Clements C, Leyland D, Corbett HJ. Complications of inguinal herniotomy are comparable in term and premature infants. Hernia. 2016;20(4):565-9.
3 Jablonski J, Bajon K, Gawronska R. Long-term effects of operative treatment of inguinal hernias in children comparison of different techniques. Przegl Pediatr. 2007;37:44-7.
4 Kareem A, Juma'a K. Herniotomy in Infants, Children andAdolescents without Disruption ofExternal Ring. World J Laparoscopic Surg. 2009;2(1):13-6.
5 Kurlan MZ, Wels PB, Piedad OH. Inguinal herniorrhaphy by the Mitchell Banks technique. J Pediatr Surg. 1972;7(4):427-9.
6 Levitt MA, Ferraraccio D, Arbesman MC, Brisseau GF, Caty MG, Glick PL. Variability of inguinal hernia surgical technique: A survey of North American pediatric surgeons. J Pediatr Surg. 2002;37(5):745-51.
7 Turk E, Memetoglu ME, Edirne Y, Karaca F, Saday C, Guven A. Inguinal herniotomy with the Mitchell-Banks' technique is safe in older children. J Pediatr Surg. 2014;49(7):1159-60.
8 Wang KS. Assessment and management of inguinal hernia in infants. Pediatrics. 2012;130(4):768-73.